Whispers escrita por Gessikk


Capítulo 3
Ele não tem ninguém




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“I'm sorry that I just walked away

Lost in the insignificance of mine”

Time is dancing- Ben Howard

Vinte. Vinte. Vinte. Vinte anos!

Stiles só conseguia pensar naquele número aterrorizante. Ele já sabia que tinha passado um tempo longo demais preso no lugar que nem lembrava. No entanto, achava que tinha se passado meses e não anos.

No último dia que passou em Beacon Hills, antes de ser capturado, ele e Lydia tinham dezoito anos. Estavam todos terminando a escola, planejando a formatura. Como ele tinha perdido tudo aquilo?

Não conseguia acreditar que perdeu dois anos de sua vida. Ele ia levar Lydia para o baile de formatura, ia entrar para a mesma faculdade de Scott e morar com ele. Seu pai estava tão orgulhoso, Malia estava tão radiante... e então, toda aquela alegria foi tomada dele.

Ao fechar os olhos doloridos, só conseguia pensar em todos os momentos que perdeu. Em quantos beijos teria dado em Lydia, no quanto teria aproveitado a oportunidade de morar com o melhor amigo, em como seria emocionante ver o pai chorando de orgulho.

— Você está me ouvindo? — A voz o obrigou a abrir os olhos.

Encarou novamente Melissa. A mulher que era como uma mãe para ele, o olhava como se fosse um paciente qualquer. Ela não nenhuma lembrança de ter o tratado como o filho durante toda a vida.

Quanto mais Stiles encarava o rosto dela, mais sentia vontade de a abraçar e chorar, pedindo desesperadamente para ver Scott. A saudade do melhor amigo, do irmão, era devastadora.

— Desculpe. — Ele mal ouviu a própria voz.

— Você recebeu alta, Stev...

— Stiles. Meu nome é Stiles. — Corrigiu ainda mais baixo.

— Ninguém veio procurar você no hospital. — Ela falava com mansidão, carinho. Stiles queria acreditar que ela tinha alguma lembrança, mas sabia muito bem que ela tratava assim todos os pacientes. — Tem algum amigo, algum familiar que eu possa ligar? Não achamos nenhum documento com você.

“ Meus amigos não lembram de mim. Meu pai não lembra de mim. Não tenho mais nenhum documento, todos eles sumiram junto com todos objetos que me pertenciam. ” Stiles teve vontade de expor esses pensamentos, porém, se controlou com um suspiro.

— Não, não tenho ninguém. — A sinceridade transbordou daquela frase dolorida de ser pronunciada.

— Tem certeza? — Melissa se inclinou na direção dele. As mãos macias se apoiaram em seus braços, tentando trazer conforto. — Como posso ajudar você, Stiles?

— Eu vou ficar bem.

Em um instinto impensado, Stiles se afastou alguns centímetros da mulher. Encarou o chão, lambeu os lábios. Não sabia o que fazer, como reagir. Estava completamente sozinho, perdido.

Até Lydia tinha deixado o hospital pouco depois de ter revelado sua idade. Ela ficou desconfiada demais, sem entender como Stiles podia a conhecer daquela forma e isso a deixou na defensiva, como se julgasse que Stiles poderia ser o vilão da história.

Quando Lydia saiu de seu quarto, ele pediu que ela ficasse, que não fosse embora. Mas ela foi, pois, as poucas lembranças que tinha dele, pareciam não ser o suficiente.

Então ele ficou sozinho no quarto de hospital, sem reação. Em sua mente, se martirizou pela frase de Lydia que se repetia várias vezes em sua cabeça: “eu tenho namorado, mas não é você”.

Rezava para que ela só tivesse dito aquilo para afastá-lo, porém, no fundo, sabia que era verdade. Stiles a conhecia muito bem e saberia se ela tivesse mentido.

Quando ela pronunciou aquela frase horrenda, estava falando a verdade. De fato, Lydia, sua Lydia, estava com alguém. Depois de finalmente ter a conquistado, ela simplesmente se esqueceu que eram namorados, se esqueceu da conexão que sempre tiveram.

— Stiles. Calma, olhe para mim. — O pedido de Melissa fez Stiles perceber que chorava.

O choro contido, sofrido, ensopava seu rosto. Seus olhos estavam embaçados e tudo que ele queria, tudo que precisava, era sair daquele hospital e respirar ar puro.

— Você pode arrumar uma roupa para mim? — Ignorando a preocupação dela, foi o único pedido dele.

Afinal, minutos antes, ele tinha percebido que não tinha o que vestir além da roupa hospitalar. Felizmente, Melissa concordou com o rosto, suspirando e o deixando sozinho no quarto.

Depois de poucos minutos, ela surgiu com pequena muda de roupa. Apoiou na cadeira e o olhou com compaixão. O olhar maternal dela em sua direção foi tão intenso, que por alguns instantes, Stiles fantasiou que ela finalmente tinha lembrado dele.

— As roupas são um pouco maiores do que você, mas foi o melhor que eu achei. — E então, ela saiu mais uma vez. A esperança dele se extinguiu.  

Colocou a roupa de forma automática. Os olhos arregalados de pavor, preocupação. Não tinha ideia do que fazer ou para onde ir. Sem dinheiro, casa, trabalho, pessoas.

Como Melissa tinha falado, a roupa ridiculamente descombinada era muito larga. A blusa parecia um saco de batatas no corpo magro e a calça escorregava pelo quadril. No mínimo a cueca, aparentemente nova, que ganhou, não estava tão larga.

Decidido a fugir de outras possíveis perguntas e da burocracia do hospital por ter tratado de um garoto completamente desconhecido, Stiles cambaleou para fora do quarto.

Ignorou a tontura e os músculos ainda doloridos. Percebeu tarde demais, que não tinha ganhado um sapato. Seus pés nus atingiram o piso frio enquanto ele se esquivava de médicos e enfermeiros.

Aquele hospital era dolorosamente familiar. Estava idêntico ao que ele lembrava e isso trazia uma imensidão de lembranças. Era horrível pensar que ninguém mais recordava de tudo aquilo.

Stiles não tinha o costume de falar muitos palavrões. Mas naquele momento, proferiu as piores palavras de seu vocabulário, tentando inutilmente, descontar aquele peso de suas costas, seu peito.

Saiu do hospital. As solas de seus pés recém cicatrizados, voltaram a abrir quando ele começou a caminhar no asfalto.  Não reclamou da dor irritante que surgiu, pois, a dor emocional era muito pior.

— Ótimo, só faltava isso. — Praguejou quando a primeira gota de chuva o atingiu.

O céu já estava escuro. Parecia ser o início da noite, mas não tinha como ele saber a hora. Não tinha para onde ir. O que fazer.

Caminhou pelas ruas conhecidas. Estava exausto, mas ainda assim, se arrastou pela cidade que trazia tantas lembranças boas e ruins. Passou em frente à casa de Scott.

Seu coração quase parou quando viu que a luz do quarto do melhor amigo estava acesa. Ele queria mais do que tudo invadir aquela casa, se jogar na cama de Scott e jogar vídeo game. Queria abraçar o amigo, chorar, xingá-lo por não ter o buscado no mundo do esquecimento.

Stiles queria muitas coisas, mas não fez nada. Continuou andando, sem se permitir olhar para trás. Sabia que naquele momento, não tinha condições para ver seu melhor amigo, sabendo que não seria reconhecido por ele.

O garoto só desabar em uma cama macia, precisava dormir. Mas, nem isso tinha como fazer.  Então, continuou andando, perdido. Não se importou com as pessoas a sua volta e ninguém se importou com ele. Afinal, ninguém o conhecia.

Seu inconsciente o fez caminhar até a rua da casa de Lydia. Aquela linda rua, onde deu o primeiro verdadeiro beijo no amor de sua vida. Onde achou que morreria de prazer e de vergonha ao sentir a língua dela contra a sua.

Mais uma vez, desejou chorar. Porém, obrigou que as lágrimas continuassem presas em seus olhos. Já estava completamente molhado pela chuva que aumentava a cada instante, não ia se permitir se molhar com lágrimas.

Com mais uma dúzia de palavrões, Stiles se arrastou até um banco público. Aquela cadeira, típica de pracinhas, ficava perdida no meio daquela rua residencial. Ironicamente, era exatamente na frente da casa de Lydia, no lado oposto.

Sentou ali com dificuldade, suspirando. Encarou os próprios pés, os ombros cansados se retraíram. Envolveu os braços no abdômen, abraçando em uma tentativa frágil de se confortar.

— Deus! Eu vou morrer. — Constatou assustado. — Ninguém vai lembrar de mim.

“ Isso se antes eu não morrer de fome ou hipotermia”, pensou amargo. Sua barriga doía pedindo alimento. Suas costas clamavam por conforto e seus pés só queriam ter o que calçar.

Da casa à frente do banco onde Stiles estava, Lydia foi fechar a janela de seu quarto. Por costume, observou a rua escura e seus olhos focaram na silhueta do outro lado da rua.

Engoliu em seco ao reconhecer o estranho mais familiar que viu em sua vida. Stiles estava encolhido, olhando para o chão. Mesmo de longe, dava para ver o quanto ele estava molhado e que todo seu corpo tremia de frio.

— Ele está descalço! — Ela observou com horror, a boca se abrindo em “O”.

A chuva estava cada vez mais violenta, o vento frio cortava o ar. Mesmo relutante, mesmo com medo de quem de fato Stiles era, ela sentiu compaixão pelo garoto. Naquele momento, ele parecia extremamente frágil e perdido, como um gato de rua.

— Nem pense nisso, Lydia. Ele sabe de toda sua vida, pode ser um psicopata! — Brigou consigo mesma, mas não conseguia parar de olhá-lo. — Não importa que você sonha com ele, isso pode significar qualquer coisa! — Não conseguia convencer a si mesma com aquelas palavras. — Você não pode trazer um estranho para sua casa.

Apesar da discussão consigo mesma, ela sabia que não ia resistir. Não tinha como deixar o garoto indefeso e sozinho daquela forma.


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