Deixe-me te amar escrita por Nathália Francine


Capítulo 3
Três




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De madrugada voltei para casa apenas para dar algumas ordens.

Fui direto até Flerah na sala das flechas.

— Flerah?

Ela se virou e sorriu para mim.

— Senhor, estou checando a contagem do dia.

— E como estamos?

— Ótimos.

— Que bom. Escute, estou em um projeto particular e ficarei fora por um tempo. Você cuida de tudo?

— Claro...mas por favor, me diga que não está fazendo outra Sodoma.

Eu ri.

Flerah tinha sofrido muito durante o meu relacionamento com Ódio. Ela tentava fazer as pessoas se apaixonarem, mas... bem, foi difícil pra ela.

Me aproximei e beijei o alto de sua cabeça.

— Não se preocupe. Nem Sodoma, nem Gomorra.

— Ufa! Fico mais tranquila.

Eu olhei para o chão:

— Quem sabe eu dou um outro nome?

Ela me olhou assustada e ri.

— Calma pequena. Não vou aprontar nada.

— Promete?

Bufei:

— Prometo que vou tentar não aprontar nada.

Ela suspirou.

— Bem, já é um avanço. – Ela me abraçou e sorriu – Se cuide senhor. E se precisar de algo, me procure.

Retribui o abraço.

— Obrigado e lembre-se: qualquer problema aqui, me chame.

— Sim senhor.

Antes de voltar para a casa da Amy, passei pelo lugar onde ficava o orfanato.

Outro lado bom de ser um Imaterial: você apenas tocava na pessoa, e já sabia onde ela havia passado. Parei em frente a um terreno baldio com mato alto.

Toquei o chão e não senti nada.

Nenhum pingo de amor ou felicidade.

— Quer saber o que aconteceu aqui?

Eu dei um pulo e me virei dando de cara com Morte.

— Morte? Mas que droga! Quer me matar de susto?

Ele riu e se aproximou de mim colocando a mão em meu ombro.

— Desculpe. Eu estava procurando uma das suas.

— Problemas?

Ele me estendeu uma flecha e assim que toquei soube de quem era.

— Ah merda...o que ela fez?

Ele arqueou a sobrancelha branca.

— Ela costuma causar problemas?

— Não...ela é novata. Essa é a primeira semana dela em campo sozinha. Por favor não me diga que ela acertou alguém na cabeça.

— Calma ae querido, ela não acertou ninguém. Não com uma flecha pelo menos.

Olhei para ele assustado.

— Como assim?

Morte ficou sem graça e procurou as palavras:

— Ela...bem...ela abriu o lábio de um dos meus filhos.

— O-oque?? Como??

— Com uma pedra.

— Pelos Deuses! Ela deve ter tido algum motivo...ela não é assim. – Eu andava de um lado para o outro tentando achar a lógica daquilo. - Nós não somos violentos! Você sabe disso Morte, somos...

— Seres do Amor. Eu sei Cupido. Mas para um Ser do Amor, você é bem burro.

Estaquei:

— Como é?

Ele suspirou.

— Cupido, ela abriu o lábio dele com uma pedra, por que ele a beijou.

Eu fiquei imóvel por alguns minutos.

Cada uma das minhas havia nascido de uma flecha minha. Eu passava dias e noites moldando a flecha para criar uma das minha garotas e Morte estava aqui, parado na minha frente com um sorriso no rosto me dizendo não só que eu sou burro, mas que um dos canalhas albinos de dezesseis anos dele havia beijado uma das minhas filhas. A minha caçula! 

Grudei ele pelo colarinho do terno preto.

— Ele fez oque?!?

— C-cupido, se acalme! Foi apenas um beijo!

— Ele beijou a minha mais nova! Quem é ele?

A Porta se abriu e nós encaramos os dois vultos parados.

— Senhor?

Senti o espanto em sua voz.

— Arly?

Arly estava parada ao lado de um garoto de dezesseis anos albino usando calça social preta e uma camiseta de manga comprida preta também. O corte no lábio estava a mostra ainda.

Soltei Morte e corri para ela.

— Você está bem? – Olhei para o garoto e o fuzilei até ele ir para o lado de Morte – Querida, você está bem mesmo? Por que não me contou?

— E-eu...

— O que ele te fez?

— EI! Eu não fiz nada de errado.

Morte o segurou pelo ombro.

— Cale-se.

— Mas, meu Senhor, eu não fiz nada de errado! Não fui eu quem beijei ela!

Eu me enfureci.

— O que você está querendo dizer? Você está insinuando que minha filha o beijou?

— Cupido...

— Morte, isso é inaceitável!

— Eu sei, mas pelos Deuses, se acalme!

Arly pegou minha mão e tentou me puxar.

— Meu senhor...eu posso explicar!

— Não, não pode! Você é uma criança Arly. Não sei o que ele te disse ou se ele te ameaçou, mas...

— Eu o beijei por que quis!

Um longo silencio me deixou zonzo.

— O-oque?

— Eu...eu queria saber qual era a sensação.

Eu fiquei ali parado olhando para ela. Tentando entender. Mas eu sabia, eu já havia sentido essa mesma curiosidade. Foi aí que Ódio entrou na minha vida...

Morte se aproximou dela.

— E qual foi meu bem?

Ela começou a chorar e ele a abraçou.

— Seu nome é Arly?

— Sim.

— Meu filho é um idiota...mas não o culpe. Ele é um Ser da Morte.

— Eu sei.

— Pode nos dizer por que...

O garoto explodiu:

— Por que eu disse a verdade!

Morte olhou-o e ele se calou no momento em que Arly recomeçou a chorar.

— Caleb é bom se manter de boca fechada!

Morte a pegou no colo e me entregou.

Eu a abracei. Abracei-a como havia feito quando ela tomou sua forma, quando ela atirou pela primeira vez, quando seu primeiro casal se casou e quando ela passou por um casal conturbado que simplesmente não ficaram juntos.

Eu sabia que Arly era diferente.

Ela sentia como eu: a mais. Uma vez a peguei nas docas de olhos fechados. Quando perguntei o que ela estava fazendo, ela me disse que estava ouvindo uma voz, na noite seguinte eu a segui. Ela havia escutado uma canção...apenas eu ouvia canções. Desde então fiquei de olho nela e não deixei que saísse em campo sozinha. Mas depois de anos acompanhada, eu achei que ela conseguiria. Mas ela viu Amy e beijou um dos filhos do Morte no mesmo dia. A abracei querendo poder tomar para mim toda a sua dor.

Beijei sua testa e ela me olhou secando uma lagrima.

— Arly, meu amor, volte para casa e descanse. Você não sairá mais essa semana. Apenas comigo. Entendeu bem?

— Sim senhor.

Ela me abraçou mais forte e sorriu para Morte, que lhe lançou um beijo.

No exato momento em que ela passou pela Porta, Morte acertou um murro no jovem quebrando seu nariz.

— Cupido nunca nos fez mal! Em anos e anos ele nunca nos causou problemas! E o que você faz? Beija a caçula dele e a magoa! O que você disse para ela?

— M-meu Senhor...

— O que você disse?

Caleb se levantou, limpou o sangue que escorria do nariz e o olhou:

— Eu disse que ela não sabe beijar. Que parece um peixe buscando ar.

— Filho da puta!

Ele agarrou o garoto e puxou do seu peito sua foice. Antes que ele fizesse o pior, eu intervi.

— Chega Morte!

Ele me olhou sem entender.

— Mas...Cupido ele...

— Eu sei o que ele fez. Sinto a dor da minha filha. Mas desfaze-lo não será necessário. Pensaremos em algo. Mas primeiro, eu exijo um pedido de desculpas sincero.

Morte o soltou e esperou. O garoto cambaleou e me olhou:

— Eu...eu sinto muito pelo o que fiz.

Me aproximei dele.

— Você acha que pode enganar um Ser do Amor? Vá para casa e quando realmente estiver arrependido, me procure.

Vi seu olhar apavorado para Morte, mas ele apenas abriu a Porta, devolveu sua foice e o empurrou para dentro.

Após se fechar, Morte me olhou.

— Cupido, eu...

— Não se preocupe Morte. O arrependimento vem para todos. Apenas não o desfaça. Se você fizer isso, minha filha se sentirá culpada, e para nós, a culpa é a pior dor que existe.

— Tudo bem.

— Morte, não se culpe. São crianças...isso acontece.

Ele me olhou indignado e triste:

— Ele tem 115 anos.

Sorri.

— Bem, a minha tem 101. Eles crescem mais rápido do que percebemos.

Nós rimos e depois de um tempo ele olhou em volta:

— Me diga Cupido, o que quer desse lugar?

— Ah...estou curioso com a história desse terreno.

— Por que?

— Passei por aqui esses dias e senti algo estranho...tanta dor.

Ele seguiu meu olhar para o terreno e suspirou.

— Aqui costumava ficar um orfanato. A responsável era um monstro em forma de gente. Ela odiava as crianças, então as escravizava. Ela as obrigava a limpar todo o local, trabalhar na feira, lavar e passar roupas para os magnatas...mas o pior era quando as garotas completavam doze anos. Ela as levava para trabalhar em sua casa. Seu marido era escritor, por isso ficava muito tempo em casa e ela queria garantir que ele teria as refeições na hora certa. Mas ele queria mais e ela sabia. E não se importava.

— Ninguém nunca descobriu?

— Não.

— Como acabou?

 - Com um incêndio provocado por uma das garotas. Ela simplesmente se enfureceu e depois de levar uma surra da supervisora, foi obrigada a se mudar para a casa dela. Na noite anterior a sua mudança, ela incendiou o lugar. Todos morreram.

— E a garota?

Ele me olhou.

— Todos morreram.

Eu e Morte éramos amigos de longa data. Ele era mais velho que eu, mas eu sabia ler suas entrelinhas.

— Mas você não se lembra dela...

Ele suspirou novamente.

— Eu me lembro de todos que já levei e sei de cor todos os que meus filhos já levaram. Mas não me lembro dela.

— Ela pode ter fugido?

— Sim, é possível.

— Ela é uma assassina.

— Não.

Eu o olhei pasmo.

— Como não? Ela começou o incêndio!

— Ela era escravizada pela pessoa que deveria cuidar dela e abusada pelos companheiros maiores e seria abusada, não semanalmente como era, mas todos os dias pelo marido daquela mulher. No lugar dela, até mesmo você faria a mesma coisa.

Ele tinha razão.

A dor que eu sentia naquele lugar era enorme! Crianças...eram apenas crianças nas mãos de um demônio. Como alguém podia ser assim? Como alguém que era responsável por diminuir a dor daqueles que os pais não quiseram, conseguia faze-los sofrer mais ainda? Morte estava certo, até mesmo eu, faria igual.

— Morte, e o marido dela?

Ele sorriu de um jeito tão assustador que eu me arrepiei. Só o vi sorrir daquela forma, quando foi buscar Hitler.

— A hora dele está chegando e eu mesmo irei busca-lo.

Um alivio imenso me tomou.


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