Sozinha em sua cabine dentro do navio, Sara tentava decidir se enviava ou não o vídeo que tinha acabado de gravar. As lágrimas rolavam livremente por seu rosto enquanto isso.

Ouviu uma batida na porta e secou as lágrimas ao mesmo tempo que consentiu a entrada. Era Alyssa, uma das cientistas que conheceu na viagem.

— Sara? Você está bem?

— Acabei de gravar um vídeo...- foi o que ela respondeu com a voz meio embargada ainda olhando para a tela do notebook.

— Pro Grissom?- Sara assentiu pressionando os lábios e engolindo o choro. — Terminou com ele, Sara?- perguntou num tom triste.

— Terminei.- sua voz embargou mais, seus olhos também arderam mais e ela soluçou.

Alyssa a abraçou tentando confortá-la.

— Não quero nem ver a cara dele quando assistir isso, Aly.

— Envia, Sa... se é o melhor pra vocês dois... envia.

Sara respirou fundo, secou as lágrimas e enviou. Era só esperar a resposta dele, se é que teria uma.

“É bem assim que estou, é tudo que restou

Eu tive que escolher entre eu e te perder

Que pena, tudo acabou [...]

Eu vou seguir o meu caminho e te esquecer

Pensar um pouco em mim, tentar viver” — Sandy e Junior

~ ♥ ~

Em casa, Gil recebia um email em seu notebook. Ao ver que era de Sara, abriu ansioso, já que fazia semanas que não tinha notícias dela. Era um vídeo, ela parecia estar numa cabine de navio e pôde ver que ao fundo haviam várias fotografias coladas. A maioria de paisagens, mas reparou que tinha a foto dos seis amigos juntos no quintal de Catherine e algumas só dos dois, incluindo a primeira que tiraram juntos em São Francisco. Bateu saudade e ao ver as fotografias, sabia que ela sentia falta também.

Deu play no vídeo.

— Saudações daqui!- ela cumprimentou feliz. — Estou abaixo do equador, em Puerto Ayora. Nós estamos no oceano já tem mais de um mês.- disse satisfeita com isso. — O pessoal daqui é incrível! Estudantes, ativistas, cientistas… as conversas no jantar são fantásticas.

Gil sorriu discretamente. Era tão bom vê-la feliz, sorrindo, pra ele era só o que importava.

— Nós temos um biólogo marinho que me lembra um pouco você.- citou Dylan e respirou fundo antes de continuar. — Eu queria... conversar pessoalmente, mas… isso é o melhor que eu posso fazer.- riu, mas de nervoso mesmo. — É... Desculpe por estar incomunicável.

Ela pareceu ficar um pouco mais séria ao dizer isso, Grissom estava com um mau pressentimento, uma sensação de que ela não tinha enviado aquele vídeo só mandando notícias. E estava certo.

— Eu tenho pensado muito na gente... sabe, nos nossos momentos. Eu pensei que venceríamos tudo.- ela fez cara de decepcionada, pois sempre acreditou que desde o dia que Gil revelara seu amor por ela, eles jamais se separariam. — Essa viagem está me dando muita clareza... O último ano em vegas…- suspirou. — Ai, não dá nem pra respirar só de pensar. Mas… agora… pela primeira vez em muito tempo acho que estou… feliz.- esperava que ele entendesse o que ela queria dizer com aquilo. Não era como se ela não fosse feliz ao lado dele, ela era, mas não por completo. Ele a fazia feliz, mas o lugar que ela um dia achou que fosse sua casa, não estava trazendo mais felicidade. E Gil contribuiu um pouco com isso quando ela voltou para o funeral de Warrick. — Antes de eu sair, você disse coisas que eu tentei não ouvir, mas eu acho que... você tava certo.

Gil sentiu uma pontada no coração. Como assim? Sentiu-se culpado pela primeira frase, mas confuso com a segunda.

— Se um relacionamento não avança, ele definha.

Ela estava terminando com ele? Ele não tinha dito aquilo a ela naquele dia com essa intenção. Não podia acreditar no que seus olhos estavam vendo e nem no que estava ouvindo.

— Eu espero que você decida, mas… as vezes não tomar uma decisão é tomar uma decisão.- Sara quase não aguentou ao dizer isso e engoliu o choro. Disse pra ele que estava bem e iria permanecer assim, mesmo tendo que terminar o namoro assim, por vídeo. Pelo menos ele estava olhando nos olhos dela de alguma forma.

Que puta babaca ele foi! Por que não foi com ela de uma vez? Teve que ficar sofrendo de novo pelos cantos sentindo a falta dela? Antes ainda tinham um laço, de certa forma ainda estavam juntos, mas... E agora? O que faria?

— Enfim, o que eu quero dizer é que…- desviou os olhos da câmera e escolheu bem as palavras. Não queria dizer “estou terminando com você”, “está tudo acabado” ou “segue sua vida e me esquece”, só ia doer mais ainda. —… Não precisa mais se preocupar comigo.- foi o que ela escolheu dizer. Ele ia entender. Sorriu de lado. — Eu estou bem, eu estou muito bem e, honestamente… eu acho que é melhor assim.

É, ela estava terminando com ele, Gil não soube como não perdeu as estruturas e caiu no chão ao ouvir aquilo. E ele achando que seu sofrimento não pudesse piorar. Tinha perdido ela...

— Só não esquece do que eu disse naquela carta, tabom? Eu sempre vou amar você.- Sara sorriu triste ao dizer isso e finalizou o vídeo.

Gil não percebeu uma lágrima rolar por seu rosto enquanto ela dizia isso, mas assim que notou, deixou que mais algumas percorressem o mesmo caminho.

Seu celular tocou e era do trabalho. Ele não atendeu. Resolveu se deitar um pouco, depois daquele vídeo sua animação era zero, estava abaixo de zero, se é que é possível, e tudo o que ele menos precisava agora era um caso pra solucionar.

“Agora te guardo em meu coração

Deixei suas fotos no chão

Toda noite sonho que você está aqui

O lado direito da cama está vazio

Sinto tanto frio

O teu abraço era o meu cobertor” ― Hugo e Tiago

O aparelho voltou a tocar sem lhe dar escolha. Ele tinha que ir. A chuva que caía lá fora era forte e o tempo era frio. Muito condizente ao seu estado emocional.

Um corpo de um homem foi encontrado no deserto, ele havia sido arrastado no asfalto, estava com a cara toda lascada, os dedos também, e tinha óleo de motor nas roupas. Deduziram que estivesse amarrado debaixo de um carro, ou preso por cordas atrás de um carro e que foi arrastado pelo mesmo. Essa era a primeira impressão.

Na autópsia foram descobertas várias facadas e Albert revelou a ele e Catherine na sala de análises que haviam marcas de agulhas nos mamilos e de queimadura na língua. Grissom percebeu que as marcas são uma forma de sadomasoquismo, e teve a ideia de visitar uma amiga. Aliás, devia ter tido essa ideia antes, talvez na companhia de Heather ele não pensasse tanto em Sara.

Saiu da sala sem dizer nada e Catherine suspirou.

— Você é médico, isso é normal?

— Grissom ser socialmente estranho? É, isso é normal.- ele respondeu.

— Ele não diz nada, mas… parece que ele não tem dormido muito bem.

— É a falta de Sara, com certeza.

— E ele não faz nada pra mudar isso.- balançou a cabeça abaixando-a.

“Quando minha hora chegar, esqueça os erros que eu cometi [...]

Não fique ressentida comigo quando sentir-se vazia

Mantenha-me em sua memória, esqueça todo o resto

Esquecendo toda a mágoa que você aprendeu a esconder tão bem

Fingindo que alguém pode chegar e me salvar de mim mesmo

Eu não posso ser quem você é” ― Linkin Park

~ ♥ ~

Grissom bateu na porta e esperou.

A dominatrix ouviu as batidas e foi ver quem era. Ao abrir, surpreendeu-se. Ele estava tremendo de frio e parecia perdido.

— Grissom? Por que veio aqui?

— Desculpe, eu devia ter ligado. Eu… eu não sabia que eu viria.

Heather ergueu a sobrancelha. O fato de ela estar de camisola passou batido por ele, nem percebeu.

— O que você quer?

— Eu posso entrar?

— Claro, entra.- deu espaço para que ele pudesse passar. — Há quanto tempo estava ali fora? Está tremendo.- caminharam até o meio sala.

— Não muito tempo.- ele parou de pé encostado em uma parede.

— Vou pegar uma bebida quente pra você, espera aqui.

Grissom assentiu e esperou por alguns minutos. Heather tinha acabado de fazer um chá e colocou um pouco numa caneca pra ele. Assim que lhe entregou, ele agradeceu. Enquanto Gil dava uma golada, Heather o observava.

— Quando foi a última vez que dormiu bem?

Grissom riu de nervoso sem emitir som.

— Tenho pesadelos.

Ela percebeu na hora o quanto ele estava mal, mas resolveu não falar nada sobre isso ainda.

— Como posso ajudar?

— Eu tenho um corpo…- mostrou a pasta do caso em sua mão. — Com ferimentos tipo SM, mas… há inconsistências… Eu queria ter a sua primeira impressão.

— Primeira impressão? Você mudou.- Gil sabia que ela ia perceber, mas mesmo assim ficou surpreso. —  Vem.- ela o fez segui-la.

— E como é que está indo?- ele quis saber, já que fazia um tempo não a via. A última vez foi quando a ajudou a ver a neta.

— Me formei em psicologia há um ano.- sorriu enquanto subiam as escadas. — Terapeuta licenciada. Agora tenho pacientes, não clientes.

— Deixa eu adivinhar… especialidade em terapia sexual.- sorriu e ela fez o mesmo.

— Não podia deixar esse assunto de fora, mas esse não é sempre o foco.

— Claro.- sorriu de lado. — E a Allison?

— Crescendo.- foi a vez dela sorrir ao lembrar da neta. — Ela fica comigo nas férias da escola. Jerome e eu conversamos, ele achou uma boa ideia, principalmente depois que eu parei com as sessões aqui na mansão.

— Quer dizer que fechou a masmorra?

— Fechei. Agora sou só eu e eu que mora aqui.- riu.

Heather então deu uma olhada no caso e com sua experiência o ajudou a entender tudo. Gil ficou até sem jeito numa hora que, pra explicar como funcionava o negócio da agulha, ela perguntou se podia tocar o mamilo dele por cima da camisa mesmo, só pra ele entender como era, sem malícia nenhuma, mas o contato o deixou meio desconfortável. Entre conversas sobre SM e as vítimas, com teorias, informações e evidências que trocavam com os CSI’s que investigavam longe dali, Heather tocava no assunto “Sara”. Como por exemplo:

— Sara sabe que está aqui?

Gil foi pego de surpresa pela pergunta, mas respondeu sinceramente.

— Não.

— Sou seu segredo?- sorriu discretamente.

— Não. Nem minha psicóloga.

AAAIII! QUE PATADA DELICIOSA!

Heather não disse nada e desviou o olhar dele. Voltaram ao assunto do caso até a próxima mudança de assunto quando amanheceu.

— Posso fazer uma observação pessoal?- ela se aproximou dele que estava encostado numa mesa. — Como amiga, não como terapeuta.- Grissom não viu porque não e assentiu. — Tudo o que eu disse você leria num livro. Acho que o caso foi um pretexto e que está aqui por razões pessoais.

Acertô miserávi!

Grissom nada disse e se perdeu em pensamentos desviando o olhar dela. Ele lembrou das palavras de Sara no vídeo. Heather percebeu que tinha algo errado e que o motivo era a morena, já que ele disse que ela não sabia que ele estava ali.

— Cadê a Sara?

Gil a olhou ao ouvir o nome da amada e ficou mudo por alguns segundos.

— Longe.- ele respondeu.

— Ela foi embora?- Gil assentiu com a expressão triste. — O que houve?

Gil tirou o celular do bolso, foi no email, abriu o vídeo e mostrou pra ela. Heather assistiu o vídeo inteiro calada e sorriu tristemente no final quando Sara disse que sempre o amaria.

— Eu perdi ela.- ele disse quando o vídeo acabou e doeu no coração de Heather, pois ele parecia estar sofrendo muito com isso. E no vídeo, Sara disse que estava terminando porque ele decidiu não tomar uma decisão, que ela imaginava que fosse escolher entre Sara e o CSI.

— Quando a Sara mandou o vídeo?

— Ontem.

— Então dá tempo.- Gil a olhou sem entender. — Você só vai perdê-la se você quiser que isso aconteça.- Gil desviou o olhar dela e ficou pensativo de novo. Heather segurou o braço dele e o fez sentar na poltrona atrás dela. Se aquilo não era uma sessão de terapia, então se tornaria uma. — Senta aqui.- Gil fez o que ela pediu e a olhou. Heather sentou-se sobre a mesa e começou a lhe fazer perguntas. — Ela foi embora sem te avisar ou ela disse pra onde iria?

— Ela disse. Me pediu pra ir com ela, mas eu disse que não podia.

— O que te impediu?

— Não sei, muitas coisas.

— Devoção ao trabalho? Lealdade à equipe? Medo de novo?! Você lamenta não ter ido com ela?

— Foi mais forte do que eu.

— Como?- ela pareceu confusa. Gil era confuso, difícil de entender às vezes, até mesmo pra ela. Ele não respondeu e ela suspirou. — Muitas relações terminam antes de acabar... mas ainda é uma morte. Você chora a perda, tem emoções conflitivas, mas muitas vezes a sensação é de alívio. Todos vivenciamos isso, mas ninguém aceita admitir.

— Eu não disse que a relação acabou…

— Não precisava. Não tomar uma decisão foi a sua decisão.- ele ficou calado, como se não soubesse o que fazer em relação àquilo. Não conseguia dormir, nem se concentrar no trabalho, pois era só pensar em Sara que ele se afundava num mar de dor e sofrimento. — Eu tenho um quarto de hóspedes.- Gil a olhou imediatamente. — Pode ficar quanto tempo quiser.- com certeza isso iria ajudá-lo, pelo menos a dormir um pouco.

— Obrigado.- ele agradeceu depois de alguns segundos quieto, digerindo aquela conversa.

— De nada.- ela sorriu de lado.

Catherine ligou para Gil e informou sobre a advogada do suspeito ser uma dominatrix e talvez suspeita do crime, mas não tinham provas suficientes para prosseguir com a investigação, infelizmente não tinham como encerrá-lo. Grissom disse que eles fizeram um bom trabalho e que era pra ela arquivar o caso que voltariam nele depois, e que todos podiam ir pra casa descansar que ele faria o mesmo.

Heather sorriu ao ouvir isso e quando ele desligou o telefone, ela o acompanhou até o quarto de hóspedes que falou.

— Vai ficar confortável aqui, qualquer coisa é só me chamar.- Grissom assentiu e entrou no quarto. — Tenta dormir um pouco.

Ele deitou na cama de costas pra porta onde Heather o observava e suspirou. A terapeuta resolveu deixá-lo sozinho e ia sair do quarto quando o ouviu chamá-la.

— Heather…- ela parou. — Você quer ficar?

Heather respirou fundo e fechou a porta, ficando com ele no quarto. Foi até a cama e deitou atrás dele, encostando a cabeça em seu ombro tentando olhar pro rosto dele de relance. Acariciou seu cabelo e Gil fechou os olhos.

— Acha que ficando comigo vai esquecer a Sara, Gil?- ele suspirou. — Isso não vai acontecer. Você está triste e carente, a solução não é essa…- dizia carinhosamente e ficaram em silêncio por alguns minutos. Heather voltou a falar depois. — Você tem que pensar… São duas coisas que você ama. Seu emprego: toda essa coisa de decifrar enigmas e montar quebra-cabeças. E a Sara: a mulher que seu coração escolheu pra amar. Na vida precisamos fazer sacrifícios e você tem uma escolha. Deixar o trabalho por ela, ou deixar ela pelo trabalho.

Gil fechou os olhos com força sentindo os olhos arderem. Era um sacrifício e tanto.

— Pensa: o que é mais importante pra você? O que você não conseguiria viver sem? Ela ou o trabalho?

— Ela.- respondeu quase num sussurro, sentindo uma lágrima quente percorrer seu rosto.

— Então sabe o que fazer.- sorriu de lado.

— É...

Gil se virou e ficou de frente pra ela. Abraçou sua cintura e se aconchegou em seu colo.

— Pode ficar aqui até eu dormir?

— Posso.- sorriu de lado novamente por ele não ter tido vergonha em pedir isso e voltou a acariciar o cabelo dele. — Sabe onde ela está e pra onde ela vai, Gil. Tome a decisão.

“A gente só queria amar e amar e hoje eu tenho certeza

A nossa história não termina agora

Pois essa tempestade um dia vai acabar” ― Ivete Sangalo