Herdeira da Lua escrita por Julipter, Julipter


Capítulo 13
Capítulo Treze – Um jour avant




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Itália

Aviões.

Ah, é tão triste vê-los partir.

Quer dizer, eu não fiquei para ver o avião partir. A última coisa que vi, foi Adrien acenando para mim dos portões de embarque, até sumir de vista.

Eu achei que ia chorar. Quando ele me abraçou pela última vez, quando disse “jê t’aime”, quando prometeu mais uma vez que minha estadia aqui não passaria deste ano. “Vou encontrar um advogado. Vou fazer Isabela falar. E você será oficialmente uma cidadã francesa.” Eu tinha certeza que ia chorar. Mas não aconteceu. Não naquele momento, ao menos.

No entanto, quando voltei pro apartamento...

O cheiro dele estava no sofá. Afinal, era ali que ele dormia.

Havia duas xícaras na pia.

E eu me sentia sozinha.

Bem, isso até o pequeno Cheshire praticamente voar na minha direção assim que entrei no meu quarto.

A questão é, bem, é claro que eu sentia falta de Adrien, ainda mais agora que eu sabia como era com ele aqui. Mas ele precisava voltar, pra continuar com a vida dele, e dar um jeito de recuperar a minha vida lá também.

Na última conversa que tive com Amanda, ela me perguntou como eu me sentia com relação as pessoas daqui que eu precisaria deixar pra trás. E eu disse o que Leo me disse: “depois que você for, é só mais um ano até a formatura. Vamos te visitar, e cara, eu tenho certeza que a Julia vai arrumar um intercâmbio praqueles’ lados!”. E Matteo, bom... Ele não sabe o que quer da vida. A coisa mais fixa no mundo dele é a Lua. Se a Lua não der certo, não sei o que ele vai fazer. Mas eu gostaria que desse certo. Por ele. Por todos eles. E por mim também.

Ok, Cheshire, pode parar de subir no teclado. Eu já vou dar atenção pra você.

É o melhor presente que já ganhei.

Isso me lembra Henri. Henri me lembra que eu preciso ir trabalhar.

Certo, chega de escrever por hoje.

(...)

Finalmente, o Café estava abrindo em tempo integral de novo.

O que isso significava?

Tudo estava pronto.

As paredes, os quadros, o novo letreiro (não exatamente novo, apenas modificado) e o palco. É claro que todos precisariam trazer seus respectivos instrumentos, pelo menos por enquanto, mas Itália os avisaria.

Assim que entrou na cozinha, Liliana estava lá. Ela sorriu para a funcionária.

—Ah, Itália, ficou tudo tão legal! Eu devia ter pensado nisso antes, sabe? Se der certo, devíamos levar a ideia para outras filiais. Quando a Maria ver isso, meu Deus, ela vai adorar.

Itália sorriu de volta para ela, enquanto amarrava o avental ao redor da cintura.

—Maria? – Ela não havia conhecido nenhuma Maria. O que é estranho, esse é um nome bem comum.

—Ah, é mesmo, não te falamos dela. A Maria, minha filha.

—Você e a Amanda têm uma filha! – Ok, isso explica aquela garotinha com elas em todas as fotos possíveis. Como não pensara nisso?

—Adotamos quando ela tinha um ano e alguns meses.

—Deve ser tão fofa.

—É, ela é muito fofa. E esperta. – Lili riu, com um brilho em seus olhos. – Eu e a Manda estávamos planejando uma viajem durante as férias letivas, mas só nós duas. Nesses casos eu costumo deixá-la com a minha mãe, mas ela não vai poder. Se conhecer alguém confiável, me deixe sabendo, sim?

Mon Dieu.

Eu! – Itália quase deu pulinhos. – Digo, eu sou confiável. Adoro crianças. Já fui babá, comentei isso, certo? Espalhe por aí, eu preciso muito.

—Você está sempre nos salvando, sabia? Vou conversar com a Manda.

Eu vou cuidar de crianças!

Ok, certo, eu já cuido de crianças.

Elas aliás fazem desenhos muito fofos.

Na semana passada, Itália deu tinta guache para eles. Pediu que pintassem o que estavam sentindo. É claro que foram embora cheios de tinta, mas também foram cheios de alegria. Talvez na próxima usasse aquarelas.

—Boa tarde! – Henri quase gritou ao entrar na cozinha, fazendo Itália dar um pulo.

Mon Dieu, Henri! — Ela jogou um pano de prato nele.  

—O que você ta fazendo aqui? Seus amigos têm que trazer os instrumentos. – Respondeu, desviando miseravelmente do ataque.

—Não, eles vão fazer isso amanhã a noite.

—Itália, o show é hoje. Estamos na sexta.

—Quarta. – Ela falava com convicção.

—Sexta.

—Quarta.

—Itália...

—Para de se aproveitar da minha lerdeza! Hoje é quarta, você não vai conseguir me confundir com essa carinha séria e esses cachinhos loiros!

Henri sorriu.

—Hoje é quarta. – Ele confirmou. – Você tá chorando?

Itália esfregou os olhos.

—Liliana estava cortando cebolas. Eu vou continuar o serviço, se me dá licença. – Ela lavou as mãos e foi até onde Lili estava um há pouco, e continuou cortando as cebolas.

—Ele foi embora, não foi?

Itália prensou os lábios e fez que sim com a cabeça. Henri deu um sorriso triste e passou a mão pelo cabelo dela.

—Tá tudo bem, tá tudo bem... Faz as coisas por aqui, eu atendo os clientes hoje.

Todo mundo tem seus momentos de fraqueza.

(...)

Depois do trabalho, ela passou o resto da noite fazendo lições e terminando os principais trabalhos bimestrais, o que também incluía ser atrapalhada diversas vezes por um gato fofo e dengoso que precisava de carinho. E é claro que ele o teria.

No dia seguinte, acordou com Cheshire lambendo seu rosto.

O que significava que estava atrasada ou adiantada, porque ela tinha um despertador para exercer a função de acordá-la.

Atrasada. É claro. O universo não podia colaborar com ela em nenhum momento.

Ela se levantou ás pressas, tropeçando nos próprios pés, enquanto Cheshire reclamava devido ao término de sua paz.

Graças a todos os deuses possíveis, ela havia deixado todos os trabalhos prontos e devidamente guardados em sua mochila.

Ela vestiu qualquer coisa que encontrou pela frente e correu para o banheiro para escovar os dentes. Perderia o ônibus. Perderia o ônibus justo no dia de entrega de pelo menos três trabalhos.

Não que ela tenha contado.

No fim da jornada (correria), esparramou a comida de Cheshirre na tigela, pegou a mochila, trancou a porta e correu desesperadamente para o ponto de ônibus.

Que belo começo de dia.

Aproveitou o caminho e passou no Café.

Alguém que ela não conhecia estava lá. Não era Henri, ou Lili, muito menos Amanda. Certamente não era do turno dela. Enfim.

—Por tudo que é mais sagrado, me dá um café pra viagem. – Tirou uma nota que ela achava ser de cinco reais (apesar de o café custar apenas dois) do bolso da mochila e largou sobre o balcão.

A pessoa lhe olhou de cima a baixo com uma careta, antes de entregar o café.

Achei que só contratassem gente simpática.

(...)

Havia algo muito errado.

Não olhavam tanto pra ela desde o primeiro dia de aula.

—Você encarnou a Lucy hoje? – Leo perguntou assim que a avistou.

—Quê? Por quê?

—É claro que você não notou. – Ele riu. – Você é a Itália.

Então, Leo apontou para as pernas de Itália.

Calça. Calça de pijamas. Cor-de-rosa com estampa de sorvetes. Os sorvetes tinham cerejas nas pontas.

Abruti. Boulet. Bouffon. Merde.

—Não faço ideia do que você está falando, mas algo me diz que não é bom.

—Leonardo, você sinceramente acha que eu me vesti assim de propósito? – Ela gesticulou, irritada.

—Ué, é você.

Isso a fez rir. Porque ele até que tinha razão.

Não era nada demais. Só uma calça. Como qualquer outra.

Isso não afetaria em nada o decorrer de seu dia.

Será?

(...)

Depois de entregar diversos trabalhos e fazer duas provas, no fim do período, Itália foi obrigada a comparecer na sala da diretora.

Ao seu lado, haviam apenas garotas. Com roupas justas, ou curtas, ou decotadas. E ali estava ela, com uma camiseta comum toda branca, e uma calça de pijama cheia de sorvetes.

E a única coisa que se passava pela cabeça dela era: Mas que raios...?

Se Itália bem se lembrava, o nome da diretora era Mariana. É, devia ser isso.

—Diretora, eu preciso mesmo ir pra casa. Pode dizer por que estou aqui? – Uma garota de cabelo todo colorido perguntou.

—Bem... – Ela alinhou perfeitamente os livros que estavam sobre sua mesa. – Queria apenas fazer um alerta sobre essas roupas que vocês têm vindo para a escola. Vai contra os nossos padrões.

—Temos padrões? Desde quando? – Outra menina perguntou.

—A questão é que essas roupas são indecentes demais, e podem trazer uma imagem ruim da escola. Além do perigo que vocês correm por usá-las. Eu sou mulher, garotas, eu sei como é.

—Com licença. – Itália se pronunciou. – Por que eu estou aqui?

—Itália, - Por que todo mundo aqui se chamava pelo primeiro nome? Sem “senhora” ou “senhorita”? – Você veio de pijama para a aula.

—Bom, eu não vejo onde está o problema. – Ela estava perdendo a paciência, e, como de costume, isso deixava seu sotaque mais carregado. – Eu acordei absurdamente atrasada hoje, e se parasse para analisar a minha roupa, teria perdido o ônibus. Então esteja feliz pelo meu esforço para chegar aqui. Além disso, não tem nada de errado com a roupa de nenhuma dessas meninas. O outono mal começou. Ainda está muito calor. E, a não ser que vocês tenham alguma regra sobre mostrar o corpo, essa regra não parece se aplicar aos meninos.

Marina! Não era Mariana, era Marina. Isso. Enfim, a Diretora Marina não teve palavras suficientes para responder, então outra garota se pronunciou.

—É verdade. Os meninos ficam tirando a camiseta o tempo todo.

—Mas é diferente. – Disse a diretora, como se fosse uma ótima explicação.

—Diferente como? – A mesma garota rebateu. – É um corpo. Sendo exposto tanto quanto o nosso. E sobre a roupa da Itália, como a senhora sabe que não é algo que ela usa durante o dia? Pijamas são o que as pessoas usam para dormir. Muita gente usa moletom para dormir, e eu não vejo a senhora com intenções de punir quem vem para a aula usando moletom.

—Outra coisa. – Itália falou mais uma vez. – É engraçado que o tipo de roupa que usamos possa prejudicar a imagem de uma escola que faz tantos projetos de caridade, não é?

—Na minha sala, vocês não têm direito nenhum de me questionar. Não quero mais que apareçam assim por aqui, e ponto final. Caso contrário, serão punidas. Estamos entendidas?

Praticamente todas reviraram os olhos ao se levantarem.

—Conforme as suas definições de entendido, estamos sim. – Ironizou a garota de cabelo colorido. Foi a primeira a sair, antes que a sala ficasse vazia.

(...)

—Boa tarde, o que vai querer? Não, senhor, é que teremos shows todas as sextas a partir de amanhã. Sim, eles tocam muito bem. É claro que pode vir! Volto já com o seu café. – Ela dizia com simpatia para o senhor que perguntava o que faziam andando para lá e para cá com instrumentos.

Itália voltou aos fundos do estabelecimento.

—Aí a menina disse que pijama é o que se usa pra dormir, e, bem, eu não estava dormindo naquele momento. Não é ridículo? Caramba, o que a diretora tem a ver com as pernas alheias?

Falou para Julia, que estava sentada no balcão. Antes que a amiga pudesse responder, ela saiu, levando café para aquele senhor e outras três mesas. Ela perguntou para alguns recém chegados se já sabiam o que pedir, eles disseram que não, e depois perguntaram “É aqui que a Lua vai tocar amanhã?”. Itália sorria e dizia que sim toda vez que perguntavam. Na maioria delas, eram pessoas do colégio. Verificando se não havia mais ninguém para atender naquele momento, ela voltou para Julia.

—Você e a Flávia fizeram um ótimo marketing. – Comentou, com um suspiro cansado.

—Sabemos. – Julia sorriu com orgulho. – Mas, vai, termina a história.

—Ela disse que não davíamos questionar e que se aparecermos com “roupas assim” novamente, seremos punidas.

—Isso é inaceitável! – Ela pegou o celular.

—O que ta fazendo?

—Mandando uma mensagem no grupo do Grêmio. – Falou, como se fosse óbvio.

—Ju, eu não acho que seja para tanto...

—É claro que é, Itália! Isso é machismo. Vamos fazer uma reunião sobre isso. Vamos intimar a Marina, e vai ficar tudo bem, vai ver.

—Tudo bem... -  Itália levantou as mãos em rendimento.

Quando Henri apareceu, ela não sabia se o abraçava por finalmente ter chego, ou se batia nele por demorar tanto.

—Finalmente! Isso aqui ta um caos! – Ela entregou três pratos e entregou pra ele. – Entrega isso aqui, vai, vai.

Ele apenas riu e foi fazer o que ela disse.

—Fica calma, Itália. Amanhã, os funcionários que trabalham de manhã virão ajudar vocês. – Liliana disse, atrás dela.

—Ah, sério? Obrigada. A gente não ia conseguir dar conta.

(...)

Ela não se lembrava de um momento em que ficara tão empolgada quanto quando viu Lucy terminar de montar a bateria. Pegou sua obra de arte e se juntou aos integrantes da banda, com um sorriso de orelha a orelha.

—Aqui, meus amigos, está o símbolo de sua ascendência! – Ela balançou o pano branco acima de sua cabeça. – Lucy, prenda na sua bateria.

Lucy deu pulinhos animados e pegou o pedaço de pano. Prendeu na parte do bumbo que a plateia poderia ver, e ali estava: o desenho que Itália fizera.

Alice olhou para si mesma e para o desenho três vezes seguidas. Ela estava usando o sobretudo amarelo queimado de franjinhas. O mesmo do desenho. Itália realmente acertara ao deduzir que ela adorava aquele sobretudo.

—É a coisa mais linda que eu já vi! – Ela exclamou e deu um abraço em Itália. Sim, Alice deu um abraço nela. E ela não pôde fazer nada além de contribuir. Ela era tão simpática quando se esforçava!

Alice abraçar alguém não tão próximo dela foi quase tão surpreendente quanto Téo e Matteo estarem tendo uma conversa amigável.

Ownt, estou tão orgulhosa desse grupinho.

Distraída com tudo, ela não percebeu quando Matteo foi em sua direção, abraçou-a e a girou no ar. Ela riu e beijou sua bochecha, mas foi só isso. Não houve troca de palavras. E não foi estranho para nenhum dos dois. Comemorariam depois do show, todos juntos, e seria incrível, porque o show seria incrível.


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Notas finais do capítulo

Abruti. Boulet. Bouffon. Merde.* - Todos são auto-xingamentos.
Gostaria de dizer que, mesmo eu tendo gostado de escrever esse capítulo (foi bem divertido), ele é só um capítulo de passagem, para não correr com a história. Precisava desse período de tempo até o show, e precisava de um encerramento da Itália sobre o Adrien. Então, o capítulo do show será o próximo, pelo ponto de vista do Matteo. Até lá!



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