A sirene toca e eu levanto-me. A cama está vazia, eu estou no meio dela. Claro que está vazia, afinal ninguém dormiu aqui.

Os Soldados da Paz devem estar a chegar, por isso faço a minha trança e visto o uniforme da Academia. Como dois pães de queijo e quando finalmente já está tudo pronto para nos gravar a sair, nós saímos numa fila. A Daisy sai do outro lado e junta-se a nós. Estou séria para as câmaras, apesar de sorrisinhos serem sempre ótimos, nestes casos convém mostrar que somos fortes.

Chegamos ao aerodeslizador e todos nos observam. Quando as portas fecham e nós nos sentamos eles desatam a rir.

—Com esse olhar pareciam que iam matar toda a gente! - um homem do 1 comenta.

—Será que não vamos, Kylen? - o meu irmão pergunta e todos se riem. - Bem, apresento-vos formalmente a minha irmã, a Willow, e o meu cunhado, o Finnick.

—Quem não os conhece? São os miúdos que ficavam sempre meio escondidos nas nossas reuniões de Vitoriosos! - o Andrew do 7 observa.

—É verdade! Sempre é verdade que vocês têm uma nova irmã? - pergunta a Hayley.

—Sim, a nossa mãe quis manter tudo em segredo e nós não comentamos com ninguém. Foi tudo muito escondido e ela quase perdeu a criança - o meu irmão inventa.

—Porquê? - a Aline questiona.

—Quando eu me voluntariei, ela quase perdeu a minha irmã porque ficou com medo de me ver morrer na Arena e não poder fazer nada - contei.

—Confesso que não sabia quem ia ganhar, quando tu e o Finnick foram ambos escolhidos, soube que um de vocês ganharia, qual ninguém sabia - a rapariga do 11, a Theresa diz.

—Quando o teu amigo morreu pensei que tu fosses ser morta pela rapariga do 2 - confessa a Serena do 1.

—Quem não pensou? Mas ela estava tão assustada que acabou por matá-la - a Diamond do 1 completa.

—Como diz o Presidente, matei mais gente com a minha cabeça e as minhas atitudes, que com armas de verdade - sorrio.

—Oh Ryen, conta lá como foi ver a tua irmã a curtir um rapaz numa caverna? - fico muito vermelha.

—Nada de especial, convenhamos que eu não estava sóbrio! Além do mais, pensei que fosse tudo estratégia! - eles riem.

—Vocês não estão a imaginar o estado do Capitólio, então quando vocês se iam suicidar toda a gente se revoltou - começo a rir.

—Aqueles cérebros de goma renderam-me a vida - eles riem comigo.

—Mas giro era ver a rapariga do 4 a fazer-se aqui ao garanhão! - fico com cara de confusão. - Ah... ele não te contou...

—Digamos que a minha irmã se fez ao Finnick - a Aline intervém.

—A Amy era tua... - ela assente. - Eu lamento imenso.

—Toda a gente sabia que a Amy nunca conseguiria vencer, está tudo bem - ela sorri amargamente. 

—Mas bem, o primeiro grande Finnick Odair chegou a seduzir a Katniss, sabiam? - a Hayley conta.

—Não! A sério? Como é que sabes? - a rapariga do 1 que deve adorar uma boa fofoca mete-se na conversa.

—Segundo a minha mãe, ele chegou a dar em cima da Katniss - toda a gente se ri.

—Ó manos Everdeen Mellark, já pensaram no Finnick como vosso pai? - eles humorizam.

—Eu nem penso nisso! - respondo a pronto e toda a gente ri.

—Era muito mau, ela seria minha tia! Isso seria um problema! - o Finnick intervém.

—Sabem que vos digo? Isto é uma nova aliança - eles olham para mim confusos. - A Aliança Vitoriosa. Vamos ser honestos, os Jogos não acabaram, apenas mudamos de Arena.

—À Aliança Vitoriosa - o Finnick levanta o braço com os três dedos levantados.

—À Aliança Vitoriosa - todos repetem o mesmo gesto e o aerodeslizador pousa.

Descemos por ordem de Distritos, sou a última. O povo do Distrito 2 está extremamente eufórico, grita os nomes dos seus Vitoriosos favoritos, incluindo eu. Só se ouve toda a gente a gritar pelo nome Willow. O Gale recebe-nos à entrada e parece ainda não saber o que está a acontecer.

—Gale - chamo-o. - Eu preciso de te contar algo.

—Que é que foi agora? - ele parece impaciente.

—A Hazelle, a Posy, o Casper... eles estão todos mortos - noto que fica sem chão.

—Como é que soubeste disso? - ele pergunta-me.

—Na noite passada o Caleb ficou com a Prim, ele acorda com sons de tiros. Esperou um pouco e quando apareceu lá, a porta estava arrombada e encontrou-os mortos - ele começa a chorar. Eu abraço-o, mas ele rapidamente recuperou e largou-me.

—Christopher, anuncia que o treino não começa hoje. Podem experimentar e treinar o que quiserem, mas eu não venho dar o treino - ele desaparece e eu entro com o Soldado da Paz que anuncia isso.

—O que é que disseste ao Gale, Willow? - o meu irmão parece furioso.

—A verdade! Esperavas que eu fizesse o quê? Ele está sozinho! E se antes pensava que tinha alguém do seu sangue vivo, agora ele não tem ninguém! - discuto.

—A sério, Willow... Eu só espero que nunca te chegues a arrepender das coisas que fazes, tu não és invencível - ele parece estar desgostoso e deixa-me sozinha. Olho em torno, todos estão a fazer algo. Os do 1 estão nas lanças e eu observo-os.

—Queres tentar? - convidam-me.

—Ok - aceito sem pensar muito. Pego numa lança, foco-me no centro, armo o braço e atiro-a acertando no alvo.

—Boa! Onde aprendeste a lançar assim? - perguntam-me. 

—Não é muito diferente do arco, é só ter pontaria. Eu lancei uma vez no Centro de Treino - conto.

—Muito bem - eles são mais simpáticos que o que pensei. Decido continuar a passear, vejo duas raparigas do 2 lá, elas não estavam no aerodeslizador, como é óbvio.

—Novata! - elas chamam-me e eu olho. - Anda cá!

—Olá - cumprimento.

—Vimos os teus Jogos, foste uma surpresa... - uma delas diz. - Já agora, Eritreia.

—Amberlee - a outra apresenta-se.

—Willow - apertamos as mãos.

—Toda a gente sabe quem tu és, acredita - a Eritreia garante.

—Dá-nos o teu melhor lançamento - dá-me uma faca. Eu nunca lancei uma faca, mas pronto. Pego nela e atiro-a, ela vai a girar e bate no "coração" do "Tributo", quer dizer, sai um bocadinho ao lado, mas ainda assim. - Primeira vez?

—Yup - sou curta. 

—Experimenta começar mais de cima - faço o que ela dizem e melhoro.

—Obrigada - agradeço. Continuo e vejo o Finnick a lutar com o Bryan. Ambos usam tridentes. Decido continuar e vejo a Hayley a treinar com o seu machado. Olha para mim e eu até engulo em seco.

—Queres aprender? - subo para a plataforma e ela fica por trás de mim, ambas temos as mãos no machado. Ela ensaia alguns movimentos comigo, sempre a orientar-me. - Tenta sozinha.

—Obrigada - digo após dar o meu show de principiante e ela dá-me um high five. Sentamo-nos as duas. - Há quanto tempo ganhaste?

—Seis anos atrás - ela é um ano mais velha que eu, portanto deve ter tido 12 quando foi para a arena. 

—Ainda tens pesadelos? - ela faz silêncio.

—Umas noites menos que outras, mas eles não desaparecem. Até durante o dia parece que penso naqueles que matei a gritar - ela diz.

—Quantos mataste? - ela dá um sorriso amargo.

—13 - fico surpreendida. - É, não sou tão boa pessoa assim. Sou a que mais matou na história.

—Não importa, eu ao todo já fui a realizadora e/ou culpada de dez mortes - ela dá um sorriso de lado. - É o que nos fazem fazer.

—Mas sabes o que é realmente sujar as tuas mãos de sangue da pessoa? - parece duro. - Todos os que matei, sangrei de alguns, mas também sujei as minhas mãos com o sangue deles.

—A tua mãe e tu são as melhores - ela olha para mim.

—Se eu soubesse quem é o meu pai, diria o mesmo - percebo mágoa. - Algo que aprendi durante estes anos é que, aconteça o que acontecer na Arena, o Capitólio ganha sempre. Os Jogos são feitos de forma a que o Presidente ganhe sempre, como tu disseste, morrer ou viver é quase o mesmo.

—Quando eu vi o Harry a morrer foi como se um pedaço de mim tivesse morrido comigo. Eu apenas tento lidar com isto, mas custa-me saber que há muita gente que morre por minha culpa - ela olha para mim.

—A sorte não está a nosso favor... - e ela tem razão. A sorte não está e nem nunca estará a nosso favor. É como um jogo viciado, sabem? Uma vez que aceitas jogá-lo vais estar sempre a perder, e mesmo quando achares que estás a ganhar, mais tarde apercebeste de que não é verdade. As provas disso são as mortes dos últimos dias.

Se és um Vitorioso, conforma-te com possíveis serviços sujos em nome do Capitólio, com um bom comportamento acerca do regime, mas assim de tudo, com a morte iminente daqueles que amas, quer seja um assassinato, ou um lugar direto nos Jogos. Tu sais sempre a perder, quer sofras tu, quer sofram aqueles cujo sofrimento te causará uma dor inimaginável.

Continua...