Lusco Fusco escrita por isa


Capítulo 5
Manic Pixie Dream Girl




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Is there anybody going to listen to my story, all about the girl who came to stay?


Mês quarto
: Isobel estava de braços cruzados na minha frente enquanto eu tentava desesperadamente lembrar como a briga tinha começado. Estava tudo bem e de repente ela havia dito “as vezes sinto como se eu fosse um artificio de roteiro muito ruim para o desenvolvimento da sua história, Alvo”. E eu disse “o que?” porque sinceramente essa é a única resposta possível quando alguém diz algo assim. Foi quando ela finalmente deu nome ao elefante na sala até então invisível para mim:

— Meio manic pixie dream girl. – ela disse. – É como eu me sinto. Como uma dessas meninas de filme indie que são encantadoras e meio esquisitinhas e até o final do filme deslizam para fora de cena, deixando o protagonista com um coração partido, mas com um quê de sabedoria a mais do que tinha quando o filme começou o que torna tudo válido.

— Eu realmente não sei do que você tá falando.

— Tudo bem. Eu vou facilitar para você. Francamente, se isso fosse uma história quem você acha que estaria narrando? – foi nesse ponto que ela cruzou os braços e eu soube que estava no meio de uma briga.

— Bom, é claro que do meu ponto de vista seria eu, mas isso não significa que você é um objeto um pouco maquiado para não se parecer com um objeto. – fiquei na defensiva.

Izzy suspirou e se sentou na beirada da própria cama, ponderando sobre a minha resposta.

— Acho que o que eu quero dizer é que estamos saindo há um tempão e isso é ótimo, mas não há nada sobre a sua vida, exceto o seu trabalho, que eu tenha realmente visto ou tocado, enquanto tudo que há para saber sobre mim você meio que já sabe. Em parte, é claro, porque eu não calo a boca, mas ainda assim, Al, não consigo evitar a sensação de que que estou com todas as cartas na mesa e você está escondendo o jogo.

— Bom, parece que alguém está realmente inspirada por analogias hoje... – eu gaguejei nervoso e ela me olhou de uma maneira que me fez querer engolir as palavras de volta.

— Se eu fosse você, não arriscaria esse tipo de humor agora. – me preveniu.

— Olha, Izzie, eu não sei o que dizer. Sei que sou uma pessoa fechada. E você de fato torna minha vida menos sem graça, mas sei que você é uma pessoa e não só a realização de todos os meus sonhos pervertidos e fantásticos, apesar de ser isso também. – suspirei, morrendo de medo de que aquilo não fosse o suficiente, e continuei: - me desculpa, sério. Esse é o relacionamento mais longo em que já estive, não sei muito bem como agir.

Ela suspirou também e a julgar pelo fato de que os braços estavam de novo pendendo amigavelmente ao lado do corpo, eu respirei melhor e a puxei para um abraço. Como ela não negou, me senti confiante o suficiente para tentar melhorar as coisas sem necessariamente contar toda a verdade naquele instante (sim, eu sou estúpido, caso ainda não tenha notado).

— E se eu chamasse Rose e Scorpius para sair um dia conosco, hm? – eu disse baixinho, aproveitando a sensação agradável de apenas pousar o nariz perto da curva de seu pescoço. –Você poderia se divertir muito enquanto eles me envergonham.

 Ela riu animada e seus olhos se acenderam como faróis, o que sempre fazia meu coração vacilar dentro do peito. Eu a amava. Mas essa também era uma verdade que eu ainda não estava preparado para verbalizar.

*

— Repassando: nada sobre Hogwarts. Nada sobre famílias bruxas. Nada sobre o ministério. Parece óbvio, mas exige atenção. Nossa vida inteira é permeada por essas coisas, então precisamos ficar atentos. Foquem em livros e HQs e filmes trouxas. Ou na história de vocês. Izzy adora histórias.

— Repassando: nós não somos idiotas, Al. – Rose sibilou, querendo arrancar minha cabeça fora. Eu sabia que ela não concordava com as minhas decisões; não havia nenhum traço de sua personalidade disposto a esconder a insatisfação por mentir.   

— Fale por você, Rosie. – Scorpius murmurou, aflito. – Eu não sei se tenho conhecimento do mundo trouxa o suficiente para sustentar uma conversa por tanto tempo, Albus.

— Eu sei. – admiti, sabendo que tinha colocado os dois numa posição difícil. De novo. – Mas é temporário, eu prometo. Eu só preciso que ela confie em mim.

— Para você tomar coragem de finalmente dizer que ela não deveria ter confiado? – Rose fez uma careta, mas balançou a cabeça logo em seguida, como se não quisesse ouvir uma resposta e desse o assunto por encerrado.

— Rose... – até comecei a tentar me desculpar, mas então minha namorada cruzou a porta da lanchonete e, como de costume, quando eu a via as coisas saiam temporariamente de foco. Ela estava insuportavelmente bonita com o cabelo ondulado tocando o ombro, a blusa social azul marinho e a saia alta que ela catalogara como “provavelmente adulta o suficiente”. Eu sabia, no entanto, que o traje aplicado não era para conhecer os meus amigos; ela havia acabado de entregar os documentos para a inscrição que submetera. Izzie finalmente havia decidido tentar a sorte com uma bolsa de estudos para pesquisar literatura comparada e eu não poderia estar mais exultante.

Enquanto ela se dirigia até a nossa mesa, perscrutei o seu rosto em busca de sinais que me permitissem medir o seu humor, mas não encontrei nada além de uma neutralidade pacífica. Acho que ela havia lutado muito tempo com dúvidas sobre o que fazer e agora que finalmente decidira, não estava mais preocupada. O fato por si só me deixava alegre, mas então ela se sentou ao meu lado e o calor do seu corpo próximo ao meu enquanto as devidas apresentações eram oferecidas foi o suficiente para que, além disso, eu me sentisse calmo, com uma confiança irredutível de que as coisas acabariam bem. Ali estavam reunidas três das minhas pessoas preferidas no mundo e isso tinha o poder de derreter meus medos como sorvete em dia quente de verão.

Rose – que já ia com a cara de Izzie gratuitamente desde a primeira vez que a vira em uma outra lanchonete, naquela situação que havia sido bem mais desagradável para mim – aproveitou a novidade da universidade e engatou numa conversa sincera sobre literatura britânica do século vinte. Em algum momento da linha do tempo das expressões artísticas elas finalmente chegaram na modernidade e, Scorpius e eu fomos contemplados quando a conversa escorreu, felizmente, para graphic novels.

Eu soube, soube de verdade que eles gostavam de sua presença. E que ela gostava da deles também. Quando Izzie levantou para ir ao banheiro em determinado momento, Rose voltou a me olhar de maneira assassina.

— Você vai contar a verdade para ela. – me ameaçou e Scorpius, que geralmente não se metia na nossa relação passivo agressiva familiar, tomou partido da namorada, me encarando de maneira séria. Eu senti uma pequena bola de culpa e concordei silenciosamente com ambos.

Mais tarde, quando o encontro acabou, eu dei uma boa olhada em Isobel. Ela parecia radiante. Rose e Scorpius haviam saído há pouco, mas eu não estava me sentindo disposto a me mover da cadeira ainda. Fiz um carinho em suas costas, enquanto me esforçava para decorar cada parte do seu perfil. Fisicamente falando, não havia nada de especial em seus traços. Era o conjunto da obra, tanto as simetrias e as assimetrias que faziam meu coração saltar batidas.

— O que você achou? – eu perguntei gentilmente, fascinado pelo brilho empolgado em seus olhos escuros.

— A resposta é uma só, não é? Eles são ótimos! Acho que se eu não estivesse apaixonada por você e Rose não tivesse um namorado, eu teria que chamá-la para sair comigo. – ela brincou, mas eu não prestei atenção, porque havia ficado preso no início de sua fala.

— Você está?

— O que? – ela perguntou, confusa.

— Apaixonada por mim. – murmurei.

— Ah... – eu queria congelar o momento em que suas bochechas coraram um pouco. Ela tinha um tom de pele bonito, cor de café com muito leite por cima. Izzie chamava de “cor indefinida de gente mestiça com alta passabilidade pra branquitude”. Ainda assim, se destacava quando perto da minha pele pálida sem graça e definitivamente era adorável de observar quando suas bochechas ficavam assim ligeiramente vermelhas, especialmente por minha causa. – Eu achei que essa parte fosse óbvia.

— Você está? – eu repeti a pergunta com uma urgência que eu nem sabia ter enquanto me aproximava ainda mais.

— Eu estou. – ela respondeu, no mesmo tom, o rosto tão próximo do meu que eu podia sentir a sua respiração quente em minhas bochechas. A afirmação bombeou meu sangue e a adrenalina fez com que subisse para o alto da garganta toda a coragem que eu tinha.

— Izzie... - as palavras estavam lá. Na ponta da minha língua. Eu só precisava proferi-las e lidar com as consequências. Ao invés disso, eu disse outras, tão perigosas, mas tão sinceras quanto: - Eu amo você.

 O modo como ela sorriu aberto me fez vacilar.

— Eu sei disso. – comentou, feliz, selando os lábios nos meus. – Em nenhuma outra circunstância você teria aceitado ajudar vovó e eu a carregar o carro com os itens de brechó para o evento beneficente que acontecerá em Notting Hill no próximo sábado.

Ela tinha um ponto. Até onde eu podia ver da minha personalidade, não havia um mísero traço que parecia particularmente empolgado com a tradicional feira de rua de Portobello, apinhada de gente e barraquinhas de antiguidades e bugigangas no dia mais proveitoso do fim de semana.

— Ei! Você sabe de uma coisa? Já que a sua casa está em reforma e tudo mais, você poderia convidar os seus pais! E os seus irmãos, se quiser. Parece um programa familiar, não é? – ela piscou, empolgada, e eu senti um frio na espinha, tanto por ela ter lembrado uma de minhas mentiras quanto pela proposta. – Seria uma ótima oportunidade para conhecê-los.

— É... – eu disse de maneira arrastada, com o sorriso mais trincado que eu poderia abrir. Ela não pareceu perceber, porque havia se perdido nas divagações de seu mais novo plano:

— Como bônus, depois do lusco fusco, nós poderíamos recriar aquela cena de Um Lugar Chamado Notting Hill em um banquinho qualquer de um jardim invadido escutando uma música triste do Elvis Costello. – ela riu, segurando a minha mão.

— Lusco fusco. – eu impliquei, mesmo estando com o coração acelerado pela ideia de Izzie conhecendo minha família. – Você é a única pessoa que soltaria uma palavra dessas no meio de uma conversa.

Ela girou os olhos.

— Está bem. Depois que a feira acabar e os seus pais forem embora e tiver anoitecido...

— Gosto da ideia. É até meio parecido, não? Com a gente. – eu tentei desesperadamente me concentrar nessa parte do devaneio e ignorar o alarme interno que apitava a todo vapor dentro de mim. – Não é esse o filme que a Julia Roberts entra na loja que o Hugh Grant trabalha? – felizmente, o meu conhecimento em comédia romântica era relativamente alto. Eu tinha muitas primas.

— É. – ela assentiu. – Na verdade, é a livraria meio falida dele, onde vende livros de viagens. – ela recordou e eu pensei que ter uma livraria parecia uma coisa legal. E como Isobel parecia ter esquecido momentaneamente o assunto inicial, achei que seria seguro nos mantermos nesse de agora.

— Você parece saber muita coisa sobre o filme para quem considera o gênero potencialmente problemático. – eu provoquei, abrindo um sorriso de lado.

—  E essa é uma jogada muito baixa, até mesmo para você. – ela estreitou os olhos, mas riu logo em seguida. – Você conhece a vovó. – girou os olhos, defendendo-se – Ela só assiste os filmes da Julia Roberts. Vezes e vezes sem fim.

Eu sorri pensando em Jodie Dawson e no quanto eu gostava dela. A gente até tinha assistido Pretty Woman juntos, nós três, num dia em que Izzie estava com muitas cólicas para se mover do sofá.

— E eu não tenho nada contra romances – ela continuou. – O meu problema é o modo como...

— A indústria do cinema perpetua e colabora para uma visão muito limitada das mulheres no mundo moderno? – chutei e ela sorriu, orgulhosa.

— Não existe nada mais sexy do que você quando prova que escuta o que eu falo.

— Ah, é? – por um momento eu esqueci que nós ainda estávamos na lanchonete e pousei de maneira distraída, mas não inocente, a mão esquerda sob sua coxa.

— É. – Izzie terminou de beber o chocolate quente, subitamente energizada para pedirmos a conta. – Mas se parece mesmo. – ela retornou ao filme. - Com o modo como nos conhecemos. Especialmente pelo fato de que tanto a personagem da Julia Roberts quanto eu somos incríveis estrelas de cinema. – ela zombou.

— Você poderia ser. – eu disse, fazendo um carinho em sua bochecha, ao que ela devolveu rindo.

— Ah, é verdade, com todo esse meu charme... – Izzie debochou, mas eu não me senti envergonhado. Para mim, ela tinha aquilo: o jeito de tirar o ar da gente. Eu já estava naquele modo “perdidamente apaixonado” para perceber que o perigo ainda me rondava:

— Mas e então? O que você acha? – ela voltou à proposta.

— Sobre? – tentei escapar.

— Eu. Você. Seus pais. Sábado. – ela disse, apertando o lábio inferior com o superior, de uma maneira que, eu sabia, significava completa empolgação. Eu não tinha como dizer não.

— É claro. – Pigarreei. – Por que não?     

 


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