O Lado vencedor escrita por Paty Ninde


Capítulo 1
Capítulo 1




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Não havia confiança entre eles. Ela vivia ressabiada, esperando pelo dia em que ele resolvesse aparecer com todos os comensais na cabana abandonada, que todos chamavam de lar. E ele temia ser descoberto. Temia pelo ardor da marca tatuada em seu antebraço.
Eram medos parecidos no final das contas.

***

Ele precisava sobreviver. Com os pais assassinados e a Mansão tomada, não havia para onde fugir. Nem mesmo sua tia havia lhe oferecido proteção, fora ela a primeira a concordar com a morte daqueles que não fossem capazes de executar as ordens do Lorde. Para ela pouco importava se fosse Narcissa, Lucius, ou ele.

Na noite em que seus pais foram mortos, ele esperou no porão. Por duas semanas o mantiveram sem água ou comida. Até a chegada de uma coruja castanha, que ele nunca descobriria como havia entrado ali.

A ave trazia em seu bico uma carta escrita há alguns meses, endereçada à ele, com a letra do falecido diretor de Hogwarts, Dumbledore. Nela estavam todas as informações necessárias para encontrar o fiel do segredo da casa dos refugiados.

Ali ele estaria seguro, era o que dizia a carta.

Bastava encontra-la no três vassouras. Havia uma chave de portal dentro da carta.

Era um brasão da Griffinória.

***

Ele detestava invernos, a despeito de sua pele fria e dos mórbidos olhos acinzentados, que tanto combinavam com a estação mais fria do ano.
Enquanto caminhava rumo ao três vassouras, sentia os dedos congelarem. A sensação de enrijecimento começava no punho, que, mesmo abrangido pela proteção das luvas, sofria com a leve corrente de ar que entrava por algum espaço indesejado. Logo a sensação espalhava-se pela palma da mão, ressecando as linhas e alcançando os longos dedos pálidos.

Dentro de todas as improbabilidades, ela havia aceitado o convite repentino e carregado de significados.

Dumbledore fora categórico em sua carta. Deveria contata-la, se quisesse esconderijo. Ele já havia planejado tudo.
Ela, Hermione Granger, ficara responsável pelos refugiados e fugitivos; aqueles que não haviam se rendido às ordens de Voldemort, e os que desejavam romper os laços criados pela marca negra.
Ela, Hermione Granger, seria sua porta de escape.

***

Os traços da guerra desenhavam linhas profundas nos rostos dos que residiam no lar dos refugiados. A comida era escassa e o pouco ar que entrava na cabana magicamente expandida, era frio e seco; Cortava a pele e fazia com que o tempo nunca passasse. Era como se alguém estivesse ordenando que o tempo congelasse, assim como a estação.

E por muitos anos ele desejou que o tempo tivesse parado naqueles dias. Pois só olhando para os esforços de uma garota de dezessete anos que desembainhava toda sua coragem e força para cuidar de tantas pessoas, foi que as coisas tomaram outra perspectiva.

Então ele quis estar do lado que vencia todos os dias, nas pequenas atitudes diárias. Venciam quando não permitiam que uma criança nascida trouxa, completamente indiferente à guerra lá fora, morresse de fome.

***

Numa noite calma ela adoeceu. O inverno castigara a todos, mas Hermione esforçava-se demais, saía sempre sozinha em busca de comida, andava quilômetros sob o efeito do feitiço desilusório a fim de receber notícias da guerra.

Ficar doente fora a consequência.

Ele era o único apto a ajuda-la. Apesar de estar com fome, cansado e banhado em desânimo, era jovem e forte.

Ajudaria para pagar o preço de sua estadia ali, junto daqueles que possuíam o sangue impuro, segundo o ensinamento de sua família; aqueles que, apesar de todo o revés, haviam-no acolhido — mesmo que os olhares ressabiados, no início, custassem a desaparecer.

Ele então sugeriu à ela que ficasse de repouso. Assegurou que manteria o lugar protegido, aquecido, e as pessoas alimentadas.

A princípio Hermione desconfiou. Parecia o cenário perfeito para uma armadilha. Por alguns dias chegou a questionar-se sobre sua indisposição, se a contraíra de forma natural, ou se fora vítima de um plano maligno para emboscar todos os nascidos trouxas que estavam ali.

Entretanto, não havia nada a ser feito. Precisava de ajuda. Prometera a Dumbledore que manteria em segurança o maior número de pessoas.
Dumbledore enviara a carta para Draco. Permitira que o garoto, até então, arrogante e mesquinho, tomasse conhecimento da existência dos refugiados.
O sábio professor não poderia estar errado.

***

E de fato não estava.
Não era uma armadilha, mas apenas Draco Malfoy, garantindo seu espaço e a confiança de todos.
Às terças ele saía para ter notícias do mundo Bruxo, sobre a guerra e sobre os desaparecidos. Às quintas ele procurava comida. Roubava um ou outro alimento para poder multiplica-lo por meio de magia.
Aos sábados ele cuidava dela.
Ministrava-lhe as poções que ela trouxera em sua bagagem minúscula, que, em virtude de um feitiço indetectável de extensão, poderia receber toda a biblioteca de Hogwarts sem maiores problemas.
Neste dia ele contara à ela que a guerra estava atingindo seu apogeu. Não havia saída para quem estivesse do lado oposto, independentemente do que se entendia por “oposto.
Ela fez o inesperado. O convidou a se sentar do seu lado. E como um raio de sol ela derreteu cada floco de neve que congelava seus dedos. Esquentou-os com suas próprias mãos e murmurou um feitiço de aquecimento, que ele mesmo já não conseguia fazer em virtude da rigidez dos nervos das mãos.

— Dumbledore sabia o que estava fazendo, quando lhe pediu para vir.

Foram as únicas palavras que ela proferiu. E ele recordava os movimentos dos lábios carnudos e ressequidos. A imagem das pequenas nuvens saindo de sua boca era a pequena memória da qual ele se recusava deixar ao abandono.

Não falaram por muito tempo. Ali no quarto vazio conseguiriam compensar o longo período em que ficaram separados, fosse pela guerra, fosse pelas condições em que haviam sido criados.
O silêncio sempre fora a opção mais decente. Nada ali era correto, sob o ponto de vista do mundo Bruxo. Os dois lados de uma guerra celebravam a paz momentânea, longe do estardalhaço exterior. Longe da culpa que esmagava o interior.
Os últimos flocos de neve caíam, e pela janela da cabana.

Dumbledore sabia perfeitamente o que tinha feito.

Eles haviam, de fato, vencido uma guerra.


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