Memórias do Outono escrita por Maxine Sinclair


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Olá, espero que tenham uma boa leitura.



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  E eu prometo que não é sua culpa
Nunca foi sua culpa
E eu prometo que não é sua culpa
Nunca foi sua culpa...

Broken Angel – Boyce Avenue

— Não interessa, o seu trabalho é levá-la a cada lugar da lista. É tudo para o futuro dela. Seu trabalho não é obedecer a ela, e sim a mim.

— Sério? A opinião dela não serve de nada?

— Do que está falando?

— Me desculpa, mas eu, que não estou aqui há muito tempo, só o que vejo é arrogância. Ninguém diz a você a verdade, e isso me irrita. Você é um péssimo pai.

— Péssimo pai?

— Ela só tem seis anos e já tem responsabilidades que não é para a sua idade. Só nos três primeiros dias, eu vi que ela ficava esgotada. Não estava feliz. Ela odiava aula de violão, porém gostava de violino e ballet. É tão lindo vê-la dançar... Alguma vez você já a viu? — Seus olhos expressavam uma certa agonia. — Sua filha odeia francês e ama o inglês, ela adora patinar e também ama flores. Ela só quer alguém para conversar e brincar, algo que você não faz. Depois que eu passei a levá-la para fazer coisas produtivas e divertidas, ela ficou mais feliz. Ela quer apenas um pai, e não empregados.

— Você não tem o direito de falar isso. Eu faço o que faço por ela; se eu não trabalhasse, ela passaria fome. Eu dou tudo a ela, e é isso que importa. Eu sabia que contratar uma criança seria ridículo, e você não tem maturidade alguma. Está despedida.

— Sinceramente não me importo, só me importo com ela. Pode não ter sido muito tempo, Senhor Carter, mas Abby já se tornou importante para mim. Ela é uma menina doce e incrível. — Seu rosto se acendeu e seus olhos brilhavam. — Ela quer apenas atenção. Não faça com ela o que fizeram com o senhor, afinal o filho é o reflexo do pai. Espero que abra seus olhos e veja o mal que está fazendo a sua filha.

Suas palavras, por mais simples que fossem, conseguiram atingir um lugar onde ninguém jamais atingira. O orgulho de Aaron, por mais que fosse alto, dava lugar a uma coisa estranha no peito que ele nunca tinha sentido.

Debra saiu logo após dizer tudo aquilo. Apesar dos novos sentimentos, Aaron estava muito irritado. Andou de um lado para o outro, levou as mãos à cabeça e depois se levantou para dar boa-noite a Abby. Quando chegou ao quarto da filha, conseguiu escutar vozes por trás da porta e pôde ouvir a conversa de Abby com Debra.

— Mas por que você vai embora, Debra? — a voz doce de Abby transbordava tristeza.

— Eu preciso fazer algumas coisas, mas sempre que precisar de mim, estarei contigo.

— Deb, posso te perguntar uma coisa?

— Claro, meu anjo.

— Você acha que o papai gosta de mim?

— Por que a pergunta, querida?

— Eu acho que ele não gosta. — Abby fez uma pausa. — Acho que ele não gosta porque eu matei a mamãe.

Aaron estremeceu e pôde sentir seu coração se despedaçar em mil pedaços. Pensou em como nunca notara que a filha se culpava, e que ele nunca demonstrara o suficiente amor para que ela se sentisse amada.

— Quem te falou isso? — Debra perguntou.

— Ninguém.

— Abby, preste atenção. Sua mãe ter morrido não foi sua culpa. Nunca foi. Às vezes as coisas não acontecem da maneira que queremos, mas isso não quer dizer que seja culpa nossa. Deus sabe de todas as coisas, ele sabe o que faz.

— Você acha mesmo que Deus existe?

— Eu tenho certeza e também tenho certeza de que seu pai ama muito você, ele só não consegue demonstrar isso. Você me entende?

Aaron engoliu em seco ao perceber que a morena podia colocar sua pequena filha contra ele, tinha todos os motivos para isso, mas não o fizera. Ela estava dizendo verdades não ditas.

— Uhum — murmurou Abby.

— Agora pare de pensar nessas coisas e vamos dormir, já está tarde.

— Você pode cantar para eu dormir?

— O que você quer que eu cante?

— Você pode escolher uma música.

— Está bem.

And now you've grown up
With this notion that you were to blame
And you seem so strong sometimes
But I know that you still feel the same
As that little girl who shined like an angel
Even after his lazy heart put you through hell

I wish you could see that
Still you try to impress him
But he never will listen

Oh, broken angel
Were you sad when he crushed all your dreams?
Oh, broken angel
Inside you're dying, 'cause you can't believe


He would leave you alone
And leave you so cold
When you were his daughter
But the blood in your veins
As you carry his name
Turns thinner than water
You're just a broken angel

Depois daquela música – Broken Angel, Boyce Avenue –, foi como se Aaron tivesse levado um soco. Abriu levemente a porta e viu que Debra estava tão preocupada com a menina que adormecera ao lado dela.

O que estou fazendo, afinal? O que me tornei? Minha própria filha acha que eu não a amo e se culpa pela morte de Annie. Todo esse tempo ela esteve se culpando? Todo esse tempo eu estive esmagando o seu pequeno coração com as minhas mãos?

Na mesma noite ele não conseguia dormir. Andou de um lado para o outro, depois sentou-se na poltrona e ficou olhando para aquele retrato de Annie.

Como eu queria que você estivesse aqui. Talvez eu não teria me tornado essa pessoa ruim e fria. Como Debra disse, eu estou me tornando como meu pai, tornando, não... Eu sou completamente igual ao meu pai. O meu maior pesadelo está se realizando.

Ao amanhecer, Aaron já estava arrumado. Como não dormira, já começara a se arrumar logo ao primeiro raio de sol e decidiu tomar café da manhã para espantar os maus pensamentos. Assim que chegou à cozinha e foi para o balcão, viu que seu pai estava ali, sentado com seu jornal e sua bengala novamente.

— Bom dia, meu filho. Hoje é a grande reunião.

— É, sim, e não quero que você vá.

— E nem quero ir. — Ele o olhou e ergueu as sobrancelhas. — Você acha mesmo que me intrometo na sua administração?

— É óbvio.

— Meu filho, preste atenção. — Ele dobrou o jornal e o pôs em cima da mesa. — Eu só quero te instruir, e se você não se recorda, fui eu que te coloquei na presidência da empresa. Eu podia ter continuado ou ter posto Scott no seu lugar, já que ele estava ali antes e era muito mais preparado que você, mas não, eu coloquei você porque sabia...

— Cadê Debra? — Sua mãe entrou, interrompendo seu pai. — Ela não trabalha hoje?

— A mandei embora — disse pondo um pedaço de panqueca na boca, e os dois o olharam incrédulos.

— Você fez o quê? — perguntaram no mesmo tom.

— Vocês não são surdos.

Levantou-se antes que pudessem falar qualquer outra coisa.

Minha mãe ficar surpresa eu acho até normal, mas meu pai?

Saiu o mais rápido possível, sem mostrar o quanto estava abalado com a noite passada. Logo ao chegar ao escritório, Scott estava a sua espera na sua sala.

— Não quero sermão por ter despedido Debra.

— Eu nem sabia que você a tinha despedido e também não daria sermão. Não me intrometo na vida dela, até porque ela não quer isso.

— Então por que está aqui?

— Você tem uma secretária linda que não se importa com nada que eu diga.

Aaron revirou os olhos.

— Bom saber, mas o que tem?

— Quero uma secretária também.

Aaron sabia o quanto seu amigo gostava de inventar. Ele ergueu as sobrancelhas.

— Você quer uma porque a minha não te dá mole?

— Está achando que sou um tarado? Eu só quero uma que me obedeça. Tudo que eu peço para essa, ela diz que precisa te perguntar antes.

— Porque ela trabalha para mim. Todos aqui deveriam ser como ela.

— Mesmo assim, eu queria muito uma assistente, pelo menos.

— Está bem, mas quero saber se é apropriada.

— Claro.

— Senhor Carter, está na hora da reunião — a loira comunicou com compostura na porta entreaberta.

— Obrigado.

— Bom dia para você também — Scott cumprimentou em tom de ironia.

A moça saiu, e ele revirou os olhos. Estava completamente louco por ela.

— Pode falar, ela te conquistou.

— Se ela continuar se fazendo de difícil, vai ficar sozinha. Não é todo dia que eu me encanto com alguém.

— Sei... Bom, vamos para a reunião.

Sua cabeça realmente não estava no lugar. Eles falavam, e ele não conseguia dizer nada, brincava com a caneta que estava a sua frente, até que todos olharam para ele, e o representante chamou sua atenção:

— Senhor Carter, está tudo bem?

— Quê...? Ah... Está, sim.

— O presidente da empresa investidora estará aqui daqui alguns dias, porque não deixamos para resolver essas questões em outro dia? Já que o senhor não está parecendo muito bem.

— Não precisa, eu me preparei para essa reunião durante a semana toda. Eu trabalhei muito para apresentar todos os projetos.

— Eu entendo, só que é melhor deixar para apresentar quando estiver mais atento, senão pode se arrepender.

Suas palavras terminaram de acabar com Aaron, até porque ele sabia que a empresa não seria a única a disputar na licitação privada e que muitos bons projetos estariam concorrendo. Aquilo podia fazer com que ele perdesse o que tanto almejava.

Permaneceu ali, parado naquela sala vazia, com apenas uma mesa imensa e dezenas de cadeiras, olhando para os papeis a sua frente. Percebeu algo cor-de-rosa entre as folhas de papel. Ajeitou-se e o olhou. Entre seus documentos, havia um desenho feito por Abby com giz de cera. Eram três pessoas e um arco-íris. As pessoas eram desenhadas como aqueles desenhos de palitinho, e sobre elas havia os nomes Papai, Abby e Debra. No céu estava escrito Família, e o chão era cor-de-rosa.

Ele nunca tinha visto nenhum desenho dela. Por mais que ele quisesse, talvez nunca conseguisse ser o pai que ela tanto queria, e partia seu coração saber que ela gostava tanto de Debra a ponto de pôr a morena em um desenho de família.

— Vai ficar aí? — Scott perguntou, despertando-o.

— Já vou embora.

Levantou-se e foi para casa. No caminho, seus pensamentos pareciam estar tão altos que às vezes ele pensou que alguém pudesse escutá-los.

Annie, o que você faria? Sinto tanta falta... Eu não posso falhar.

Já cansado chegou a casa. Abby estava na sala desenhando, e os pais dele, ali sentados ao seu lado.

Engraçado que meu pai nunca se sentou por um segundo sequer para apenas ficar me olhando, nunca me deu atenção. Por mais que eu quisesse, ele nunca me deu nada além de uma vida solitária, e aqui estou eu, fazendo a mesma coisa com minha filha.

Olhou para o desenho dela.

— Quem é, filha?

Ela o olhou, e seus olhos brilhantes se acenderam completamente.

— O senhor e a Deb.

— E por que desenhou a Deb?

— Porque vocês são minha família.

— Não... Eu sou sua família. — Respirou fundo, tentando encontrar as palavras certas, mas sem perceber alterou sua voz: — Debra é apenas uma conhecida, ela não é sua mãe!

— Mas eu queria que fosse — suas palavras eram inocentes, mas Aaron não aceitava o fato de ela estar trocando Annie por Debra.

— Vá para o seu quarto e jogue esse desenho fora.

— Aaron, se tranquilize, ela é apenas uma criança — interveio Clarck.

— O que você entende sobre isso? Pelo que eu sei, você nunca foi pai. — Fechou sua expressão. — Ela tem que entender que a mãe dela é a Annie.

— E ela sabe disso, em nenhuma hora ela disse que Debra era a mãe dela, apenas quando você se exaltou ela disse que queria que fosse.

— A filha é minha, e eu sei o que é melhor para ela.

— Você está pondo muitas responsabilidades em uma criança de seis anos.

— E o que você sabe sobre responsabilidades?

— Aquela menina... Debra ajudou a sua filha. Nunca tinha visto Abby tão feliz.

O empregado entrou, e sua mãe fez sinal para que ele saísse.

Aaron se lembrou de sua infância. Clarck nunca fora pai, e Amber, que era para ser próxima, estava muito ocupada cuidando da casa e das coisas do marido. Por mais que ela tentasse estar próxima a seu filho, não conseguia, mas sua avó, Elie, que sempre esteve por perto, contava histórias quando Aaron tinha pesadelos. Sempre quando Aaron chorava, ela cantava para ele. Infelizmente ela faleceu quando ele tinha sete anos, que foi quando conheceu o seu único e verdadeiro amor... Annie.

— Eu não te devo explicação, afinal você nunca foi um pai, não tem a moral para falar sobre a criação de minha filha.

— Você só sabe me criticar, Aaron. Essa sua arrogância vai te matar um dia. Eu nunca fui muito presente, sei muito bem disso e tenho que conviver com a culpa, mas tudo o que fiz foi por você. Já passei por tudo nesta vida, mas nunca descontei em você.

— Eu faço por ela, eu quero dar o melhor para ela. — Aaron não sabia, mas ele necessitava desabafar e ouvir de seu pai tudo aquilo que estava guardado em seu coração. — Então você podia, e eu não.

— É aí que está... O meu tempo era outro, eu comecei do zero, e você já pegou a empresa pronta. Não sei porque você arruma tanto trabalho.

— Eu passei a vida inteira tentando não ser como você.

O pai de Aaron fechou os olhos, respirou de forma profunda e soltou um sorriso.

— Eu era muito jovem quando me casei, meu pai morreu e ganhei um dinheiro e assim comecei meu negócio em um cubico mofado. Eu comecei na miséria, e hoje você é o que é porque eu lutei muito para ter tudo. Nunca te faltou nada, mas me doía quando eu não podia te dar um brinquedo que queria, ou quando você sentia frio.

Ele olhou para suas mãos, depois voltou sua atenção ao filho e continuou:

— Lembro um dia quando cheguei em casa e estava nevando. Você estava deitado em um colchão no chão e tremendo de frio. Tinha ficado doente, e aquilo partia meu coração. Eu me sentia mal por não poder dar nada a você.

— Eu não me lembro disso.

— Exatamente... Você passou a vida inteira tentando não ser como eu. — Ele chegou perto. — E agora você conseguiu ser pior.

 


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ter lido mais esse capítulo, é gratificante tê-lo ao meu lado, fazendo parte de cada momento da pequena Abby, até o próximo.
XOXO Nick.



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