Love Jokes escrita por Bojack


Capítulo 9
Capítulo VIII - Perdendo a Piada


Notas iniciais do capítulo

Capítulo atualizado(21/01/24)!



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CAPÍTULO VIII

 

 

Algum tempo havia se passado, meses na verdade. Desde então, parecia que a graça havia acabado e as piadas não faziam mais sentido. Na verdade, talvez a única vez em que as piadas houvessem feito algum sentido fora naquela primeira semana, mas, depois... Nada. Nem uma gargalhada. Era um pesadelo.

  Sua vida havia se estagnado, tornando-se miserável nestes últimos meses. O salário era pequeno, como migalhas de queijo para um rato. Mal podia comprar comida e ainda sobrar dinheiro para pagar o aluguel. Não parecia haver solução, não entendia aonde fora parar seu aparente talento cômico. O desespero não era apenas constante, como também um peso desconcertante que lhe fazia atrapalhar-se em suas próprias piadas.

  Sua mulher, Jeannie, mesmo grávida, havia sido demitida de seu antigo emprego e embora devessem, não planejavam pagar o que era devido. Havia um motivo, claro; sempre há um. Há quatro meses, Salvatore Maroni tornara-se mais hostil a respeito de Carmine Falcone; por algum motivo, a rixa de família havia aumentado. As duas famílias governantes de Gotham estavam prestes a entrar em guerra. Este fato era claro para toda a população, o que causava enorme tensão em todas as áreas da cidade.

  A vida de Joe havia desmoronado de tamanha forma que em apenas sete meses, seu sonho de independência tornara-se a perdição de sua família. Sua condição financeira forçou-lhes a mudar para uma vizinhança pobre e perigosa, próximo ao bar onde trabalhava em Bryanttown, um dos bairros mais infesto de Gotham.

  Seu novo apartamento era minúsculo, decaído, empoeirado, suas janelas eram meramente cortinas e tábuas, sua cama de casal havia sido vendida e apenas sobrara o colchão velho, poucos móveis realmente haviam sido mantidos. Não era apenas a locação, mas, as dívidas mais diversas se acumulavam. Gotham não era uma cidade que perdoava devedores. Eles sabiam.

  Jeannie com sua barriga já avantajada graças à gravidez, não se alimentava como devia, nem mesmo mantinha-se emocionalmente estável e bem como lhe fora recomendada pelo médico há meses, pouco depois de descobrir a gravidez. Seu maior medo era que a chegada do bebê não fosse uma dádiva, e sim uma maldição. Preocupava-se em como poderiam criar este bebê em uma vizinhança tão violenta. Não existe infância naquele lugar, todas as crianças são convertidas a marginalidade e forçadas a trabalhos inescrupulosos, até mesmo covardes. Realidade lastimável.

  Perdido em olhares frios, vaias esmagadoras, e até mesmo objetos atirados, Joe compreendia cada vez mais a situação onde estava, o erro que havia cometido. “Não há sonhos em Gotham. Aonde eu estive com a cabeça? Eu realmente chutei o sistema? Eu realmente pensei que poderia viver um sonho? Minha mulher está prestes a ter um filho! Eu sou uma vergonha, é isto o que eu sou.” Joe não podia deixar de se torturar.

  Suas palavras tornavam-se emboladas e as piadas confusas. Como comediante, Joe havia perdido completamente o seu “timing”. Seus problemas não possuíam limitações, até mesmo Falcone aborrecia-se com a perda de clientela causada por Joe e suas infelizes péssimas piadas. “Olha garoto, não importa se o dinheiro que ganho neste lugar é pouco. Este lugar é meu. Entende? Não importa se é desprezível! Ele carrega a minha imagem, de certa forma. Não posso ter um empreendimento que tenha seu nome manchado por graças à um comediante ruim. Entende, meu garoto? Olhe, Joe. Eu gosto de você, certo? Não vou te mandar embora, ao menos por enquanto. Acredito que você consegue. Está passando dificuldades e isto está te matando, não é? Eu sei como é isto, passei por isto. Todos passaram. Mas é aí que divido meu gado, certo? Alguns conseguem superar isto, outros .... Afundam. Não seja o gado que vai afundar, garoto.” disse Falcone para Joe há dois meses.

  Naquela noite, tudo estava tão pior que o comum. Nomes desagradáveis ditos, gritados, arremessados contra o pobre Joe no palco, não se comparavam a ver uma massa de clientes deixar o local com tamanha insatisfação. Sabia que aquilo era realmente ruim, sabia que em breve aquilo lhe custaria o emprego, só não sabia quando.

  No final da noite, perto de amanhecer, o local já estava completamente vazio havia algumas horas, na verdade, a clientela havia diminuído nestes últimos três meses. “Joe afasta os clientes como inseticida.” Era comentado por outros empregados. Era vergonhoso, Joe era tratado como a Peste Negra.

  Sentado na beirada do palco, com um copo de Whisky na mão, Joe se martirizava a todo o momento. Relembrava todos os seus passos e punia-se mentalmente pelas más escolhas. Não podia mentir para si mesmo, havia até mesmo pensado em tirar sua própria vida algumas vezes, mas, não tinha coragem para isto.

  Sua única felicidade era saber que Jeannie permanecia fiel a ele, embora até mesmo isto lhe fizesse mal de certa forma. “Se Jeannie houvesse escolhido outro, qualquer outro, ela não estaria nesta situação. Santo Deus, como iremos criar esta criança?” Sua mulher era a única dádiva em sua vida, a única coisa que não havia dado errado, e ainda assim, ele era para ela como uma maldição; ela não dizia, mas ele sabia.

  Parado ali, sentado de frente para todas aquelas mesas, lembrava-se de quando chegara ao “Kick the Glass” pela primeira vez. Estava acompanhado de um dos capangas de Falcone, e armado com seus sonhos ilusórios. Uma lágrima não pôde ser evitada no canto de um dos olhos. Limpou-a rapidamente ao ouvir a voz do chefe, Felini Faustor, falando com os outros funcionários, parabenizando-os por seus trabalhos, mas, lamentando o atraso do salário. Todos entendiam, era culpa da perda de clientela.

  Felini aproximou-se enfim, pelo corredor entre as mesas, até chegar naquele triste comediante sentado à beira do palco. Ao estar mais próximo, poucos metros de distância, deu seus últimos passos mais devagar. Encarou a face tristonha e coberta de culpa que Joe demonstrava, e sentiu-se um pouco comovido, embora ele mesmo estivesse brevemente furioso.

  Pondo sua mão esquerda sobre o ombro direito de Joe, olhou com uma expressão pesarosa, cujo ela por si só já anunciava o que viria de sua boca. Joe fingiu não compreender, olhou-o como que implorando para não dizer. Não adiantou. Aquelas duras palavras ditas pelos lábios pequenos de Felini Faustor eram como um tiro impiedoso em seu peito. Seu coração parecia gelar e quebrar-se em milhares de pedaços.

— Olha, Joe. Eu andei conversando com Falcone, e ele não está nada satisfeito com seu trabalho nestes últimos meses. Você até foi bom, sabe? No primeiro mês você estava bombando, mas, depois... – Felini deu-lhe uma expressão dolorosa, como se estivesse com pena de dizer. –... Joe, desculpa. Perdemos muitos clientes por sua causa. Quando eles vêm, saem antes de seu número começar. Falcone não gosta disso, e bem, nem os outros funcionários.

— O que quer... – Joe fingia-se de desentendido. Era uma realidade dura demais para aceitar assim facilmente.

— O que quero dizer, Joe. É que você está demitido. É isto, desculpa, garoto. Seu pagamento... – Felini esticara o braço com um envelope bege nas mãos. Dentro dele, míseros duzentos dólares, um pouco menos do que o salário habitual. – Os outros funcionários não receberam nada ainda, e na verdade, nem mesmo você receberia, mas, Falcone disse para te dar este dinheiro, por causa da sua esposa grávida. Então, aqui está. – Felini entregava o pacote nas mãos inertes de Joe cujo nem sequer tentara levantar os braços, o desânimo o havia tomado como um aumento gravitacional esmagador.

  Felini encarou a expressão perdida na face de Joe por alguns segundos, estava com pena, era verdade, mas, não havia nada que pudesse ser feito. Virou então as costas ao seu não mais empregado e andou até a porta que levava aos fundos do “Kick the Glass”.  Era a última vez que veria aquele falho comediante.

  Levantando-se completamente abatido daquele palco onde se sentava, caminhou em meio a um arrastar de pés até a saída daquele estabelecimento, sentindo seu coração chorar e sua cabeça doer ao tentar imaginar o como explicaria aquele novo, porém esperado fracasso. Não perdera apenas a piada, mas o emprego.

  Na rua, olhara uma última vez para aquele bar, provavelmente nunca voltaria. Não pôde evitar cair de joelhos, afinal, seu mundo desabava cada vez mais rápido, como não desabar com ele? Joe olhara para cima, com a intenção de olhar os céus, olhar para Deus, e caso este ser superior fosse real, talvez ele o olhasse de volta e visse sua situação com certa misericórdia; apenas havia concreto.

  Acima de sua cabeça, no alto daquele bairro, não havia céu estrelado ou prédios iluminados, apenas viadutos enormes que em seus cruzamentos tratavam de cobrir por completo qualquer imagem do imenso céu. “Claro, ele nunca olhou para mim antes, por que olharia agora? Muito provavelmente ele nem se quer existe.” A melancolia era tudo o que ele podia sentir naquele momento.

Andou até sua casa, quase um quilômetro de distância daquele bar, mas ainda naquele bairro imundo. Não era mais um belo apartamento em uma boa vizinhança, agora era um prédio velho de três andares apenas, coberto de pichações e mofo, janelas quebradas ou faltando, porta de madeira desgastada e com um péssimo cadeado. Nada seguro.

  Ao subir as escadas, como um cenário nostálgico, porém atualmente de extremo desagrado e até mesmo aterrorizante, uma senhora sai de umas das portas daquele prédio e o encara com seu rosto enrugado, olhos caídos, porém furiosos, lábios secos e verruga no nariz.

— Vai me pagar hoje? Claro que não! Pilantra! – Ela gritava sem dar chance para Joe respondê-la; não que ele faria, não estava com paciência.

  Finalmente em casa, ao abrir a porta da frente que ficava na cozinha, vira sua mulher cozinhando o que pareciam ser ovos. A expressão de Jeannie já não era mais um belo sorriso havia algum tempo, não havia mais recepção calorosa por sua chegada, muitas vezes nem mesmo cumprimento. Um casamento baseado em arrependimento e fidelidade. Ele ainda à amava, mas, não sabia se ela também se sentia desta forma.

— Trouxe o pagamento. – Disse ele, de forma quase inaudível. Não sabia se era a hora certa para contar, ou se nem mesmo contaria antes de começar a procurar outro emprego, se conseguisse. “Talvez eu devesse tentar voltar para o Laboratório Químico... Não, não me aceitariam de volta, eu fui um babaca. Talvez na Fábrica de Baralhos...”. Foi então que se lembrou, a fábrica é sócia do Laboratório Químico Industrial, provavelmente não lhe aceitariam também. Estava perdido.

— O que houve? – Parecia que Jeannie podia sentir a tensão diferente do comum no ar.

— Não é nada. – Joe tentou desconversar.

— Tem certeza, Joe? – Jeannie aproximou-se dele com dois pratos, um ovo em cada prato e talheres velhos.

  Joe não pudera responder aquela pergunta, não tinha costume de mentir ou omitir qualquer coisa de sua esposa, e talvez não devesse começar naquele momento, afinal, aquilo não afetava apenas a ele, e sim à sua esposa e filho.

— Eu... – Joe engolira em seco. –.... Perdi o emprego, Jeannie. – Suas palavras foram jogadas de uma única vez.

— Entendi. – Jeannie não parecia estar surpresa, o que ferira ainda mais o coração dolorido de Joe. Talvez para ele, fosse melhor que ela gritasse, chorasse e descontasse tudo o que sentia. Mas aquela reação era amarga e triste. “Ela perdera a fé em mim.” ele percebera.

— Eu vou procurar outro amanhã. – Ele tentara compensar seu erro.

— É? – Jeannie apenas continuou a comer o ovo que havia feito.

  Joe não podia culpá-la por sua descrença, afinal, fora ele quem a arrastara para aquela lama grotesca e miserável. Se não conseguisse emprego, não sabia como faria, não aceitaria criar seu filho e cuidar de sua esposa naquele lugar. Foi então que uma súbita percepção de o quão fundo ainda estava à cair lhe acertou como uma faca fincada em suas tripas já ensanguentadas. “Como vou pagar um hospital descente para Jeannie ter um filho?” somente naquele instante lembrara daquele fato aterrorizante, não poderia levar Jeannie para um hospital daquele maldito bairro, ainda mais em momentos de guerra entre as famílias. Tinha de arrumar dinheiro a qualquer custo.

  A noite havia passado como o dia, o sono não havia vindo, e seus pensamentos, que como martelos, impactavam com força em sua cabeça, produzindo martírios intermináveis. Olhara sua esposa dormir, ou ao menos fingir que dormia, incontáveis vezes. “Ela também não consegue dormir, eu sei”.

  Passada a difícil noite, ainda no início do amanhecer, saíra sem sequer se alimentar; não que houvesse algo realmente para comer, mas, seu estresse impedia-lhe de buscar alimentos, nem se quer lembrara realmente.

Vestido com seu terno marrom desbotado e gravata borboleta negra, Joe havia decidido que jamais conseguiria outro emprego como comediante nos bairros dominados por Falcone, o que embora perigoso, quase como uma escrita suicida, seu último caminho era procurar emprego no território de Salvatore Maroni. Não era uma boa alternativa, mas, era sua única. Sua última alternativa.

  Havia pego um pouco do dinheiro que recebera de sua demissão para que pudesse pagar os ônibus quais o levaria para o outro lado da cidade. Não demorara muito, o trânsito estava fluido naquela manhã, o que lhe ajudara a chegar no tempo ideal ao outro lado.

  Lembrava-se de onde deveria ir, assim como o “Fish’s Bar” onde poderia encontrar Falcone, Salvatore Maroni possuía um ponto onde por algumas horas podia ser encontrado todos os dias: “Ristorante Grazia e Sapore” um antigo restaurante passado de forma hereditária como responsabilidade e símbolo da família Salvatore.

  Após enfim chegar ao restaurante, pôde ver antes mesmo de adentrar às portas do estabelecimento, o patriarca dos Salvatore junto de muitos capangas, em uma mesa no centro do local, rindo e batendo papo enquanto se deliciava com um enorme e belo prato de alguma ave a qual nem sequer sonhara em conhecer.

  Já dentro, pôde ver o como aquele lugar era enorme e deslumbrante. Junto às paredes de uma coloração vermelha Scarlet, um odor misto, porém saboroso, de carnes, molhos e temperos diversos recheavam o ambiente tornando a fome um requisito obrigatório. O piso era amadeirado e arcos terminados em pilares também de madeira separavam abas daquele restaurante. “Não comemos apenas a carne, mas a beleza.” Era um ditado passado de Salvatore para Salvatore, geração após geração.

  Joe lembrou-se da última vez em que tentara se aproximar de Falcone em seu primeiro encontro para pedir-lhe uma oportunidade de emprego, e um dos empregados, o homem do bar, impediu-lhe com importantes aconselhamentos. No “Fish’s Bar”, deveria falar com Fish Mooney, mas, com quem deveria falar no “Grazia e Sapore”? O gerente, talvez?

— Hei, amigo, onde está o gerente? – Joe havia parado um dos garçons que carregava uma bandeja com louça suja em direção à cozinha.

— Reclamação, signore? – Perguntou o homem com cabelos divididos no meio e terno preto como o de um mordomo.

— Não, apenas uma dúvida. Pode chamá-lo, por favor? – Perguntou Joe tentando sorrir.

— Espere aqui, por favor. – Pediu o garçom enquanto movia-se até a cozinha no outro lado do restaurante.

— Claro. – De onde Joe estava, podia ver claramente o rosto de Salvatore Maroni. Ele parecia contar uma história engraçada, pois todos os seus capangas riam. Tinham de rir, era parte do trabalho afinal.

  Após muitos minutos ali, talvez até mesmo uma hora, com seus joelhos doloridos, percebera que ninguém viria. Joe havia sido esquecido ou ignorado, o que importava, era que ninguém iria aparecer. Salvatore estava à levantar-se de sua mesa, junto a seus homens, preparando-se para ir embora e um profundo desespero batera em Joe. Sentia-se como se estivesse prestes a ser empurrado do topo de um edifício.

  Quando vira enfim, Sal Maroni passar em sua frente, de forma completamente impulsiva tentou aproximar-se, mas, fora arremessado contra parede por um de seus capangas. Armas foram apontas para sua cabeça, pensou que fosse morrer naquele exato momento.

— Baixem as armas, senhores. Olhem para ele. Ele não está armado. – Disse Salvatore. Um homem grande, com pele jovem embora já de certa idade, com sua testa aparente, junto ao seu queixo forte e grosseiro, trazia uma aparência de um homem inteligente, porém impaciente, um homem conhecido por espancar a quem não gostava até a morte e então tomar seu território apenas pelo prazer de destruí-lo em seguida.

— Desculpe, senhor Salvatore. – Joe tremia tanto quanto quando falara com Falcone pela primeira vez, talvez até mais.

— Eu lhe conheço de algum lugar, não conheço? – Naquele momento, Joe apenas podia torcer para que Salvatore nunca o houvesse visto trabalhar para a Família Falcone.

— Laboratório Químico Industrial da Cidade de Gotham, senhor. Eu era um dos funcionários e algumas vezes ficava responsável por separar a mercadoria do senhor. – Joe tentou eliminar quaisquer chances de Salvatore supostamente lembrar de outra situação que não esta.

— Isso mesmo! – Salvatore parecia estranhar o aparecimento daquele homem naquele lado da cidade. – O que faz aqui, rapaz? Não veio comer, te vi permanecer em pé durante uma hora neste mesmo lugar. Te vi olhar para mim e meus homens algumas dezenas de vezes. – Salvatore reclinou-se para trás e olhou Joe de cima para baixo, analisando-o. – Está me espionando? Ou apenas esperando?

— Eu estava esperando o gerente, senhor! – Joe quase gritara aquela resposta. Se Salvatore pensasse que ele estava espionando-o para entregar informações à Falcone, ainda mais nestes tempos de tensão, sua próxima parada seria esquartejado em baixo de muitos palmos de terra.

— O gerente? – Salvatore o olhava com uma expressão confusa.

— Sim, senhor. Um garçom disse que o chamaria, como eu havia lhe pedido. Eu queria falar com o senhor, mas pensei que antes fosse melhor falar com o gerente. Por respeito! – Joe não ficava nervoso daquela forma havia meses.

— Falar comigo? Entendi. Quem foi o garçom que lhe atendeu? – Salvatore olhava ao redor em busca de todos os garçons de seu estabelecimento.

— Senhor, não... – Joe sabia o que aconteceria, não queria isto, embora estivesse com raiva.

— Não, não, não! Ele te desrespeitou. Te enganou. Fez ficar aqui, plantado por uma hora, apenas para pedir ao gerente para falar comigo. Eu não aturo falta de educação, muito menos desrespeito, senhor... – Salvatore pedira implicitamente o nome do rapaz à sua frente.

— Joe, senhor. – Ele engolira em seco, assustado.

— Certo, Joe. Quem é o homem? – Salvatore continuava a olhar os garçons que andavam entre as mesas. Aquele homem emanava não só poder, mas violência.

— Ele tinha um cabelo escuro, preto, e dividido no meio. Falava com um sotaque estranho e tinha um queixo fino, também. Senhor, não precisa... – Joe não queria ser a culpa da morte de ninguém, mas, parecia ser inevitável.

— Hebram, traga o Luddini aqui. – Disse Salvatore apontando com o queixo para aquele garçom no final de uma das fileiras de mesas. O pobre homem terminava de servir um casal, quando fora puxado pelo braço com força até onde Salvatore conversava com Joe, perto da porta.

— Senhor? – Disse o homem assustado, fitando seu chefe nada misericordioso com seus olhos arregalados.

— É este o homem? – Perguntou Salvatore Maroni à Joe. A expressão de Sal Maroni era como um touro furioso, prestes a perfurar sua vítima com seus chifres afiados.

— Sim. – Joe respirava mais rápido que o comum e sentia suas pernas tremerem.

— Você o conhece? – Salvatore havia perguntado para o garçom, cujo havia chamado antes de Luddini.

— Sim, senhor. Ele queria falar com o gerente. – Luddini admitiu, sabia que era o melhor a fazer naquela situação complicada.

— Muito bem, se houvesse mentido, eu teria matado você. Eu sempre vejo tudo, lembre-se disso. – Salvatore então olhara para seus homens e dera a ordem. – Roberto, Simon, levem-no para os fundos e ensinem-no a ser educado com qualquer um que passe por aquela maldita porta. Depois, mandem-no para casa.

— Estou demitido, senhor? – Luddini perguntou, o que parecia ter deixado Sal Maroni um tanto perplexo.

— Você está prestes a tomar uma surra e está preocupado com seu emprego? Não, Luddini, não está demitido. Volte amanhã no horário de sempre. – Virou-se novamente para seus homens, e desta vez falou mais diretamente com Simon, um de seus capangas. Simon era um homem forte, com cabelos negros e penteados para trás cobertos por gel, um homem duro e fiel. – Simon, bata o mais forte que puder; se ele morrer, não que eu queira isso, mas, digamos que será o “Karma”. – Salvatore teve de conter-se para não rir.

  Seus homens nada responderam, apenas com um aceno transmitiram que haviam entendido a ordem e com isto arrastaram o homem para dentro do restaurante, passando pela cozinha. O homem não gritara, mas, muitos, não todos, os clientes olhavam com certo espanto e tensão para Salvatore Maroni.

— Algum problema? – Ele perguntou num tom ameaçador. Todos voltaram a comer e conversar. – Agora, Joe, vamos conversar. Desculpe-me a deselegância nada cordial de meu funcionário.

— Eu quem peço desculpas, Sal Maroni. A culpa é minha. – Joe lhe olhava de baixo para cima, como um ser inferior.

— Me diga, ainda trabalha naquele laboratório? – Maroni tentava parecer gentil e conversativo. – Venha, vamos sentar, posso lhe dar alguns minutos. – Disse Salvatore Maroni apontando com a palma da mão aberta e virada para cima em direção a mesa no centro do restaurante, onde antes estava sentado.

— Obrigado, senhor. – Joe andou até as muitas cadeiras ao redor da gigantesca mesa e pensou por um segundo onde sentaria, escolheu um dos lugares onde vira antes Simon sentar, afinal, ele não estava ali, então não estaria roubando a cadeira de ninguém.

— Vamos, me conte. – Disse Maroni já sentando no seu posto de liderança.

— Eu estou desempregado no momento, e gostaria de lhe perguntar se não há alguma vaga como comediante, para eu trabalhar. – Era uma pergunta implícita, mas, como uma forma de brincadeira e até mesmo provocação, o grandalhão patriarca da família Salvatori lhe fez perguntar de forma explicita.

— Ora, então pergunte! – Sal Maroni o olhava com uma expressão cujo o significado era algo como uma ordem para implorar.

— O senhor, teria uma vaga como comediante em algum de seus bares?

— Me diz, por que deixou o laboratório? Pensando bem aqui, não te vejo por lá há vários meses, não é mesmo? Onde esteve, garoto? – Uma arma havia sido apontada para a cabeça de Joe naquele momento, só não estava nas mãos de ninguém; por enquanto.

— Sim, senhor. Eu pedi demissão há sete, ou oito meses, não lembro ao certo. Trabalhei um tempo num dos bares da família Falcone, no “Kick the Glass”, mas, acabei sendo demitido.

— Por que foi demitido, garoto? Suas piadas são ruins? – Maroni parecia interrogá-lo, e aquilo lhe amedrontava. Aquele homem lhe amedrontava. Uma resposta errada, e com certeza teria uma arma de verdade na cabeça.

— Não, senhor. Falcone pagava mal, fiquei em um bairro muito ruim. Bryanttown. Pensei que poderia aguentar, mas, minha mulher está grávida e por causa da falta de dinheiro, acabei tendo de mudar para aquele bairro barato. O medo de acabar criando meu filho naquele lugar me fez perder a concentração muitas vezes, e acabava enrolando as piadas.

— Entendi. E só mais uma perguntinha. – Maroni sorria, mas, Joe percebera que era como o sorriso de uma cascavel. – Por que não veio a mim, ao invés de ir a ele? – Maroni colocara sua pistola, uma “Special Combat” de 4,5 milímetros sobre a mesa.

— Perdão, Sal Maroni! Eu tive medo! Eu tive medo! – Joe quase se arrependera de estar onde estava.

— Medo, é respeito, garoto. Eu deveria atirar na porra da sua cabeça, mas, não farei isto. Não, não, não, eu não farei. – Sal Maroni guardou a pistola em seu coldre preso ao peito e reclinou-se na cadeira de madeira. – Conte uma piada, garoto. Se for boa, você estará contratado.

— Sim, senhor. – Disse Joe, sentindo-se um pouco mais calmo, embora seu estômago ainda revirasse. Parecia já ter passado por algo assim antes, e passara realmente.

  Após contar sua piada, nenhuma gargalhada fora escutada, o que lhe fez pensar que morreria logo em seguida. Sabia que não havia convencido Sal Maroni de sua graça cômica, mas, não queria morrer naquele lugar; não antes de conhecer seu filho, não antes de dar uma vida digna para Jeannie.

— Você é péssimo, garoto. – Disse Salvatore Maroni, parecendo não acreditar que havia perdido tempo por nada.

— Perdão, Sal Maroni. Vou embora imediatamente, desculpe tomar seu tempo, senhor. – Joe planejava levantar, quando uma mão pesada jogou-lhe de volta à cadeira.

  Era um dos dois outros capangas de Salvatore Maroni, um homem com cabeça triangular e bigode italiano. Joe sentia sua alma desistir, quase como que fugir de seu corpo e deixá-lo lá para morrer só. Praguejou a si mesmo por ter pensado que conseguiria.

— Eu não mandei sair. Mandei? – Salvatore parecia não entender o que estava acontecendo, mas, claramente era apenas deboche coberto por uma ameaça implícita. – Você trabalhou no Laboratório Químico, certo? – Perguntou já sabendo a resposta. Queria chegar a algum lugar.

— Sim, senhor... – Joe estranhara.

— Ótimo. E conhece algo sobre a Fábrica de Baralho? – Ele continuou.

— Sim, senhor, eu trabalhei lá por uma semana, mais ou menos. – Joe tremia.

— Trabalhou? – Salvatore Maroni havia ficado surpreso e empolgado ao ouvir aquela novidade. – Incrível! Então conhece a metodologia do local?

— Sim... – Joe imaginava aonde aquela conversa chegaria. Ameaça de morte e roubo milionário.

— Olhe rapaz, talvez você saiba, talvez não: a Fábrica de Baralhos é um território tomado por Falcone. Algum tempo atrás, ele fizera um acordo com o laboratório onde você trabalhava... – Salvatore ria consigo mesmo enquanto apertava uma palma contra a outra frente a barriga. – Meus homens irão contar a você, uma proposta de trabalho. Aceite se quiser, seria muito bem recompensado. De Bryanttown para o Bristol; o que acha, garoto?

  Após Salvatore Maroni sair do restaurante, os capangas sem sequer se apresentar, começaram a tentar explicar qual era o suposto “emprego” a qual Maroni havia oferecido, mas, Joe os interrompeu antes, mesmo com medo.

— Olha, rapazes, eu agradeço muito a Sal Maroni por ter me escutado e dado uma chance. Juro. Mas, por favor, me deixem ir. Eu acho que sei o que querem, e eu não posso fazer isto, por favor. – Joe sabia que havia uma grande possibilidade de sua morte ter sido marcada naquele momento, mas, ainda assim, sabia: “Eu não consigo cometer um crime! Eu não vou assaltar a Fábrica de Baralhos!” Pensou em certo desespero.

— Entendido. É uma pena. O plano é impecável, e agora contigo aqui, seria certo o nosso sucesso. – O homem do queixo triangular fazia um gesto com os braços abertos, mostrando que realmente era uma perda para eles a recusa de Joe, mas, nada fariam. – Olhe. – O homem então entregara um cartão para Joe. No cartão branco havia um telefone. – Este é o meu número, me ligue se mudar de ideia.

— Pode deixar. Obrigado. – Joe agradecera enquanto se levantava para ir embora o mais rápido que pudesse.

— Cai fora. – O homem apontou com o polegar para trás sob seu ombro direito em direção à porta.

  Joe apressou-se e segundos depois estava fora. Não podia contar quantas vezes pensou que seria morto naquele dia, e tudo o que viera procurar era um emprego como comediante. Já era de se esperar, afinal, esta era a fama de Salvatore Maroni.

  No caminho de volta para casa, pensou onde poderia arrumar outra oportunidade se ambos os lados da cidade eram tomados pelas famílias Salvatore e Falcone. Não havia saída, estava encurralado e sentia que a podridão onde se metera somente afundava cada vez mais.

  O resto da viagem para casa fora um completo autoquestionamento sobre se sua única alternativa era ceder aos esquemas corruptos e traiçoeiros de Maroni. Joe sempre fora um homem honesto que visava seu sucesso sem ferir ou derrubar ninguém, mas, agora que estava caído num lamaçal de arrependimentos, podia ver que suas portas estavam se fechando ao seu redor. Suas alternativas já escassas, agora pareciam impossíveis.

  Sabia que a única oportunidade de emprego onde não haveria influência da autoridade de quaisquer das duas famílias regentes era no Laboratório Químico da Cidade de Gotham, ou na própria empresa Wayne; ambas impossíveis utopias. O laboratório jamais lhe aceitaria de volta e as empresas Wayne estavam muito acima do seu nível.

  Era tarde, quase noite, quando tentara adentrar o longevo prédio que a cada nova olhada mais parecia decair, com total silêncio, sem anunciar sua presença para a proprietária que sempre estava a surgir com o objetivo de denegri-lo e cobrar suas dívidas atrasadas. Não fora diferente desta vez. Como um ser onisciente, a senhora Burkiss parecia estar sempre vigiando. Era assustador.

  A maldita mulher aparecera com sua voz rouca e envelhecida, com seu gato melancólico nos braços, gritando xingamentos e pragas enquanto acariciava o bichano. Uma tortura todos os dias. Dona Burkiss era uma senhora solitária e amargurada, Joe via como enorme sorte ela não tê-lo expulso ainda de seu apartamento. De qualquer forma, tudo o que podia fazer era ignorá-la.

  Em casa, Joe pôde ver sua mulher sentada frente à mesa da cozinha; Jeannie parecia ocupada na hora, uma caneca vazia com desenho de flores e uma bacia com cenouras estavam sob a mesa. Joe pôde ver o quão apertado era aquele espaço, aquele apartamento imundo. Um varal se estendia logo atrás de Jeannie, cruzando parte da cozinha minúscula; sua janela, sem vista alguma, de frente a uma parede de tijolos era como uma maldita e zombeteira piada. Talvez aquela fosse a única a qual não tiveram de fechar com tábuas de madeira roubadas de um canteiro de obras.

  Jeannie vestia sua camisola quase transparente, a mesma que usava quando seu corpo ainda era belo, cobria seus braços do frio com um roupão de bolinhas negras, e em seus pés: confortáveis pantufas. Embora estivesse em frente à porta de entrada, Jeannie, imersa em seus pensamentos, demorara para perceber a chegada de seu marido.

— E então, como foi? Gostaram do seu número? – Jeannie perguntou de forma um tanto grosseira e nada esperançosa ao ouvir o baque causado pelo fechar da porta atrás de Joe.

— Ah, bem... – Joe sentia uma amargura perdida em extremo descontentamento tirar todo o seu ânimo que já vinha se esvaindo aos poucos. Era humilhante. – Eles disseram que talvez me chamem... – Mentiu.

— Talvez? – Jeannie estranhava.

— Eu não sei! Fiquei nervoso e misturei as piadas! – O tom de Joe tornara-se agressivo e impaciente.

— Oh! – Como Jeannie esperava, um fracasso.

  Joe avançou para cima da esposa, o que lhe dera um breve susto. Batendo na mesa com as palmas das mãos, sentindo o sangue esquentar, Joe tomou aquela simples exclamação como uma forma de ofensa da parte de Jeannie.

— O que quer dizer com “Oh”? – Joe estava a ponto de desabar, a ponto de perder completamente seus sentidos.

— Eu.... Eu não quis dizer nada... – Jeannie não acreditava que Joe fosse capaz de agredi-la, talvez não fosse capaz de nada, embora aquele tom usado por ele fosse uma surpresa, o que lhe deixara um tanto nervosa.

— Quis sim, senhora! Foi um “Oh” de censura! – Joe encurralava Jeannie contra a cadeira avançando contra ela enquanto chegava próximo de berrar em seu tom de voz.

  Uma fúria crescente e inconsciente, talvez causada simplesmente por um instinto de defesa, ou ainda por seus hormônios fortes gerados pela gravidez, fizeram com que o tom de Jeannie passasse de amedrontada para agressiva em questão de um segundo.

— Jesus! Tudo o que eu disse foi... – Jeannie fora interrompida por Joe naquele momento.

— Você quis dizer: “Oh, não conseguiu o emprego?” ou então: “Oh, como vamos alimentar o bebê?” Acha que eu não estou preocupado com isso? – Os olhos de Joe se encheram de lágrimas e aquilo abalou Jeannie, que sentia precisar abraçar Joe, embora ainda levemente furiosa pelo tom de seu marido. – Pensa que não me importo? – Joe se afastara de Jeannie e apertara os punhos fechados em frente ao peito com uma expressão dolorida e coberta de tristeza. – Pensa que tudo é uma grande piada para mim? Eu vou lá, fico na frente deles, e ninguém ri! – Em meio a lágrimas Joe lembrava de seus últimos dias no “Kick the Glass”, lembrava da expressão fria que via nos rostos dos clientes e do como eles saiam rapidamente ao vê-lo subir no palco. – Você acha que... – Joe virou-se para Jeannie com uma expressão mista de fúria e desesperança, mas, em meio a tudo aquilo, lembrou-se de o como sua esposa tem sido boa para ele todo esse tempo, mesmo após sua queda, lembrou-se do filho que ela carregava no ventre. Lembrou-se do seu filho que estava por vir.

  Com seus joelhos exaustos e o corpo fraco de cansaço, fome e descrença, caíra sobre os joelhos de Jeannie em um abraço a sua barriga redonda e maternal. Suas lágrimas de arrependimento e sua voz trêmula pediam perdão à sua amada esposa.

— Oh Deus... – Ele soluçava. – Deus! Deus.... Me perdoe, amor!

— Oh, querido... – Jeannie não pôde evitar comover-se junto ao seu marido. Suas mãos já não mais tão macias por falta de seus muitos cremes de embelezamento, cobriram as costas de seu marido perdido em dor e lágrimas.

— Não quis culpar você. Já sofreu bastante se casando comigo... – Eram palavras dolorosas, verdades dolorosas. –.... Um perdedor.

— Benzinho, isso não... – Jeannie tentou confortá-lo, mas, ele a interrompeu novamente.

— Não! É verdade, eu nem consigo sustentar você! Oh, Jeannie... – Suas lágrimas extravasavam tantos sentimentos acumulados todos estes meses.

— Calma... Calma... – Jeannie lhe acariciava as costas em uma tentativa de reconforto. – O Júnior só virá daqui a três meses. E acho que a senhora Burkiss não vai cobrar o aluguel agora. Ela sente pena de mim.

— Ela me odeia. – Acusou, Joe. – Sai no corredor para me insultar toda vez que subo as escadas! Essa casa tem cheiro de gato e gente velha. Tenho que tirar você daqui antes que o bebê venha... – Joe se levantara do colo protegido de Jeannie e andara em direção à janela atrás dela. Sua única vista era aquela parede de tijolos, mas, não importava, estava muito inerte em seus próprios pensamentos para pensar em olhar qualquer coisa.

— Vamos conseguir, meu amor... – Jeannie o observava encostar a cabeça na moldura da janela, perdido em tantos problemas. Sentia-se em parte culpada por tudo isto.

— Só queria ter dinheiro para morarmos em uma vizinhança decente.  Tem garotas aí nas ruas que ganham mais do que eu, e não precisam contar uma única piada! – Seu tom era furioso, mas, aquela afirmação fez com que Jeannie risse.

— Querido, não se preocupe tanto. Eu ainda te amo, sabia? – Ela lhe estendera a mão, com um sorriso amável que pouco se via hoje em dia. – Empregado, ou não. Você sabe como me fazer rir. – Aqueles olhos azuis eram a única paz e conforto que Joe podia encontrar agora. “Jeannie definitivamente não merece esta vida.” Joe decidiu.

  Quase uma hora depois daquelas últimas palavras, Joe decidira que nunca mais permitiria estas condições à sua esposa, muito menos ao seu filho. Lembrando-se do cartão que havia sido entregue a ele por aquele capanga de Salvatori Maroni, Joe buscara em seu paletó jogado sobre o sofá, o pequeno cartão branco com o número daquele homem gravado em caracteres escuros e marcados fundo no papel pelo impacto de alguma máquina de escrever.

  Com um telefonema rápido combinou um encontro que pensou poder mudar toda sua vida e a vida de sua amada esposa. Sabia que o que estava prestes a fazer era errado e perigoso, sabia as consequências, mas, estava tão perdido, que também sabia ser sua última e única alternativa.

  Joe mentira para sua esposa, Jeannie; disse que havia recebido a tal ligação de Salvatore Maroni e que o mesmo deseja encontrá-lo para conversarem sobre uma suposta oportunidade, esta que talvez não fosse como comediante, mas, poderia ajudá-lo. Jeannie, claro, vira luz em meio à escuridão e animara-se com isto. Em muito tempo, sentira fé em seu homem sonhador.

  Com um doce beijo em sua testa, Joe lhe dissera sua mentira, e em meio a despedidas, Jeannie pôde sentir-se mais tranquila desta vez. Talvez ainda houvesse esperança, talvez Júnior ainda pudesse ter uma boa vida, ou ao menos uma parcela de boa vida. Era esta uma das qualidades de Joe que Jeannie tanto amava, sua dedicação. Infelizmente, a ilusão sempre fora mais atraente.

  No local combinado, um bar localizado no território da família Salvatore, Joe aguardava o homem que havia conversado pelo telefone. “Um bar discreto” havia ordenado o homem. Joe então lembrara-se de um bar pequeno em Manchester, um local que costumava ir com Jeannie quando eram mais jovens, seria o local ideal para o início de sua nova vida.

  Finalmente o homem com quem havia conversado pelo telefone e conhecido naquele final de manhã, adentrara o bar junto de seu parceiro, o outro homem que acompanhava Salvatore e ficara responsável por conversar com Joe. O mais magro e com cabeça triangular carregava uma maleta retangular junto dele. Ambos de terno, o mais gordo vestia um chapéu coco, enquanto o outro com a maleta, vestia um chapéu vintage.

  Parados por alguns segundos na porta buscavam localizar o homem magro e de cabelos ruivos que haviam conhecido naquele mesmo dia. Não demorou até enxergarem Joe balançando um dos braços para chamá-los.

  Na mesa, puderam perceber o quão nervoso Joe estava. Ansioso parecia. Tentou iniciar o assunto algumas vezes, para saber o que estavam tramando, mas, fora cortado todas às vezes. Os homens se apresentaram como: Dimmy e Barney. Não pareciam estar com pressa, muito pelo contrário, estavam tranquilos como se aquele encontro fosse social, um encontro entre amigos.

— Hei, garçom! – Chamou o mais gordo, Barney.

  Um homem velho, com aparentes sessenta anos, vestindo um avental desenhado com o logo do bar se aproximou dos cavaleiros sentados na mesa cinco. Com um sorriso receptivo e um boa noite amigável, perguntou-lhes o que desejavam.

— Nos veja três copos da sua melhor cerveja, certo? E também... – O homem gordo olhava o cardápio, os aperitivos lhe enchiam a boca. –... Uma dúzia destes camarões, sim?

— Algo mais, senhores? – Perguntou o velho bem-disposto a servi-los.

— Não, amigo. Pode ir. – Despachou-o, Dimmy.

  Após o velho sair de cena, inquieto, ansioso para discutir sua oportunidade criminosa, em um misto de medo, tristeza e esperança, Joe voltara a perguntar.

— Vamos conversar agora? – Joe os olhava como um cachorro.

— Garoto, se perguntar mais uma vez, eu atiro em você. – Dimmy embora brincando, parecia estar falando sério. Joe se calou.

  Não demorara nada e os aperitivos haviam chegado à mesa cinco. Camarões e muita cerveja, a especialidade da casa.

— Vamos comer, garoto. Conversamos enquanto isto. Barney deve estar pronto para devorar um alce se preciso. – Dimmy zombava de seu parceiro com sua forma extragrande.

— Vai rindo, Dimmy. Ainda meto uma bala na sua testa, imbecil. – Dizia Barney em meio a mordidas selvagens em seus camarões gigantes.

— Claro, claro. – Dimmy parecia ser um homem com grande ego.

— Nos conte um pouco sobre você, rapaz. – Pediu Barney para seu mais novo parceiro de crime.

— Sobre mim? – Joe ficara surpreso com o pedido. – Está certo. Sabem, tenho que provar a mim mesmo que sou um bom marido, e pai também! – Joe falava enquanto segurava seu copo de cerveja numa das mãos e apontava para a mesa com a outra, indicando que falava sério. – Quero dizer... Eu.... Bem, eu não estaria fazendo este tipo de coisa se não fosse importante.

— Claro! – Confirmou Dimmy.

— Eu comecei como assistente de laboratório. Era um bom trabalho... Bom mesmo. – Joe novamente se perguntava o porquê saíra daquele lugar. – Daí, resolvi ser comediante... – Continuou seu relato fazendo um som de deboche com a garganta, como se agora visse o absurdo a qual havia se submetido de forma inconsequente. –.... É, eu achava que tinha talento...

— E não tinha. – Dimmy afirmava.

— Não mesmo. – Barney também havia escutado a tentativa de piada feita por Joe para Salvatore Maroni.

— Pois é, olha só onde o “talento” me trouxe... – Joe abria um pouco os braços com as palmas abertas e olhava para a mesa em sua frente. – Estou aqui, prestes a cometer um grande crime.

— SHHH! – Dimmy segurara o braço de Joe com força; bastante força até. – Boca-de-Siri, cara!

— Sinto muito. Não estou acostumado a beber. – Joe vira a grande besteira que havia feito, falando sobre cometer crimes em voz alta. – Bem, se vocês tiverem certeza de que ninguém vai saber que estou envolvido... – Era a condição de Joe.

— Sem problemas, amigo. Você está em boas mãos. – O sorriso de Dimmy era maquiavélico.

— A gente precisa da sua ajuda para fazer uma visitinha naquela Fábrica de Baralhos através da plataforma de ligação entre o Laboratório Químico Industrial e ela. Sabemos que você sabe chegar lá.

— Na verdade, não é como se essa plataforma ligasse ambas realmente, ela apenas tem uma passagem mais fácil para a Fábrica. Foi ideia do Falcone, que após comprar a fábrica, tornou-se sócio do laboratório e decidiu que faria esta passagem fácil dentre elas. – Explicou, Joe.

— Viu só? Nunca saberíamos disso sem você! – Barney parecia animado. Como que brincando com Joe, colocara um camarão quase que a força em sua boca, provavelmente para fazê-lo se calar e ouvir.

— Para a sua segurança, você irá usar isto aqui... – Dimmy pegara sua maleta e abrira-a em seu joelho. Ela era forrada com algum tipo de pano lilás por dentro, mas, não era a única coisa que havia ali.

  Dimmy então inclinara a maleta na direção de Joe, para que ele pudesse ver. Um tipo de cilindro vermelho espelhado estava depositado dentro daquela maleta. “O que diabos é isto?” Joe se perguntara enquanto olhava confuso para seu próprio reflexo naquele bisonho cilindro.

— Com isto aqui, ninguém vai te reconhecer! – Disse Dimmy enquanto fechava a maleta. – Uma máscara!

— Uma máscara? Mas, com isto aí eu não vou enxergar nada... – Era real, e dava medo. Joe gaguejava.

— Vai sim, ela tem lentes infravermelhas. Você enxergará melhor do que a gente, certo? – Disse Dimmy sorrindo para Joe, agora pegando um palito de dentes de cima da mesa e pondo-o na boca.

— Não sei não, aquele cara, o capuz vermelho, não usou uma igual a esta para assaltar a fábrica de gelo no mês passado? – Joe havia se lembrado.

— É isso aí! Assim, se algo sair errado, quem leva a culpa é ele! – Dimmy contava como um plano brilhante.

— Exato! Não importa quem está debaixo do capuz. Só queremos que você esteja... – Barney pensou por um segundo na melhor escolha de palavras. –... Em segurança.

— É, a gente se preocupa com você, cara. – Dimmy tocara o ombro de Joe.

  Joe começara a pensar se aquele era realmente um bom plano, se não estaria acabando com sua própria vida naquele instante, com aquele acordo, mas, seus pensamentos foram interrompidos pelo som alto e inusitado do regurgitar de algum cliente bêbado no balcão do bar.

— Sabe, não é tão fácil assim entrar naquela Indústria Química... – Joe engolia nervoso. –.... Não é fácil não.

— Ora, ora, está se acovardando, cara? – Dimmy lhe provocou.

— Quer ver seu garoto nascer na miséria, quer? – Mas, fora as palavras de Barney que lhe convenceram.

— Não! É claro que não... – Joe então afundou a face nas palmas das mãos, enquanto apertava os cabelos acima da testa e abaixo do chapéu. –.... Quero dizer, é só desta vez. Daí posso mudar de vizinhança e começar vida nova.

— É assim que se fala! – Barney lhe acariciava o ombro como um falso amigo. – Então, sexta que vêm, às onze da noite!

— Claro, claro. Por que não? Sexta à noite. E então, a partir da manhã de sábado... – Joe embora perdido em pensamentos, parecia estar mais confiante agora. –.... Eu serei Rico. Nem posso imaginar, minha vida vai mudar completamente. Nada será como antes. – A expressão de Joe se tornou um tanto sombria naquele momento, o que dera uma certa mágica as suas palavras. – Nunca mais!

  Eram tempos desesperados para Joe; o falho comediante estava perdido em seus próprios erros, prestes a cometer um pecado do qual jamais poderia voltar atrás. Mentira para sua esposa sobre o emprego que havia conseguido; para ela, Joe tornaria-se auxiliar responsável por um nobre bar da família Salvatore.

  Jeannie mostrava um poderoso semblante de felicidade e esperança, algo que já não era visto há tempos. Aquilo era tudo o que importava para Joe, era o motivo de seu ato de redenção para com sua esposa. Um comediante falido, em busca de seu renascimento.

   Joe chegara tarde aquela noite. Jeannie aguardava ansiosa em cima do colchão sujo jogado no chão de seu pequeno apartamento. Ao ouvir o abrir da porta, Jeannie levantara-se com dificuldade por causa de sua gravidez e correra para abraçar seu marido, o qual em um gesto proporcional, apertou-a bem forte.

  Era como carregar fardos enormes nas costas e ter de forçar um sorriso alegre, um sorriso passional, como se tudo fosse ficar bem. Mentir para Jeannie era sem dúvidas a pior parte, tão mais pior quanto o crime que cometeria. Valeria a pena, queria acreditar. A recompensa era uma vida melhor para Jeannie e seu filho.

  Joe agachara na altura da barriga de Jeannie, retirou seu chapéu e colocara o ouvido no umbigo inchado de sua esposa, para poder escutar seu filho que ali dentro havia. “Tudo por esta criança” Pensou.

— Vai ficar tudo bem, meu filho. Eu sei que os tempos tem sido difíceis, mas, agora acabou. Papai vai mudar as nossas vidas. – Disse Joe sentindo um forte nó na garganta.

— O que foi, querido? – Jeannie notara a afinação na voz de Joe.

  Joe não pôde evitar começar a chorar; imediatamente Jeannie agachara-se e pondo seus joelhos inchados no chão, abraçara Joe com força. Ela não entendia o porquê de toda aquela lágrima, toda aquela emoção, e para Joe era melhor assim, talvez Jeannie não suportasse saber o que Joe estava se tornando.

— Não é nada querida, eu só estou feliz. Finalmente vou poder tirar vocês deste lugar. – Joe apertava forte o seu chapéu com uma das mãos contra o chão enquanto apoiava o outro braço no joelho de mesmo lado.

— Querido, eu sempre vou estar ao seu lado. “Nos tempos bons e ruins” lembra? Um sonhador é sempre perigoso, sempre fazendo apostas corajosas. Eu sabia no que havia me metido quando casei com você, e ainda sim, eu te estimulei a ser quem era, lembra? Vou sempre estar contigo, meu querido.

— Oh, Jeannie... – Joe não pôde evitar, todos os seus sentimentos vazavam sem sua autorização, e a única que podia suportar tudo aquilo era a sua fiel e amada esposa. Joe sabia, para sempre poderia contar com ela. Para sempre estaria com ela.

— Além do mais... – Jeannie sorrira para seu homem. –.... Quando a vida te decepciona, mande-a se foder! – Ambos riram, ambos sabiam: estava tudo bem. Ficaria tudo bem.

  Os dias seguiram como repetições cobertas de mentiras; mentiras necessárias. Joe todos os dias, enquanto aguardava o tão esperado dia, visitava o bar onde havia se encontrado com aqueles homens na noite anterior em Manchester.

  Passando pela porta de madeira com abertura dupla, pôde ver estampado em suas vidraças o nome do estabelecimento: “Bar & Grill”. Joe já havia memorizado por completo a aparência daquele lugar: um espaço não muito grande, coberto por cadeiras e mesas quadradas de madeira crua, o chão era puro cimento liso de cor marrom, suas paredes um tanto descascadas eram de uma cor amarelada, num canto isolado, um bar com balcão onde um circo de bêbados se reuniam para beber, conversar, brigar e vomitar; ainda haviam resquícios desta última realidade no chão do local.

  Joe nada fazia lá, ainda não havia dinheiro para gastar, tudo o que tinha era o que havia recebido há dias de sua demissão. Todo o dinheiro que havia ganho ficara com Jeannie, era para que ela se alimentasse, apenas para isto. “Tudo vai mudar” repetia para si mesmo, dia após dia naquela espera amedrontadora até o dia combinado.

  Assim foi até a chegada do trágico dia, o dia em que tudo mudaria. Sexta à noite chegara, e como se visse a grande confusão na qual havia se metido, sua consciência dizia-lhe para fugir o mais rápido que pudesse. Mas, não podia. Não podia voltar atrás, tinha de seguir em frente, era a única maneira.

  Quando Dimmy e Barney chegaram ao bar, Joe sentiu seu corpo gelar. Estava quase na hora. Os dois rapazes reconheceram Joe logo de cara. Sorridentes, como se fossem grandes amigos, os dois libertinos homens com suas boas aparências aproximaram-se da mesa em que Joe estava.

  Cumprimentaram-se como parceiros de crime. Joe suava. Dimmy percebera, o que lhe fizera rir. Barney por sua vez, sentara-se no mesmo lugar que sentou da última vez, e logo perguntara se seus parceiros não pretendiam comer algo enquanto conversavam.

— Você só pensa em comer, cara? – Dimmy o olhou com seu olhar provocativo, era como uma expressão natural para ele.

— Cale a boca, Dimmy. – Barney o nem sequer olhara para o rosto de seu parceiro, estava ocupado demais em busca do garçom.

— Eu vou atirar nessa sua barriga gorda, seu patife. – Dimmy brincava.

— Sal Maroni te matava em seguida. – Barney rira.

  Eram brincadeiras estranhas para Joe, mas, ele percebera que havia alguma amizade real entre os dois. Encantador, mesmo para homens cujo a natureza se encontrava na crueldade e na morte. “Homens maus também podem ter amigos? Duvido.” Joe refletia.

— Ei, garoto. – Dimmy voltou-se para Joe. – Eu conversei com Sal Maroni outro dia, e falei sobre você. Falei bem, relaxa. Ele disse algo muito bom, algo ótimo para você.

— Para mim? – Joe não podia nem mesmo imaginar.

— Ele acredita que você realmente deixou a família Falcone. Disse que acredita que você apenas se juntou a eles porque tinha medo do que falam de nossa família, os Maroni. – Dimmy tinha um sorriso de canto de boca.

— Onde está este garçom? – Perguntava com certo estresse, Barney.

— Ele disse que se tudo ocorresse bem nesta jogada... – Dimmy pegara o copo vazio de Joe e colocara em frente ao seu olho, assim vendo Joe de forma um tanto deformada através daquele recipiente de vidro. –... Talvez você pudesse fazer parte da família.

— Que ótimo... – Joe não queria aquilo, não queria continuar a cometer crimes como aquele. Não queria ser um capanga da família Salvatore, nem mesmo da Falcone. –... É só que... – Joe fora interrompido.

— Calma, garoto! Ele não disse nada de cometer crimes! Eu, seu bom amigo, disse a ele que você não queria continuar nesta vida, que faria esta única vez por sua mulher e filho. Acredite, ele achou adorável. Sal Maroni presa bastante a família! – Dimmy tocava em seu ombro.

— Então, o que eu faria? Eu desisti da comédia. – Joe embora surpreso, pensava se não era alguma forma de manipulá-lo para não desistir de repente na última hora.

— Ele quer que se torne responsável por uma casa noturna. Imagine como isso mudaria sua vida, hã? O que acha? – Dimmy lhe dera dois pequenos tapas na bochecha e então olhara seu parceiro, Barney, que ainda procurava o garçom.

— Isso é sério? – Joe o olhava como se fosse um mensageiro de Deus.

— Muito sério! Faça um bom trabalho hoje. – Dimmy se colocara para trás na cadeira enquanto puxava um cigarro do pacote que carregava no bolso interno de seu paletó branco.

— Oh Deus! Onde está este homem? – Perguntou aos bufos, Barney.

— O velho Donald não trabalha nas sextas à noite. – Joe avisara.

— E como vou me servir? – Barney o olhou com certa fúria.

— Tem um bar logo ali. – Disse Joe. – Eu pego algo para nós.

— Apenas cerveja, garoto. Um copo para cada, está quase na hora. – Avisou Dimmy.

— Certo. – Joe afirmou que havia entendido.

— Só um copo? – Barney reclamou.

  Joe andara até o bar, desviando algumas vezes de rastros de vômito malcheirosos no chão. Finalmente lá, pediu licença para dois homens completamente embriagados sentados nos bancos em frente ao bar. Ambos o olharam com escárnio, não que soubessem o que estava havendo ali, mas, apenas para manter a atitude máscula em qualquer momento, mesmo quando não fazem ideia de onde estão.

— Duas cervejas, Bradd. – Pediu para o barman.

— Oh, duas cervejas, Bradd! – Um dos bêbados a qual pediu licença o imitou com um tom afeminado, provocando Joe.

  Ambos os homens que fediam a bebidas fortes e vômito riram do pobre Joe. Apenas os ignorou, afinal, não só não queria chamar atenção, como sabia que não havia chance contra os dois. Evitar era a melhor saída naquele momento.

  Após pegar os copos de cerveja, Joe virou-se em direção a mesa que antes estava, quando ouvira em suas costas uma última provocação daqueles homens.

— Vai lá, garota! – Disse o mesmo que antes havia brincado.

  Joe sentara-se na mesa junto à Dimmy e Barney, que o olhavam com descrença, sem acreditar no que viam.

— Sério? – Barney lhe questionava e olhava como se visse em sua frente um garoto fraco que sofria bullying e jamais pensava em reagir. Sentia um misto de pena e desprezo por aquele homem.

— O que? – Joe fingia não saber do que ele falava.

— Por que você não falou nada para eles? – Dimmy parecia não entender.

— Para que? Ele está bêbado! – Joe mentia.

— Garoto, olha, você vai se tornar um Maroni, certo? – Dimmy agora colocava o dedo indicador e o polegar na base do nariz perto das sobrancelhas enquanto apoiava o cotovelo na mesa. – Você não pode, de forma alguma, manchar o nome da família, como um maldito covarde, está bem? Sério! Você vai ser dono de uma casa noturna, têm de ser mau! Têm de ser cruel! Ninguém pode falar assim como você! Eu vou deixar essa passar, mas, na próxima vez, vou te dar a porra de uma arma, e você vai atirar nestes filhos de uma puta. – Dimmy apontava para Joe, furioso. – Entendeu?

— Sim, senhor. – Joe engolira em seco. Não sabia se conseguiria algo assim. Não queria conseguir fazer algo assim.

— Ótimo. – Dimmy cruzara os braços e colocara o corpo para trás.

— Bem, enfim... – Barney tomou a fala. –.... Então, quer dizer que está tudo certo para hoje à noite?

— Bem... – Joe voltara a se sentir nervoso. –... Claro! Seria loucura desistir agora! – Além de tudo, ele sabia que não poderia voltar atrás. Não agora.

— Ótimo, garoto. Ótimo. – Dizia Barney com seus braços cruzados sobre a barriga farta.

— Sabe, a pior parte é mentir para a Jeannie. – Joe explicava como se sentia, tinha de falar, mesmo que não devesse, mesmo que não lhes interessasse. – De qualquer forma, já passou. Ela pensa que estou em um emprego.

— Ora, está certo. Não há razão para preocupar a moça. – Disse Barney, com um sorriso simpático.

— É isso aí. Você fez muito bem. – Dimmy apontava para Joe com dois dedos, indicador e médio, em um sinal onde mostrava que seu parceiro havia feito o certo. – Uma mulher grávida não deve se estressar.

— Sim, eu sei. – Afirmou, Joe.

— Escute, esta noite, use terno e gravata borboleta. É uma espécie de marca registrada do tal capuz vermelho. – Dizia Barney.

— Tudo bem, é o que Jeannie esperaria que eu usasse no trabalho que disse ter conseguido. No bar.

  Foi neste momento em que a notícia de uma cruel tragédia vinha por meio de um mensageiro inesperado. Um homem alto com sobretudo cinza e um chapéu Borsalino marrom, estava a fazer uma série de perguntas para o homem que atendia no bar. Mostrando uma foto, perguntava se alguém já havia visto aquele homem estático na imagem.

  Era uma foto antiga, porém, o homem que ali estava era facilmente identificável, afinal, em uma forma rotineira vinha dia após dia àquele lugar. Seus cabelos ruivos, rosto magro, terno velho e chapéu desgastado eram reconhecíveis. Na foto, não apenas este homem era mostrado, como também uma bela jovem, de cabelos loiros e olhos azuis claros, belíssimos.

  O homem responsável por atender no bar informou ao policial onde estava o homem que ainda há poucos minutos havia sido judiado por dois de seus clientes. Apontando para uma mesa onde havia três cavaleiros, o barman mostrou onde encontrar o homem que procuravam. Joe.

  Dimmy rapidamente percebera que o barman apontava para Joe e que aquele estranho homem o procurava. Dimmy imediatamente colocou a mão na bolsa que carregava consigo, havia uma pistola Magnum “444 Malin”. Puxou a trava para trás, por segurança. Estava pronto para uma batalha.

— Hã... Joe! – Dimmy apontou com a cabeça para o homem que agora se virava em direção à mesa.

— O que? – Joe olhara na direção e vira o homem vindo.

— Quem é? – Barney colocara a mão por dentro do paletó, sem descruzar os braços. Havia uma pistola Colt 1911 Special Combat escondida em um coldre preso a parte interna do paletó.

— Não faço ideia. – Respondeu Joe assustado.

  O homem enfim se aproximou, e junto dele havia um outro, um policial uniformizado com seu corpo mais arredondado e uma expressão fechada. Sem retirar o chapéu, o homem alto com sobretudo jogou uma foto de Joe e Jeannie sobre a mesa em frente aos três, voltando-se ao próprio.

— Com licença, senhor! Somos da polícia! Podemos conversar lá fora por um momento? – Perguntou o suposto policial. Ele tinha uma voz alta e grossa.

— Comigo? Mas, por quê? Quero dizer, eu não fiz nada! – Joe estava assustado, nem sequer havia notado a foto que o homem havia atirado em cima da mesa.

— Só vai levar um minuto, senhor... – O policial de corpo flácido parecia impaciente.

  Levantando-se nervoso, Joe acompanhara ambos os agentes da lei até fora daquele bar. Estava escuro na rua, iluminado por um poste que não conseguia manter sua lâmpada acesa em um período prolongado de tempo, sua luz piscava em movimentos repetitivos com alternância de segundos. A lua brilhava em sua plenitude, era a única fonte confiável de luz para que a escuridão não se tornasse total naquela noite.

— Ei, escutem... – Joe tremia. – Qual... Qual é o problema? Eu... – Joe fora interrompido pelo policial de sobretudo.

— Sinto muito, senhor, mas, sua esposa sofreu um acidente... – O policial acendia agora um cigarro em sua boca. Seu olhar era triste.

— O que? Ela... – Joe fora interrompido, novamente.

— Aparentemente testando um aquecedor de mamadeiras! Houve um curto-circuito, e.... – Era a parte difícil de ser um agente da lei. Notificar a família quando um parente morre. Nunca é fácil. –.... Bem.... Ela morreu, senhor.

— O que? – Aquilo não fazia o menor sentido. Joe sentia como se o chão abaixo dele houvesse se quebrado, era como se tudo pelo que lutava houvesse simplesmente desaparecido, houvesse sido tirado dele. Joe não sabia como reagir, seus pensamentos atingiam-no com perguntas as quais não sabia responder. “Como diabos ela pôde morrer assim? Aquecedor de mamadeiras? Não temos um aquecedor de mamadeiras! Merda! Por que não a tirei daquele lugar ridículo? Pera... Pera... Jeannie morreu? O que? Mentira! Mentira! Mentira! Não! O que vou fazer? O que? Isso só pode ser uma piada. Uma piada ruim. Aquecedor de mamadeira? Curto-circuito? Agora que tudo estava dando certo?” Os pensamentos de Joe estavam extremamente confusos, ele não podia acreditar no que estava acontecendo.

— Olhe... – O policial de sobretudo colocou a mão no ombro de Joe. – Odeio dar essas notícias. Mas, o que se pode fazer? Acidentes acontecem... – Tirando o cigarro da boca, ele continuou. – Você terá melhores notícias no hospital. Não há pressa. Se eu fosse você, tomaria outro trago.

  Ambos policiais o deixaram ali, estático, perdido em si mesmo enquanto tentava raciocinar a tragédia que havia ouvido há poucos segundos. Sozinho ali, abaixo da psicodélica luz do poste, havia perdido completamente o sentido de sua vida. Não havia mais pelo que lutar. Não havia mais pelo o que cometer aquele crime.

  Retomando aos poucos seus sentidos, Joe decidira voltar ao bar, a noite seria longa. Empurrou então com certo desânimo as portas de madeira e caminhou com arrastar de pés até a mesa onde antes estava sentado. Seus parceiros de crime, curiosos o viram se aproximar.

— E aí? O que o “Tira” queria? – Perguntou Dimmy, fitando-o com desconfiança.

— Minha esposa. Ela está morta... – Joe parecia olhar através da mesa, seu olhar estava perdido.

— Puxa vida! Isto é terrível! A gente sente muito... – Barney falava surpreso, encenando uma voz abalada.

— É isso aí. Bem, acho que você vai querer ficar sozinho, né? A gente se vê hoje à noite, certo? – Dimmy se levantava da cadeira.

— Esta noite? – Joe lembrara-se do que viria a fazer naquela fatídica noite. – Mas, eu não posso fazer nada esta noite. Não há mais motivo. Jeannie morreu... – Seus olhos estavam cheios de lágrimas. - Vocês não entendem?

— Não, não, não, não, não! Quem não está entendendo é você! – Barney apertava forte o ombro de Joe. – O que vai acontecer hoje, não é uma coisinha à toa. Ninguém desiste agora e sai inteiro. Sem exceções!

— Mas... – Joe tentou argumentar, mas, fora interrompido. Agora Dimmy colocava sua mão aberta nas costas de Joe.

— Sem mais! Amanhã você enterra sua esposa em grande estilo. Hoje, nós temos um trato. Pegou a foto? – Dimmy falava de forma grosseira no ouvido de Joe.

— Sim... – Joe falava ao nada, Dimmy e Barney já estavam distantes, saindo pela porta olhando-o ao longe responder. – Sim, eu peguei a foto.

  Ao perceber enfim a foto em sua frente, era como se Jeannie o olhasse, o culpasse. Seu sorriso não parecia feliz, mas sim um misto de nojo e escárnio. Joe se culpava, por tudo! Era um fracasso como marido, um fracasso como homem e sabia que seria um fracasso como criminoso. Nada mais fazia sentido naquela vida miserável, sentia raiva de si por não ter coragem para um ato libertador.

  Joe amaldiçoava aquele mundo infortuno, amaldiçoava suas condições e regras, amaldiçoava a si mesmo e cada piada que já havia contado. Contorcia-se naquela mesa, sua cabeça ainda com chapéu, bateu forte contra a mesa de madeira e seus braços se cruzaram em pé com os dedos abertos. Era uma dor indescritível, não no corpo, mas no coração.

  Mais tarde, naquela noite, Joe olhava para si mesmo em uma poça de dejetos tóxicos. Seu reflexo turvo e deformado o fazia refletir sobre as escolhas que tomara na vida e o como havia arrastado Jeannie para este inferno indesejado. Estavam em frente aos fundos do Laboratório Químico Industrial da Cidade de Gotham, a passagem rápida para dentro da Fábrica de Baralhos, todos prontos para dar início ao plano.

 A lua ainda forte e clara, também era refletida naquela poça de cores múltiplas. Joe perguntava a si mesmo, e a algum suposto Deus, se não poderia morrer também nesta noite. Uma voz chamou-lhe interrompendo seus pensamentos; era Dimmy, já estressado pelo estado perdido de Joe.

— Ei! Acorda! A gente veio aqui para fazer um serviço, lembra? – Ele chamava-lhe a atenção.

— Ah, sim, é claro. Eu só estava recordando... – Joe ainda tinha uma expressão triste e sem foco. – Eu passava por esta fábrica todos os dias de manhã, quando ia trabalhar.

— Tá! Tá! Agora ponha isto e cale a boca! – Dimmy retirava a máscara em formato cilíndrico da bolsa que carregava.

— O que? Quero dizer... – Joe olhava a parte interna da máscara enquanto Dimmy a colocava sua cabeça. –.... Vai dar tudo certo? Vai dar para respirar?

— É claro, homem! – Exclamou Dimmy enquanto forçava aquela máscara enfadonha contra a cabeça de Joe. – Nossa, você tem uma cabeça engraçada.

  A máscara havia sido posta e Joe abrira seus olhos dentro dela. Estava escuro, mas, dois buracos, duas lentes, permitiam que visse o que havia em sua frente. A visão era um tanto embaçada pelo ar quente que liberava com a boca, além de a cor vermelha não ajudar em nada a enxergar as coisas ao seu redor.

— E então? Está me vendo bem? – Perguntou Dimmy, achando hilário aquela máscara ridícula.

— Sim, só que está tudo vermelho... – Aquilo incomodava Joe. – E está abafado aqui dentro. Você me ouve direito?

— Sua voz está ótima! – Dimmy tomou a frente nas escadas que os guiava até o acesso para a Fábrica e puxou o braço de Joe. – Agora, que tal guiar a gente através deste lugar fedorento, até a fábrica?

— Claro, claro. Sabem... – Joe não podia evitar falar, estava nervoso. – Me sinto esquisito, como num sonho. Não consigo esquecer a Jeannie.

— Silêncio, garoto. Vamos logo! – Barney chamou-lhe a atenção.

— Claro, claro. Vamos! – Joe tomou a dianteira.

  Já dentro da passagem entre o laboratório e a Fábrica, os três corriam por entre tanques químicos com líquidos de cores diversas, alguns eram verdes, outros brancos e outros ainda eram amarelos. Seus passos rápidos e silenciosos eram precavidos para não emitir som algum enquanto cruzavam aquela primeira parte, a parte mais perigosa.

— É só passar por estes tanques... A Fábrica de Baralhos Monarca fica logo depois daquela parede. – Joe observara os tanques cheios de líquidos estranhos e os canos enferrujados e notara o como aquilo era nostálgico. – Poxa, este lugar parece ainda pior todo avermelhado. É como se.... – De repente, Joe fora interrompido por uma voz inesperada, uma voz que não deveria se pronunciar. Não era o planejado!

— Ei, vocês! Parados! – Gritou um homem numa das plataformas altas daquele lugar.

— Seu bundão! Você disse que não tinha guardas! – Exclamou Dimmy, furioso enquanto sacava sua arma.

— Quietos! Mãos para o alto! – Gritava o segurança em seu traje azul enquanto apontava sua pistola na direção dos bandidos infortunosos.

— Eles... – Joe não podia acreditar. – Eles devem ter mudado as coisas desde que eu saí...

— Mudado as coisas? – Dimmy atirara contra o segurança. O som daquele disparo era ensurdecedor dentro da máscara cilíndrica. – Eu vou mudar é a sua cara de cavalo! Seu imbecil!

— Ah! O barulho está ensurdecedor aqui dentro! – Joe apertava o cilindro tentando retirá-lo, mas, estava preso!

— Pelo amor de Deus, corram! Está tudo perdido! – Gritava Barney enquanto saía disparado.

— Murph, mande uns homens aqui para os fundos, é o bando do capuz vermelho! – Gritava no comunicador o segurança escondido atrás de uma das pilastras a qual a plataforma passava.

— Oh Jesus! Cadê a saída deste lugar? – Barney estava desesperado.

— Eu não sei! Esta máscara... – Joe tentava retirá-la, sem sucesso. – Eu não consigo ver direito com ela! – Estavam todos mergulhados em desespero.

— Eu vou te matar, seu filho duma puta! – Gritava Dimmy. – É só a gente sair daqui e....

  Naquele momento, Joe travara ao ver a cena que se desenrolava à sua frente. Dezenas de tiros foram disparados contra Dimmy e Barney. Buracos jorravam sangue por todo o corpo de Dimmy; sua cabeça, tronco, pernas, era como um queijo suíço. Alguns tiros também acertaram Barney, mas, estes inicialmente não eram grandes ferimentos e lhe haviam atravessado sem deixar vestígios que se não alguns buracos ensanguentados nas pernas.

  Caído sem poder se movimentar, com o corpo de seu parceiro, Dimmy, sobre seu colo em um mar confuso de sangue, Barney gritava, implorava para que parassem de atirar. Abrira seu paletó para apanhar a arma que guardava escondida enquanto gritava para seus atiradores.

— Oh Deus! Oh Deus! Não sou eu quem vocês querem, caras! Ele é o líder! Ele é o Capuz Vermelho! – Barney se referia à Joe, que estático olhava, virando-se lentamente para os seguranças armados no topo da plataforma.

— Quem? Eu? Não! – Joe sentia uma súbita energia coberta de adrenalina tomar o seu corpo. Estava apavorado, sentia que tinha de sobreviver. Não era sua hora de morrer. – Eu só vim aqui para...

— Cuidado! Ele está puxando uma arma! – Alguém gritou da plataforma. Joe vira, Barney puxava sua pistola de dentro do paletó. Sem sucesso.

— Oh não! Oh não! – Joe repetia para si mesmo enquanto corria por entre os tiros que terminavam por matar Barney. Chegando em uma escada de alumínio, apressou-se a subi-la sem saber para aonde dava.

— O líder está fugindo por aquela plataforma! – Gritou um dos seguranças.

— Ele tá na minha mira... – Disse o outro enquanto apontava para a cabeça cilíndrica de Joe.

— Não. Chega de tiros. – Disse uma voz estranha, grossa e rouca. Desconhecida.

  Quando os seguranças se viraram, viram uma sombra enorme e forte, como um demônio escuro que surgira para tomar suas vidas. Assustaram-se antes de reconhecê-lo.

— Eu estou aqui. Cuidarei dele a meu modo. – Disse aquele ser incomum com chifres negros e aparência pouco humana.

— O que diabos é isso? – Perguntou descrente do que via, um dos seguranças.

— É aquele morcego humano que apareceu nos jornais! – Exclamou assustado um dos homens enquanto aquele “morcego humano” saltava por cima deles, abrindo suas estranhas asas e pousando na outra plataforma.

— Nos encontramos de novo, Capuz vermelho. – O ser sombrio chamou o criminoso invasor.

— Não... Meu Deus do céu... – Joe estava pasmo em puro desespero. – Isto não pode estar acontecendo... Deus, o que eu fiz para merecer essa punição? Pare! – Joe viu-se encurralado no final da plataforma. – Não chegue perto! Eu vou pular! Eu vou....

  Quando aquele cavaleiro sombrio correu para agarrá-lo, o pobre homem, vítima de sua própria sorte, tombou para trás e acabou perdendo o equilíbrio. Joe havia sido forçado a usar um enfadonho conjunto de capacete cilíndrico com capa vermelha, e fora esta capa a causa de seu desequilíbrio ao forçar seu corpo contra a barra de segurança da plataforma. Joe caíra em queda livre para dentro de um daqueles tanques químicos.

— Não! – Gritou o brutamonte das trevas ao ver aquele homem cair.

  Em um mergulho ácido, dentro daquele tonel borbulhante de líquido verde, sentiu sua pele se desfazer, sentiu seus olhos queimarem. O capacete que vestia apenas fazia os efeitos, o calor, ainda pior em sua face. Era uma dor inimaginável, mas, estava prestes a acabar, tudo estava prestes a acabar.

  Aquele tonel tinha uma forma de despejo, por onde, graças a um filtro inteligente daquele recipiente, criado pelas empresas Wayne, tudo o que fosse pesado demais, ou contivesse impurezas demais e assim fosse desnecessária para a mistura final, era jogado como lixo para fora daquele tonel. Despejado em uma área de descarte químico nos fundos da Fábrica, do lado de fora. Era como uma piada vulgar. Sobreviver como um lixo.

  Sentindo aquele líquido entrar em sua boca, e tentando cuspi-lo desesperadamente, agarrou-se em terra firme. Não conseguia ver mais nada por aquela máscara danificada, além do mais, seus olhos ardiam. Tinha medo de ter ficado cego.

— Está coçando.... Há algo na água? Oh céus! Está ardendo! – Dizia Joe enquanto se arrastava na terra firme. – Preciso retirar esta máscara estúpida para poder ver.... – Finalmente, desta vez, a máscara saíra com certa facilidade.

  Havia uma poça d’água em sua frente, havia começado a chover. O que vira quando retirara a máscara era surreal. Naquele momento, no mesmo instante, ele entendeu o que havia acontecido. “Eu morri.” Pensou “Eu com certeza morri. Este não sou mais eu. Afinal, quem sou eu? Quem fui eu?” Aquilo por algum motivo insano o havia modificado. Quem quer que ele fosse naquele momento, ele não era mais o Joe, na verdade, talvez nem mesmo fosse capaz de se lembrar deste nome. Não estava mais confuso.

  Uma gargalhada alta e completamente insana podia ser ouvida, enquanto ao longe aquele ser sombrio buscava sinais de vida do criminoso que caíra no tonel à sua frente. Havia morrido, sabia. Sua primeira falha.

  Com as mãos na cabeça, vendo sua pele, sua face, seus olhos e até mesmo sua roupa completamente desfigurada, podia ver que quem quer que fosse naquele instante, era poderoso. Era diferente.

  Quando fora sair daquele lugar, sentira algo preso ao seu sapato social com aparência pouco derretido e com coloração roxeada. Era uma carta de baralho! Um Coringa. Ele podia ver claramente, era um sinal. Um sinal do destino, do karma ou de Deus, não importava. Sabia que era quem ele havia se tornado. Sua semelhança em aparência com aquele personagem e sua responsabilidade naquele mundo desprezível, assim como a habilidade daquela carta num jogo, eram proporcionais, possuíam a mesma ideia. Quebrar a ordem vigente e trazer o caos para o seguimento natural das coisas!

  O falho comediante, Joe, havia morrido junto de sua esposa, morrera naquele tonel químico. O novo e insano comediante, Coringa, havia nascido; sem um passado, junto de suas memórias incertas, naquele berço químico. Esta era a história que deveria ser contada. Esta era a história que ele contava para ela, sua incomum e atenciosa psiquiatra.


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