Herdeira da Lua escrita por Julipter, Julipter


Capítulo 14
Capítulo Quatorze – Cielo




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Matteo

Ele havia, mais uma vez, deixado as coisas passarem bem diante de seus olhos. Acabou excluindo Itália do gerenciamento da banda sem nem perceber. Ele notou quando levou uma bronca, no dia em que ela foi até sua casa – só porque ele queria vê-la. E quando viu aquele desenho. Era como se Itália estivesse gritando “fui eu quem começou isso, e não vou deixar de participar”. Nada mais justo.

Mas o show era hoje. E Matteo estava tão vidrado nisso que não se concentrou em nenhuma das aulas. E daí? Ele já havia feito as provas do primeiro trimestre mesmo, certo? Enfim, ele estava pensando se tudo estava certo para o show. Antes do primeiro sinal, Itália dissera que não ia para casa hoje, e sim direto para o Café. Mas o próprio Matteo só deveria chegar uma hora antes do show, e isso o deixava extremamente ansioso.

Os ensaios da semana passada ocorreram todos os dias, e não semanalmente. Eles organizaram um repertório com oito músicas e o que mais o público pedisse. Alice estava especialmente mais empolgada (irônico?), ficando mais tempo que os outros nos ensaios, tocando e cantando seus solos. Matteo via o esforço porque os ensaios eram na casa dele, e a voz dela não incomodava nem um pouco.

Quando o último sinal tocou, ele foi esperto o bastante para pedir as anotações de um garoto.

(...)

—Mãe, é sério, não vai ser nenhum evento grande. Você não precisa ir.

Geovanna estava com três dias de folga. Sendo assim, nesses dias, ela e Matteo foram juntos levar e buscar Pedro na escola.

—Eu não preciso mesmo, mas eu vou. Acho que a Clara também! Ela me disse que tem um colega que trabalha nesse Café... Legal, não?

—Sim, muito legal...

—Eu posso ir, né? Não tenho que dormir cedo! Hoje é sexta!

—Claro que pode. – Matteo riu. – Mas vocês só vão depois de mim, né?

—Você está com vergonha da sua família? – A mãe zombou. – Agradeça pelo seu pai não estar aqui. Quando vai contar pra ele sobre esse negócio de banda?

Matteo suspirou.

—Logo. Quando... Quando der.

—Ele quis dizer, quando ele tiver coragem.

—Quietinho, pirralho.

(...)

Quando chegou em casa, não demorou muito para Thiago e Flávia chegarem. Matteo abriu a porta, eles entraram cantando “estou pronto, estou pronto”, como o Bob Esponja, e eles passaram boa parte da tarde falando besteiras e tentando impedir Flávia de contar quem era o Killer da primeira temporada de Scream.

Mas parece que Matteo não iria esperar tanto

Porque, assim que os três se acalmaram um pouco, Gabriel passou pela porta.

—O que ta fazendo aqui? – Foi a primeira coisa que Matteo disse.

—Oi filho, eu vou bem, e você? Vejo que derrubaram as paredes do meu escritório.

—Ficou muito melhor assim. – Ele cruzou os braços.

—Papai! – Pedro correu para abraçá-lo. Geovanna sorriu e o cumprimentou com um beijo na bochecha.

—Geo.

—Gabe.

—Bom, eu já estou indo. Só vim buscar algumas coisas que ficaram. – Declarou, se dirigindo à porta.

—Espera. – Matteo pediu, sabendo que iria se arrepender depois.

—Garotos, vamos deixar Matteo sozinho com o pai dele um pouco? – Geovanna disse para Flávia e Thiago, que estavam observando calados até então. Ambos assentiram e seguiram ela e Pedro até a cozinha. – A Clara fez um bolo maravilhoso ontem, que...

Matteo sentou-se, esperando que o pai fizesse o mesmo. Ficou o encarando por vários segundos, e ele continuou ali em pé, segurando sua caixa de tralhas.

—Então, o que foi? Quer saber se vai ganhar pensão? Você já tem quase dezoito anos, Matteo...

—Por favor. Eu sei arranjar dinheiro sozinho, pai. É exatamente sobre isso que quero falar.

Gabriel franziu o cenho, mas parecia finalmente prestar atenção no filho.

—Eu tenho uma banda.

—Pra passar o tempo?

Matteo balançou cabeça negativamente.

—Eu invisto nela, pai. Temos lugar fixo pra tocar. E eu sei que logo vamos receber convites para outros lugares. – Ele falava encarando o chão, sem olhar nos olhos do pai.

—Vocês. Vocês quem?

—Eu, Téo...

—Téo!? Téo Medina, Matteo?!

—Alice, e uma garota que você não conhece, Lucy.

—Por que esse garoto está junto? – Gabriel largara a caixa, e falava de forma dura.

—Ele é meu amigo, pai.

—Não. Thiago é seu amigo. Você chegou aqui sangrando por causa desse garoto!

—Ele me bateu porque o pai dele estava sem emprego graças a você! – Matteo subiu o tom de voz, surpreendendo até a si mesmo.

Na época, Thiago, Matteo e Téo andavam juntos. Depois da briga, Thiago também ficara um tempo sem falar com Matteo, mas Téo se afastou dos dois. Foi quando Thiago conheceu Flávia. Foi quando viraram um novo trio.

Gabriel respirou fundo.

—Achei que já tivesse desistido dessa besteira.

—Pai, você sabe que eu sempre quis viver de música.

—Mas depois que quase reprovou, você estava vendo outras opções. Faculdades, Matteo, profissões de verdade. – Balançava a cabeça, demonstrando sua decepção.

—Isso é uma profissão!

—Não vou permitir que jogue sua vida no lixo.

Isso o deixou indignado. Desde quando Gabriel se importava com o que ele fazia ou deixava de fazer? Desde quando fazia diferença para ele?

—Como você mesmo disse, já tenho quase dezoito anos. – Falou, sério, pegando a caixa que o pai havia largado. – Vou fazer o que eu bem entender.

Ele entregou a caixa para ele, como se dissesse “você já pode ir”.

Gabriel manteu o olhar duro e saiu batendo a porta atrás de si.

Era apenas ridículo que ele se sentisse no direito de decidir qualquer coisa sobre a vida de Matteo justo agora. Quem sempre se preocupou, quem sempre esteve lá, não fora ele. Fora sua mãe. Se alguém podia opinar, era ela. E ela estava o apoiando.

Matteo não era burro. É claro que ele tinha um plano B. É claro que estava estudando para os vestibulares. É claro que ele faria faculdade. Afinal, até onde ele sabia, Lucy e Alice também fariam isso.

Mas não queria seguir esse caminho. Cursar a faculdade seria um porto seguro, caso tudo desse errado.

E também é claro que ele não daria o gostinho de saber disso ao Gabriel.

(...)

Ele não se lembrava de uma única vez em que vira Itália usar preto.

No entanto, todos os funcionários naquele dia, estavam de preto por inteiro. A garota em questão, usava camiseta, calça legging (devia ser a única calça preta que ela tinha), e tênis, enquanto o cabelo de cor indefinida estava preso num coque algo e bem preso, exceto por duas mechinhas, uma de cada lado do seu rosto.

Ela estava rindo de algo que Lucy dissera, e ficava linda assim.

Argh.

Inclusive, Lucy não se produziu nem um pouco. Apenas a Lucy de sempre, com uma blusa branca estampada com vários pandas, e um short cor de rosa.

Téo conversava com Julia e Leo, então aparentemente só faltava Alice.

—Oi. – Uma voz masculina disse, assustando Matteo.

—Ah, oi Henrique. – Cumprimentou, saindo da frente da porta.

—Na verdade, é Henri mesmo.

—Não é um apelido?

—Não. – Matteo não pôde conter o riso.

—Certo. Então, vocês já ligaram tudo?

—Ah sim, assim que a última chegar vocês podem passar o som. Ou se já quiserem começar também, tanto faz. O show mesmo começa ás oito.

—Tudo bem.

—A Itália mostrou pra gente o vídeo de Paradise. Vocês são muito bons.

Matteo sorriu.

—Obrigado. Vamos abrir com ela.

Era impossível não gostar desse cara!

Thiago pôs as mãos nos ombros dele.

—A gente vai sentar ali, campeão. Vê se controla o ciúmes. – A última parte ele pronunciou mais baixo, debochando.

—Engraçado, realmente muito engraçado.

—Sinceramente, eu só estou aqui pra ver se o meu marketing deu certo. – Confessou Flávia.

Matteo fingiu indignação.

—Que grande amiga você é.

—Julia ajudou na divulgação. – Thiago lembrou.

—É, é. – Ela desdenhou. – Vamos sentar ali.

E arrastou o namorado até uma das mesas redondas.

Matteo se dirigiu até o balcão, onde Itália e recebeu com um beijo na bochecha.

Ela não cansava de fazer isso.

—É o primeiro show! – Exclamou, animada. Se ele bem a conhecia, ela estava morrendo de vontade de dar pulinhos.

—Pois é, eu não sei como a gente...

—A Alice chegou! – Exclamou novamente.

Matteo se virou para encarar a garota de rabo de cavalo e calça boca de sino. Ela estava sorrindo largamente, e assim que entrou correu pro palco.

—Ela está me surpreendendo bastante nos últimos dias. – Itália comentou, rindo.

—A mim também. E eu aqui achando que conhecia a Alice muito bem. – Bebeu o último gole da água que Itália havia trazido. – Vou me juntar a banda.

Sem saber que faria isso, Matteo se inclinou sobre o balcão e encostou seus lábios nos dela numa fração de segundo.

Foi um impulso. Ele simplesmente sentiu que precisava. Pensou que saciaria a vontade. Contudo, mesmo sendo tão rápido, fora tão bom que a vontade apenas aumentou.

Praticamente fugiu dali depois, então não viu a reação de Itália. Apenas esperava que ela sentisse o mesmo. Que sentisse ao menos um terço do que ele sentia.

(...)

—Vamos ter em mente que esse é o primeiro de muitos, beleza?

Téo e Alice sorriram diante a declaração de Matteo, com um brilho nos olhos. Já Lucy mantinha os olhos fechados o tempo todo. Mesmo assim, ela se guiou bem sozinha até a bateria. Murmurava algo para si mesma bem baixinho enquanto abria os olhos e procurava alguém em meio a platéia. Seus olhos se fixaram num ponto único – provavelmente João – e ela pareceu finalmente se acalmar.

Alice se posicionou ao teclado e Téo segurou com firmeza e ao mesmo tempo delicadeza o baixo e se aproximou do microfone, assim como Matteo com a guitarra.

—Somos a Lua, pessoal! – Ele falou, para depois ouvir os aplausos. Aquele café era muito pequeno. Mas agora parecia ter tanta gente...

—Paradise. – Alice anunciou.

Então começou.

When she was just a girl (quando ela era apenas uma garota)

She expected the world (ela tinha expectativas do mundo)

But it flew away from her reach so (mas isso voou para longe de seu alcance)

She ran away in her sleep (então ela fugiu em seu sono)

Era estranho pensar que isso começara por causa dela. Talvez fosse porque Matteo deixou que isso evoluísse sem ela por perto. E enquanto cantava, enquanto transmitia o que a música passava, ele a procurava com os olhos como Lucy fizera. Precisava olhar para ela. Itália ainda tinha expectativas do mundo?

And dreamed of (e sonhou com o)

Para-para-paradise (para-para paraíso)

Para-para-paradise (para-para paraíso)

Para-para-paradise (para-para paraíso)

Every time she closed her eyes (toda vez que ela fechava os olhos)

Oh, oh, oh, oh, oh, oh-oh-oh

 

When she was just a girl (quando ela era apenas uma garota)

She expected the world (ela tinha expectativas do mundo)

But it flew away from her reach (mas isso voou para longe do seu alcance)

And the bullets catch in her teeth (e ela capturou as balas com seus dentes)

Ela tinha uma família, e um país ao qual pertencia. Ele jamais poderia compreender como não parecia estar sempre perdida, sempre cansada, sempre com... Saudades.

Life goes on, it gets so heavy (a vida continua, e fica tão pesada)

The wheel breaks the butterfly (a roda corrompe a borboleta)

Every tear, a waterfall (cada lágrima, uma cachoeira)

In the night, the stormy night, she'll close her eyes (na noite, na noite da tempestade, ela fechará os olhos)

In the night, the stormy night, away she'd fly (na noite, na noite da tempestade, ela voará para longe)

Sim, ao fim do ano, talvez até antes, Itália iria embora. E ele não poderia mais fazer a interpretação de uma música toda sobre ela. Ela teria os ombros do irmão para chorar novamente, estaria do outro lado do oceano, longe demais.

And dreams of (e sonhará com o)

Para-para-paradise (para-para paraíso)

Para-para-paradise (para-para paraíso)

Para-para-paradise (para-para paraíso)

Oh, oh, oh, oh, oh, oh-oh-oh

 

She'd dream of (ela sonhou com o)

Para-para-paradise (para-para paraíso)

Para-para-paradise (para-para paraíso)

Para-para-paradise (para-para paraíso)

Oh, oh, oh, oh, oh, oh-oh-oh

 

And so lying underneath those stormy skies (ainda deitada debaixo dos cues tempestuosos)

She'd say: Oh, oh, oh, oh, oh, I know the sun must set to rise (ela drira: Oh, oh, oh, oh, oh, eu sei que o sol deve se pôr para nascer)

Precisava haver uma evolução e um retrocesso na relação de Itália com todos ali. Ela só pode saber que estarão sempre com ela, quando não os tiver mais.

This could be (isso poderia ser o)

Para-para-paradise (para-para paraíso)

Para-para-paradise (para-para paraíso)

(Could be) para-para-paradise (‘poderia ser o’ para-para paraíso)

Oh, oh, oh, oh, oh, oh-oh-oh

Ele nem se sentia mais um idiota por pensar tanto nela. Havia se acostumado. A ela, a presença dela, a pensar nela. Como seria quando não tivesse mais isso?

(...)

Palmas, mais palmas e assovios. Caramba, havia até velhinhos ali! E estavam assoviando para a banda!

Mais perto do palco, em sua maioria eram pessoas do colégio. Mas isso era o de menos, eles já sabiam que aquelas pessoas os conheciam. O impressionante era o restante: aqueles que estavam ali por acaso, aqueles que entraram pela placa de “música ao vivo”, aqueles que eram de cidades vizinhas. Para um lugar como aquele, deviam ser menos de cinquenta pessoas, mas indiretamente era muito mais do que isso.

Depois de Walk, dos Foo Fighters, Homem Primata, Sabotagem e This Song Saved My Life (o temido Simple Plan), eles fizeram uma pausa.

Juntaram duas mesas, portanto estavam todos juntos: a banda, Flávia, Thiago, Leo e Julia.

Itália e Henri permaneciam em pé ao lado deles, servindo pedaços de muitos doces – aquilo era um cheesecake? – para todos.

—Deus, Alice, você tava maravilhosa, e gente, a voz de vocês... Como conseguem? E a Lucy, ela deixa completamente de fora a postura de fofinha quando começa a cantar, é impressionnant!

—É, Lucy, você arrasou na bateria. – Henri comentou, simpático. Sempre simpático, como pode?

O rosto de Lucy já podia ser comparado a todos os tons de vermelho das tintas de Itália.

—Obrigada. – Murmurou a garota de cabelo cor-de-rosa.

João – ah, é. Matteo havia esquecido que ele estava ali. – riu e beijou a bochecha da namorada.

—Você foi incrível. – Ele disse.

—Uhum. – Ela fez que sim com a cabeça, antes de enfiar um pedaço de bolo goela abaixo.

—Parece que a ideia deu certo. – Matteo pronunciou-se para Itália, enquanto todos se envolviam em outros assuntos.

Veja só: Leonardo estava conversando até com o Téo!

—É... Parece que sim. – Ela sorriu. Estava se controlando para não corar tanto quanto Lucy toda vez que olhava para ele.

—Graças a você.

—Digamos que boa parte dos créditos são meus, sim. – Se gabou. – Vamos, Henri? Tem muita gente pra atender.

Henri pareceu acordar de um transe ao concordar com ela, então ambos se afastaram da mesa.

—Bobinho apaixonado. – Flávia zombou, sendo acompanhada por Thiago em várias zoações que sucederam.

—Cala a boca, baixinha. E você, para de me zoar só porque ela mandou.

O resto da noite se seguiu com muito mais músicas do que eles previram, e quando o pessoal começou a ir para casa, Matteo ficou um pouco com sua família – sendo paparicado – e Clara, que, por sinal, estudava na mesma faculdade que Henri.

Ele perguntou se Gabriel dissera mais alguma coisa sobre a conversa que tiveram mais cedo, mas sua mãe negou. Então, ou ele finalmente aceitara que não era algo de sua conta, ou viria a encher ainda mais a cabeça do filho com esse assunto.

Matteo mantinha esperanças de que fosse a primeira opção.

No momento, tinha que se concentrar em ficar feliz, pois o primeiro show fora um sucesso.


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Notas finais do capítulo

Músicas citadas no capítulo:

Paradise - Coldplay
Walk - Foo Fighters
Homem Primata - Titãs
Sabotagem - Cássia Eller
This Song Saved My Life - Simple Plan



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