Mudança de Planos escrita por Honeyzinho


Capítulo 16
Capítulo XVI • Azar


Notas iniciais do capítulo

Ei, pessoal. Custei, mas apareci.

Explico o sumiço nas notas finais, então não deixem de dar uma olhada lá, combinado?

No mais, desejo uma excelente leitura a todos! ❤



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Justificar uma janela estilhaçada até que não foi difícil. Omiti o fato de Robert Müller e eu estarmos nos agarrando na cozinha, e inventei que lia um livro no quarto quando tudo aconteceu. 

— Quando desci, não vi ninguém por perto. Não sei, mas devem ter sido vândalos, ou simplesmente crianças malcriadas - foi o que eu disse a minha mãe, que parecia a ponto de explodir enquanto analisava e contabilizava o estrago. 

Agora, falar da fatalidade do dia seguinte sem ser sincera me custou um pouco mais de criatividade, então assim que o pessoal da Enfermaria telefonou para Janice, tratei logo de engolir a dor e comecei a elaborar um discurso sobre ter tropeçado num canteiro e, sem querer, acabar me machucando feio. Completei, dizendo que Robert estava por perto e me ajudara.

Por mais improvável que fosse, até que soei convincente, e mamãe me fez o grande favor de acreditar.

Parte de mim sabia que eu não devia ter inventado uma história. Contudo, a outra metade tinha a plena convicção de que seria julgada mais uma vez, e por isso escolhi não entregar Sam, ou explicar que o motivo de sucessivos azares, era, simplesmente, a minha existência. 

Por toda a minha vida colegial eu passei por maus bocados, e mamãe jamais me levou a sério - sempre colocando a culpa em mim por não agir com firmeza, ou qualquer outro tipo de postura que, na cabeça dela, me isentaria de sofrer nas mãos dos populares.

Quero dizer, ela nunca se importou, e àquela altura, eu não queria ouvir mais um discurso vazio. Eu só queria ir pra casa, aproveitar minha própria companhia, e pensar em como seria viajar para Washington com um tornozelo enfaixado.

E assim aconteceu.

Passei o resto do dia em meu quarto, com a perna engessada apoiada num travesseiro, acompanhada de Netflix e muita pipoca com manteiga. Havia tomado alguns anti-inflamatórios e analgésicos, então a dor não me incomodava tanto.

Distraída, e totalmente submersa no mundo da ficção, eu quase não percebi quando alguns barulhinhos começaram a acertar minha janela, como se fossem enormes gotas de chuva.

Mas sequer chovia.

Pausei o filme e, me arrastando sobre a cama, fui olhar contra o vidro. Honestamente, e por mais ilógico que fosse pensar nisso, achei mesmo que aquela visão se tratasse algum tipo de efeito esquisito dos remédios.

Conferi a hora em meu celular e, quando vi os números marcarem algo próximo de meia-noite, duvidei ainda mais da minha lucidez por eu estar ali, vendo Rob Müller, em meu jardim, olhando pra mim com um belo sorriso no rosto.

— O que você faz aqui? - perguntei.

Devolvendo as pedrinhas para a grama, ele suspirou e deu de ombros, tornando a sorrir pra mim mais uma vez, assumindo que precisava saber como eu me sentia.

— Posso entrar? - Rob perguntou e, antes que de eu formular uma resposta,  sumiu de vista. 

Cogitei a possibilidade de que ele tivesse ido tocar a campainha, o que quase me levou a loucura, já que sem dúvida alguma acordaria minha mãe.

— Cadê você? - tentei perguntar num tom que Müller ouvisse, mas sem gritar para não fazer alarde.

— Aqui. Você poderia chegar um pouco pra lá? - naquele momento eu soube: nada mais clichê poderia atingir a minha vida. Quero dizer, o cara mais popular e bonitão do colégio entrando no quarto da nerd deslocada? 

É, admito, aquilo mexeu com minhas entranhas, porém não tive tanto tempo quanto gostaria para continuar admirando sua beleza, ou pensando sobre desejos carnais que eu não costumava ter antes de conhecê-lo.

No instante em que Rob me fitou, com seus olhos azuis cintilantes, e vi um hematoma se formando na altura da maçã esquerda do rosto, meu cérebro parou de pensar naquelas coisas obscenas, e focou apenas nisso: ele, por algum motivo, tinha se machucado.

E meu pressentimento não era nada bom.

— O que houve com você?

Em resposta à minha pergunta, ele primeiro engoliu o sorriso de pestinha. Em seguida, torceu a boca de um jeito como quem diz "ah, não quero falar disso", e eu, obviamente, bufei como um touro bravo.

— Se não vai contar, pode ir embora – dei de ombros, tornando a me encostar nos travesseiros, exatamente como eu estava antes de sua visita inédita.

— Não foi nada de mais, tá legal? - ele garantiu, seguindo até mim e se sentando na beirada da minha cama. 

— Você brigou com alguém, não é? – questionei. 

Müller estava estranho, de um jeito como eu ainda não havia presenciado. Nem triste, nem furioso e muito menos estressado, apesar daquele roxo compondo seu rostinho bonito. Era como se estivesse pairando no ar, em busca de uma resposta.

Perdido, ele parecia muito perdido.

— É. De certo modo, sim - ele começou a falar, sem ficar me encarando muito - Dylan e eu nos desentendemos. Coisa de idiota, não precisa se envolver.

— Mas, Rob... - tentei dizer, e logo ele me interrompeu, implorando para que não tivesse que tocar naquele assunto outra vez.

Pensei em externar meu descontentamento em voz alta, mas após refletir por um momento, cheguei à conclusão de que eu realmente não tinha nada a ver com aquilo, e que ele não me devia nenhum tipo de satisfação.

— Tudo bem - disse por fim.

Ele ficou olhando pra mim por um bom tempo, calado, e com aquela aura misteriosa e inquietante ainda presente. Algo tinha acontecido, e meu sexto sentido, mesmo não sendo dos melhores, gritava isso em meus ouvidos. 

No entanto, e com um esforço descomunal, guardei esse sentimento comigo e decidi puxar assunto, falar de qualquer outra coisa mais amigável e mansa do que o seu hematoma novo. Funcionou. Logo observei a expressão de Müller se transformar, e ele ficar muito mais à vontade.

Até catou algumas almofadas da minha cama e se acomodou no carpete, deitando com as mãos atrás da cabeça - de um jeito que ressaltava mil vezes mais seus braços torneados de atleta.

Passei as mãos no rosto algumas vezes, tentando disfarçar minha vermelhidão, esforçando-me ao máximo para manter uma conversa normal - de amiga para amigo. Ou qualquer outra coisa que fôssemos depois de tantos beijos que, admito, não saíam da minha cabeça. 

— Você vai a Washington ainda, não é? - ele perguntou me tirando um pouco do mundo dos sonhos. Balancei a cabeça pra dizer que sim. 

— Não foi uma lesão muito séria. Só preciso tomar os remédios e evitar movimentos aventureiros.

— Ainda bem que você não é nenhuma espoleta - ele falou, abrindo mais uma vez seu sorriso branco.  

— Como pode dizer isso? Você nem me conhece direito – insinuei sarcástica, e ele pensou um pouco antes prosseguir.

— Conheço o suficiente pra dizer muitas coisas.

Ah é? 

Em silêncio, Rob deixou seu cantinho e se ajoelhou, debruçando-se em minha cama e olhando pra mim de um jeito intenso. Aqueles olhos azuis eram sempre surpreendentes, instigantes e totalmente maliciosos.

Aqueles olhos me faziam sentir coisas.

E, por mais que eu não quisesse admitir, Robert Müller me fazia sentir coisas também.

Eu gostava dele. Talvez fosse até um pouco mais do que gostar - o que, claro, não ajudava a deixar a situação mais fácil. Quero dizer, ele ainda era o cara popular, encrenqueiro e galinha, que, como quem não quer nada e de um jeito completamente sedutor, passou a mão por uma mecha do meu cabelo, colocando os fios atrás da minha orelha.

Em seguida, ergueu o corpo, aproximando-se ainda mais. Eu podia sentir seu cheiro. O perfume cítrico era o mesmo de sempre. E eu, obviamente, já tinha me rendido por completo.

Sua respiração estava pesada e me dava arrepios. Acho que qualquer coisa que ele fizesse seria sexy demais. Rob lambeu os lábios olhando para a minha boca, e eu só queria que ele me beijasse de novo. E de novo.

E de novo.

Suas mãos tocaram meu rosto e, como se houvéssemos ensaiado, eu fechei meus olhos. O ouvi murmurar algo quase inaudível, porém não parei para questioná-lo sobre coisa alguma. Minha expectativa estava em outro assunto naquele instante. 

No entanto, o instante não veio.

Voltei a encará-lo, e o vi engolir em seco e piscar muitas vezes, como se estivesse acordando de um devaneio fortíssimo. Müller então quebrou o nosso contato e ficou de pé, ajeitando sua roupa. 

Eu podia sentir meu coração fazer uma batucada dentro de mim, enquanto o assistia se afastar mais e mais.

— O que houve? - perguntei confusa. Eu tinha feito algo de errado? 

— N-nada - ele respondeu atordoado, e ainda forçou um sorriso. Mentiroso— Eu só... Eu só preciso ir pra casa. Temos uma viagem amanhã, certo?

— Oh, é - falei sem graça, me sentindo uma completa idiota por continuar fomentando aquela coisa que não parava de queimar dentro de mim. Não ficaríamos juntos, e meu subconsciente precisava entender isso. Nós sempre fomos diferentes demais pra conseguir essa proeza - Até logo.

— Sim, até logo - Müller soltou e, com aquele sorriso que não me convenceu, saiu pelo mesmo lugar de onde havia entrado.

...

Além de nerd, deslocada e causadora de problemas entre a nobreza colegial, agora eu também estava manca - e isso não melhorou minha posição social na hierarquia do Instituto Dimsdalle. Muito pelo contrário.

Quando cheguei ao colégio na noite seguinte, tendo que equilibrar uma mochila e muletas, todo o último ano parou para me assistir. As cenas do dia anterior ainda estavam frescas em suas mentes, então era perfeitamente entendível que fofocassem.

Tentei não me ater a esses detalhes, e segui até um dos ônibus que nos levaria a Washington, onde o motorista, que organizava nossas bagagens, me ajudou a entrar e me acomodar num dos assentos da frente. 

Fiquei ali por longos minutos, pensando que podia ter aproveitado do acidente pra ficar em casa, mas seria covardia demais até pra mim. Quero dizer, eu tinha decidido parar de me esconder, então não podia voltar atrás. 

E não voltei.

Era meu futuro que estava em jogo, e eu zelaria por ele, custando o que custasse.

Em meio a esses pensamentos revolucionários, vi parte do último ano entrar no transporte. Os mais bagunceiros e faladores foram direto para o fundo, seguidos dos populares. Já a parte da frente foi tomada pelos esquisitos e deslocados, que preferiam viajar ao som de alguma música ou lendo um livro qualquer.

Quando Rob passou por mim, sequer se deu ao trabalho de me cumprimentar, o que me deixou com uma sensação de vazio, como se não fosse boa o suficiente. Aquilo também me fez pensar na noite anterior. Alguma coisa tinha acontecido, alguma coisa tinha mudado em nossa relação.

Entretanto, respirei fundo e tentei não ficar tão chateada, porque afinal de contas, ele estava num papo caloroso com seu amigo, Joshua, e talvez não tivesse me visto mesmo.

Olhei contra o vidro, tentando imaginar a universidade, as possibilidades e até mesmo o tipo de discurso que eu faria para que minha mãe permitisse que eu fizesse Gastronomia caso fosse aprovada.

— Tem alguém aqui? - ouvi a voz soar logo ao meu lado e, quando virei meu rosto para responder, as palavras pararam no meio do caminho.

— Acho que sim, né? Tudo bem, vou me sentar em outro... - ele começou a dizer e eu me segurei para não soltar um grito esganiçado, impedindo que o fizesse.

— Não tem ninguém, Fred. Pode ficar - disse, e o atleta sorriu, acomodando-se ao meu lado e perguntando como eu estava. 

— Ah, não sinto dores. Estou muito medicada, sabe como é - respondi, e ele logo balançou a cabeça em negativa.

— Queria saber como você estava - ele pensou um pouco - Mas de qualquer modo, fico feliz que seu tornozelo esteja bem.

Dei uma risada, e contei que não andava mal.

— Não que eu esteja tendo sucesso como meu tornozelo, mas até que não posso reclamar - soltei, e dessa vez foi ele quem riu. Um sorriso tão bonito, tão honesto, tão diferente de Müller.

Quando pensei em perguntar como ele se sentia, como ia a vida, as notas no colégio e tudo o mais, a coordenadora do último ano deu as caras, passando as regras da viagem para a turma, e avisando como seria o esquema de acomodação no hotel reservado.

— Como já sabem, cada quarto acomoda até três alunos. Vou passar a distribuição que organizamos, então anotem o número do quarto reservado em seus nomes, combinado? - e assim, ela passou uma prancheta para a turma, com uma lista onde constavam sempre três alunos e, logo ao lado, um número.

Como estávamos na frente, não demorou que o documento chegasse até minhas mãos. Queria eu ter esperado mais para saber daquela notícia. Queria eu não ter assumido a ideia de ser uma pessoa corajosa. Queria eu ter ficado em casa.

— Que cara é essa? - foi o que Fred me perguntou enquanto eu ainda assimilava mentalmente o meu talento para o azar.

Eu ficaria no quarto 201, com Vanessa e Trish – as melhores amigas de Samantha Gray.


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Notas finais do capítulo

Pessoal, estou praticamente dando ctrl+c ctrl+v no recadinho que deixei na outra fic (Doce como Mel), pra avisar que eu vou me formar no meio do ano, e que tenho um TCC para dar vida. Por isso, tem sido complicado atualizar aqui - e acredito que eu só vá fazer isso de novo no meio do ano.

Peço que entendam e sejam pacientes.

Espero que tenham gostado do capítulo e, só pra ficar claro, eu vou continuar escrevendo os próximos nesse meio tempo pra não deixar acumular e conseguir postar tudo num prazo menor quando eu retornar de vez - já que minha meta é concluir Mudança de Planos até o fim do ano.

Então.. bom, acho que isso é tudo. Não deixem de comentar, ok? Cada palavra é muito importante pra mim.

Beijinhos de luz. Volto em breve! ✨



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