Sereias de Gotham escrita por Dreamy Boy


Capítulo 2
Harleen Frances Quinzel (Parte I)


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente!
Peço desculpas pela demora, mas, em compensação, preparei um capítulo bem grande para vocês. Ele seria ainda maior, mas achei melhor dividir em duas partes para não ficar uma leitura muito cansativa. Espero que gostem bastante dessa minha versão da personagem. Ela foi criada de um modo que todos possamos nos identificar com as suas dores, as suas paixões e, até mesmo, o seu ponto de vista ♥

Como não podia faltar, mais uma Trilha Sonora para vocês!
Infância: https://www.youtube.com/watch?v=hhE7QMXRE1g
Adolescência/Fase Adulta: https://www.youtube.com/watch?v=m14aDj9_ano

Observação: Essa imagem foi retirada do site www.pinterest.com



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Infância

— Já está pronta?

— Só mais um minuto, mamãe! — respondeu a menina, apressando-se em terminar de colocar a vestimenta cuidadosamente escolhida pela mulher. Vestimenta cuja combinação consistia em uma blusa de lã preta, uma calça jeans e um calçado de coloração semelhante à da blusa. Em seguida, ajeitou os seus cabelos louros — quase brancos —, que se encontravam presos em uma Maria-Chiquinha.

— Não podemos demorar... Estamos em cima da hora! A primeira apresentação começará daqui a pouco!

Desceram os pequenos degraus da entrada da residência e fecharam o portão. O pai as aguardava do lado de fora, encostado sobre um táxi preparado para conduzi-las. Harleen, de mãos dadas com a mãe, desceu as pequenas escadas de sua residência e caminhou até a calçada, adentrou a parte traseira do veículo e se sentou confortavelmente. 

— Está ansiosa? — O homem perguntou e a filha assentiu, sorrindo. Era a primeira vez que seria levada ao circo e sentia uma profunda animação por conta disso. Harleen Frances Quinzel sempre assistia em sua casa a reportagens, documentários e vídeos a respeito daquele assunto, demonstrando profundo interesse em conhecer mais sobre o mesmo, mas nunca havia presenciado — e visto com os seus próprios olhos — algo tão incrível.

— Vai ser muito divertido!

As lonas do circo tinham grandes listras cujas cores eram rosa e azul. Pequenas bandeiras coloridas foram penduradas ao redor do extenso Amusement Mile — o parque de diversões de Gotham City — que contava com os brinquedos mais incríveis que as pessoas da cidade poderiam imaginar. Brinquedos como rodas-gigantes, montanhas-russas, escorregadores altos, carrinhos bate-bate, aviões, kamikazes, trens fantasmas, canoas, pandeiros, cadeiras-de-dança e xícaras-dançantes. Harleen era pequena, mas sonhava em conhecê-lo aos poucos conforme o seu crescimento. A princípio, poderia ir aos que não lhe ofereciam perigo e assistir às atrações do circo, o que já a divertia bastante.

Os três desceram do veículo e adentraram o parque.

— É tão lindo! — exclamava a menina, bastante fascinada com as luzes, as tão variadas cores e a contagiante animação do local. Crianças corriam para todos os lados, fazendo com que os seus pais a seguissem. Outras, participavam de brincadeiras de tiro-ao-alvo para receberem prêmios. — A gente pode fazer tudo isso depois de sairmos do circo?

— Tudo não, meu amor. — A mãe respondeu, rindo. Trouxe a pequena para perto de si e a abraçou, acariciando os seus cabelos. — Mas nos divertiremos bastante. Afinal, é o seu aniversário. É um dia muito especial que deve sempre ser comemorado da melhor maneira possível.

Harleen retribuiu ao sorriso.

Em êxtase, observou acrobatas desenharem com os seus corpos ao saltarem, dançarem, girarem. Palhaços contavam histórias engraçadas em tons cômicos, arrancando risadas da plateia, e, posteriormente, mostravam-se bastante atrapalhados. Mágicos faziam itens desaparecerem no interior de suas cartolas e transformavam objetos em pombas brancas. Humanos fantasiados de animais também foram parte de uma das apresentações, de modo que elefantes e focas carregassem bolas em suas trompas e narizes, macacos escalassem as árvores do cenário e leões perseguissem seus treinadores. Tudo isso ao som de músicas fortes e divertidas. A plateia, às vezes, também interagia, batendo palmas e seguindo as letras que eram exibidas nos telões.

Harleen Frances Quinzel era uma criança extremamente feliz e, desde cedo, grata por ter pais que a amavam tanto. A cada ano, a menina vivia uma aventura inesquecível.

 

Adolescência

As acrobacias realizadas no circo fizeram Harleen ter uma visão completamente diferente do que eram os esportes e as atividades físicas.

Quando criança, detestava as aulas de Educação Física, pois não tinha a mesma habilidade prática das outras meninas de sua idade e, devido a isso, era alvo de constantes zombarias e ofensas. Os professores e diretores das instituições não levavam o assunto com seriedade e isso acabava fazendo com que seus pais a trocassem de escola o tempo inteiro, acreditando que, na próxima, tudo seria diferente. Conforme o crescimento, foi desenvolvendo um desejo inexplicável por determinadas atividades que não estavam dentro do currículo obrigatório. O pensamento ruim a respeito dos esportes foi se desconstruindo aos poucos, por mais que Harleen ainda não gostasse muito dos que estavam presentes em sua grade prontamente montada.

Na escola nova, caminhou pelos corredores, à procura de alguém que fosse capaz de cedê-la informações necessárias a respeito do funcionamento do local. Viu uma jovem que parecia ter a mesma faixa etária e se dirigiu até a mesma.

— Bom dia. — Tentou ser o máximo simpática possível, mas estava se sentindo como um peixe fora d’água. Não conhecia absolutamente ninguém ali. Além disso, todo o tratamento sofrido nas outras instituições a fazia tomar o maior cuidado do mundo para falar com outras pessoas. — Você poderia me dizer para onde devo ir para me inscrever nos esportes extracurriculares?

— Claro que sim. — Com o dedo indicador direito, esta apontou para um dos corredores à direita. O alívio que sentiu por ter sido tratada com naturalidade foi tão grande que temeu que a colega o percebesse. — Após seguir por aqui, vire a última esquerda e encontrará um pátio. Cruzando esse pátio, você vai chegar a uma área cheia de alunos que também estão querendo fazer as inscrições.

— Obrigada!

Harleen seguiu o caminho indicado e encontrou com facilidade o que tanto queria. No ginásio, filas eram divididas organizadamente de acordo com a modalidade escolhida por cada aluno. Placas grandes indicavam quais eram essas modalidades e seguranças se responsabilizavam pelas fileiras, para que não houvesse desordem e desonestidade. Observou atentamente as opções disponíveis, que consistiam em Vôlei, Boxe, Futebol, Corrida, Dança, Caminhada, Natação, Tênis e Ginástica, todas encaixadas em horários flexíveis. De todas, a última foi a que mais a atraiu. Soube que era o certo a ser feito. Sem relutância, caminhou até a pequena quantidade de alunos que se preparavam para preencherem a ficha e aguardou até que chegasse a sua vez.

— Diga o seu nome, por favor. — O professor pediu, com gentileza, quando não havia mais ninguém à sua frente. O tempo havia se passado com uma rapidez incrível.

— Harleen Frances Quinzel.

— Certo... — O homem disse, após procurar pelo seu nome na turma que foi posteriormente indicada. — Assine aqui. — Entregou uma caneta em sua mão e, com delicadeza, Harleen preencheu devidamente o espaço com a melhor caligrafia que pôde. — Esta folha tem todas as informações que você precisa saber. As aulas se iniciam semana que vem. Seja bem-vinda!

Deixou o ginásio com uma nova sensação. Percebeu, naquele instante, que a sua vida dentro daquele colégio seria inteiramente diferente da dos demais. Sentiu que permaneceria ali por um tempo maior e que, ao dar início àqueles exercícios, faria algo que a daria uma verdadeira paixão e a animaria para continuar seguindo os seus sonhos.

...

As coisas não aconteceram da forma como havia planejado.

Em relação à Ginástica, mostrou-se uma aluna extremamente habilidosa, surpreendendo a todos com a sua capacidade de aprender com rapidez os movimentos e as técnicas. No entanto, era a única área daquela escola que a trazia interesse, que a fazia realmente se dedicar para obter um bom resultado. Nas outras disciplinas, presentes na grade obrigatória, as suas notas não eram nem um pouco satisfatórias. A situação era tão preocupante que foi enviada à sua casa uma carta escrita pela própria diretoria.

— Querida... O que está acontecendo? — A sua mãe perguntou, ao conferir o boletim que havia chegado às suas mãos. Sempre que os assuntos eram delicados, a mulher tentava ser sutil, carinhosa, para que a filha não se sentisse desconfortável. — Quando mais nova, os seus resultados eram excelentes! Está havendo algum problema que eu não sei? Converse comigo, meu amor.

— Eu não sei, mamãe... — Realmente não sabia. A adolescente estava confusa, entristecida. Tentou colocar os pensamentos em ordem para que conseguisse se abrir. — Não consigo ter o mesmo interesse, a mesma disposição. Estou dentro das salas de aula e a vontade que sinto é a de que aquilo acabe o mais depressa possível. É como se estivesse presa, amarrada. Leio os textos, as questões de cálculos, as expressões algébricas, mas não é sempre que sei resolvê-los. Não sou capaz de prestar atenção no que os professores dizem do mesmo jeito que os outros prestam!

 — Se concentrar e prestar atenção nos conteúdos é fundamental para que a sua formação seja boa e te garanta um futuro qualificado. Você está tendo complicações para interagir com os seus colegas de classe?

— Dessa vez, não. O problema mesmo está dentro da sala de aula e do modo como as matérias são passadas. Sinto sono, cansaço, preguiça... É como se estivesse sendo sufocada! Quero fazer tudo aquilo, resolver as questões, terminar os exercícios, mas não dá! Não me sinto bem...

— Acredito que esteja dando importância demais à Ginástica e se esquecendo do que são as prioridades do curso, Harleen. Se isso continuar atrapalhando o seu desempenho, eu e seu pai teremos que tirá-la desse esporte.

— Não! — A menina exclamou, entrando em desespero. — Qualquer coisa, menos isso! A Ginástica abriu muitas portas para mim, mamãe... E me fez ter vontade de trabalhar no circo!

Subitamente, a mulher se levantou, levando as mãos à cabeça, em um sinal de preocupação. Naquele momento, a filha percebeu que nunca havia falado aos pais sobre a área em que desejaria trabalhar, e sentiu-se triste quando a mesma lhe lançou um olhar de tristeza e decepção.

— Precisamos ter uma conversa muito séria.

O seu pai foi chamado e se sentou no grande sofá em que ambas já se encontravam antes. A sala era um ambiente confortável, com uma lareira mais à frente, um tapete, abajures e mesas nas quais vasos de flores foram cuidadosamente colocados. Nas paredes, pinturas dos mais variados tipos foram penduradas. O piso de madeira reforçava ainda mais a sua beleza rústica. O homem se virou para a filha, com uma séria expressão no rosto.

 — Sabe que nós a amamos e que queremos o que é melhor e mais promissor para você, não é?

Harleen assentiu. Estava temendo o rumo que aquilo tomaria. Rumo que, certamente, não seria agradável. Não tinha nenhuma sensação otimista e, em seu subconsciente, já sabia o que seria decidido e planejado.

— Então sabe também que nos esforçamos para que estude em uma instituição bem estruturada e altamente capacitada para garantir o seu futuro. Com uma bagagem forte, será capaz de passar para qualquer um dos grandes cursos que lhe forneçam um grande trabalho e a façam ter uma condição aceitável. Queremos que siga uma carreira, querida. De preferência, dentro da área medicinal. É o melhor, para que não passe fome e não sofra. — Ele fez uma pausa, respirando fundo, antes de dar continuidade à fala. — Para isso, é preciso que tenha concentração e foco, o que não está acontecendo no momento. Entenda que não estamos fazendo isso por mal, mas, se suas notas não melhorarem, seremos mesmo obrigados a trancar as aulas de Ginástica, como a sua mãe já havia falado.

— Fariam mesmo isso comigo? — Harleen se levantou, sem querer ouvir mais daquilo. De súbito, sentiu uma enorme raiva de ambos, pois não a compreendiam e pareciam não se esforçar para isso. Não apoiavam o seu sonho de entrar em uma equipe de circo e entreter as pessoas que desejavam ter uma noite alegre depois de um dia — ou uma semana — triste. A Ginástica havia feito com que desenvolvesse esse dom e descobrisse a sua paixão.

Subiu os degraus da escada e bateu a porta do quarto, enquanto o casal insistia em chamá-la. Sentou-se sobre o colchão da cama e abraçou com força um palhaço de pelúcia, debulhando-se em lágrimas sobre este. Nunca imaginaria que passaria por aquela situação e que não receberia o a aprovação das pessoas que mais confiava.

Adormeceu.

Horas depois, quando despertou, levantou-se e parou de frente para o espelho, observando o próprio reflexo. Seu corpo estava mais forte, resistente às práticas físicas, e tinha ganhado mais músculos. Apesar de ser notório que sua aparência estava muito melhor do que antes, a jovem ainda se sentia feia e não gostava de si mesma. A necessidade de utilizar óculos também contribuía para isso, pois o objeto fazia com que o seu rosto parecesse ter outro formato.

Levou as mãos às pernas e as acariciou, percebendo que, se utilizasse as vestimentas corretas, poderia ser capaz de atrair outras pessoas, mesmo que não se sentisse bonita. Foi quando, de súbito, um grande plano veio à sua mente. Um plano que, se desse certo, impediria que os pais atrapalhassem o seu sonho, pois não teriam nenhum motivo para tal atitude.

...

Sem avisá-los, tomou a liberdade de, no dia seguinte, ir à loja de departamento mais próxima da residência e renovar as vestimentas que se encontravam em seu armário. Tomaria um verdadeiro banho de roupas e mudaria o visual por inteiro, em busca de cumprir os seus objetivos.

Para a parte de cima, escolheu blusas de diversas colorações cujos decotes exibiam parte de seus seios. Para a de baixo, shorts e minissaias escuras, além de meias largas e botas pretas. O preto era uma de suas cores favoritas, estando sempre presente em seu visual. Por vezes, era criticada por isso, pois se tratava de uma cor que remetia à escuridão, ao gótico. Isso a chateava e a fazia se perguntar se deveria mesmo utilizá-la.

Quando retornou ao colégio, todos a olharam de uma forma completamente diferente, mas nenhum deles dirigiu alguma palavra. Agiam como se nada houvesse acontecido, mas os seus olhares os denunciavam. Harleen apenas os ignorava e caminhava até as salas de suas disciplinas.

Decidiu chegar mais cedo, para que tivesse a oportunidade de ocupar um assento na frente. Fingiu demonstrar ter mais interesse em todas as aulas, pois agora tinha uma forte motivação para que isso acontecesse. Surpresos, os professores começaram a notá-la mais e a lhe conferir mais elogios. Harleen se aproveitava disso para se aproximar de cada um. A maioria eram homens, o que facilitava a concretização do plano.

Certo dia, esperou até que todos se retirassem, desejando conversar a sós com um dos professores. Este não era muito mais velho, estando, talvez, entre os trinta e trinta e cinco. A jovem não se sentia atraída, mas reconhecia que era um homem belo.

— Estou orgulhoso de você, Harleen. O seu crescimento e a sua participação em minhas aulas têm sido bem notórios e dignos de reconhecimento. Você estava com dificuldades antes?

Harleen engoliu em seco, sentindo raiva. Adultos tinham um incrível costume de pensarem que tudo se resumia a facilidades e dificuldades, e que não existiam problemas que os jovens enfrentavam. O que a revoltava era que os mesmos também haviam tido aquela idade antes, e pareciam simplesmente não compreender o que era vivenciá-la, como se tivessem pulado a juventude inteira e magicamente se transformado em adultos.

— Sim... Mas acho que já as superei. — Com delicadeza e lentamente, ergueu uma de suas pernas e a cruzou sobre a outra, deixando-as à mostra. Esboçou um sorriso tímido para este e continuou a falar. — Não foi só em suas aulas... Percebo que estou melhorando em tudo.

— Que ótimo! Fico feliz por saber! — A sua alegria em saber daquilo parecia sincera. — Nós, os professores daqui, sempre buscamos nos tornar o mais próximo de amigos para vocês, mesmo que, às vezes, isso seja um pouco difícil, e também trazer uma visão de mundo cheia de conhecimentos.

— Eu é quem fico feliz por ter descoberto isso antes de ser tarde. Tenho medo de ser reprovada... — A menina colocou os cotovelos sobre a mesa e levou a cabeça às mãos, simulando um quase choro. Conforme pronunciava as palavras, a sua voz ficava mais fina. — Os meus pais não iriam me perdoar nunca.

— Não se sinta assim... Nunca é tarde para recuperar o prejuízo. Se começar a estudar bastante e se empenhar, como vejo que tem feito, nada vai atrapalhar a sua aprovação.

— O senhor acha possível? Às vezes me sinto tão burra... — Esboçou um sorriso tímido, demonstrando confiar em suas palavras. Precisava demonstrar fragilidade, sensibilidade, tornando-o capaz de consolá-la. Através desse método, conseguiria atraí-lo aos poucos.

...

Utilizou estratégias diferentes de acordo com a personalidade e os interesses de cada professor. Aprendeu a ler nas entrelinhas o que estavam pensando e sentindo, demonstrando interesses nos assuntos que cada um falava dentro e fora de suas aulas. Convenceu-os a ajudarem no aumento de suas notas e não falarem sobre isso aos seus colegas, de modo que um não soubesse que o outro o fazia. Harleen aproveitava para falar bem de cada professor para outro, de modo que comentários por trás eram feitos a respeito de seu talento, sua capacidade e sua inteligência. Continuou sendo uma excelente aluna na ginástica e isso, posteriormente, fez com que obtivesse uma bolsa na Gotham State University para cursar Medicina.

 

Fase Adulta

Iniciou o curso completamente desinteressada. No entanto, sabia que a área da saúde era uma das mais bem remuneradas de onde viviam e que, se passasse alguns anos trabalhando nessa área, poderia garantir uma excelente vida financeira e trabalhar com o que realmente gostasse. Esse era o sonho de muitos que tinham a oportunidade de “subir na vida”, como aqueles que tinham condições econômicas muito menores do que as suas e, através de esforços, obtivessem vagas nas melhores instituições para, finalmente, conseguirem estabilidade. Portanto, apesar de guardar uma profunda mágoa com os seus pais e uma insatisfação com o rumo em que as coisas tomavam, agarraria essa oportunidade com força.

 No curso, Harleen entrou em contato com um pouco de cada especialidade, antes de escolher a sua. Dentre a grande variedade de leques possíveis para definir o seu futuro como médica, a sua preferida foi Psiquiatria. Harleen gostava de estudar o comportamento dos indivíduos e acreditava que se sentiria bem ao contribuir para a melhoria de diversos pacientes que necessitavam de avaliações e reabilitações para as suas doenças mentais. Muitas dessas doenças até aqueles dias não tinham cura, e a jovem desejava realizar pesquisas para desenvolver essa cura.

O que era uma farsa durante o colegial se tornou realidade. As suas notas, sem precisarem de mentiras, truques e jogos, estavam sendo altas. Não era a melhor aluna, mas os resultados eram muito mais satisfatórios do que a fase turbulenta vivenciada anos atrás.  Um alto coeficiente de rendimento permitia que tivesse mais experiências dentro do campus, como entrar em laboratórios mais puxados, monitorar algumas disciplinas e, até mesmo, obter uma boa vaga de estágio.

Harleen estagiou em uma clínica por um tempo curto e, posteriormente, foi convocada para assumir o cargo de uma antiga funcionária no Arkham Asylum. Inicialmente, pensou em recusar a oferta, temendo que a segurança do local fosse fraca e que corresse sérios riscos com os pacientes de lá. No entanto, a oferta parecia irrecusável e contribuiu para que decidisse aceitar ocupar a vaga.

O táxi percorreu a larga ponte que ligava Gotham à Ilha de Arkham e a jovem observou a vista que se formava a partir daquele ângulo. Vista esta que consistia na distante enseada, prédios grandes, luzes e nuvens que encobriam inteiramente as oito octas do céu, tornando o clima terrivelmente nublado. O mar refletia as imagens dos prédios e do céu.

Quando o conheceu, antes de passar pelo portão principal, Harleen havia notado que o Arkham Asylum era um local tenebroso e assustador. As letras foram grafadas em um portal situado acima desse portão e em um formato que contribuía para essa opinião. Mais à frente, no interior do lote, altas construções chamaram a sua atenção. Eram três grandes prédios interligados por torres, cujos materiais de construção, como telhados e tijolos, eram escuros.  

Após se identificar, a sua passagem foi permitida. Entregou o dinheiro necessário ao motorista e se despediu do mesmo, adentrando as áreas do asilo. Seguranças se dirigiram de uma das entradas e a conduziram pelo caminho que seguiria para chegar até seu quarto.  Os corredores tinham uma iluminação fraca e eram cercados de grades, colocadas com o propósito de impedir a fuga de pacientes insanos.

Ouviu gritos distantes, certamente de pacientes que estavam em conflito uns com os outros. Isso a fez sorrir. Desde brinquedos de parques de diversões a momentos mais perigosos, Harleen Frances Quinzel sentia prazer em situações que a traziam sensações de adrenalina e euforia. Ao mesmo tempo que se sentia assustada, também se sentia desafiada, contagiada.

Com um risinho, se jogou sobre o sofá, esticando as pernas sobre uma mesa pequena que se encontrava à sua frente. Respirou fundo e, assim que percebeu que estava sozinha, gargalhou.

...

Harleen foi informada de que o seu paciente atendia pelo nome de Coringa. O mesmo se encontrava em uma ala reservada somente para si, devido ao seu comportamento agressivo. De acordo com os relatos que vieram até as suas mãos, Coringa era um ser extremamente violento e perigoso, o que se tornou ainda mais desafiador para a psiquiatra. Por causa de sua mente insana, escapou da prisão e necessitou passar por um forte tratamento.

A jovem possuía um jaleco inteiramente branco por cima de suas vestes e os cabelos louros foram presos em um rabo de cavalo. Por dentro, havia uma camisa social vermelha acompanhada de uma gravata preta. Além disso, estava com os seus óculos da mesma coloração da gravata.

Surpreendeu-se ao notar que Coringa também a olhava. Com os seus olhos arregalados, o homem ficou em silêncio, enquanto analisava a nova médica que se encontrava à sua frente. Harleen se surpreendeu com a aparência do mesmo, pois a sua pele era bastante branca e pálida. Os cabelos eram verdes. Ao redor dos olhos, predominava a cor preta. Ao redor da boca, os músculos pareciam deformados, pois aparentavam estar sempre em formato de um sorriso extremamente vermelho.

— Ele ficou assim após sofrer um acidente. — disse uma de suas colegas de trabalho, responsável por guiá-la até o paciente. A jovem a ouvia atentamente, disposta a conhecer um pouco mais a respeito daquele sujeito. — Coringa caiu em um tonel cheio de produtos químicos e a sua pele sofreu os efeitos colaterais causados por esses produtos. Nunca mais foi o mesmo depois do que aconteceu e se tornou completamente louco. Tome muito cuidado!

A mulher parecia ter um medo enorme do homem, mas Harleen não compartilhava do seu sentimento. Estava em seus pensamentos um misto entre curiosidade, ousadia e, ao mesmo tempo, insegurança. Sensações completamente conflitantes uma com a outra. Harleen sempre teve atração por personalidades fortes e extremas, pois eram mais excitantes e um toque de glamour em super criminosos.

...

Mais tarde, quando se dirigiu ao seu quarto, surpreendeu-se ao encontrar um objeto inesperado acima da mesa de cabeceira. Aproximou-se e descobriu que se tratava de uma garrafa de vinho. Sobre a tampa desta, foi pendurado um pequeno bilhete, que tinha escrito apenas a letra C e o desenho de um Coringa semelhante ao das antigas cartas de baralho. Ergueu as sobrancelhas e apanhou o objeto, encarando-o de perto.

...

A Dra. Quinzel vestiu o jaleco branco, colocou o óculos e deixou a prancheta em baixo do braço. Em seguida, caminhou pelos largos corredores e adentrou a sala que seria utilizada para realizar o tratamento terapêutico com o seu paciente, cujo código era #4479. Aquela seria a primeira sessão oficial, e esperava que fosse minimamente satisfatória.

— Bom dia. — Uma grande mesa delimitava a distância entre ambos. Seguranças observavam o local de longe, caso o paciente tivesse comportamentos agressivos e de risco para a médica. — Poderia me informar o seu nome, por favor?

Obviamente, através das fichas e relatórios recebidas sobre o homem, já o sabia, mas gostaria de saber se ele mesmo pronunciaria. Rapidamente, teve a resposta para o seu questionamento.

— Prefiro que me chame de Coringa. — Coringa respirou fundo e fez uma pausa. Por mais que, naquele momento, o tom da voz fosse sério, o formato do rosto fazia com que parecesse sorrir o tempo todo. Isso, definitivamente, era assustador. Mas, para Harleen, era fantástico. No entanto, ela precisava ser profissional e não poderia demonstrar isso. — Ou Senhor C, para os íntimos. — Ao dizer isso, esboçou um sorriso provocante e piscou, o que a deixou desconcertada por poucos segundos. Recuperando a compostura, voltou a se concentrar em sua tarefa.

— Percebo que gosta bastante de atenção... Que olhem para você e ouçam o que tem a dizer. Talvez por isso tenha tentado matar o seu antigo psiquiatra. Estou errada?

— Oh, você acha? — Coringa colocou os cotovelos acima da superfície da mesa, uniu as mãos e apoiou o queixo sobre estas, encarando-a com um olhar de desdém. — A senhorita é realmente inacreditável! 

— Tenho uma pergunta a fazer... — O seu tom de voz era sempre calmo, cuidadoso, imparcial. Se tivesse qualquer reação diferente diante do que o paciente dizia, isso poderia causar um problema. — Como aquela garrafa de vinho foi parar em meu dormitório? Foi você quem a colocou lá?

— Algumas coisas nunca devem ser respondidas, senão a graça acaba. Um mágico nunca revela os seus truques! — Após mais uma piscadela, o sociopata bateu freneticamente com as mãos sobre a mesa, exibindo os seus dentes em um largo sorriso.

A primeira sessão não teve grandes resultados, mas Harleen já esperava que isso fosse acontecer. Afinal, ninguém a havia dito que Coringa seria um paciente fácil de lidar. Pelo contrário. A repercussão deste no Arkham Asylum não era das melhores. Diversos psiquiatras já foram responsabilizados pelos seus cuidados, mas nenhum realmente conseguiu. Esse histórico fez com que a doutora pensasse em diversas formas de recriar o tratamento, fugindo dos métodos tradicionais e buscando formas de tentar compreender o universo do paciente, pois tudo o que era dito por ele funcionava como uma realidade paralela na qual somente ele fazia parte. Chegando a essa verdade, talvez Harleen fosse capaz de descobrir uma maneira eficiente de curá-lo.

Conforme mais sessões ocorriam, mais próximo da médica Coringa se sentia. Revelou que o seu nome era Joseph Kerr, o que fez com que ela sentisse que houve uma grande melhora. Além disso, fazia confissões que batiam com os relatos fornecidos pelos psiquiatras anteriores.

— Quando pequeno, sofri nas mãos de meu pai. — O estonteante, alegre e irônico paciente se transformou em um ser entristecido, cujo olhar era mais forte e mais profundo do que o eterno sorriso estampado em seu rosto. — Não foi nem um pouco fácil! — O seu tom de voz variava conforme a intensidade de cada frase que pronunciava. — Ele bebia muito, até ficar completamente louco, e me agredia. Quebrava garrafas e abria feridas em meu corpo... Só tive uma lembrança boa: a de quando, um dia, fui levado ao circo. Foi tão bom ter a sua companhia e rir dos palhaços e das apresentações engraçadas! Eu amo o circo! — Os seus olhos brilhavam enquanto se recordava do momento especial, mas, aos poucos, foram voltando a ficar sérios. Falar do circo despertou na Dra. Quinzel uma memória da infância e um antigo sonho de trabalho. — Um dia, mamãe apanhou uma faca para se defender de suas agressões. Ele a puxou de sua mão, olhou para mim e perguntou?: “Por que está tão sério?”. Depois, usou a ponta da lâmina para abrir em minha boca o sorriso que está vendo hoje.

Harleen ficou horrorizada. Acreditava que a sua vida fosse difícil por não ter tido o seu sonho apoiado, mas, diante daquela terrível história que chegava aos seus ouvidos, percebeu que não tinha sofrido tanto. Perguntou-se o que mais de ruim havia se desenrolado após aqueles fatos. Teve rapidamente a resposta para a sua pergunta.

— Pense em uma criança que teve o seu pai morrendo na sua frente! Pense! E a sua mãe, com o tempo, foi ficando muito doente e também morreu. Essa criança cresce, se casa e passa a trabalhar em uma fábrica de produtos químicos. Para minha esposa, que estava grávida, ter uma vida digna, decidi invadir essa fábrica e roubá-la Minha esposa morreu eletrocutada durante o crime... Mais tarde, recebi o apelido de Capuz Vermelho. Tudo deu errado porque ele me encontrou...

— Quem? — perguntou, pacientemente.

— O Batman! — O berro de Coringa foi tão alto que fez com que a jovem saltasse da cadeira. Harleen respirou fundo e continuou ouvindo atentamente o que estava sendo dito, parando, em alguns instantes, para fazer anotações na prancheta. — Com aquela insuportável fantasia de morceguinho. Nós brigamos. Eu quase o matei! Cheguei bem perto, inclusive. Mas, durante a luta, o desgraçado me empurrou e fez com que caísse em um tanque cheio de produtos químicos que estragaram a minha pele. Ele arruinou a minha vida!

O Homem-Morcego. Um misterioso sujeito, que vestia uma roupa preta e atacava criminosos em Gotham City.  Harleen Frances Quinzel ouvia falar de seus feitos heroicos, mas não nutria nenhuma simpatia por aquela figura. Depois de conhecer a história de Coringa, a sua sensação de repulsa por Batman aumentou ainda mais. Ele pode não ter sido o primeiro causador do inferno da vida de seu paciente, mas havia contribuído bastante para que ele passasse por todo aquele sofrimento e enlouquecesse. Colocou-se no ponto de vista de Joseph Kerr, o antigo Capuz Vermelho e atual Coringa, e imaginou que, se estivesse em seu lugar, talvez tivesse se tornado a mesma pessoa.


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Notas finais do capítulo

O que acharam?
Espero não ter decepcionado ninguém!



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