Lusco Fusco escrita por isa


Capítulo 6
Notting Hill




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She may be the face I can't forget, a trace of pleasure or regret, may be my treasure or the price I have to pay

 

Os meus pais ficaram completamente encantados com a ideia de finalmente conhecerem Isobel e nenhum deles se opôs ao fato de que isso significava acordar espantosamente cedo num sábado, ligar o veículo que, num geral, só servia para acumular teias de aranha, e dirigir pela turbulenta Londres trouxa. Diante disso, só pude me agarrar à ideia de que o ponto de encontro me dava uma grande margem de vantagem: os dois teriam que se comportar como seres humanos comuns, sem habilidades especiais secretas.

Eles eram relativamente bons nisso, uma cortesia, é claro, de todos os anos miseráveis que meu pai teve que passar com os Dursley. E havia o bônus de mamãe saber da minha questão mal resolvida, de modo que eu havia colocado toda a minha fé em seu bom senso. Havia ainda uma última questão ao meu favor: tanto James quanto Lily tinham compromissos distintos e não podiam nos acompanhar.

Nada disso, é claro, apagava o fato de que eu estava uma pilha de nervos desde sexta a noite. A princípio, eu dormiria na casa de Isobel de um dia para o outro, de modo que pudesse ajudar ela e a senhora Jodie com todos os apetrechos que precisavam levar. Meus pais nos encontrariam já no local. No entanto, Olivia, a irmã imprevisível, havia aparecido de surpresa, então os planos haviam mudado. Nós nos encontraríamos todos lá, nesse grande encontro familiar constrangedor.

No banco de trás, pouquinho antes de tudo ir por água a baixo, eu olhava pela janela e percebia que o dia estava bonito demais para o meu humor de quem previa uma catástrofe. Minha mãe dirigia de maneira concentrada, mas vez ou outra tentava me observar com olhos sorridentes pelo retrovisor.

— Isso é tão empolgante. Qual foi a última vez que estivemos com uma única criança no carro, Harry?

— Nunca? – meu pai chutou, distraído. – Que tipo de relíquia você acha que eu deveria comprar para o seu pai na feira, Gin? – ele quis saber e eu invejei o fato de que ali estava um casal sólido com anos de casamento, sem dramas adolescentes ou segredos que poderiam arruinar tudo.

— Ele vai gostar de qualquer coisa, você sabe. – ela encolheu os ombros. – Então, Al, como é a sensação de não ter o seu irmão mais velho cantando alto e de maneira desafinada do seu lado enquanto passeamos? – eu sabia que ela só estava tentando puxar conversa.

— Boa.

— Você parece mais falante do que o normal hoje, filho. – meu pai brincou, ao que eu respondi com um sorriso amarelo de quem precisava de um tempo.

Com – tecnicamente – quatro filhos, como pais, Harry e Gina já haviam passado por todas as fases críticas da infância, adolescência e início da vida adulta, de modo que eles me deixaram em paz, gesto que me deixou internamente muito agradecido.

Durante toda a viagem minhas mãos suavam como no dia do meu primeiro encontro com Izzie e mais de uma vez eu pensei em gritar que era tudo uma brincadeira, não havia namorada nenhuma, tudo não passava de um delírio e era melhor que nós voltássemos para casa, mas não fiz nada disso.

Eu tinha, de novo, ido muito longe, tanto para o bem, quanto para o mal. Era meio inacreditável que, depois de dois anos após a minha formatura em Hogwarts, as coisas estivessem tão absolutamente bacanas para mim. Eu havia sido um esquisito a maior parte do tempo, consumido pela sombra do meu pai. Fiz todas aquelas besteiras escolares que poderiam servir como o pior roteiro de uma peça de teatro*, por exemplo, e ainda assim havia dado um jeito:

Eu e Harry fizemos uma longa viagem juntos e as coisas ficaram relativamente tranquilas lá em casa. Além disso, depois do meu ano sabático eu decidi arrumar um emprego trouxa e contra todas as minhas expectativas, foi até bem fácil. Eu gostava da loja, do aspecto abandonado que ela dividia comigo. E gostei ainda mais de ter conhecido uma menina estrangeira lá. A história era simples, e, ainda assim, eu tinha conseguido ferrar com ela nos detalhes.

Quando dei por mim, mamãe já estava estacionando. Como eu havia previsto, o lugar estava aglomerado com todo tipo de gente que se podia imaginar. As barraquinhas eram coloridas e convidativas e os olhos da minha mãe brilhavam quase tanto quanto os dos turistas.

— Bom isso é... Interessante. – papai disse, com as mãos nos bolsos. Ele tinha aquela imponente cara de auror mesmo vestido com suéter de caxemira e calça brim, uma roupa comum para o fim de semana.

— É. – eu apontei para o local onde Izzie e sua avó estavam. Jodie havia decidido vender parte de suas peças de decoração e o dinheiro seria revertido em favor de uma instituição beneficente. Havia muitas, muitas peças sobre a rainha: pequenos quadros, bandeirolas, relógios e outros pequenos aparatos. Eu sabia que Izzie estava mais do que aliviada de ver todas aquelas coisas fora de casa.

Ela tinha um discurso anti-imperialista muito ferrenho e sentimentos ambivalentes com tudo que tivesse caráter muito nacionalista, apesar de acompanhar The Crown com a desculpa que estava fazendo companhia para a avó. Num geral, eu me comovia com suas visões políticas – assim como por todo o resto – e não me sentia particularmente ofendido. No fim das contas, ser bruxo era como pertencer a um estado independente dentro de outra nação.

Eu pensei que o sorriso de Izzie não podia ser mais grande quando nós nos aproximamos e quase compensou a imensa dor no estômago que eu estava sentindo. Os meus pais se apresentaram e toda a fé que eu havia devotado a eles se provou correta. Nós passamos cinco minutos conversando amenidades e então meu pai nos convidou para comer algo por perto.

— Oh. – Izzie vacilou, olhando para a barraquinha. – Seria um prazer, mas... – eu sabia que ela não queria deixar Jodie sozinha.

— Você pode ir, querida. Olivia não deve demorar muito mais. – ela piscou, tranquila. Olivia, pelo que eu havia sido informado, tinha ido buscar uma última caixa de apetrechos na van.

Nós nos despedimos com a promessa de que voltaríamos logo e meu pai engatou numa história sobre sua infância, de uma vez que ele e os tios estavam a caminho de algum lugar e acabaram presos numa feira de rua no caminho. A julgar pelo modo como Izzie e mamãe riam de suas descrições acuradas sobre tia Petúnia, eu me dei conta de que ele era bom nisso. Contar histórias e andar na rua, como se não fosse um herói de guerra. Porque a verdade é que ele não era, de fato, um herói de guerra. Às vezes eu ficava tão perdido em sua história bruxa lendária que eu me esquecia que ele era, antes e mais do que tudo, um cara regular com um passado meio triste.  

Nós trocamos um olhar breve em algum ponto da caminhada e eu sorri genuinamente para ele, quase tranquilo de estar ali, fazendo coisas normais como famílias normais em um lugar normal. E pelo jeito que ele sorriu de volta, eu pude jurar que ele se sentia do mesmo modo.

Eu até arrisquei colocar algo para dentro do estomago assim como eles e estava quase esperançoso de que a experiência seria um sucesso quando retomamos para a barraquinha e Izzie nos apresentou à Olivia. Não aconteceu imediatamente, embora eu tenha percebido com cautela o sorriso de fã que a irmã mais nova de Izzie as vezes lançava para o meu pai e para minha mãe. Apesar disso, toda a conversa seguiu o curso normal e era de se imaginar que eu estivesse apenas sendo paranoico, até a hora que meus pais decidiram me dar um pouco de liberdade e seguiram caminho, rumo as compras que pretendiam fazer.

Eu fiquei ali com as três mulheres Dawson, pensando no momento em que o lusco fusco chegaria e então eu só ficaria com a minha preferida. A venda de itens foi um sucesso e a interação entre nós também. Olivia era engraçada e de algum modo, talvez pelo trejeito de irmã mais nova – o modo como olhava para Izzie, o modo como parecia desesperadamente afim de comentar algo que aparentemente não podia na frente da avó – fazia com que eu me lembrasse de Lily.

Eventualmente meus pais voltaram, dessa vez para se despedirem de vez, e eu senti de novo: aquela pontada de intuição ao ver o modo como Olivia, até então desinteressada em todas as outras pessoas, olhava para eles. Eu conhecia aquele olhar. E ele me assombrou pelo resto da manhã e durante o curso da tarde. Por fim, faltando pouco para que meu desejo se concretizasse finalmente, a avó Dawnson precisou entrar em uma lojinha para ir ao banheiro e, tão rápido quanto um raio, Olivia extravasou tudo o que vinha guardando até então:

— Minha nossa, Isobel! – ela pôs as mãos na boca, antes de dar um pulinho – Eu sei que não significa absolutamente nada para você, mas eu não acredito que a minha irmã mais velha está namorando o filho de Harry-todo-poderoso-Potter! – e se virando para mim, perguntou: - Al, eu sei que a gente só se conhece há algumas horas, mas, por favor, me diga que o seu irmão está solteiro.

E foi assim que, de um minuto para o outro, toda as minhas esperanças morreram.


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Notas finais do capítulo

*não resisti à piadinha com Cursed Child.