Herdeira da Lua escrita por Julipter, Julipter


Capítulo 5
Capítulo Cinco - La douler




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Itália

Itália deu um jeito que faltar aula na terça.

“Dar um jeito” significa apenas que ela não foi. Porque não precisa fingir estar doente, cansada ou com muita cólica para convencer Marjorie a deixá-la faltar, nem mandar uma mensagem para Adrien pedindo que lhe buscasse mais cedo por qualquer motivo inventado. Porque ela é responsável por si mesma. E esse fato a fez se sentir culpada por faltar. Ela não tinha motivos, além da completa humilhação, para não ir. No entanto, não tinha ninguém ali para motivá-la a levantar a cabeça e enfrentar quem quer que fosse.

Então ficou em casa. Estudando português.

Eram duas e doze quando bateram a sua porta.

O porteiro desse lugar é um inútil.

É Leo.

É claro.

E ele só estava ali, em seus intimidadores um metro e setenta e poucos, com os braços cruzados e cara de poucos amigos.

—Ah. Ela te contou. – Itália disse, com a voz cansada e revirando os olhos.

—Ela me contou? Ela, Itália? Ninguém precisou me contar nada, eu vi! Como pelo menos um quarto do colégio! E você fugiu de mim o resto do dia...

—Fugi, sim. Eu estava com vergonha, ok? E ainda estou. – Ela desviou o olhar do dele e se jogou no sofá, enquanto o amigo fechava a porta.

Leo permaneceu calmo e se sentou ao lado dela.

—Por que você disse aquelas coisas? – Olhou-a, compreensivo.

—Não sei. – Ela bufa. – Não, quer saber?  Eu sei. Disse aquilo porque estava com raiva. Eu queria ajudar e ela não me dizia qual era o problema. Me tratou com desdém, e eu fiquei irritada. Por isso disse aquelas coisas.

—Você não pode falar sem pensar. Não sabe o que ela está passando, ou o por que de ela não querer compartilhar com ninguém... Você não entende, não pode exigir muito.

Era verdade. Mas Itália se sentia traída. Ele ainda estava defendendo Julia. Queria dizer que discutiu com ela por ele também. Queria dizer que o tapa foi por ele. Mas sabia que não era, era apenas por si mesma e seu orgulho. E dizer essas coisas serviria apenas para deixá-lo se sentindo culpado.

—Tem razão. Eu não entendo os problemas dela. E vou continuar sem entender se ninguém me explicar. – Itália o olha com expectativa, mas ele apenas balança a cabeça negativamente.

—Não é sobre mim, não posso.

A menina suspira.

—Ótimo. Eis o que eu tenho pra você: pare com isso. Pare de correr atrás dela. Já faz anos, não faz? A Julia não gosta de você desse jeito, e você já tentou demais pra me fazer acreditar que isso ainda vai mudar. – Itália encostou a cabeça no ombro dele. – Caramba, Leo, você é um garoto tão legal e bonito. Devem ter várias por aí de olho em você, enquanto você está preso a essa única que não quer nada contigo.

—Você parece a minha mãe quando fala assim. – Ele diz, e mesmo sem olhar, Itália sabe que ele está sorrindo. Leo pega a mão dela.

—Que bom. Ela está certa. Mães estão sempre certas.

—Sabe, eu sei. Sempre soube, no fundo, que eu e ela não ia acontecer. Talvez eu precisasse de um choque de realidade. “Me deixa em paz, Leonardo”. Foi o que ela disse quando me expulsou do hospital.

Paz.

Talvez fosse justo. Talvez Julia só precisasse de um pouco de paz.

(...)

São 15:52 quando o ônibus chega no ponto.

Itália tem duas quadras pra correr.

Cinquenta e oito, cinqenta e nove...

—CHEGUEI! – Ela anuncia para quem quiser ouvir assim que põe os pés no café.

Tudo bem, só tinham três pessoas.

Henri, que atendia uma das três, levantou o olhar para Itália com uma sobrancelha arqueada. Então ele riu. E era um sorriso lindo. Tão lindo, que ela precisou sorrir também.

Itália se dirigiu aos fundos do estabelecimento, onde deixou sua bolsa e lavou as mãos, logo antes de voltar para a cozinha e encontrar Liliana.

—Você é uma pessoa bem pontual, Itália. – Ela diz, sorrindo enquanto desfia um tanto de frango.

—Eu disse que estaria aqui ás quatro, não disse? – Itália responde, ainda meio ofegante. – Então, o que eu faço?

—Leva isso pra mesa dois. – Ela indica uma bandeja contendo um pratinho com bolo de cenoura e um café. – E, pelo menos até as cinco, não vamos ter muito movimento. Então vem aqui me ajudar a preparar a massa pra essas coxinhas.

—Anotado. – Itália diz, piscando um olho para a chefe e sai da cozinha com a bandeja. Ela precisa dar uma boa olhada no lugar para localizar a mesa dois. Logo, decoraria isso.

(...)

—Eu vou pra casa cheirando a gordura. – Comentou Henri, colocando mais coxinhas para fritar. Itália riu.

—Você fica aqui o dia inteiro? – Ela perguntou, grudando os pedidos nos quadro de metal.

—Não, eu vou pra faculdade de manhã. – O loiro respondeu, e logo percebeu que ela o olhava com curiosidade. – Jornalismo.

—Legal! Eu não faço ideia do que vou cursar...

—Tem todo o tempo do mundo, relaxa. Ei, muda a música. – Ele apontou o radinho antigo com a cabeça.

Temos todo o tempo do mundo...

Matteo mostrara essa para ela no domingo.

—Ah, meu Deus... Matteo.

Ela tinha um encontro. Hoje. Itália tinha um encontro.

—O quê? – Disse Henri, confusa.

—O quê? – Ela repetiu, tão confusa quanto. Certo. Tudo bem. Ainda tinha tempo.

E eram seis horas. Pessoas voltando da escola, do trabalho. Pessoas com fome. Supridas por cafeína.

Equilibrou três bandejas e saiu da cozinha.

(...)

Poucos prazeres na vida são melhores do que um banho quente quando se está estressado. Cansado.

Itália percebeu que teve uma montanha russa de humores desde que chegou no Brasil. E as coisas pareciam todas erradas. Oliver e Marjorie morreram, e ela não havia se dado tempo suficiente para lidar com isso. A ficha não havia caído ainda. E a dor devia ter chegado semanas atrás. A física diz que massa vezes aceleração é igual a força. A distância fez com que a dor viesse sem aviso, rápido e com força. Adrien estava do outro lado do oceano. E Itália não o veria tão cedo. Faziam dias que ela não se alimentava direito. Sinceramente, não sabia direito nem o que comprar. Os alimentos eram diferentes. Lembrando-se disso, olhou pro próprio corpo. Estava tão magra. A única amiga que fizera, ela afastou. E hoje, se não focasse o assunto em Leo ao invés de Julia, teria o afastado também. Não teve paciência com vários clientes, mais cedo. As coisas estavam todas erradas. Percebia-se pelas lágrimas que escorriam junto a água. O pior é que ela dizia o tempo todo para si mesma que estava fazendo drama. Que ela estava mais que bem. Mas era tão difícil de fato acreditar nisso. Ela não sabia como lidar, e não sabia como aprender.


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