Herdeira da Lua escrita por Julipter, Julipter


Capítulo 32
Especial - Alice




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Setembro de 2018

Não foi fácil.

Não, não foi. Não me julgue.

Mas, ás vezes, a gente tem que tomar algumas decisões.

E sair da Lua foi importante pra mim, tanto quanto estar nela.

Eu sei que eles vão se dar muito bem sem mim, porque eu vou me dar bem sem eles.

Faz um tempo que tenho escrito canções pra outras pessoas. Estou investindo nisso com toda a minha alma, eu sempre quis trabalhar numa gravadora, não podia recusar isso só porque toda a minha carga criativa passaria a se dividir entre esse emprego e a Lua.

Estou pensando nisso quando entro no café para falar com Vinicius. Espero que Lucy não esteja lá. Eu devia ter sido mais esperta e marcado em outro lugar, mas agora é tarde demais.

O garoto ruivo me espera batucando os dedos na mesa e encarando seu copo de café. Sento-me de frente para ele, olhando para os lados, pensando na próxima sexta não vou tocar aqui.

—Eu quero saber se você canta também, porque o teclado já me convenceu. Você tem que ser perfeito, garoto, eles merecem alguém tão bom quanto eu. – Disparo.

—Vejo que é modesta. – Ele sorri, mas não retribuo, estou levando muito a sério, sei que vão se zangar comigo e quero deixar algo bom para eles.

—Olha só, cara, eu não tô brincando. Conheço vários tecladistas e tenho mais tempo do que você pensa, posso te substituir num estalar de dedos.

Seu semblante se fecha, e só então sorrio, porque cada cara feia do dia é como um prêmio pra mim.

—Eu canto, sim. – Ele murmura. – Não se preocupe.

—Bom. Amanhã mesmo eles vão anunciar que estão a procura de um tecladista. Você vai ser o primeiro da fila.

—Como sabe que vão me escolher?

Dou de ombros.

—É simples. Eu escolheria.

Ele volta a sorrir, e naqueles dentes está a minha derrota.

O que eu não conto a ninguém é que o garoto que vem na direção de nós dois agora é a maior derrota de toda a minha vida. Eu nunca, nunca mesmo, consegui arrancar uma cara feia de Henri.

—Eu sei o que está fazendo. – Ele cantarola, deixando para mim um chá gelado. Não preciso nem pedir.

Faço a melhor das minhas expressões ameaçadoras, porque não quero que conte à Lucy.

—Eu vou contar. Ela vai saber hoje mesmo. Por favor, Henri.

Ele infla as bochechas.

—Tá legal. Mas você não tem ideia no que está me metendo, ela vai ficar desolada e a consolação vai sobrar pra mim.

Sorrio, mas não digo nada. Sei que ele adora consolá-la.

—Oi. Prazer, Vinicius. – O garoto a minha frente soa sarcástico ao estender a mão para mim. Reviro os olhos. A Lua vai ter que aturar esse cara?

Henri se afasta, e estou prestes a dizer que a conversa acabou, mas sou interrompida mais uma vez.

—Eles nunca vão achar alguém tão bom quanto você.

—Está me cantando?

—Talvez.

—“Ei, Lice... É, posso te chamar de Lice? Eu só queria saber mais sobre você. Me dá seu telefone, vamos sair qualquer dia.”

Ele me encara com o cenho franzido.

—Só estou mostrando como as coisas são simples e as pessoas só tendem a complicar. – Deixo dinheiro sobre a mesa, pego meu chá e me levanto. – Não estou interessada.

É claro que dou um sorriso de canto quando saio, porque se há algo que conta como vitória quase tanto quanto caras feias, é a expressão de “uau” no rosto das pessoas quando eu me afasto.

(...)

Aqui estou eu.

Em frente a esse cara lindo de cabelos grisalhos que agora é meu produtor, assinando meu primeiro contrato com uma gravadora.

Me imagino gravando meu primeiro single.

Me imagino lançando meu primeiro single.

Sinto vontade de chorar, mas não o faço, seria ridículo.

Ah, meu deus, tantos tempos de dor de garganta que agora valiam a pena.

E os shows extras que eu fazia afastada da Lua? Os shows que iam até as quatro da manhã? Eu ainda os amava, com todo o meu coração. Valiam a pena!

Era aquilo que eu queria. Aquilo.

Por aquilo eu entrei na Belas Artes pra cursar música, por aquilo eu quase reprovei todos os anos por estar ocupada demais ensaiando, escrevendo, porque eu tinha que gastar a minha energia com aquilo que eu amava. E aquilo eu amava mais do que qualquer outra coisa no mundo.

Eu queria escrever e eu queria cantar e eu queria ser ouvida. As pessoas iam me ouvir.

O meu nome assinado naquela linha era meu prêmio.

(...)

Mais tarde, passei na casa de Matteo. Eu precisava contar pra eles.

Ele ainda não estava em casa; eu sempre chegava muito antes do resto da banda.

Peguei o violão.

Dear world, I’m wrting this song for you (querido mundo, estou escrevendo essa canção para você)

Dear world, I know what you’re going through (querido mundo, eu sei o que você está passando)

I know you’re scared about tomorrow (eu sei que você está com medo do amanhã)

Scared of feeling hollow (com medo de se sentir vazio)

I am too (eu também estou)

Dear world, I’m writing this song for you (querido mundo, estou escrevendo esta canção para você)

Pessoas como eu se inspiram a qualquer momento, com qualquer coisa.

Depois que meu pai foi preso, minha mãe começou a estudar meio ambiente. Eu fuçava suas apostilas de vez em quando, por curiosidade. E o que acontecia era pensamentos como: eu sou o mundo.

Meu ego é grande sim, mas não é isso que você está pensando. A cada dia, o mundo deve ficar com medo do futuro, porque convenhamos; a humanidade faz muita merda.

Mas eu também tenho medo do futuro.

Quando escrevi essa música, eu estava pensando se deveria assinar com a gravadora. Se eu devia me afastar das coisas com as quais me acostumei; tocar em grupo, compor em grupo, pensar em grupo.

Mas antes da banda, eu já fazia tudo sozinha.

Eu sabia preencher meus vazios.

Deart world, you ain’t all that I thought you would be (querido mundo, você não é tudo que eu pensei que seria)

A few trips ago ‘round the sun (algumas viagens ao redor do sol)

I’m tryin to find out what it means to be me (eu estou tentando descobrir o que significa ser eu)

I feel like I barely begun (eu sinto que mal comecei)

How many souls can be crowded together (quantas almas podem ser mantidas juntas)

And all of us feeling alone? (e todos nós nos sentindo sozinhos?)

All of us longing for hope (todos nós clamando por esperança)

Mas e se, por acaso, eu não fosse suficiente?

Eu podia não ser. Eu podia ter um bloqueio e não encontrar ninguém pra me salvar. Eu não poderia mais errar uma nota sequer porque não haveriam mais vozes, mais instrumentos pra esconder os meus erros.

Talvez assumi-los, corrigi-los, me tornasse uma artista melhor. Eu poderia ser melhor, e não precisava de um grupo para isso.

Eu ia conseguir, não ia?

Dear World, I’m ready to be the change (querido mundo, estou pronto para ser a mudança)

Dear world, your beauty was born from pain (querido mundo, sua beleza nasceu da dor)

You’re looking for the magic (você está procurando algum encanto)

To rise above the tragic (para se levantar sobre as coisas trágicas)

I am too (eu também estou)

Dear World, I’m writing this song for you (querido mundo, estou escrevendo esta canção para você)

Eles me entenderiam. Teriam que entender.

Teriam que entender que isso era o que eu sempre quis, que a Lua foi um meio termo pra mim.

Eu não desistiria disso por eles, e sentia muito por isso.

Era egoísta sim, e tinha meus motivos para ser.

Deart world, you ain’t all that I thought you would be (querido mundo, você não é tudo que eu pensei que seria)

A few trips ago ‘round the sun (algumas viagens ao redor do sol)

I’m tryin to find out what it means to be me (eu estou tentando descobrir o que significa ser eu)

I feel like I barely begun (eu sinto que mal comecei)

How many souls can be crowded together (quantas almas podem ser mantidas juntas)

And all of us feeling alone? (e todos nós nos sentindo sozinhos?)

All of us longing for hope (todos nós clamando esperança)

All of us longing for hope (todos nós clamando esperança)

All f us longing for hope… (todos nós clamando esperança…)

Dear world. (Caro mundo.)

Percebi que minha voz soava embargada. Eu estava chorando.

—Sinto cheiro de música nova! – Matteo apareceu, esfregando as mãos em empolgação. - Lice?

—Essa não é pra vocês. – Falei, tentando soar bem humorada. Eu era péssima em esconder emoções.

—Está... Chorando?

Ele andou até mim e sentou no chão, em minha frente.

—Faz muito tempo que não te vejo chorar.

A última vez fora quando namoramos. Exatamente na época em que eu denunciei meu pai.

—Tem a ver com ele?

—Papai está perfeitamente atrás das grades e não há possibilidade de ele encostar na mamãe de novo. – Lhe dei um sorriso fraco, grata pela preocupação.

—Então o que houve?

Foi a hora perfeita para Téo e Lucy chegarem.

—Eu trouxe sorvete! – Lucy exclamou. Então olhou para mim. – Ué...

Afundei o rosto nas mãos e esperei todos se acomodarem.

Respira.

1,2.

Expira.

3,4.

Respira.

5,6.

Expira.

7,8.

—Estou saindo da banda. – Soltei, em alto e bom som.

—O QUÊ?

—Eu não sei bem se entendi.

—Vocês são surdos? Ela. Vai. Sair. Da. Banda.

—Não, Téo. Eu estou saindo. Não vou estar no próximo show. – Expliquei, secando as lágrimas nas mangas da blusa.

—Mas... Por quê? – Lucy questionou, me encarando com aqueles olhos enormes.

Eu amava aqueles olhos.

—Porque... Porque surgiram oportunidades melhores.

—Então vai deixar a gente na mão, assim, como se não fosse nada? – Téo cruzou os braços. Pensei que ele se importaria menos. – Qual é, Alice.

—E-eu não consigo cantar sem você, Lice.

—É claro que consegue, Lucy, a sua voz é linda.

—VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO, MERDA. NÃO PODE ME DEIXAR SOZINHA, É PRA VOCÊ QUE EU OLHO QUANDO ESTAMOS TOCANDO!

Era raro ela gritar. Quando gritava, demorava mais pra perdoar.

Eu quis chorar mais.

Os dois continuaram falando e falando até Matteo erguer uma mão.

Calaram-se.

—Vai me deixar também? – Ele disse.

Foi como uma flechada no meu coração.

Droga.

Itália. Sempre perpetuando ao nosso redor.

—Eu não sou como ela. – Disparei.

—Não, não é.

Duas flechadas.

Ele estava dizendo que ela era melhor do que eu. Só que ele não precisava dizer, eu sempre soube. Itália sempre seria melhor.

Me levanto, porque agora ele havia ferido o meu orgulho.

—É, não sou. Não sou como a Itália porque eu não estou a fim de me afastar de vocês, de impedir que falem comigo. Eu vou ajudar se precisarem de mim e espero que também me ajudem. Eu não quero deixar de sair pra beber com vocês por causa de uma coisa idiota assim. Vocês são bons, com Alice ou sem Alice, sabiam? Vocês não precisam de mim, mas eu vou estar por perto se quiserem, porque não faço a menor questão de estragar o que construímos. É por isso que eu não sou como ela.

Saio de lá pisando firme.

Sei que vão me procurar.

Sei que vão me perdoar.

Eles vão, sim. Eles têm que me perdoar.

São os únicos amigos que eu tenho. Não quero outros.


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Notas finais do capítulo

Dear World - Echosmith



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