Deixe-me te amar escrita por Nathália Francine


Capítulo 4
Quatro




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— Bem, o sol já está nascendo...tenho alguém para visitar. Não fique muito tempo aqui Cupido, pode lhe fazer mal. E mais uma vez, desculpe pelo meu filho.

Nós nos abraçamos e eu voltei para a casa da Amy.

Ela ainda dormia e o gato estava esparramado nos cabelos vermelhos dela.

Me deitei ao seu lado novamente no pouco espaço que me sobrou.

“- Como alguém tão pequena pode ocupar tanto espaço em uma cama de casal?”

Assim que me deitei ela se mexeu e virou de costas para mim. O gato resmungou em um ronrono e se esticou. Pude ver atrás da nuca dela uma queimadura vermelha e antiga que formava estranhamente um coração.

Não precisei tocar para saber como ela havia conseguido aquela marca.

Balancei a cabeça na esperança de esquecer aquela história, passei a mão pela sua cintura e me aconcheguei com ela.

Nós nos encaixamos e (eu nem preciso dizer que um Imaterial não precisa dormir, apenas fazemos isso de vez em quando para ajudar a pensar) dormimos como se fizéssemos isso a muitos anos. Foi algo...natural.

Assim que amanheceu eu abri os olhos e dei de cara com Draco. Dei um peteleco de leve no seu nariz e ele se afastou. Olhei para baixo e vi Amy dormindo tranquilamente em meu peito.

Passei a mão pelo seu cabelo o que não deixou o infeliz do gato feliz, que pulou mordendo meu braço. Me levantei xingando:

— Gato desgraçado! Eu vou matar você!

Amy se sentou assustada a cama:

— O que está acontecendo? Ah droga, não foi um sonho, não é? – Ela deitou novamente e puxou o gato para seus braços, onde ele se encaixou – Pela dor no meu corpo realmente não foi um sonho...bem, deite ai e fique quieto!

— Seu gato me mordeu!

— Você deve ter dado um motivo...ele é dócil.

— Dócil? Isso ai é um monstro bebedor de leite!

Ela se virou e me encarou.

— Você é delicado feito moça. Sabia?

Eu a olhei irritado. Aquela menina era louca!

Ela me encarou com aqueles olhos estranhamente lindos:

— Eros...obrigado por ficar.

E pronto...lá se foi minha raiva!

Me aproximei da cama:

— Não se preocupe...

— Sei que é pedir muito mas, enquanto não descobrimos quem você é...

Eu sorri e me sentei na cama pegando uma mecha do seu cabelo nos dedos.

— Eu fico. O tempo que você quiser.

Ela sorriu de um jeito magnifico.

— Obrigado. – Ela se levantou e me olhou. – Bem, eu tenho que ir trabalhar, você vem junto?

— Acho que não vai fazer muita diferença, afinal você é a única que me vê.

Deitei novamente e suspirei.

— Eros.

— Oi.

— Preciso que você saia.

— Por que?

— Por que eu vou tomar banho e me trocar.

Me virei apoiando-me em meu braço com um sorriso no rosto.

— Amy, eu te vi semi nua.

Não sei bem de onde ela tirou aquele coturno, mas lembro que ele me deixou um galo na cabeça. Me sentei na calçada e esperei ela por longos vinte minutos.

Ela desceu saltitante um vestido branco curto e solto, uma bolsa surrada preta e o coturno.

— Vamos?

— Você vai falar comigo em voz alta no meio da rua?

Ela colocou um óculos de sol estilo John Lennon e me olhou ascendendo um Black mentolado.

— Sou a pintora louca da rua. Acham que estou falando com alguns espirito inspirador.

Ela soltou a fumaça e começou a andar. O toque do Vicio brilhou nela. Eu apressei o passo para acompanha-la:

— Então, você não bebe, mas fuma.

— Sim. O fogo me acalma.

— Mas...

— Sim, eu sei. O incêndio. Mas o fogo para mim é libertador. Não sei explicar...não me julgue, você provavelmente devia ser viciado em cocaína!

— Cocaína?

— Ou álcool...não sei. Você deve ter algum vicio.

Depois de dois quarteirões chegamos na floricultura Azaleia.

— É aqui?

— Sim, Floricultura Azaleia. Sabe o que significa?

— “Alegria de amar.”

— Para um Punk você é bem inteligente...

Ela foi entrando.

— Sabe...quem te garante que eu era um Punk? Eu poderia ser um ator.

Ela me mediu e se aproximou de mim rodopiando e fazendo gestos exagerados de uma donzela no palco.

— Você por acaso seria um ator representando um cara mal que no fim descobre sobre a magia do amor e se torna bom? Oh, meu amado Eros, vieste me salvar desta terrível solidão?

Ela riu e passou os braços pelo meu pescoço. Nossos rostos estavam próximos...seus lábios eram convidativos.

Ela sorriu levemente.

— Provavelmente não...você deve ter sido um punk mesmo.

E se afastou.

Eu a observei e murmurei:

— É...talvez eu fosse mesmo.

— O que disse?

— Nada. Você é péssima atriz, sabia?

Ela estava amarrando um avental preto com girassóis desenhados.

— Fique quieto e me ajude, tenho que aguar as plantas antes que Nora chegue.

Ela me jogou um regador de plástico e apontou a torneira no fundo da loja.

— Quem é Nora?

— Minha chefe.

Dez minutos depois, a loja estava completamente aberta e todas as plantas molhadas. Ela foi para a pequena cozinha dos fundos e deixou que o cheiro de café fresco inundasse a loja e se misturasse com o cheiro das flores. Me senti em Amsterdã novamente, no Parque Keukenhof.

A porta se abriu e uma senhora entrou. Cabelos brancos como nuvens, olhos azuis e sinceros e pele enrugada. Ela usava um macacão longo jeans e uma camiseta escrito Sunshine. A bolsa marrom pendurada em seu ombro estava repleta de mudas pequenas.

Eu fiquei parado sentado no chão com a perna esticada no meio do corredor e antes que percebesse, ela passou por mim e desviou da minha perna.

— Nora?

— Oi querida, ah, que cheiro magnifico!

Amy entregou para ela uma xicara vermelha e pegou sua bolsa.

— Mais mudas?

— Ah sim. Essas são muito especiais!

Eu me levantei e fui para o lado de Amy no balcão e assim que vi as mudas a olhei e falei no seu ouvido:

— São “Não-me-esqueças”.

Ela fingiu que não me ouviu e olhou para a senhorinha:

— São de que Nora?

— “Não-me-esqueças”. Uma flor linda com uma história triste.

Amy pegou uma xicara preta escrito “Releve” e sentou no chão ao lado de uma cadeira de balanço onde Nora estava se acomodando.

— Quer saber a história?

Amy sorriu como um neto sorri para seus avós quando eles lhe dão doces.

Nora continuou:

— A muito tempo atrás havia um jovem cavaleiro apaixonado por sua bela dama. Certa tarde eles estavam na beira de um rio e a jovem viu a flor que brotava em uma pedra bem no meio do longo rio. Ela se apaixonou pela flor, pois nunca havia visto uma tão bela! Como um bom cavaleiro e bom namorado, o jovem entrou no rio para pegar o desejo de sua amada. Mas o peso de sua armadura o puxou para baixo e ele nunca mais voltou a superfície. Depois de alguns dias, a jovem voltou à beira do rio para conversar com o espirito do seu amado e se surpreendeu ao ver que a flor que ele fora buscar, agora brotava aos montes por todas a margem do rio. Desde então dizem que toda jura de amor feita naquele rio, se eterniza.

Eu brinquei com uma formiga no balcão e me lembrei da história. Este havia sido o primeiro e único erro de Flerah. Ela tinha ficado tão abalada que eu fiz as flores brotarem pela margem do rio e até hoje, todo casal que se encontra lá, Flerah os une para sempre.

— É uma bela história Nora.

— Não é apenas uma história Amy. Aconteceu realmente.

Amy se levantou e foi até o vaso alto com girassóis. Acariciou as pétalas de um deles e disse tristemente:

— Assim como a pobre ninfa que se apaixonou por Hélio, o Deus do Sol, e quando foi trocada por Leucóteia se entristeceu tanto que acabou por se transformar em um girassol.

Ela riu com desdém e isso me doeu.

Lembrei-me da jovem que eu havia visto Morte levar...Clítia não era uma ninfa. Apenas uma jovem solitária que se apaixonou pelo sol. Ela dizia que ele viria busca-la e que ficaria ali, esperando por ele. O que nunca entendi nela, foi que sua canção era forte e verdadeira. Lembro-me que eu quase perdi os sentidos. Não conseguia me concentrar em absolutamente nada...passei todos os dias ao seu lado, até que Flerah buscou Morte e Vida e os levou até onde eu estava definhando ao lado da jovem. Nem ao menos eles entenderam o que acontecia com ela. Nunca entendemos. Mas Morte a levou e Vida, por piedade, fez brotar uma flor amarela para que seu espirito sempre ficasse junto do seu amor.

— Ah menina Amy...por que você não acredita?

— Em histórias?

— No amor.

— Por que o amor não existe Nora. É apenas uma invenção dos seres humanos para preencher o vazio que o dinheiro não cobre.

Eu fiquei perplexo. Como alguém poderia dizer isso?

Nora se levantou e pegou a mão dela.

— Não se preocupe menina. O Cupido deve ter alguém para você.

— Cupido? Sério Nora? Vou parar de te dar café...você está ficando biruta. – Amy se soltou e foi para os fundos levando as xicaras e resmungando. – Cupido...onde já se viu? Quem precisa de uma flechada de um querubim de fraldas?

“- Querubim de fraldas...eu devia ter dito pra Morte matar o desgraçado que me pintou daquele jeito...malditos pintores romancistas! ”

Nora sorria.

— Se o cupido não te der ninguém, talvez ele cubra o seu vazio.

Eu congelei.

Amy estava de volta prendendo o cabelo deixando à mostra a cicatriz.

— Nora, pare de falar asneiras. Vamos plantar logo essas mudas.

— Não é besteira menina. Já pensou? Se apaixonar pelo mensageiro do amor?

— Ah, claro. Serio perfeito! E nós moraríamos no campo vendo as flores brotarem e eu trocaria suas fraldas.

— Quem te garante que ele é assim?

— As pinturas.

Nora se sentou novamente e observou Amy plantar com cuidado e carinho as novas mudas.

— Talvez ele seja alto, bonito e aparente ter vinte anos. Seja loiro de olhos azuis e use jeans e camiseta.

Amy estava tão concentrada que nem reparou na descrição que Nora fazia.

— O que disse?

— Nada querida...onde conseguiu isso?

— O que?

— Esse machucado na sobrancelha.

— Ah, isso? Eu sou um desastre ambulante quando não estou aqui. Cai de um jeito patético e vergonhoso na escada de casa.

— Tem certeza de que foi isso?

— Sim, se quiser te trago amanhã uma foto da escada. Minha cara ficou impressa nela. Olhe, estou fazendo certo?

Nora e Amy passaram o dia se revezando em atender os clientes, aguar plantas, anotar encomendas e brigando pelo último cupcake de limão.

Assim que o dia acabou, Nora se foi e Amy e eu seguimos nosso caminho.

— Amy.

— Pois não?

— A quanto tempo conhece aquela senhora?

— Desde que eu tinha quinze anos. Depois do acidente no orfanato, morei na rua e um dia a encontrei. Ela me contratou para varrer as folhas secas e quando dei por mim, estava vendendo e plantando flores e já tinha onde morar. Ela é meu anjo da guarda por assim dizer.

Eu concordei com a cabeça.

— Ela sabe?

— Do que?

— Que você vê...pessoas.

— Ah, sim. Certa vez ela me pegou falando sozinha e perguntou quem estava na loja com a gente. Eu disse que era um soldado que estava procurando a namorada dele. Lembro que Nora chorou por um tempinho e depois disse: “ Diga a ele que a namorada dele está bem e que sente saudades. E que a hora dos dois ficarem juntos, vai chegar. Mas por enquanto, ele deve seguir.”

— E o que você fez?

— Eu disse para ele.

— E ele?

Ela deu de ombros:

— Sumiu.

Andamos mais um pouco, em silencio, até que eu perguntei como quem não quer nada:

— Nora não vê...

— Não.

— Tem certeza?

Ela parou na escadaria da casa dela:

— Por que? Acha que ela te viu?

Eu pensei por uns momentos e a segui escada a cima.

— Não...acho que é só coisa da minha cabeça mesmo.

Ela balançou a cabeça e encostou a mão na porta que caiu.

Ela soltou um longo suspiro:

— Ah é...preciso de uma porta.


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