Love Jokes escrita por Bojack


Capítulo 8
Capítulo VII - Sonhos Sorridentes


Notas iniciais do capítulo

Capítulo atualizado (18/01/2024)! As coisas finalmente começam a dar certo para o nosso querido Joe! Será mesmo?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/705054/chapter/8

    CAPÍTULO VII

 

  Aquele incessante e invariável som quase fora completamente ignorado pela sonolência embriagante a qual Joe estava imerso. Os apitos repetitivos soprados pelo telefone pareciam parte de um pesadelo, o qual não sabia discernir o quão real era realmente. Sonho? Realidade? Em sua mente inconsciente tudo estava confuso.

  Em seu sonho, Joe via uma comum sala de operações onde sua mulher estava prestes a parir. Olhava para ela adormecida com as pernas apoiadas ao alto em objetos que pareciam próprios para a situação, e embora a situação constrangedora, ela estava linda, como sempre. Aguardavam a chegada de seu filho.

  Joe não podia se aproximar, por algum motivo apenas permanecia lá, estático, completamente imóvel, sem nem mesmo conseguir pronunciar uma palavra sequer. Não lhe parecia irreal naquele momento; na verdade, nem se quer percebera tais fatos. Apenas observava, à espera de um médico.

  Não demorara muito e o tal médico adentrara a sala, junto de uma enfermeira, bastante jovem até. Enquanto o Doutor vestia um jaleco branco típico, a enfermeira vestia uma junção de saia branca que se estendia até o joelho e uma blusa de botões, também branca, fora um ridículo chapéu que muito parecia com de marinheiro. As cores ao redor pareciam ter-se clareado, mas, ele pouco notou realmente. “Finalmente acenderam as luzes!” Pensou.

  O suposto médico colocava suas luvas elásticas de látex com auxílio de sua enfermeira. Ajeitava seus dedos dentro da luva, balançando-os enquanto puxava a base da mesma, fitava com um olhar amigável o futuro pai da criança que ainda estava por vir. Somente neste momento, Joe percebera que o Doutor vestia uma máscara descartável junto da comum toca higiênica muito utilizada em qualquer hospital.

  Ainda sem poder mover-se, Joe virou sua face novamente para sua esposa, mas, o cenário já havia mudado mesmo sem ele perceber a diferença. Jeannie agora parecia esforçar-se a empurrar a criança dentro de si para fora, e colocando toda sua vitalidade neste objetivo tão belo, ela apertava forte as pequenas barras de aço da cama onde deitava.

— Joe, por favor, querido, me dê sua mão! – Pobre Jeannie parecia estar sofrendo naquele momento dolorosamente especial, ele podia ver.

  Aproximando-se quase que como sem mover os pés, pôde sentir a pele macia das mãos de Jeannie. Nunca imaginara que ela tivesse tamanha força; sentia os tarsos de sua mão doerem quase como que se estivessem próximos de quebrar. “Aguente mais um pouco querida!” Pensou. Não podia falar, sua voz não saía. Percebeu o quão estranho era, mas, ainda nada irreal.

— Querido! – Ela gritava em meio à dor.

  O Doutor parecia murmurar palavras que pouco eram audíveis, graças a um apito crescente e longínquo que dava início de forma incômoda em seus ouvidos. “Estou nervoso. É apenas isto.” Repetia para si mesmo, por algum motivo, enquanto se esforçava para manter o foco. Tentou se concentrar novamente nas palavras que o Doutor voltava a pronunciar de forma repetitiva.

— Rápido, rapaz! Conte uma piada! – Parecia dizer o médico.

  Sem compreender o que aquele pedido significava, Joe forçou-se novamente a se concentrar nas palavras proferidas pelo Doutor. Desta vez, a voz do homem saíra de forma mais compreensível do que os burbúrios confusos que antes ouvia.

— Rápido, rapaz! Ajude sua mulher a respirar! – O médico gritava.

  Com um movimento enfadonho de respiração, inspirando e expirando o ar com certa tensão, Joe mostrava para sua mulher, que estava em um momento desesperador, o como ela deveria fazer. Novamente, não falava.

  Não demorou muito até que a cena que se desenrolava voltasse a ser alterada repentinamente. A porta de acesso daquela sala rangia ao empurrarem-na para abrir. Um homem adentrara a sala de cirurgia, parecia ter por volta de quarenta a cinquenta anos, um tanto calvo, com cabelos grisalhos e um olhar castanho que continham a pura expressão da experiência. Vestido com um terno Chalk Stripe, um clássico de cor grafite com listras escuras, Falcone se mostrava elegante, tradicional e poderoso.

  Junto do grande chefe da família Falcone, outros dois homens adentraram; seguranças talvez, não reconhecia a face. Ambos os homens mais baixos que Falcone, carregavam flores em seus braços, belíssimos buquês de lírios brancos. Sorriam de forma amigável, inesperado para gangsters mafiosos com tamanha lista de crimes hediondos em suas fichas.

  Falcone, junto de seus homens, aproximava-se da cama onde estava deitada Jeannie em seu árduo trabalho de parto. A falsa realidade que Joe vivia naquele momento tornou-se ainda mais inesperada quando Falcone perguntou como o parto estava progredindo?

— Que bom que está aqui, Don Falcone. – Dizia o médico acenando positivamente para o velho mafioso. – Até agora, tudo conforme deve ser.

— Perfeito. – Respondia Falcone, aparentemente feliz.

  Repentinamente Jeannie apertou forte a mão de Joe e berrou de dor. Era uma dor inimaginável para qualquer homem, Joe sabia. Tudo o que o bom marido queria naquele momento, era estar ao lado de sua amada esposa, mãe de seu filho, mas, não deixava de se questionar o que significava a presença de Falcone naquele momento paternal, afinal, não lembrava de já ter começado a trabalhar para Carmine Falcone, nem sequer de ter se aproximado dele de forma tão íntima à ponto de visitar sua mulher em momento de parto.

  Uma dor excruciante tomou sua mão de forma súbita, fazendo com que seu corpo se contraísse dolorosamente. Mais uma vez, Jeannie, surpreendentemente, parecia ter uma tremenda força naquele momento. Os olhos de Joe haviam se fechado por um segundo antes de abrir-se de novo; tempo suficiente para surpreender-se com a nova mudança de realidade. Tudo havia se tornado ainda mais confuso.

  Em cima de um palco de madeira, ainda de frente à sua mulher prestes a dar à luz, com seu médico agora sentado em algum tipo de cadeira hospitalar, e logo atrás, sentados em poltronas vermelhas almofadadas na plateia abaixo do palco onde se encontrava: Carmine Falcone, Fish Mooney, Salvatore Maroni, Bruce Wayne e até mesmo seu antigo chefe, os observavam ansiosos, à espera por algo a qual ele desentendia naquele momento. Estava assustado, preocupado com sua mulher.

— Ajudem-na! Termine o parto! Santo Deus! – Joe gritava. Ele podia gritar!

— Apresse-se, garoto! Conte a piada! – Alguém gritara da plateia.

— Piada? Vocês estão loucos? Minha mulher está... – Joe fora interrompido em meio ao seu desespero confuso.

— Vai, querido! Conta a piada para eles! Você consegue! – Jeannie embora ainda em trabalho de parto, agora parecia menos dolorida e nervosa, até mesmo sorridente. – Tome o que é seu, querido.

— Jeannie? – Joe ficara cada vez mais confuso.

— Anda, garoto! Conte a piada! – Gritava Salvatore Maroni.

— Maroni? – Joe percebera plenamente desta vez, não estava mais em um hospital. “Como cheguei aqui?” Ele se perguntava ao perceber o imenso espaço onde estava. Talvez um teatro.

— Vamos filho, não te contratei por nada, não é? – Falcone tinha uma voz serena, como a de um pai. – Fish, ele disse que era comediante? – Ele falava baixo ao ouvido da já conhecida Fish Mooney.

  Todos o olhavam com um olhar de desconfiança e confusão. Esperavam uma piada, mas, o pobre Joe estava perdido, nenhuma piada sairia dele até compreender aonde estava, e o que estava acontecendo. “Jeannie não estava em trabalho de parto?” Tentava formar pensamentos concretos enquanto olhava o seu redor. Tudo parecia girar.

— Ele não é engraçado. – Dizia uma voz um tanto distorcida, cujo muito parecia ser Bruce Wayne, o playboy filantropo.

— Ao menos atenda o telefone, garoto! Quem eu contratei? – Fish Mooney se lamentava.

— Telefone? – Foi então que Joe percebera ao longe um som baixo, como batidas repetitivas em um apito alto. “Meu telefone?”.

— Atenda o telefone, querido. Estou ocupada, sabe? – Jeannie mostrava que obviamente estava em meio à um trabalho de parto e não poderia ela atender o telefone.

— Aonde? – Joe procurava com o olhar em todos os cantos.

— Na sala, bobinho. – Jeannie sorria para seu marido confuso. – Acorde!

  Jeannie gritava repetindo aquela palavra, várias e várias vezes, até que como se o chão abaixo de Joe se quebrasse, em meio à uma rápida escuridão, Joe acordou assustado e completamente suado.

— Querido? Você está bem? – Lá estava Jeannie. Sua camisola quase transparente ainda vestida, cabelos desgrenhados e pequenas olheiras de sono. “Fora um sonho, apenas isto.” Percebera enfim.

— O que houve? – O entorpecer ainda tomava sua consciência.

— O telefone, querido! Falcone, trabalho, lembra? – Era verdade, Joe havia se esquecido, ao menos em meio ao sono.

— Porra! – Joe saltou da cama, ainda apenas com sua roupa íntima, correra para atender o telefone.

  Retirando o telefone rapidamente do gancho, percebera sua respiração ofegante, coração disparado e pequena tremedeira por todo o corpo, principalmente mãos. Estava nervoso, quase havia perdido a oportunidade que precisava.

— Pensei que me deixaria esperando para sempre, garoto. – Era uma voz grossa que soava como uma brisa vistosa, uma brisa que os sábios deveriam temer e respeitar. A qualquer momento, por qualquer deslize do ambiente ao seu redor, aquela brisa poderia tornar-se um poderoso furacão. Era Carmine Falcone ao telefone, e aquilo fez com que Joe gelasse.

— Perdão senhor. – Sua voz estava tremula.

— É gago? – Perguntou, Falcone.

— Não senhor, desculpe. – Joe engoliu em seco e controlou o nervosismo como podia.

— Veja, Fish falou bem de você. Quero te encontrar no Cais do Porto, ao norte de Gotham. Uma hora da tarde, certo? – Não era um pedido, era uma ordem. Não podia voltar atrás, sabia; não com Carmine Falcone, seria desrespeitoso. Seria o seu fim.

— Perfeito, senhor. – Após Joe agradecer, escutou a linha cair. Falcone havia desligado.

  Olhou ao redor em busca de seu relógio de pulso do Pernalonga, procurou-o pela sala até encontrá-lo sobre uma mesa de madeira ao lado da televisão. Eram oito horas da manhã, ainda havia tempo.

  Caminhou de volta para cama, junto de sua mulher que sentada, aguardava com seus belos olhos azuis esverdeados abertos em tamanha ansiedade para ouvir o que se havia sido dito. Joe ainda estava nervoso, sentia seu corpo tremer.

  Ao sentar-se na cama, perto de Jeannie, não pôde conter um sorriso animado e expirar de forma aliviada. Estava feliz, sentia-se mais calmo agora. Naquele ponto, já nem sequer mais lembrava do bisonho sonho que havia tido.

— E aí, amor? Boa notícia? – Jeannie lhe olhava com um sorriso esperançoso.

— Ele quer me encontrar no Cais! Disse que Fish Mooney falou bem de mim! Acho que ele vai me contratar! – Suas palavras eram alegres e cheias de energia.

— Ah! – Ela gritara abraçando-o com toda a força. – Incrível, amor! Você vai conseguir!

— Vamos poder criar o Junior, querida! – Joe deixara de forma implícita o nome da criança.

— Junior? – Ela percebera e não fora capaz de evitar uma risada. – Que clichê, Joe!

— Você acha? – Ele sorria alegremente para sua bela esposa que agora lhe encarava os olhos, um jogo apaixonado de sedução. Amor, era a expressão que melhor se encaixava naquele momento.

  Eram onze e cinquenta quando terminara de se arrumar, estava pronto para sair. Jeannie havia saído para trabalhar há algumas horas, esperava trazê-la uma boa conclusão ao fim do dia. Surpreendentemente não se sentia mais nervoso, ao contrário, uma calmaria tomara sua consciência.

  Enquanto descia as escadas, enquanto dava os primeiros passos pela rua naquele dia quente, enquanto avistava ao longe seu ponto de ônibus, imaginava em um turbilhão de ideias como seria e o que significaria fazer parte da família Falcone. “Um mero comediante faria parte da família?” Se perguntava. “O que é ser um Falcone?”.

  Após adentrar seu ônibus, deu-se partida à corrida para chegar ao Cais do Porto da cidade de Gotham. Era de suma importância que sua chegada antecipasse a de Carmine Falcone, afinal, era um importante gesto de respeito e interesse a qual não poderia faltar perante o patriarca da família Falcone e de metade da cidade de Gotham.

  Em determinado momento de seu trajeto, enquanto distraía-se pela vista à fora daquele veículo abafado, pôde ver a antiga Fábrica de Baralhos, a qual alguns funcionários adentravam naquele exato momento para a troca de turnos. Houve um tempo, anos atrás, Joe fora chamado para trabalhar naquela Fábrica de Baralhos, e por alguns dias ele trabalhou. Uma nova oportunidade, um salário melhor, uma empresa maior lhe chamara a atenção, o fazendo sair da Fábrica alguns dias após começar.

  Agora, como fora há anos, uma nova oportunidade lhe havia surgido. Era uma ideia simples e uma prática comum no mercado de trabalho; uma forma de “Oferta e Procura” aonde se encontra uma eterna busca por melhores condições e vantagens, uma escada interminável.

  Embora arriscado, tudo corria conforme o plano. Como dito para Jeannie: ao encontrar-se com Carmine Falcone, conversariam e Joe faria a melhor imagem possível para seu novo patrão. Contaria sua piada se solicitado. Sabia que não deveria esperar um bar grandioso ou atrativo em seu início, embora fosse sua utopia pessoal, apenas havia de fazer o seu trabalho, e fazê-lo bem.

  Seu ônibus estava próximo ao ponto onde teria de descer. Ao chegar, ainda teria de andar alguns bons metros até o Cais. Olhou seu relógio de pulso com a intenção de confirmar o tempo que ainda lhe sobrara, mas, contraiu o estômago ao ver o quanto sua viagem demorara. Havia-lhe sobrado meros e perigosos quinze minutos até a hora marcada.

   Sentindo tamanha ansiedade quase abrira à porta do ônibus a força e saltara do mesmo, ainda que estivesse próximo ao seu ponto. Contendo-se, apertou o botão de “Pare” da barra de apoio. Com uma freada lenta, o que fez com que Joe praguejasse contra o motorista, o ônibus enfim parou.

  Em um salto prosseguido por uma correria quase animalesca de puro desespero, Joe apressara-se em passos cada vez mais acelerados até o ponto combinado. Seu suor lhe destruíra a aparência apresentável que havia montado para este encontro. Bufava e sentia sua lateral da barriga dolorida, estava exausto, mal podia respirar e ainda assim forçava seus músculos ao máximo para continuar a correr. Não poderia perder esta oportunidade, ou ainda pior, não poderia desapontar, e muito menos desrespeitar Falcone.

    Não muito longe do objetivo, percebera que não havia ainda nenhum carro no local. Um alívio. Sentiu seu corpo dolorido com a exaustão e então decidira que ainda havia tempo para terminar o caminho com apenas uma caminhada. Seus pulmões gritavam por terem sido levados ao seu máximo.

  No local, após uma rápida conferida na hora e ver que ainda restavam-lhe oito minutos até o horário combinado, observara o local onde estava. O Cais do Porto de Gotham era um local sem vida, suas cores eram em suma cinza e azul. Containers, Guindastes e um único armazém, era tudo o que ali continha. Apenas um barco estava ancorado naquele Cais, Joe imaginava se o mesmo não seria do próprio Falcone.

  Ao longe um som reconhecível de motor fora escutado; eles haviam chegado. Eram dois carros negros, ambos clássicos Cadilacs, iguais ao que Joe havia visto no Fish’s Bar. Se antes havia calmaria dentro de si, agora, um terremoto atingia-lhe por completo. Tremia perante Don Falcone.

  O homem calvo com um sobretudo de lã grafite, junto ao seu terno elegante saíra do carro que parara mais à frente. Ele era enorme, e mesmo que fosse um homem de aparente cinquenta ou sessenta anos, amedrontava até mesmo Salvatore Maroni. Falcone era um homem para ser temido, um homem para ser respeitado.

  Acompanhado de outros dois rapazes apenas um pouco mais baixo que ele, ambos jovens, Carmine Falcone aproximou-se calmamente, passo por passo até Joe. Ao estar mais perto pôde ver que Joe era apenas um homem, um jovem, com seus cabelos ruivos mal penteados, um terno negro velho, uma camisa social branca úmida e sua calça também negra. Os olhos verdes de Joe estavam um tanto inquietos, por seu nervosismo. Falcone percebera.

— Prazer, meu jovem. – Disse ele lhe estendendo a mão.

— Senhor Falcone. – Joe esticara a mão controlando a tremedeira.

— Acalme-se, rapaz. – Falcone parecia um homem simpático, sua voz serena parecia amigável.

  Joe inspirou fundo e expirou em seguida. Em meio a desculpas por seu estado, explicou à Falcone o porquê de estar como estava. Carmine Falcone era um homem paciente, flexível e gentil, interrompera Joe em meio à suas desculpas e apenas disse-lhe: “Está tudo bem, garoto. Você é da família agora, certo?”.

— Eu sou? – Joe congelara com aquela pergunta retórica proferida por Carmine Falcone.

— Refira-se a mim a partir de agora, como Don Falcone. Entende? – Falcone punha sua enorme mão no ombro de Joe, e ele pôde sentir o peso da mão do chefe da família Falcone. Não gostaria de levar um soco daquele homem.

— Claro, senhor! – Joe não pôde evitar sorrir como uma criança. – Don Falcone, o senhor não gostaria de ouvir uma piada?

— Estou velho demais para piadas, garoto. Velho demais. – Falcone dera-lhe um curto e quase inexistente sorriso.

— Nunca se está velho demais para rir, Don Falcone. – Joe dera sua verdadeira opinião sobre o assunto, esperava não ter dito demais.

— Me fale um pouco sobre você, Joe. Quero te conhecer um pouco mais. – Carmine Falcone deu alguns passos até a beirada do Cais, deixando Joe para trás até que o mesmo decidisse se aproximar.

— Um pouco sobre mim, senhor? Certo. – Joe observava Falcone retirar um pedaço de pão do bolso de seu sobretudo, despedaçá-lo e jogar pequenas migualhas ao calmo mar abaixo deles. – Eu sempre morei em Gotham, sou formado em Química industrial. Deixei o Laboratório Químico Industrial de Gotham para viver o meu sonho, Don Falcone. Minha mulher, Jeannie sempre me apoiou. Ela é incrível.

— Você é casado, Joe? – Carmine olhava o longe, olhava para o outro lado da cidade.

— Sim, senhor, Don Falcone.

— Eu já fui casado. Com uma bela mulher, devo dizer. Dançávamos todos os dias. Meus parabéns rapaz, o amor deve ser sempre cultivado. – Carmine dera um olhar curto e parabenizado para Joe.

— Obrigado, senhor. Logo terei um filho. – Joe não sabia se devia ter dito, mas disse-lhe.

— Um filho? Grande responsabilidade, Joe. Terá de trabalhar duro para criar esta criança.

— Sim, eu sei, senhor.

  Don Falcone virou-se para Joe, novamente, e deu alguns passos até o baixo homem. Olhou-o nos olhos e então esticou sua mão para ser beijada. Carmine Falcone possuía um anel grande em seu dedo médio, um anel prateado com um grande “F” em diamante, um presente passado como herança de pai para filho.

  Com certa timidez, e uma sensação de inferioridade, até submissão, Joe beijou o anel de Falcone. Sabia que não passava de uma tradição da máfia, costumes Europeus tradicionais que haviam se perpetuado por toda a linhagem que se prosseguia e espalhara ao redor do mundo, Gotham não era uma exceção. Beijar o anel do patriarca da Família, era um símbolo de respeito, apenas isto.

— Eu tenho que ir, garoto. Gostaria de levá-lo aonde deve ir, mas, há coisas que ainda tenho de fazer. Nos encontraremos em breve, novamente. - Falcone então dera as costas para Joe após aquela curta e inesperada conversa, mas, parou poucos passos depois, sem se virar para o homem que deixara para trás. – Uma coisa, garoto...

— Sim, senhor? – Falcone tinha sua atenção.

—... Faça lucro, não desperdice minha confiança. E se trair a família... – Falcone voltou à andar. –... Não contará mais piadas em lugar algum. Entende o que digo?

— Sim, senhor. – Joe engolira em seco. Aquilo havia sido um aviso, e não apenas uma ameaça, Joe entendera.

— Ótimo. Luís irá te levar para o bar onde irá começar. Conforme faça dinheiro, te colocarei em um lugar melhor. – Finalmente Falcone chegara à porta de seu carro. Com um último olhar, concluiu. – Apenas com grande esforço, podemos alcançar grandes riquezas, garoto. Acredite, não há outro caminho. – Proferiu então as últimas palavras de encorajamento com um aceno de cabeça. – Uma última coisa... Fique com a gorjeta.

  Em seguida, Falcone adentrara em seu carro e fora embora tão rapidamente quanto chegara, deixando para atrás apenas Joe e o homem responsabilizado por guiá-lo até o bar onde viria a trabalhar.

  Luís era um homem moreno, porto-riquenho, mesma altura de Joe, porém sua estrutura corporal era forte, ao contrário de Joe, que era um homem magro. Após chamar Joe para dentro de seu carro, Luís abrira a porta e entrara ao comando do volante. Joe lhe seguira até estar dentro do banco de passageiro ao lado. Estava emocionado, lágrimas surgiam em seus olhos, mas, as mantinham presas. Falcone lhe havia parecido um homem tão mais adorável do que os boatos lhe diziam. “Ele afinal é um homem simples, de poucas palavras e sabe exatamente o que quer. Então é assim que um chefe da máfia parece? Como eu devo considerá-lo? Um pai?” Joe refletia sobre o Don Falcone que havia conhecido.

— Está surpreso? – Perguntou Luís.

— Desculpe, um pouco. – Respondeu Joe, percebendo agora uma cicatriz na testa de Luís que lhe cortava de um lado extremo ao outro, provavelmente causado por uma lâmina.

— Pensou que Falcone fosse o monstro das histórias, não é? – Luís parecia rir.

— Sim, eu pensei, mas ele... – Joe fora interrompido.

—... Ele é como um pai. Essa é a verdade. Para a família, ele é mais do que um chefe. Ao menos para a maioria de nós. Para os seus inimigos... – Um sorriso maquiavélico surgira nos lábios de Luís. – Ele é o verdadeiro demônio, frio como o gelo, dá as punições devidas e determinadas de acordo com o grau do seu erro.

— Punições determinadas pelo grau do erro? – Joe não entendera.

— Se você o desrespeita verbalmente, ele vai apenas arrancar a sua língua, mas, se você o roubar, ele vai matar você, de forma dolorosa ou não, tudo depende. – Sua expressão era como se contasse algo relativo, com muitas verdades. – Depois que te matar, ele vai mandar o seu corpo, talvez sem as mãos, para sua família.

— Entendo. – Joe pensou que havia terminado.

— As punições variam de acordo com o crime. Don Falcone é sistemático com estes assuntos, gosta de mandar uma mensagem e lembrar a todos o que acontece quando lhe traem. Quando traem a família Falcone.

— Por isto ele é tão temido, imagino. – Disse Joe se mostrando interessado na realidade sobre para quem estava trabalhando.

— Hei, garoto. Joe, certo? Joe? – Luís lhe perguntava com olhares rápidos e um sorriso brincalhão enquanto manobrava o carro. – Conte uma piada. Heim? O que acha? Vamos ver se é bom.

— Uma piada? – Joe se sentia nervoso com a situação, mas, afinal, era seu ganha pão. – Certo, vejamos...

— Tem de ser mais rápido, garoto comédia.

— Outro dia eu fui ao médico, queria pedir mais um pouco da medicação que eu tinha de tomar. Estava com uma séria bactéria no estômago, sabe? – Começou Joe.

— Sim. – Luís deu prosseguimento à piada.

— Ele então após ouvir meu pedido, me questionou sobre o porquê de eu ter tomado todo o medicamento às seis da manhã, se ele havia me dito para tomar apenas um às nove. É claro que ele não entenderia minha genialidade. – Joe parecia contar algo real ao contar suas piadas, era fascinante.

— Por que diabos você tomou antes? O que tem de genial nisto? – Luís o olhava com uma clássica expressão de incompreensão, como se ouvisse algo tão estúpido que era inacreditável.

— Ora essa, eu queria pegar a bactéria de surpresa, é claro! – Fora o xeque-mate da piada, o punch.

  Luís não pôde evitar soltar uma risada, Joe havia ganho. Ter conquistado o capanga de Falcone com sua piada lhe deixara animado e mais seguro de si. Se podia fazer um criminoso, provavelmente um psicopata como ele rir, seria fácil fazer a clientela comum gargalhar sem parar. Já podia ver, logo estaria no mais luxuoso e lucrativo dos bares de Falcone, o Fish’s Bar.

  A viagem continuou até estarem em uma parte da cidade tão menos bela quanto a que comumente vivia, Joe pensou que isto jamais seria possível, mas, estava enganado. O carro prosseguia agora em uma velocidade cada vez maior, poucos carros passavam por aquele caminho. Pela janela via muitos desabrigados e mulheres devassas, mulheres cujo, para elas mesmas e a grande maioria dos homens, suas vidas não valiam mais que um trocado em troca de momentos sórdidos e frios de sexo.

  Luís retirara sua arma de dentro do coldre que carregava na lateral do corpo, na parte interna do paletó negro. Seu olhar também ficara mais furtivo, como de um animal que observava o perigo que lhe rodeava. Aquilo fez com que Joe se sentisse ameaçado, tenso e amedrontado.

  Em determinado momento, pôde ver um homem correndo com uma bolsa rosa numa das mãos, provavelmente tirada de um assalto. Luís percebera o estado encolhido e amedrontado de Joe ao vivenciar todo aquele cenário pútrido.

— Conhecia este lugar? – Perguntou Luís, sem tirar os olhos da pista e do retrovisor.

— Não. – Disse Joe ainda encolhido com os olhos arregalados.

— Aqui é Bryanttown. Há anos, um lugar esquecido e mal politizado. O bar da Família Falcone é um dos poucos comércios que aqui ajuda à esta área da cidade. – Luís parecia lamentar o estado do local.

— Como chegou a isto? – Joe via mulheres grávidas andarem descalças e homens xingando-as de nomes que jamais deveriam ser proferidos à uma dama.

— Não faço ideia, amigo. Não me interessa também. Don Falcone apenas tenta ajudar sem perder muito dinheiro. Aqui não é muito atrativo, afinal.

— Entendo.

— Devo avisar que seu salário não será alto, aqui. É como um teste, relaxa, logo estará em um lugar melhor. – O carro virava uma curva naquele momento, permitindo ver à uns quarenta metros de distância, o suposto bar.

— Tudo bem, farei por merecer. – Joe estava satisfeito, embora amedrontado.

— Este é o espírito. Acho que Don gostou de você, rapaz.

— Espero que sim.

  Finalmente o carro estacionou próximo à calçada em frente ao bar. Embora o nome estivesse com algumas letras apagadas, Joe pôde ler o seu nome: “Kick the Glass”. “Nome incomum para um bar” Joe pensou.

— Vamos garoto, entre. – Disse Luís enquanto segurava a porta.

— Obrigado. – Agradeceu.

  Ao adentrar no bar, pôde ver que embora aquela parte da cidade fosse completamente imunda, o bar era extremamente bem cuidado. Sentira-se um tanto aliviado pelo estado do local onde trabalharia.

  Luís passou em sua frente e caminhou direto para o Barman atrás do balcão. O homem limpava um copo com seu pano branco quando foi abordado por Luís. Em uma conversa simpática Luís pedira para que o rapaz chamasse seu empregador, cujo se encontrava nos fundos da loja.

— Irei chamá-lo. Um segundo. – O rapaz com uniforme típico, preto e branco, como um garçom, apressou-se para chamar seu chefe.

  Pouco mais de um minuto depois, um homem baixo e gordo, com uma camisa social lisa e de aparência barata com coloração roxa, bastante desbotada até, surgira pela porta dos fundos. O homem sorrira com os dentes amarelos para Luís, reconhecia-o.

— Luís Keprard! – Disse o homem gordo com os braços abertos ao se aproximar.

— Felini! – Luís cumprimentou-o com um abraço rápido. Era como cumprimentar um parente distante.

— O que te trazes aqui, meu garoto? – Felini sentava-se num dos bancos em frente ao balcão do bar.

— Ah sim! Veja, este é Joe, novo membro da família. Um comediante! – Luís fazia uma gota com as pontas dos​ dedos​ em contato, abrindo-os depois, como se a estourasse enquanto sacudia a mão.

— Comediante, heim? E Falcone o quer aqui? – Felini olhava o novato de cima à baixo, analisando-o com toda sua experiência. – Acha que dá conta, garoto?

— Sim, senhor. – Joe respondera com total segurança, o que surpreendera Felini.

— Confiante, heim? Isto é bom. – Felini apertou a mão de Joe com firmeza, como que fechando um contrato. – Felini Faustor.

— Joe Joseph Kerr. Prazer, senhor. – Joe retribuíra com a mesma intensidade em seu aperto de mão.

— Ele é ótimo, Felini! Eu mesmo o aprovei. Até mesmo Mooney riu com sua piada. – Felini dava-lhe uma imagem interessante com seu relato sobre Mooney.

— Fish Mooney rira de uma piada? Puta merda, este garoto é bom mesmo, não é? – Com um sorriso de canto de boca, Felini voltou-se à Joe. – Bem-vindo a bordo, garoto. Aqui é difícil, espero que saiba disso. Não vai ganhar muito, mas, é uma porta de acesso para algo maior.

— Sim, eu sei, senhor. Obrigado. – Joe estava animado e também extremamente grato com todos.

— Mostre-o o local, Felini. Ensine-o. Ele começa hoje mesmo, pode ser? – Luís olhava para Joe, como alguém que lhe havia pregado uma peça.

— Perfeito. As atrações começam apenas dezenove horas, de qualquer forma. – Felini concordou. - Algum problema, garoto?

— Nenhum, senhor Felini. – Concordou Joe. Tal fato já lhe era esperado.

  Luís havia permanecido no local para supervisionar o potencial de Joe. Eram ordens de Carmine Falcone. Quando chegou a hora, como dito pôr Felini, as atrações tiveram início, e os clientes começaram a entrar.

  Não eram muitos, e nem mesmo era da alta sociedade, mais pareciam um conjunto de mercenários em seu dia de folga. Era exatamente este o nível da clientela comum daquele bar. Todos os dias, era um refúgio para os fugitivos, psicopatas, mercenários e caçadores de recompensas. Policiais não eram bem-vindos no “Kick the Glass”, eles sabiam, e evitavam.

  A noite teve início com um rapaz bastante charmoso para tal lugar. O rapaz cantava junto de sua banda a música “Sweet Dreams” do conhecido Marilyn Manson, todos gostavam, combinava com o ambiente e a clientela. Conforme adentravam no bar, todos tomavam lugares vazios no estabelecimento. Muitos conversavam entre si, riam, negociavam, outros apenas admiravam o som e bebiam quantos copos podiam pagar. Era um momento raro e deleitoso de paz para homens maus.

  Joe já não estava mais acompanhado de Luís, havia sido puxado para dentro do bar, sua parte interna, os bastidores. Felini mostrava os detalhes internos do bar e contava-lhe histórias sobre décadas atrás, quando abrira o mesmo com a ajuda e autorização de Falcone, sobre o como é grato ao seu Don, e que muitos artistas trabalharam naquele bar antes de escalarem até a fortuna.

  Horas se passaram, artistas fizeram seus devidos shows, e agora, já tarde, como uma forma de fechar a madrugada que se estendia, Felini apresentara seu mais novo artista e comediante para o público fiel do “Kick the Glass”.

— Senhoras e senhores! Espero que ainda não estejam satisfeitos com as atrações desta noite. Espero que a vida pacata e sem cor que vocês agarram tão fortemente ainda possam absorver um pouco mais desta noite. Esta cidade precisa de uma boa comédia! Então para vocês, meus detestáveis clientes! – Felini dera uma pequena risada planejada. – Menos você, Robb. – Felini dera uma piscadela para um dos muitos mercenários na platéia. Robb era conhecido por ter sido responsável por alguns dos mais lendários crimes de Gotham, um mercenário velho com vasta reputação. Um ícone. – Todos te amamos! Não nos mate. – Felini dera uma pequena risada enquanto apontava para o homem com quem falava. O mesmo lhe respondera com um levantar do copo o qual bebia sua tradicional mistura de Tequila e Whisky; costumava a dizer: “Uma Bebida forte, para um homem forte”. – Uma atração inesperada! Um novato no ramo! Abracem-no, mas, não o esfaqueiem! Joe o menino da comédia!

  Todos aplaudiram aquele homem magro de cabelos ruivos bagunçados com um olhar tão ansioso quanto nervoso ao subir no palco. Era hora do show. Do seu show. Hora de dar início ao plano, e elevar o seu sonho à plenitude da fama. Mostraria como um sorriso, uma risada poderia ser tão mais sagaz que uma arma e tão mais atraente que uma dançarina.

  Joe agarrara o microfone à sua frente, dera uma boa olhada no público que lhe encarava de volta, alguns com sorrisos, outros com seriedade, por fim, alguns com ansiedade para saber o que viria daquele jovem homem que corria atrás de seus sonhos. Com um sorriso caloroso, Joe agradecera os aplausos e cumprimentara a todos.

— Obrigado, senhoras e senhores. Antes, devo lhes dar um pequeno aviso. Um único, realmente. – Joe parecia preparado. Sentia-se preparado. Sua plateia sentia que estava preparado. – Aqueles que não estiverem dispostos a se divertir. Dispostos a calar a boca e escutar. Dispostos a chorar de rir, como uma maldita garotinha... – Com uma pausa e um sorriso brincalhão, aguardou qualquer resposta. -... Saiam agora. Porém, quem estiver pronto para morrer de rir, por que afinal, é isto que farei com vocês, matarei cada um de vocês com suas gargalhadas, por favor, permaneçam em seus lugares e apreciem a boa comédia!

  Assim deu-se início ao sonho. Assim, nascera o menino da comédia. Assim dera início à sua própria liberdade. Ou ao menos assim pensava, assim sonhava, mas, como todo sonho, é apenas isto que ele é. Um sonho, apenas. Gotham não era uma cidade para sonhadores, mas, sim uma cidade aonde pesadelos tornam-se reais. Sonhos não sobrevivem nesta cidade, Joe descobrirá da pior forma.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Love Jokes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.