Dom escrita por isa


Capítulo 1
Lêmure


Notas iniciais do capítulo

Eu imaginava a Dominique como Elle Fanning. E daí desde que ela fez "About Ray" eu pensei em como seria importante escrever sobre um personagem trans. Então aqui estou eu, porque embora eu não seja uma escritora boa o suficiente, estou contente de ter finalizado essa one.
Boa leitura! :)



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Era a criança do meio de Bill e Fleur Weasley.

De algum modo, isso parecia incidir sobre todos os aspectos de sua vida.

Se por um lado tinha como espelho Victoire, desinibida, corajosa e com um ótimo senso para piadas, por outro tinha Louis, doce, quieto e representante de todo aquele universo intangível e instigante, o universo masculino.

Nunca soubera exatamente para quem olhar. Às vezes, parecia uma criança mais velha do que de fato era. Às vezes, se comportava como um bebê. Ser "do meio" significava transitar entre dois mundos por não estar certa sobre a definição de seu papel. Era muito claro para o que a primogênita servia na hierarquia familiar: para checar e dar exemplo aos mais novos. O caçula também desempenhava um papel, o de ser tão fofo e pequeno que todos os olhos deveriam estar postos sobre ele. Já Dominique era uma incógnita.

Assim, na duvida sobre o que representava, passou a infância brincando de ser tanto Victoire como Louis.

Em algum momento, no entanto, isso deixou de bastar. Amava igualmente aos dois irmãos, mas havia um comichão na barriga toda vez que precisava colocar um vestido e Louis não. Nessas ocasiões, lançava olhares compridos para o irmão que eram um misto de tristeza e inveja.

Isso só melhorou um pouco quando se empenhou o bastante para criar uma brincadeira de faz-de-conta engenhosa, nomeada por ela de "troquei".

Basicamente, quando Dominique estava brincando de "troquei" ela fantasiava ser um menino chamado Dom e não respondia quando chamada pelo nome próprio.

— Não sou a Dominique, papai, sou o Dom! - Repetia vezes seguidas.

— Não é nem uma coisa nem outra. - Bill costumava responder, levantando-a pelo tornozelo, o que fazia a criança guinchar de alegria e balançar os bracinhos magricelas. - Para mim, você é um pequeno lêmure atrevido. - E isso a fazia rir até doer a barriga.

Não havia nenhuma pessoa como o seu pai.

Sua mãe merecia créditos por um milhão de coisas; ela era, por exemplo, detentora invicta do melhor abraço do mundo. Mas quando Dominique olhava para o papai, ela sentia vontade de ser como ele quando fosse adulta.

Esse era o seu maior segredo e ele ia crescendo à medida que crescia também.

Com nove anos, quando a magia começou a se tornar frequente, outras coisas também ficaram mais evidentes. A começar pelo fato de que ela não se sentia uma menina de modo algum. De vez em quando, Dominique se trancava no banheiro e fazia uma coisa que quando era pequena achava engraçada, mas com o tempo, foi ganhando contornos e um peso que não conseguia entender. Achava que era errado, mas não tinha muita certeza. Ainda mais porque aquilo - colocar uma meia dentro da calcinha - a fazia se sentir bem.

Se admirava no espelho e pensava em como seria um menino bonito. Um dia essa certeza a consumiu de tal modo que pegou uma tesoura e cortou o cabelo em formato de cuia.

Quando se olhou no espelho, se reconheceu pela primeira vez.

Aquele era Dom e ele era ela muito mais do que ela jamais seria. Isso o fez chorar de felicidade e de susto e também o fez se livrar das roupas e ficar uma hora inteira tomando banho, tentando entender em sua cabecinha infantil como era possível que fosse um menino no corpo errado.

Desde esse dia, as coisas ficaram muito confusas para Dom. Quando aqueles caroços dolorosos despontaram, foi com horror que ele constatou que tinha seios.

Fleur e Vic o levaram para escolher sutiãs, no intuito de animá-lo, mas isso só fez com que o enjoo no estomago piorasse. Ele passou por uma vitrine de fitas e se pegou pensando em faixas e em como cobrir aquelas coisas estúpidas que lhe machucavam tanto fisicamente como psicologicamente.

— Você vai se acostumar. - Vic havia dito, despenteando-lhe o cabelo curto. - Eu também não gostava.

Dom assentiu com a cabeça em silêncio, não acreditando naquilo nem por um minuto.

Com o tempo, ficou claro que sua intuição estava certa. Os seios pararam de doer, mas os sutiãs eram uma agonia constante. Ele começara a usar números maiores em roupas, tanto pelo conforto como pelo bônus de não evidenciarem as características mais femininas que tinha.

O inicio da puberdade foi difícil como o inferno e Dom passou por ele tornando-se quieto e melancólico.

Ele só era feliz nas férias, quando todos se reuniam na Toca e podia fazer macaquices com Fred e James. Sempre ficava mais confortável com eles. Era difícil para ele se conectar com garotas, mesmo que suas primas fossem bem legais.

Então Fred se apaixonou pela primeira vez e se sentiu inibido de falar sobre isso com uma menina, ainda que essa menina fosse Dom. Gradualmente os garotos se afastaram dele naquele verão e Dom nunca teve a chance de confessar que se sentia estranho a respeito de Juno, uma garota lufana de seu ano.

Para um adolescente de 15 anos, aquilo foi o suficiente para roubar uma garrafa de firewhisky reservada para as festividades e fugir de vassoura sem um rumo predeterminado. Ele se distanciou alguns quilômetros e se deitou sob uma colina pequena pontilhada de dentes de leão, gritando o mais alto que conseguia.

Quando cansou, abriu a garrafa e se aventurou com álcool pela primeira vez na vida. O gosto lhe pareceu terrível, mas ele estava bastante empenhado na tarefa de ficar zonzo para desistir por algo tão banal.

Eventualmente teve sucesso na operação e então chorou como nunca havia feito antes.

Poderia ter durado horas ou anos inteiros e ele nunca saberia dizer.

A vida começava a parecer estúpida e sem sentido, exatamente como Ivan Kehdi, um garoto que assistia Feitiços e Transfiguração nas mesmas classes que ele e fazia questão de lhe dizer o quanto o achava repulsivo, sussurrando frases sexistas e de ódio sempre que podia e, atualmente, ameaçando fazer coisas com ele até que Dom virasse uma garota normal. Só de pensar nisso, Dom sentia os músculos retesados de medo. Vinha treinando com um furor insano todos os feitiços de defesa apropriados ou não para uma pessoa do quinto ano.

Quando seu pai lhe encontrou, ele estava justamente tentando parar de pensar no principal motivo de seus pesadelos.

— Filha?

Ele grunhiu em resposta.

— Filha? - Repetiu e Dom tapou os ouvidos, encolhendo-se em posição fetal. Apenas nesse momento Bill notou sua presença, aproximando-se com calma.

— Não sou sua filha. – Disse baixinho.

— Como? – Perguntou, surpreso, sentando-se ao seu lado.

— Não sou sua filha. – Repetiu. – Sou seu filho.

Bill o puxou para si, lamentando que agora fosse impossível lhe levantar pelo tornozelo. Apertando-o, torceu para que o abraço fosse suficiente.

Ele e Fleur vinham discutindo há algum tempo sobre uma boa maneira de abordar o assunto. Os dois haviam decidido que esperariam Dom se manifestar a respeito. No entanto, no momento que o garoto fugira no inicio da tarde, Bill descobrira que nunca se perdoaria caso algo acontecesse ao seu pequeno lêmure sem que eles nunca tivessem tido uma conversa decente sobre o assunto.

Ele era tão mais corajoso. Nenhum Weasley merecia tanto um emblema da Grifinória como Dom. Ele era a síntese do que a casa representava. Bill não podia estar mais orgulhoso ou mais assustado. Tinha criado três crianças incríveis, mas na maior parte do tempo, parecia que todas suas boas características eram conquistas próprias.

Assim como a maior parte dos bons pais do mundo, ele não tinha a menor ideia do que estava fazendo e a menor ideia do que faria a seguir.

Ele sabia, no entanto, que amava aquele ser humano pequeno, frágil e de rosto inchado. Amara desde o instante que soubera de sua existência, quando não era mais do que um embrião na barriga de sua Fleur.

Naquela época, não havia importado para nenhum dos dois a questão do gênero. Certamente, isso não importaria agora também. Não mais do que o amor que sentiam por ele.

— Ah, bom. – Ele disse, finalmente, apertando-o ainda mais. – Eu também tenho uma coisa a dizer, nesse caso.

Dom descobriu os olhos, olhando para cima. Bill sorriu.

— Eu sou seu pai. 

Silêncio.

— Sério? Achei que teria mais efeito.

— Já existe um filme trouxa com essa fala. – Dom murmurou, mas sorriu de canto.

— Trouxas. – Bill lamentou, beijando-lhe o topo da cabeça. – Eu te amo, querido.

E a frase o libertou. Porque o amor – tanto no mundo bruxo como no mundo muggle, sempre tivera e sempre teria esse fim.


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