Desafio de mini fics Star Wars escrita por Livia Y


Capítulo 11
Depois da Chuva


Notas iniciais do capítulo

Sugestão de Lady Liv aqui no Nyah: "Rey morre no parto, Kylo tenta reunir forças para criar o bebê sozinho."



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Ele se arrasta pelo longo caminho de pedras como um droide quebrado, indiferente à chuva fina que respinga devagar, mas com insistência suficiente para encharcar o manto sobre seus ombros. Uma procissão o acompanha chorando baixinho, num murmúrio indistinto que se mistura ao tamborilar das gotas d’água, mas ninguém lamenta abertamente. O choque parece ter roubado de todos a capacidade de gritar, de se desesperar, e tudo parece estranho e surreal, como o transe da meditação profunda, talvez como sonhar acordado.

Não.

É como estar preso nos primeiros instantes após despertar, tomado pela desorientação que precede a vigília plena. Ele não tem certeza de onde está, não se recorda de como chegou até ali, nem como se vestiu, ou se comeu algo no dia anterior.

Sua última lembrança, porém, envolve água, escorrendo pelas pernas morenas de Rey, que sorri para ele segurando a enorme barriga e diz “chegou a hora, minha bolsa se rompeu”, enquanto ele corre para erguer a garota nos braços, beijá-la. A lembrança se desmancha como fumaça num temporal, como o vapor fugaz em que a água se transforma ao cair na lâmina de um sabre de luz, e ele não percebe a água que também se derrama de seus próprios olhos: quente, amarga, escorrendo por seu queixo lavada pela chuva.

Tudo parece borrado ao seu redor, e ele caminha para frente sem um propósito, sem saber em que cidade está, em que planeta, em que tempo, em que vida. Sua única certeza é a dor que o atordoa, aguda e dilacerante. Talvez esta seja sua sina, carregar sempre uma dor diferente que nunca acaba, nunca acaba, renovando-se cada vez que ele consegue se desvencilhar do sofrimento anterior. A escuridão o espreita de algum lugar para além da chuva, mas nem mesmo suas promessas de conforto e poder são capazes de atravessar as camadas de sofrimento ao redor de Ben Solo. Essa nova dor, inadmissível e intolerável, o recobre como uma carapaça, uma nova prisão.

Ele não vê o esquife que carregam à sua frente, não sente os braços que o apoiam, não ouve alguém lhe perguntar se ele tem forças para continuar andando.

* * *

Ele não sabe de onde veio, nem aonde está, mas sente o frio congelar seus ossos. Seus cabelos úmidos lhe caem sobre o rosto, enevoando sua visão. Ele não se importa em retirar o obstáculo da frente de seus olhos, prefere não enxergar. Alguém remove o manto de suas costas com dificuldade. A mesma pessoa o empurra gentilmente até uma cadeira, e faz com que ele erga os braços para puxar dele a túnica molhada, aderida ao seu corpo como uma segunda pele enregelada. Depois, ajuda-o a retirar as botas, as calças, e ele escuta seus próprios dentes batendo uns contra os outros.

— Você está tremendo, meu filho. Mas eu preparei um banho bem quente.

Ele reconhece a voz da mãe, mas este reconhecimento não provoca reação alguma em seu corpo gelado e trêmulo. Leia suspira, e o guia até uma banheira fumegante, onde ele entra sem dizer nada. Ela penteia os cabelos de Ben para trás com os dedos, até fitar seus olhos escuros, inchados de tanto chorar.

— Eu te amo tanto! Se eu pudesse, trocaria de lugar com você, meu filho. Eu sentiria essa dor mil vezes se você não tivesse de sentir nenhuma.

Ben sabe que ela fala sério. Ele pensa em seu próprio pai, e esta velha dor reacende e cresce em seu peito, e Ben pode senti-la se acomodando junto às demais, nauseantes, infinitas, prestes a sufocá-lo de dentro para fora. Ele abre a boca para se desculpar mais uma vez, mas as palavras não saem.

* * *

— Ben, você precisa comer, nem que seja um pouquinho. E depois ir para a estação médica.

Ele se dá conta primeiro da colher de sopa que Leia segura diante de seu rosto, então sente uma onda distante de enjoo. Desvia o olhar da comida e fita por um instante o rosto cansado e preocupado de Leia, que parece aguardar ansiosa para que ele abra a boca. A visão é dolorosamente familiar, e ele se lembra de febres infantis há muito curadas.

— Não consigo.

Ben se surpreende com o som da própria voz, rouca e fraca, vinda de baixo dos destroços de sua própria felicidade. Ele baixa a cabeça e fecha os olhos bem apertados, suas pálpebras espremendo as primeiras lágrimas. Ele se sente soterrado por toneladas de ruína, um corpo vazio esmagado pelos escombros que um dia foram sua Rey. Ben percebe sua respiração acelerar, não consegue articular mais nenhuma palavra. Ele ouve Leia largar a vasilha de sopa sobre a cômoda, e sente o abraço dela como uma pequena fogueira há quilômetros de distância: morna, suave demais, incapaz de derreter o gelo ao redor do filho.

* * *

Faz sol, ou alguém acendeu inadvertidamente a luz do quarto. Ele perdeu as contas de quantos dias de chuva passou na cama, chorando de tempos em tempos, encolhido sob as cobertas de Leia. Dormindo um sono intermitente e desesperado, como alguém se afogando que consegue de vez em quando colocar a cabeça para fora da água e engolir um pouco de ar. Ele está há dias se afogando nesse desespero que não passa, e parece ter se tornado seu estado normal de existência.

Ben não quer abrir os olhos. Não há nada para ver em um mundo sem Rey. Alguém senta ao seu lado, o colchão se move suavemente.

— Meu filho, você precisa levantar. Comer alguma coisa. E depois ir até a estação médica.

Ela enfia a mão por debaixo do cobertor, acaricia o braço de Ben.

— Eu fui ate lá ontem. Eles precisam de você, meu querido. Eles só têm você agora.

Ben se move com dificuldade, enrodilhando-se ao redor da mãe, apertando-a pela cintura. Coloca a cabeça no colo dela, e chora baixinho até dormir de novo.

* * *

Há um espelho sobre a pia do banheiro, e Ben se arrisca finalmente a olhar para ele, após tanto tempo evitando sua direção. Ele termina de urinar e, enquanto lava as mãos, ergue os olhos e faz uma careta ao ver que o rosto que o encara de volta é só orelhas. Ben perde peso rápido, e quando suas bochechas começam a afundar, e os olhos somem dentro de círculos negros, as orelhas sobressaem. Ele sempre odiou isso quando criança.

No entanto, Rey gostava das orelhas. Ele suspira, a cabeça doendo de tanto chorar. Mas agora seus olhos estão secos, e ele volta para o quarto devagar, o corpo dolorido, exausto.

E encontra o aposento coberto de azul, tão intenso que ele precisa proteger suas pálpebras com o braço. A luz esfria e se torna mais suave, e o choque de reconhecimento o faz cair de joelhos, os olhos úmidos de novo: é Rey no meio do quarto, vestida com um manto claro resplandecente, o cabo de um sabre preso em sua cintura delgada. Ela está ainda mais linda do que antes, mas seu corpo é translúcido, e ele pode ver a cama de Leia por detrás de Rey.

— Como... como? – ele sussurra.

Ela sorri, e aquele sorriso envolve o coração de Ben em algo suave e fragrante. Pela primeira vez em tanto tempo, ele sente algo como esperança.

— É a Força – ela responde ainda sorrindo, e Ben nota que ela mantém os mesmos olhos faiscantes, cheios de bondade e esperteza. – Acho que sou feita da Força, agora.

Ela se senta na beirada da cama e o observa, pensativa.

— Não chore, Ben. A morte é uma parte natural da vida. Você precisa se regozijar por aqueles que se transformam na Força.

— Não agora... não assim....

Ela franze a testa.

— Eu não sei por que o equilíbrio do universo precisou que eu retornasse ao fluxo da Força para que os nossos bebês viessem ao mundo, Ben. Mas eles são sua responsabilidade agora. Eles precisam de você.

Ben engole o resto do choro, seca os olhos com as costas da mão.

— Minha mãe... ela disse o mesmo.

— Eu sei. Levante-se. Vá cuidar com eles.

Rey caminha devagar até ele, e ergue a mão sobre os cabelos de Ben. Ele sente a carícia como como uma brisa fresca num dia quente, como uma força da natureza. Ben fecha os olhos, entregue à sensação; quando os reabre, Rey se foi.

* * *

Ele sente os bebês antes de vê-los. Ambos brilham na Força como faróis, guiando-o pelos corredores da estação médica. Ele caminha apressado, mas seu desejo era correr, voar, compensar todos os dias que passou longe de seus filhos, submerso no luto.

Leia não se surpreende com a chegada dele ao berçário, nem mesmo se vira para encarar Ben. Ela alimenta um dos bebês usando um copinho.

— Sabe, eles se parecem com você. Tanto cabelo, e bem preto.

Ben observa as trouxinhas gorduchas e rosadas, coroadas por um cabelo fino e muito negro. O copinho se esvazia, e Leia entrega o bebê para Ben. Ele se surpreende com o cheiro daquele corpinho minúsculo, seu peso de pluma em seus braços.

— Bail. – Ben diz, batizando o primeiro gêmeo, beijando suavemente a testa do bebê. Leia ri.

— Meu pai ficaria muito feliz com a homenagem.

Ela recolhe o outro bebê de seu berço, e ajuda Ben a segurá-lo também. Eles são idênticos, mas Ben os enxerga totalmente diferentes nas linhas da Força. Um será tranquilo e ponderado; o outro, espevitado e independente.

— Han. – Ben sussurra para o gêmeo mais novo, e também beija sua testa. Então ergue os olhos para Leia.

Ela seca uma lágrima com o nó dos dedos.

— É hora de recomeçar, meu filho. Eu vou ajudar você com os meus netos. Não tenha medo.

— Eu não tenho medo, mãe. Não mais.

* * *

Ben caminha pela praia com o pequeno Han sobre os ombros, enquanto traz Bail pela mão. Faz frio, mas os meninos insistiram para ver o mar. Eles têm cinco anos agora, mas são altos para a idade. Seus cabelos são muito negros, como o do pai, que ganhou uma mexa cinzenta em cada têmpora. Leia diz que a maior mancha grisalha se chama Han, e a menor, Bail. Bail diz que as duas mechas prateadas na cabeça do pai deveriam se chamar Han. Secretamente, Ben concorda.

Quando alcançam um rochedo, eles se sentam para observar as ondas. Han pula das costas do pai e corre para a água, mas Ben o interrompe usando a Força. O garotinho fica parado no meio do caminho, imóvel, resmungando.

— Pai! Eu odeio quando você me prende na Força!

— O que eu falei? Nada de se molhar. Sua avó está esperando para jantar.

Contrariado, Han retorna para junto do pai e do irmão.

— Vamos fechar os olhos e meditar um pouco. A natureza ajuda.

Ben senta-se em posição de meditação, concentrando-se no barulho das ondas. Sua cabeça esvazia rapidamente, e logo tudo o que ele sente é a presença cálida das crianças na Força. Algum tempo se passa, e ele acorda com Bail sacudindo-o.

— Papai? Acorda.

Ben abre os olhos e senta-se, meio tonto. Os dois meninos o encaram, dois pares de enormes olhos esverdeados. Os olhos de Rey.

— Papai, olhe.

Bail aponta para a direção do mar. A maré baixou, e uma longa faixa de área agora separa os rochedos da água. Ao longe, uma figura azulada, translúcida, os observa. Seu manto claro esvoaça no vento forte, e Ben sabe que ela está sorrindo. Ele é tomado por uma sensação de paz, e abraça cada um dos garotos com um braço, apertando forte.

— Papai ama vocês. Mamãe também.

Eles se aninham junto ao corpo do pai, e Ben os sente como pura luz.

Juntos, os três observam a figura na praia ficar mais e mais transparente, iluminada pelo sol que se põe.


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