The End Of The Peace escrita por Saffra Everdeen Mellark


Capítulo 22
Um monstro




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—As emoções podem soltar um lado vosso que nunca viram, nos Jogos vocês são dominados pela honra, pela dignidade, pelo desejo incontrolável de voltar para casa, para os braços dos vossos ente-queridos. Quem me contrariar, estará a mentir. Todos vocês já sentiram pelo menos uma destas emoções, ou outras que não referi, como a culpa. Têm que aprender a usá-las inteligentemente, só assim conseguirão sobreviver na vida - o Gale introduz o treino de hoje. Depois da entrevista passaram-se duas semanas, já aprendi a usar as armas mais eficazmente e penso que, se tivesse ido assim preparada para os Jogos, teria vencido muito mais facilmente. Tudo isto explica a razão pela qual os Tributos do 1 e do 2 voltam tão frequentemente. Bem, o Dylan era o melhor e não venceu, talvez por ser extremamente arrogante, isso poderia acontecer-me. - Willow, chega aqui e dá-me a melhor luta que tiveres.

—Como assim? - fico confusa.

—Chega aqui. Toma - ele atira-me uma espécie de pau de madeira para e pega num para ele. - Vocês, observem. Willow, ataca-me.

—Como queiras - eu ataco-o e ele defende, fazendo o mesmo e eu defendo. Começa assim uma luta entre nós os dois e do nada ele abre a boca.

—Realmente não admira que o teu parceiro tenha morrido, como é que se chamava mesmo? Ah, o Harry - bato com mais força. - Fraca, por isso é que não o protegeste e neste momento ele está morto.

—Cala-te - começam a cair-me lágrimas. 

—Morte dolorosa, acabou sem cabeça. A Amber estava muito bem ensinada, deu um espetáculo tão bonito. Tu devias ter visto a cara de medo e a luta que ele não deu, foi ridículo... Afinal, vocês os dois eram ridículos - continuo a lutar. - Na verdade, já não há um verdadeiro guerreiro desde que o teu irmão venceu. Lutou tão arduamente... Tinha 12 anos e conseguiu ser melhor que tu agora, que tens 17...

—CALA-TE! - ataco-o e deixo-o no chão que se limita a rir.

—Deve ser difícil ser a sombra daquela família. A tua mãe dava um espetáculo como ninguém com o seu arco, ela antes de vocês era tão diferente, um diferente bom. Agora é simplesmente vulgar. O teu irmão é o melhor guerreiro que alguma vez pisou os Jogos, o Vitorioso mais novo da História, aquele que mais lutou para sobreviver. Até o teu pai, que é extremamente inútil consegue ser melhor que tu, porque ele fala bem. E tu? Diz-me o que é que tu tens? Espera, falas pior que o papá, dás um show com o arco, mas de resto... que sabes tu fazer? As pessoas gostavam da tua mãe, do teu pai, do teu irmão nem por isso, mas para que é que ele precisava disso com tanto poder? A ti toda a gente te odeia, és uma farsa! - bato-lhe com força, os meus olhos estão cheios de lágrimas.

—CALA-TE! - grito e bato-lhe com toda a força que consigo desencantar. Vai para lá da que sabia que existia, maior parte apareceu magicamente e manteve-se, quase como se as palavras dele fossem um combustível que me tivesse feito entrar em combustão e arder com tudo e todos que me aparecessem à frente. Ele vai ao chão e chego a pensar que o vou matar, esse desejo vem-me em mente. Vi o Dylan no corpo dele, foi horrível. Eu tinha nojo pelo Gale, eu tenho nojo por ele, mas eu absolutamente abominava o Dylan, ao ponto de realmente não me arrepender matá-lo. Tenho pena de não ter sujado as minhas mãos com o sangue dele, porque confesso que me teria dado o maior prazer. Tudo o que o Gale disse sobre a minha família, sobre mim, magoou-me profundamente e foi quase como viajar de volta para aquela Arena. O pior de tudo é que não me magoou por serem ofensivas, mas sim porque eram verdade. Eram aquelas feridas que nunca iriam cicatrizar, eram aqueles segredos meus que ninguém deveria saber. Algo do mais profundo possível, e ele expôs tudo isso em frente a esta gente toda. O desejo de o matar e fazer com ele o que não fiz com o filho, consome-me e é então que começo a espancá-lo até o ver fazer sangue. Imenso sangue vinha e as minhas mãos estavam sujas dele, pensei mesmo que iria completar o meu sonho da altura. Mas não consigo realizá-lo porque noto que o meu irmão, o Finnick e a Hayley me estão a segurar, levantando-me no ar e afastando-me dele.

Soldados da Paz aproximam-se e tiram-me dos braços deles. Provavelmente iam castigar-me, não considero sequer a possibilidade de merecer o castigo. Eu fiz o que queria fazer, o que era correto, o que eu deveria ter feito há muito mais tempo, não só com ele, mas com o filho nojento dele, que nem se pode chamar de ser humano, talvez esteja mais próximo de ser um mutante ambulante criado pelo Capitólio e introduzido nos Jogos para nos matar a todos sem misericórdia ou arrependimentos.

—Deixam-na - ele diz limpando o sangue da cara.

—Mas... Comandante... - um deles pronuncia-se.

—Que é que foi? Não ouviste o que eu disse? - o Gale parece empenhado em deixar-me passar impune.

—Comandante, ela quebrou a Lei! Ela quase o matou! - ele continua a limpar o sangue.

—Exato, eu sou o Comandante e eu aplico a Lei, se eu decido que ela não vai ser castigada, ela não vai ser! Agora, larguem-na - eles continuam a segurar-me enquanto absorvem toda a informação. - NÃO ME OUVIRAM? LARGUEM-NA IMEDIATAMENTE! VEJAM LÁ SE QUEREM JUNTAR-SE AOS AVOX!

Eles deixam-me cair no chão e eu fico lá, noto que uma multidão está à minha volta. Falam para mim mas eu não consigo perceber o quê, o meu corpo está estendido no chão, no entanto, a minha mente está num lugar entre a escuridão e o esquecimento. 

—Willow! - ouço o grito do Finnick. - Olha para mim!

—Finnick - eu olho em volta e todos parecem chocados ou preocupados comigo. Olho para as minhas mãos e vejo que estão mergulhadas em sangue, começo a tremer e a querer rastejar para trás.

—Tem calma, olha para mim. Olha para os meus olhos - eu faço o que ele diz mas continuo assustada. - Está tudo bem. Tu estás aqui comigo. Vai tudo ficar bem.

—AHHHAHHH - começo a gritar enquanto choro e olho para o sangue nas minhas mãos. Ele abraça-me e eu continuo a tremer. Sinto tudo a ficar preto. 

Quando dou conta estou de volta à Arena. O mesmo edifício, a mesma luta. Eu, o Finnick, o Dylan naquele edifício medonho. Sempre disseram que a Secundária era um pesadelo, um verdadeiro campo de batalha, sempre contrariei até ao momento em que presenciei a realidade dessas palavras agrupadas.

Ouço o canhão, o Dylan continua de pé e o Finnick está estendido no chão. Não consigo disparar, ele está morto mesmo à minha frente graças à minha incompetência, eu não me levantei para o ajudar porque eu sou fraca e inútil.

—Parece-me que és tu e eu agora... Eu deveria dar um verdadeiro show agora, só para acabar em grande, mas tu não o mereces, não és digna. És uma sanguessuga nojenta. Pena que isto tenha que acabar assim... - ele cospe-me e atira-me de volta ao chão. Eu não lutei. Ele pega na espada e é quando vai perfurar o meu corpo que acordo aos gritos.

—Ei! - a Hayley está lá. - Estás bem, eu estou aqui.

—Onde está o Ryen? O Finnick? A Daisy? - fico preocupada.

—Ei! Acalma-te em primeiro lugar! - ela chega perto de mim e eu volto atrás. - Eu não te vou magoar, não tens que ter medo de mim!

—Onde é que eles estão? - continuo alterada.

—Estão bem. Pediram-me para ficar contigo enquanto iam comer qualquer coisa. O Finnick não queria sair daqui, mas eles obrigaram-no - respiro fundo. O meu cabelo está molhado, o meu corpo lavado, não há vestígios de sangue. - Eu e a Daisy demos-te um banho, as Avox iam fazê-lo mas não achamos boa ideia, podias acordar e descontrolar-te, quem sabe matá-las. Não que fosse um grande problema para o Capitólio, mas nós ainda queremos saber.

—Eu podia matar-vos - retruco.

—Nunca matarias a Daisy, além de que se tentasses eu acalmava os ânimos e voltas a dormir rapidinho - encolho-me ligeiramente. - Eu injetava-te uma coisa para dormir, não te ia agredir! Lembra-te, somos aliadas.

—Eu não sou muito boa com aliados - confesso.

—Somos duas - nesse momento a porta abre-se e o Finnick vem abraçar-me.

—Meu deus, Willow! Tu assustaste-me tanto! - ele parece extremamente preocupado. - Eu queria ter estado aqui quando acordasses mas o teu irmão...

—Eu sei, não faz mal - largo-me dele. O meu irmão não abre a boca, no entanto a minha melhor amiga senta-se perto de mim e abraça-me.

 

—Queres comer algo? - nego com a cabeça. - De certeza?

—Sim - respondo sem paciência para grandes conversas. O Ryen não se manifesta.

—Bem, Finnick... deixa-a descansar -ela diz.

—Eu não a quero deixar sozinha, não posso... - eu interrompo-o.

—Vai, Finnick - ele fica sem chão. - Vai!

—Como queiras - ele vai embora e bate a porta antes da Hayley sair.

—Não afastes aquele rapaz, ele ama-te - olho para ela com cara de poucos amigos. - Realmente é melhor retirar-me, ainda me matas... e eu não tenho nem o machado, nem as injeções...

Ela vai embora e eu bato com a cabeça na almofada, considero a ideia de me sufocar, mas eu ainda quero criar memórias com a Prim. Por um lado seria melhor para ela, nunca se lembraria do monstro que eu sou, para ela eu seria apenas uma miragem e nunca teria dor ou desilusão, visto que estes são os únicos sentimentos que desperto em todos os que me rodeiam.

Faria um favor a toda a gente se simplesmente desaparecesse da face da terra. O Presidente já não teria que se preocupar com revoltas nos Distritos e no Capitólio, não teria que matar ninguém, o Finnick poderia viver o resto da sua vida com outra rapariga que ele amasse, a minha família não teria que carregar o fardo que eu sou, iria rever o Harry, o Caleb ficaria longe de problemas, a May nem sequer os teria... Afinal, que diferença é que eu faço na vida dos demais? Sou só mais uma Vitoriosa, ganhei este ano, daqui a uns anos deixo de ter qualquer importância porque novos Vitoriosos surgiram e eu cairei o esquecimento. Dentro de muitos anos o nome Everdeen Mellark cairá na escuridão e jamais alguém lhe tocará, ou por medo, ou porque ele teve o seu fim.

Bem, já matei muita gente, já quase fui matando outra quantidade gente, certamente que causar a minha morte não será muito diferente, será? 

Posso tomar o lugar de bêbada da família, que simplesmente usa o álcool como forma de se esquecer do mundo e de todos os problemas que há em Panem. Esconder-me na minha casa para sair apenas quando sou chamada para a Colheita. Ou então posso juntar-me ao pessoal do 6 e consumir morfina, dizem que nos faz esquecer de todas as cicatrizes, quem quererá uma drogada por perto?

São opções a considerar, tudo é uma opção a considerar. Tal como a morte dos restantes é sempre uma opção a considerar, a minha também pode ser. Tal como tencionei por um fim à vida do Gale, posso fazer o mesmo comigo própria. Quem sabe!


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