Herdeira da Lua escrita por Julipter, Julipter


Capítulo 4
Capítulo Quatro – Vestiges d’une nuit blanche


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoinhas.
O que estão achando da história?
Aceito críticas.
A Tia Julipter também.
Beijinhos :v



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Julia chegou antes de Itália se sentir completamente acordada.

Ela estava de pé, e parcialmente consciente, quando a amiga bateu à sua porta ás oito da manhã.

Itália ainda estava com a cara amassada, uma caneca cheia de café com leite na mão esquerda e um roupão branco cheio de lacinhos cor-de-rosa. As pantufas tinham orelhas de gatinho. Não havia nem tomado banho ainda (e estava adorando o privilégio de poder tomar banho todos os dias, algumas vezes até dois banhos, coisa que não tinha do outro lado do oceano.

—Sabe o que Amanda disse? Entre sete da manhã e quatro da tarde. Foi o que ela disse. – Itália falou, voltando ao sofá. – Eu cheguei tarde ontem, e...

—Matteo Niara. Você entrou num carro com o Matteo Niara, Itália. – Julia ignorou os comentários dela e entrou, fechando a porta atrás de si.

—Como raios você sabe disso?

—As pessoas falam. – Ela deu de ombros.

—Ora, não me julgue, senhorita “tive um problema familiar, mas arrastei meu amiguinho para ele”. – Itália fez aspas com as mãos, zombando.

Júlia fez uma careta. Ela ficou realmente irritada.

—Eu tive um problema! Um sério problema! – Cruzou os braços em frente ao corpo. – E eu não queria  que o chiclete do Leonardo fosse comigo. Não era pa ele estar lá, Não era... – Ela parou e suspirou, fechando os olhos. – Eu podia pegar a droga do táxi sozinha e ir pro hospital sozinha, porque era a minha irmã, e eu estava preocupada!

Júlia falou tudo com certa urgência, como se quisesse dizer desde que chegara ali. A cada frase dita, o tom de voz dela aumentava assustadoramente, o que teria feito Itália recuar se não tivesse uma pontinha de raiva começando a crescer em seu corpo. Julia estava surtando.

—Eu não acredito que você está reclamando. – Itália disse, calma. Julia cerrou os punhos. – Leo é um fofo. Ele te adora e só quis te ajudar!

Aquelas palavras pareceram enfurecer a negra ainda mais. Então, ela bateu o pé e jogou na mesinha de centro o panfleto que carregava em uma faz mãos.

—Eu não pedi ajuda! – Ela quase gritou. – Eu não pedi para ele ter uma queda por mim, porra! – Se olhasse bem, Itália veria que Julia estava quase chorando.

Se olhasse desde o momento em que Julia apareceu em sua porta, teria notado antes que os olhos da garota estavam vermelhos e cansados, como se tivesse passado a noite em claro. Teria notado que o cabelo estava mais armado do que de costume, e a camiseta escapava ligeiramente de dentro da saia, que estava amassada. E Julia sempre estava impecável. Teria notado que algo estava muito errado. Mas notou tarde demais. Estava sonolenta e era distraída.

—N-não pode me obrigar a sentir o mesmo, a gostar dele também. Não é recíproco, okay? Eu não consigo... Não dá. – Julia gaguejou, entre um soluço e outro. Depois, secou as lágrimas com o braço e apontou para o folheto que havia largado na mesa de centro. – Minha mãe tinha isso guardado numa gaveta. São linhas de ônibus. Achei que seriam úteis enquanto você não tem acesso a internet aqui. Eu... – Ela fungou, mais calma. – Sei que disse que iria com você, mas talvez prefira a companhia do Leonardo ou do Niara, ou sei lá.

As lágrimas voltaram silenciosas enquanto ela fechava a porta e se dirigia ás escadas.

Itália ficou sentada, encarando a porta por tanto tempo que o café esfriou.

Que idiota. Idiota, sou uma idiota.

É claro que não podia se culpar pelo surto de Julia, mas podia ter evitado a briga, de alguma forma.

Prometeu a si mesma que falaria com a amiga, assim que sentisse que os nervos estavam acalmados.

Mesmo assim, mandou mensagem para aquele que poderia estar mais a par da situação.

Eu: O que deu na Ju?

Leo :3 : Eu queria de verdade dizer “que se dane a Julia”, mas aí eu seria um merda. Precisamos falar com ela.

Certo, isso não respondia nada.

Itália se permitiu deixar o assunto de lado por ora. Precisava de um emprego.

(...)

Itália acabou descobrindo que seu novo emprego se encontrava a poucos passos do Colégio Dom Pedro II.

o vou conhecer muitos lugares por aqui se continuar assim.

Ao chegar, inteiramente viva, viu num Café o endereço e adentrou o mesmo. O letreiro dizia “Café da Lili”.

Era bem simples. Com mesinhas redondas metalizadas, uma vibe anos sessenta, piso que imitava madeira e paredes azuis. Ao fundo, um passa pratos.

Nos cantos, cantos-alemães e as mesas não continham cadeiras iguais, o que parecia genial e aconchegante.

Itália se dirigiu até o balcão, supondo que se acharia por ali.

Para sua surpresa, Amanda foi atendê-la.

Professores devem ganhar tão mal.

—Professora. – ela cumprimentou com um sorriso. – Você trabalha aqui?

—Ah, por favor. Me chame de Amanda. – Disse a mulher. Ela estava sorridente, e Itália presumiu que o aroma do café causasse esse efeito nas pessoas. – E, não. Bem, a dona é minha esposa, então eu sou meio que obrigada a ajudar ás vezes.

Dito isso, outra mulher saiu de uma porta que deveria levar à cozinha.

Ela era alta e magra, de pernas e cintura fina. Tinha a pele um tanto amarelada e olhos puxados. O cabelo, liso e castanho claro, estava preso num coque alto, apenas com a franja reta solta.

Colocá-la ao lado de Amanda tornava a observação interessante. Diante do corpo curvilíneo, cabelos cacheados e rosto redondo da professora, estava uma mulher que Itália juraria ter descendência chinesa.

—Itália, esta é Liliana. – Amanda introduziu. – Sua nova chefe!

É claro que Itália não esperava algo extremamente profissional.

Mas ficou muito grata ao saber que não haveria entrevista.

—Sabe como é, - Liliana roubou um selinho de Amanda, e a coisa era tão fofa que Itália precisou sorrir. – só preciso saber se você é capaz de lidar com pessoas. Sei como pode ser difícil, por isso tanta gente prefere as máquinas...

—Eu fui babá. – Itália sorriu, lembrando-se de sua vida que depois de uma única semana já parecia tão distante. – Acho que se consigo cuidar de crianças, posso lidar com clientes supridos por cafeína.

—Ela é perfeita! – Liliana exclamou para Amanda. – Esse sotaque... Deixa tudo melhor. Servimos croassaint! Pensa, pensa nela dizendo croassaint enquanto anota o pedido. Quem não se apaixonaria?

Itália riu diante da empolgação da nova chefe. Parecia a Amanda quando estava dando aula.

Literatura e café. Existia melhor combinação?

—Posso dizer croassaint sempre que quiser. – Itália sorria feito a Miss Simpatia, o que de fato ela não era.

Eu sou simpática! Pare de quebrar a quarta parede, estou escrevendo em terceira pessoa.

Tinha um emprego, e um sábado razoavelmente bom. Estava tudo mais que bem.

(...)

Após um tempo conversando, Amanda declarou que precisava trabalhar.

—Mas é domingo. – Itália argumentou, quase soando como uma pergunta. Afinal, era domingo, certo?

Amanda soltou uma risada irônica.

—Pois é. – Ela disse, negando com a cabeça, como se a própria não acreditasse. Despediu-se de Lili e Itália e foi embora.

—Não abrimos nas segundas. – Liliana informou. – Pode começar na terça.

—Estarei aqui, ás quatro em ponto! Pode contar.

Liliana botou fé em suas palavras e voltou para a cozinha.

Não fazia muito tempo, Itália notara um rosto conhecido entrando no Café. Ele ainda não havia pedido nada.

Cedo, cedo, cedo...

A melodia surgiu em sua mente de novo, quase a fazendo gritar. Não parava de cantarolar isso desde que ouviu no carro de Matteo na noite anterior. Ela sabia o que “cedo” significava, mas só queria mesmo lembrar e entender o resto da letra.

Itália mordeu o lábio, pensativa, e olhou novamente para a mesa na janela, onde ele estava.

Podia ser uma desculpa idiota, mas ela sentia uma estranha vontade de falar com o garoto. E, no fim das contas, saciaria sua dúvida.

Deixou o balcão e foi até lá.

—A culpa é sua. – Itália acusou, em tom de brincadeira. Matteo levantou o olhar como se não a houvesse notado ali até então, e isso quase chegou a magoá-la.

—Desculpe?

—Tinha uma música tocando no seu carro ontem. Eu não sei o que ela diz, e ficou na minha cabeça!

—Ei, ouvimos muitas músicas ontem. – Ele mordeu o lábio e sorriu, resolvendo entrar na brincadeira de “quem tem mais culpa? Descubra já já, no próximo bloco!”— Você não fala minha língua e a culpa é minha?

Itália abriu a boca para responder, mas dois fatos a interromperam. 1; ela não tinha argumentos contra aquilo, e 2; tinha um ser maravilhoso chamando sua atenção.

—Vocês querem pedir? – Ele perguntou.

Aparentemente, era o garçom.

Eu. Vou. Trabalhar. Com. Esse. Cara?

Ele tinha cachos loiros e uma barba rasa de mesma cor que pedia para ser tocada. Os olhos eram azuis e ele carregava um sorriso simpático.

Completamente diferente do sorriso sempre irônico de Matteo.

Itália estava provavelmente com cara de paisagem quando Matteo resolveu se manifestar.

—Eu quero um latte e dois pães de queijo. – Matteo pediu, e ela acordou com o garoto abaixando a cabeça para anotar o pedido.

—Uhm... Eu quero um macchiato.  – Disse, desnorteada.

—Certo. Ei, acabei de ser informado que vamos trabalhar juntos. Eu sou o Henri. – Ele estendeu a mão desocupada.

Je l’aimé.— Foi o comentário dela, que piscou repetidamente depois, parecendo acordar de um lindo sonho. – Digo... Itália, eu sou a Itália. – E apertou a mão do rapaz.

—Bem vinda. Nos vemos depois de amanhã. – Ele declarou antes de voltar para a cozinha e logo sair para atender outras mesas.

—Vai trabalhar aqui? – Matteo questionou-a assim que Henri saiu, observando seus passos até a cozinha com uma careta.

—Não mude de assunto. – Ela se apoiou na mesa, encarando Matteo como se aquele anjo nunca tivesse estado ali. – Qual o nome da música?

Que música, Itália? – Ela suspirou.

—E eu dizia ainda é cedo, cedo, cedo... – Ela cantarolou a única parte que sabia, e que não saía de sua cabeça desde o carro.

Matteo sorriu, ouvindo-a cantar desafinada Ela havia abaixado a cabeça e estava com as bochechas vermelhas.

—Você é uma gracinha. – Foi o eu ele disse, desenrolando os fones.

Uma gracinha. Ele me acha uma gracinha. Que ótimo.

—Vai ficar aí? – Ele se arrastou para o lado no banco acolchoado.

Itália saltitou para o outro lado e pegou um dos fones.

—Acho que estou me acostumado a ficar desse jeito com você. – Comentou enquanto Matteo procurava a música. Ele riu.

—É uma tradição melhor que nos encontrarmos em banheiros, não acha?

—Depende do que vai se fazer lá. – Ela o olhou, e o garoto assumiu uma expressão surpresa.

—Você sabia!

—Ah, qual é. Eu demorei pra entender, mas você estava suado, com uns botões desabotoados e o cabelo bagunçado. – Ele abriu a boca para retrucar. – E não, eu não te dedurei. Nem sabia o seu nome e só me lembrei que era você na festa de ontem.

—E eu aqui te achando adorável e inocente. – Ele riu.

—E eu sou adorável. – Itália sorriu de forma fofa.

Para a surpresa de Itália, assim que ele selecionou a música, começou a escrever a letra no tradutor do celular. Para francês. Então ela pôde ler mais tranquilamente.

 

Uma menina me ensinou

Quase tudo que eu sei

Era quase escravidão

Mas ela me tratava como um rei

 

Ela fazia muitos planos

Eu só queria estar ali

Sempre ao lado dela

Eu não tinha aonde ir

A música parecia comovê-lo. Algumas vezes, ele parava de escrever para apenas senti-la.

Mas egoísta que eu sou

Me esqueci de ajudar

A ela como ela me ajudou

Eu não quis me separar

 

Ela também estava perdida

E por isso se agarrava a mim também

E eu me agarrava a ela

Porque eu não tinha mais ninguém

 

Essa estrofe a fez se sentir nostálgica. Queria abraçar Matteo ali mesmo. Queria fingir que ele era Adrien e voltar no tempo, para quando ele precisava de seus abraços para lidar com a perda dos pais. Queria jogar Super Mário com Leo e queria pedir desculpas a Julia. Embora também quisesse estar dançando com Matteo novamente, ter suas mãos em sua cintura, a trazendo para perto.

 

E eu dizia

Ainda é cedo, cedo, cedo, cedo, cedo

É eu dizia ainda é cedo, cedo, cedo, cedo, cedo

 

Sei que ela terminou

O que eu não comecei

E o que ela descobriu

Eu aprendi também, eu sei

 

Ela falou: Você tem medo

Aí eu disse: Quem tem medo é você

Falamos o que não devia

Nunca ser dito por ninguém

 

Neste ponto, Itália viu os nós dos dedos de Matteo ficarem brancos. Ele estava apertando o celular. Estava nervoso.

 

Ela me disse: Eu não sei

Mais o que eu sinto por você

Vamos dar um tempo

Um dia a gente se vê

 

E eu dizia ainda é cedo

Cedo, cedo, cedo, cedo

—Matteo? – Itália chamou, percebendo que ele continuava em silêncio quando a música acabou. – Ei, tudo bem? – Ela pôs uma mão sobre a dele, o que pareceu relaxá-lo um pouco.

—Sim, desculpe. É que essa música me lembra os meus pais. As partes ruins deles. – Ele suspirou, - Enfim, é uma boa banda, Leião Urbana. Se você curte Engenheiros, vai curtir eles também.

—Engenheiros?

—Engenheiros do Hawaii! – Ele olhou para a garota com descrença. – Era um garoto, que como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones...? – Matteo cantou com sua voz rouca. Itália sorriu. Como se tudo não fosse suficiente, de quebra, ele sabia cantar.

—Eu sempre quis saber quem cantava, valeu. – Ele riu, ainda não acreditando.

—Você tem tanto a aprender.

Henri apareceu com os pedidos e os dois agradeceram. Itália soltou um sorriso de bônus, mas jurou que foi involuntário.

(...)

—Você está me dizendo que tem uma música chamada Geração Coca-Cola e não é uma propaganda? – Itália perguntou, rindo.

—É o que estou dizendo.

—Certo, eu preciso ouvir isso. – Ela concluiu.

Eles passaram todo o resto da manhã e boa parte da tarde conversando. Sobre suas vidas, sobre música, sobre livros e desenhos animados.

Aparentemente, Itália precisava ler Por Lugares Incríveis e Matteo precisava assistir Gravitty Falls, Um Verão de Mistérios.

Era inacreditável como a conversa fluía sem empecilhos.

—Afinal, o que você veio fazer nesse lado da cidade num domingo?

—Ah, eu só gosto daqui. Costumo vir antes ou depois do colégio. – Matteo deu de ombros.

—Então quer dizer que além da nossa sala de aula e do projeto social, eu também vou te ver no meu local de trabalho? – Ela fingiu indignação.

—Serei uma grande parte da sua vida, heim?

—Depende de em quantas partes ela vai se dividir. – Itália sorriu, mordendo o lábio inferior.

Aquilo pareceu fazer Matteo não segurar as palavras.

—Itália, sai comigo. – Ele pediu, quase em súplica. – Eu sei, você deve estar pensando que nos conhecemos basicamente ontem, mas o que é melhor para conhecer alguém do que um encontro? Você não é daqui, e eu quero que tenha uma experiência completa e que você conheça, porque por aqui não costumamos ter muitos encontros, sabe? As pessoas ficam. Não que eu esteja pedindo para ficar com você, quer dizer, isso não seria ruim, só precipitado, e...

—Matteo! – Ela chamou. – Eu saio com você, gatinho do banheiro.

Sinceramente, ela não tinha certeza se não havia dito isso só para ele calar a boca.

O que estavam fazendo agora, não era meio que um encontro também?

Ah, pare de ser boba. Você quer sair com ele.

—Bom, que bom. Que tal na terça? Pode ser a comemoração do seu “primeiro dia de trabalho”. – Ele fez aspas com as mãos, sorrindo.

—Claro, terça é perfeito.

—Certo. Te busco ás... Nove. – Ele suspirou, olhando para a tela do celular. – Eu tenho que ir. Nos vemos amanhã, gatinha. – Beijou a bochecha dela, o que pareceu para a garota um tanto ansioso.

Ou ele só estava sendo educado mesmo.

—Você esqueceu do banheiro. – Ela comentou, quando ele já se levantava.

—Ninguém precisa saber. – Matteo sorriu e deu uma piscadela enquanto deixava o dinheiro sobre a mesa.

Ele saiu, a deixando sozinha naquele lugar que logo faria parte de sua nova rotina.

(...)

Segunda feira.

Ah, segunda feira.

O dia mais amado de todos os estudantes e trabalhadores do mundo.

Certamente, não é o dia em que você acorda entupindo o celular de alguém com mensagens.

Mas foi o que Itália fez.

Mandou milhões de pedidos de desculpas para Julia.

Colocou um jeans, um par de sapatilhas e uma regata, e, do ônibus, continuou manando mensagens.

Tentou falar com ela quando chegou no colégio, mas sempre que pensava ver os cachos de Julia perambulando por aí, eles sumiam em questão de segundos. Ela estava fugindo?

Va te faire foutre, Julia. Eu estou sem paciência pras suas birras!

Então, Itália fisgou Leo quando o professor de matemática saiu da sala por alguns minutos, desencadeando uma algazarra.

Ela o puxou para um canto da sala e cruzou os braços, nervosa.

—O que aconteceu na noite da festa, Leonardo? – Ele suspirou pesadamente.

—Tudo bem, não daria pra esconder isso de você nem se eu quisesse. – Declarou. Itália lançou-lhe o olhar de “vá direto ao ponto”. – Tudo bem, tudo bem. Estávamos dançando, e, sério Itália, estava tudo perfeito, até que ela recebeu uma ligação. Ela me disse que sentia muito, mas precisava ir, e parecia desesperada. E sim, ela insistiu que eu ficasse na festa, mas não podia deixá-la ir sozinha pra nenhum lugar naquele estado. E bom, no fim, eu acabei com ela num hospital psiquiátrico. – Itália arregalou os olhos, realmente alarmada com essa última informação. – É, pois é. Ela me disse que tinha algo errado com a irmã dela e mandou eu ir embora. Mas eu não fui. Fiquei numa sala de espera. Depois de algum tempo ela voltou, chorando, e me abraçou. Provavelmente só falou comigo porque estava triste e eu era o único lá. Mas ela me abraçou, e eu me senti mal por me sentir bem naquele momento. Eu disse que, se ela quisesse, poderíamos ligar pra você. E ela insistiu que não. Porque era coisa dela e da família dela, mas eu fiquei batendo na mesma tecla até que discutimos e ela disse “não era nem pra você estar aqui!”. Depois disso, fui embora. Acho que Julia passou a noite em claro naquele hospital, Arco-Íris. – Itália não pôde evitar sorrir minimamente com o apelido.

—Leo, não me espere pro intervalo. – Fez a melhor cara de coitadinha que conseguiu.

—Mas... Por quê? O que vai fazer, Itália?

—Só faz o que eu digo dessa vez, ta? – Leo assentiu, cabisbaixo.

Não queria esconder algo dele, não queria esconder nada dele. Mas Itália precisava conversar com Júlia, e não queria que Leo estivesse presente, - mesmo que fosse contar tudo pare ele depois.

A garota olhou pra cima e se surpreendeu ao ver que ele sorria.

—Não faz essa carinha que eu não resisto. – Apertou-lhe as bochechas, o que a fez rir.

O sinal – muito e perigosamente – semelhante a um alarme de incêndio  soou, e Itália esperou todos saírem da sala. Ela sabia que Julia era sempre uma das últimas a sair.

Naquele mar de gente, notou Matteo, que sorriu para ela. Itália não sorriu de volta.

Ela foi até Julia e tocou seu ombro. A garota puxou o braço, livrando-se do toque de Itália.

—Eu sei o que vai dizer. – Julia se virou, com os cachos balançando atrás de si. – Te garanto que já ouvi. Já ouvi de psiquiatras, médicos, já ouvi da Amanda e inclusive do Leonardo. Mas eles não sabem como eu me sinto. Então, por favor, Itália. Eu não quero conversar.

Certo. Tudo aquilo tinha uma intenção amigável no começo. Itália queria ajudar. Mas como ajudar quem não quer ser ajudado? Julia estava passando dos limites. Ela não queria conversar. Será que ela não queria um pedido de desculpas?

—Não quer conversar? Claro, tudo bem, você não precisa falar. Ouça. – Itália cruzou os braços e prensou os lábios antes de começar: - Você acha que a sua vida está difícil? Vamos analisar os fatos. Eu acabei de perder a minha família. Os que não morreram, estão do outro lado do oceano. Eu estou aqui sozinha, com pouco dinheiro, uma droga de apartamento, e caramba, eu só tenho dezesseis anos! Não estava pronta para nada disso. Não estava pronta para lidar com pessoas como você. Mas ainda estou aqui, não estou? E a sua irmã não tem absolutamente nada a ver com isso! Está triste assim por causa dela? Eu sinto muito. Mas não venha descontar toda essa amargura em mim, Julia. Você não me conhece. Todos temos problemas.

“ Antes que eu pudesse ver a reação dela diante do meu momento de estresse, A palma da sua mão acertou o lado esquerdo do meu rosto. Eu não pude nem sentir direito a ardência. Estava surpresa. Não pensei mesmo que Julia faria isso.

—Você acha que eu vou ficar aqui discutindo contigo quem sofre mais, Itália? Eu te digo quem sofre mais. Quem passa fome na África sofre mais. Refugiados da Síria sofrem mais. Vítimas do terrorismo, eles sofrem mais! Mas eu não vou desmerecer a dor de ninguém. Eu só vou lidar com a minha. Ela precisa ser sentida. Afinal, o que eu posso fazer? Não depende de mim. Eu não estou divulgando o meu sofrimento por aí, Itália.  Me desculpe se te atingi. Não foi por mal. Mas se falar da minha irmã de novo, tem muito mais de onde esse veio. – Ela apontou para o meu rosto.

Sua voz estava trêmula. Mas só quando abri os olhos, vi que ela estava chorando. E que algumas pessoas se aglomeraram na frente da porta para observar a discussão.

Meu rosto ainda estava quente do tapa, e talvez agora eu tenha corado um pouco também. De vergonha. Tinha muita gente do caminho, mas eu precisava sair dali. Assim como precisei escrever isso aqui.

Porque preciso lembrar e me arrepender de roda a merda que eu disse. Pra não fazer de novo.”

 

 


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