Projeto CALIPSO escrita por Neve de Verão


Capítulo 3
They've got the kingdom locked up


Notas iniciais do capítulo

Fiquei com ciúme e cá estou eu. Explicações nas notas finais.



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A televisão apagou-se assim que o urso terminou de falar, fazendo o quarto afundar-se num silêncio constrangedor. Ryuu estava irritado. Já era difícil ter de se separar de seu bar para estudar, mas ser preso num local desconhecido por uma instituição que supostamente deveria educá-lo era um extra que ele não esperava ter de lidar. Com dificuldade, procurava normalizar a respiração e continha-se ao máximo para não socar alguma coisa.

— Ei, Ryuu-kun — Hatsu chamou, soando preocupada. — Está tudo bem?

Ao direcionar o olhar para os nós esbranquiçados de seus dedos, constatou que não estava sendo tão eficaz em seu autocontrole. Com um suspiro pesado, colocou no rosto o sorriso mais comedido que conseguiu e decidiu-se por tomar um ar.

— Claro — respondeu, e julgou pelo retorno da expressão alegre ao rosto de Hatsu que estava no caminho certo. — Vou dar uma volta e conhecer melhor esse lugar.

— I-N-C-R-Í-V-E-L! Incrível! — A líder de torcida esticou todo o corpo num salto, o sorriso tão largo que poderia lhe rasgar a cara. — Eu estava mesmo precisando dar uma esticada nas pernas, então irei lhe acompanhar. Então, vamos?

Hatsu saltitara para fora do quarto e esperara-lhe no batente da porta com um sorriso. Antes de segui-la, pegou o cartão de estudante — que estava em cima da escrivaninha, como informado por Lyo —, pois pensava que poderia ser útil. Mesmo que não estivesse esperando ter companhia em sua exploração, Ryuu reconhecia que a energia e vivacidade de Hatsu eram agradabilíssimas, melhorando seu humor melhor do que faria qualquer outra coisa. Reparara que o castelo era composto de infindos corredores de carpete carmesim e janelões que davam vista para o que pareciam ser jardins, mas pouco dava para se distinguir através da névoa pesada. Em algum ponto, eles deram com uma porta de madeira com uma plaqueta de ouro com os dizeres “depósito” e um dispositivo eletrônico ao lado.

— Está trancada — afirmou Ryuu, ao torcer em vão a maçaneta. Tentou forçá-la, mas não obteve êxito. Crispou os lábios depois de mais tentativas falhas.

— O cartão de estudante. Tente usá-lo — sugeriu a líder de torcida, apontando para a tela azul do dispositivo entusiasticamente.

A ideia de Hatsu era inteligente, e foi a que os levou a destrancar a porta, revelando uma miscelânea de itens das mais variadas funções. Iam desde garrafas de água mineral e conservas até vassouras e cordas, todos organizados em seções específicas e impecavelmente arrumados em seus lugares. Quem quer que tenha organizado aquilo tinha um caso grave de TOC.

Ryuu tinha certeza que tal pessoa ficaria encantada de ver o quão alinhado e simétrico era o terno e toda a figura do rapaz que examinava uma lata de sardinhas. A postura impecável, o cabelo negro brilhante e até as unhas bem feitas contribuíam engrandecer sua figura, tornando-o aparentemente superior ao barista, ainda que alguns centímetros lhe tornassem mais baixo. Ryuu aproximou-se um passo para falar-lhe, mas o rapaz pronunciou-se primeiro:

— Olá, senhor, senhorita — cumprimentou-os com um sorriso tão educado no rosto que não parecia minimamente natural. A voz era calma, mas não perdia a firmeza em nenhum momento. — Presumo que estamos na mesma situação, não? Creio que seria conveniente apresentarmo-nos, nesse caso. Sou Kirio Kamukura, Super High School Level Diplomat.

KIRIO KAMUKURA — SUPER HIGH SCHOOL LEVEL DIPLOMAT

Chiasa contara-lhe que Kamukura era descendente do fundador de Hope’s Peak, mas trilhou seu caminho pela política — ainda que suas propostas tivessem uma inclinação à Pedagogia. Diziam que, aos doze anos, Kamukura convencera o prefeito de sua cidade a representá-lo numa reunião diplomática sobre a questão das escolas. Ainda que todos achassem um absurdo estarem discutindo propostas importantíssimas com uma criança, não puderam negar que o rapaz era incrivelmente bom naquilo. Desde então, ele fora convocado para delegar em nome do país em várias outras ocasiões.

— Oh. Meu. Deus. Não acredito, é você mesmo! — A líder de torcida saltitou até o rapaz, o perfeitíssimo cabelo dourado balançando para lá e para cá hipnoticamente. — Meu nome é Michiko Hatsu, Super High School Level Cheerleader e eu A-D-O-R-O o seu trabalho. Muito mesmo! Se não fosse você, provavelmente Hope’s Peak teria de fechar quando o governo quis cortar os investimentos. E então não teríamos a chance de estudarmos em Hope’s Peak, porque ela estaria F-E-C-H-A-D-A...

— Não é como se nós estivéssemos estudando, estando presos aqui — Ryuu pontuou, estudando as prateleiras abarrotadas do depósito. — Ryuu Fujiwara — apresentou-se, estendendo a mão.

— Oh, o rapaz do bar, não é? — Kamukura sorriu-lhe mais docemente do que o habitual, e o barista podia prever que um pedido seria proferido. — Provavelmente o senhor deve ter mais experiência que eu com esse tipo de produto. — Estendeu-lhe a lata de sardinha que até então segurava. — Procurei por toda a embalagem, todavia não é acusada a data de validade. Como não temos total visão da nossa situação, imagino que seja válido procurarmos por tudo que nos ajudará a sobreviver.

— Não posso ajudar — Ryuu respondeu, com aspereza. Sentia-se ofendido por ousarem diminuir seu bar a um mero boteco de esquina. — Não trabalho com enlatados, apenas com alimentos frescos.

O diplomata exprimiu um pequeno “oh” constrangido e um sorriso amarelo. Chegou a abrir a boca — quiçá para pedir desculpas, quiçá para se justificar —, mas um sonoro “upupu” e um ruído surdo de metal batendo no chão impediram-no de falar qualquer coisa. O culpado pela interrupção era o urso que outrora aparecera na televisão anunciando sua prisão. Certo, a possibilidade de aquela coisa ser apenas uma animação de computador era nula, uma vez que o famigerado Monokuma desfilava a sua frente feito miss.

— Não precisa se preocupar, Kirio-kun. — O urso chacoalhou a pata para eles, despreocupadamente. Sua voz inumana irritava os ouvidos de Ryuu. — Todos os alimentos aqui nessa ilha são capazes de durar décadas sem estragar, graças à magia da Química. Não é lindo? Não precisam se preocupar com comida, sério. Tanta coisa mais legal pra ver por aqui... Tipo aquelas cordinhas lá, ó, dá pra você enforcar alguém facilzinho com elas. Ou aqueles sacos de areia! Se caírem na cabeça de alguém, fazem um estrago!

— Tá bom, amigo, agora dá pra parar de falar essas merdas e dizer o que você fez? — Ryuu finalmente perdeu a paciência e pegou o urso por suas axilas, erguendo-o ao nível de seus olhos. — Primeiro prende a gente, depois vem com esse papo estranho de enforcar. O que você quer?

— Upupu... Você é tão impaciente, Ryuu-kun, querendo saber os spoilers dos próximos capítulos... Tsc, tsc... Chiasa-chan nunca te disse que se não esperar o café esfriar, você queima a língua? — E requebrando seu corpo gorducho, Monokuma conseguiu se desvencilhar do aperto do barista, que ficou estático com a menção a irmã. — Bem, eventualmente as coisas serão explicadas, se vocês esperarem. Se não se importam, tenho mais o que fazer. Beijos.

Monokuma desapareceu entre as prateleiras com um rebolado que faria inveja nas melhores dançarinas, deixando os três adolescentes parados com cara de tacho. Um urso estranho e um castelo desconhecido. Que ótima maneira de começar o ano letivo. Sabia que seria grosseiro abandonar os dois recém-conhecidos colegas ali, mas Ryuu precisava de um tempo sozinho. Murmurou alguma escusa qualquer para os dois e saiu do depósito sem olhar para trás.

As têmporas latejantes imploravam por um remédio. Lembrava-se de um símbolo de cruz quando checara o mapa de seu cartão de estudante. Com sorte, naquele lugar teriam comprimidos para dor de cabeça.

O mapa era confuso, mas ao fim de alguns minutos o deixou em uma sala branquíssima, com armários de vidro abarrotados de remédios ao fundo e algumas macas que pareciam pouco confortáveis. Também tinha ali uma bancada com papéis meticulosamente organizados com gavetas e um frigobar embaixo. A alvura da sala magoava seus olhos, de maneira a ter de piscar por umas três vezes para se acostumar. Foi na segunda piscada que reparara no rapaz a procurar alguma coisa num dos armários. Certamente aquele garoto tão pálido poderia passar por parte da paisagem não fosse pelo verde absurdamente vivo de seus olhos. Os cabelos prateados caíam de qualquer modo em sua testa, sendo o único ponto que destoava da postura alinhada de suas roupas sociais e de seu jaleco branco, que escondiam o corpo magricela. Mesmo que não estivesse com muita paciência para relações interpessoais naquele momento, Ryuu pôs um sorriso na cara e foi falar com o rapaz, pois seria muito insensível simplesmente ignorá-lo.

— Olá — cumprimentou-o, enquanto se escorava no armário. — Então, só acordou aqui do nada também?

— Sim. — E ele abriu um vidro de remédios, tirando alguns comprimidos e engolindo-os a seco. — Todos com quem conversei disseram o mesmo. Suponho que estamos todos na mesma situação. E se eu fosse você, não encostaria aí. A julgar pela sua posição e pela falta de pregos no armário, caso o vidro partisse, você estaria com uma viga de metal perfurando-o no estômago, atingindo o hilo esplênico e causando um hemoperitônio gravíssimo.

— Perdão?

— Você iria sangrar muito e teria problemas — resumiu o rapaz, com um tom sóbrio.

Pensando ser melhor não arriscar, Ryuu se afastou do armário. Contudo, assim que o fez, uma dor insuportável martelou em sua cabeça, fazendo-o perder o equilíbrio, e partindo o vidro do armário em seu braço ao tentar se apoiar. Ryuu sentiu ainda seu corpo desfalecer em cima do outro garoto antes de tudo se tornar breu.

⚜⚜⚜

A visão estava turva ao primeiro momento, mas logo um rosto conhecido foi focado. Os olhos cor de grama estavam sérios atrás das lentes e ele parecia estar demasiado concentrado em ouvir seus batimentos cardíacos pelo estetoscópio.

— Kazuo — murmurou baixinho o barista, fazendo o rapaz que o examinava ter um sobressalto.

— Como você sabe meu nome? — As palavras foram sopradas e Ryuu certamente não ouviria se não estivessem sozinhos na sala.

— Eu não sei — ele respondeu, e pareceu sincero. Nos ouvidos do médico, os batimentos cardíacos concordavam. — Talvez eu seja psíquico — brincou.

— Deve ter alguma explicação melhor que essa, eu tenho certeza. — rebateu imediatamente, ajeitando os óculos na ponte do nariz. — De qualquer maneira, de fato me chamo Kazuo. Kazuo Ishida. E você, quem é?

KAZUO ISHIDA — SUPER HIGH SCHOOL LEVEL DOCTOR

Ishida era simplesmente um dos melhores médicos do país e, na ausência de seus pais, dono do mais renomado hospital privado do Japão. Desde pequeno o rapaz já estava envolvido na correria do pronto-socorro e ajudava sempre que possível seus respeitáveis pais. Diziam inclusive que Ishida sabia mais do que alguns especialistas em suas respectivas áreas.

— Fujiwara. Ryuu Fujiwara. — A maca dura em que estava deitado já deixava suas costas doloridas, então o barista tentou sentar-se. Contudo, quando usou os braços de apoio, sentiu-os retesar de dor, só então reparando nas bandagens que o envolviam. Se não fosse o médico lhe segurando, Ryuu provavelmente cairia de volta na maca. — Obrigado.

— Não foi nada demais. Apenas alguns curativos — Ishida disse com seriedade, com a mão ainda de apoio nas costas de Ryuu. O barista ainda sustentou o olhar do médico por alguns segundos, mas o outro só se deu por satisfeito quando um pequeno movimento de seus dedos em sua espinha lhe tirou um suspiro abafado. Ishida se afastou murmurando alguns jargões médicos que Ryuu não compreendia e foi embora depois de uma despedida seca. “Cara estranho”, Ryuu pensou, sorrindo para si mesmo enquanto analisava o curativo feito com maestria.

Levantou-se com calma, evitando movimentar seu braço com medo de sentir fisgadas de dor novamente. Lentamente tomou seu caminho. Depois de descer uma escada e atravessar uns corredores, Ryuu desembocou numa sala enorme com uma mesa que ia quase de uma ponta a outra. Pela quantidade de cadeiras, certamente mais de cinquenta pessoas poderiam comer ali. Era definitivamente uma sala de jantar digna de um castelo daquele tamanho. A sala tinha duas entradas — uma pela qual ele entrara e outra na frente da outra extremidade da mesa — e próxima à entrada de Ryuu, estava uma porta discreta de madeira. Estava prestes a abri-la quando alguém lhe chamou a atenção.

— Ei, idiota — chamou uma voz masculina ligeiramente irritante. — Quem é você?

O dono na voz era um moleque franzino e baixinho, de cabelos muito brancos e pele quase esverdeada de tanta falta de sol. Os fones de ouvido enormes em seu pescoço deixavam escapar um solo de guitarra escandaloso que irritavam tanto Ryuu quanto a postura pedante do garoto. Mas o barista se recusava a descer àquele nível.

— Ryuu Fujiwara — respondeu, colocando sua pior carranca de desagrado para intimidar o garoto. — E você?

O garoto de cabelos brancos não diminuiu seu sorriso cínico nem por um milímetro.

— Não tô a fim de responder não. Dá teu jeito e descobre aí. — E deitou sua cabeça de volta na mesa.

“Que moleque idiota”, pensou Ryuu, enquanto virava a maçaneta da portinha. O barista logo descobriu que se tratava de uma cozinha. O piso era em azulejos pretos e brancos, parecendo um tabuleiro de xadrez. Também estavam lá duas geladeiras, uma pia e uma secadora de louças. Todos os aparelhos pareciam ser de última geração e inclusive destoavam um bocado do resto do castelo. Também destoava de toda aquela tecnologia o garoto sardento de roupas gastas e cabelos castanhos, que tentava em vão virar uma omelete.

— Olá — cumprimentou-o. — Quer ajuda aí?

— Oh? Olá, olá! Quero sim, valeu. — A voz do garoto parecia muito aguda e tinha um sotaque fortíssimo, mas ele logo deu espaço para Ryuu pegar na panela e virar a omelete antes de ela queimar. Enquanto o outro lado dourava, o garoto afastara uma mecha da franja, que cobria seu olho direito. — Então, qual é o seu nome?

— Ryuu Fujiwara.

— Ah, eu já fui ao seu bar uma vez! — Ele disse, com um sorriso larguíssimo. — Eu adorei seu cappuccino! Meu nome é Hanna, é um prazer conhecê-lo!

HANNA BONNER — SUPER HIGH SCHOOL LEVEL FENCER 

Mesmo que tenha nascido no Canadá, Hanna já se naturalizara japonesa e inclusive já representara o país em competições internacionais. E ela era muito boa no que fazia. Hanna ganhara todas as várias competições que participara, derrotando todos os adversários, independente de idade, gênero ou experiência. E, oh, ela era uma garota também.

— Igualmente. Aqui está. — Ryuu entregou um prato com a omelete para a esgrimista, mas ao invés de simplesmente pegá-lo, ela abraçou-o com força para agradecê-lo. Se não fosse o equilíbrio do barista, a louça já teria se espatifado no chão.

— Hehe, desculpa aí — Hanna murmurou, finalmente largando-o.

Então, saíram da cozinha, para encontrar o irritante garoto albino jogado na elegante cadeira, com os pés apoiados em outra, sujando o sofisticado acolchoado carmim com aqueles Converse sujos de lama.

— Oh, esse aqui é o Aaron — comentou a garota, com um sorriso largo. — Ele pode ser meio grosso, mas sempre fala a verdade!

AARON ALCHEMIST — SUPER HIGH SCHOOL LEVEL HACKER

Ele era um total mistério para Ryuu. No site oficial de Hope’s Peak, nada dizia na página de Aaron Alchemist além de seu nome, sua idade e uma edição de uma foto sua com os dizeres “British babe was here” em carmim.

Aaron nada respondeu, concentrado demais no heavy metal que soava em seus ouvidos. O barista concordava plenamente com a parte da grosseria.

— Aaroooooon — cantarolou a esgrimista, tirando um dos fones do ouvido do rapaz e colocando o prato com a omelete a sua frente. — Tá prontooooo!

— Já não te falei que isso é irritante? Fones de ouvido são sagrados, não devem ser arrancados assim, idiota.

Ryuu estava prestes a defender a estrangeira da grosseria daquele moleque, quando ela própria se manifestou antes de qualquer coisa.

— Oh, desculpa! — Hanna colocou a mão na boca, os olhos claros arregalados. — Não se preocupe, não vai se repetir. Eu vou ser uma boa pessoa, você vai ver — disse ela, com determinação.

— Tanto faz — murmurou Aaron, revirando os olhos e pausando a música em seu MP3. — Ah, você de novo. Descobriu meu nome? — Colocou os fones no pescoço, com um sorriso debochado.

— Aaron. — O barista cruzou os braços. — Ainda não entendi o motivo de tanto mistério. Se bem me lembro, nem mesmo seu título se encontra disponível.

— Achei que estivesse óbvio. Tão bonito e tão burro… — lamentou-se o rapaz, com um sorriso cínico. — Eu sou um hacker. A postagem no site de Hope’s Peak estava programada, então tive tempo de ver o que eles iriam dizer. Quando vi que eles estavam sabendo demais da minha vida, eu alterei os dados todos.

Enquanto Ryuu tentava digerir a impressionante história do hacker, Aaron surpreendia-se com a incrivelmente bem-feita omelete a sua frente.

— Não esperava que soubesse cozinhar, Hanna — murmurou o garoto, entre uma garfada e outra.

— E não sei — respondeu a esgrimista com um sorriso largo. — Foi o Ryuu que fez.

— E é prendado, o bonitão — comentou debochadamente.

Ryuu não sabia se agradecia pelo elogio ou se ficava ofendido pelo modo que Aaron falava. No fim, decidiu-se por ignorá-lo e foi ver o que mais tinha naquela sala de jantar. Perto de uma armadura negra, tinha uma dispensa é uma geladeira.

A dispensa estava cheia: biscoitos, sacos de farinha, de açúcar e qualquer outro ingrediente imaginável. Abrindo alguns dos potes, Ryuu identificou vários tipos de pimenta e — o mais importante — infindos potes de café. O barista reconheceu imediatamente todos os tipos de grãos diferentes ali guardados. Contudo, o que mais lhe chamou a atenção foi uma embalagem na forma do estranho urso preto e branco. Curioso com o que poderia ser, Ryuu pegou-a e abriu a tampa, revelando estar cheia de mel. Mas antes que Ryuu poder sequer experimentar, um grito estridente cortou o ar.

— Nananinanão! — Monokuma irrompeu pela porta, impulsionando-se no chão e voando na direção do barista, pegando o pote e aterrissando alguns metros à frente numa charmosa cambalhota. — O meu mel não, sai, chispa daqui! — Chacoalhou a pata, abraçando o mel possessivamente com um olhar ameaçador.

En garde! — Hanna deu um salto para trás, sacando o florete da bainha na cintura. Porém, quando viu o que era o seu inimigo, sorriu envergonhada. — Oh, que bonitinho o ursinho de pelúcia. Desculpa aí pelo susto.

— Ursinho de pelúcia de cu é rola, eu sou o Monokuma — respondeu, desagradado.

— Eh. Você de novo? — Aaron abriu um sorriso sardônico. — E o que o ursinho de pelúcia — fez questão de frisar o apelido — veio fazer aqui?

— Vim só proteger o que é meu — defendeu-se. — E se vier de abuso de novo, eu te estraçalho todo.

— Duvido, ursinho — desdenhou o hacker entre risos. — Eu sei que você me ama, que me quer, que precisa de mim.

— Duvida, é?

Ryuu mal teve tempo para processar o que aconteceu. Num segundo, eram só provocações bestas entre dois crianções. No outro, Monokuma tinha uma metralhadora tirada de lugar nenhum e saia atirando para todos os lados. Ryuu, prezando por sua vida, enfiou-se na primeira porta e se afastou dali, sob o fundo instrumental de tiroteio. Encantador, Ryuu pensou.

A porta pela qual ele saiu dava para uma estradinha de terra aparentemente úmida, com o caminho muito bem delimitado entre a grama bem cuidada. Já que estava sem nada melhor para fazer, o barista resolveu segui-la.

A partir de um certo ponto, as copas das árvores ficavam mais espessas e quase nenhuma luz passava por suas folhas. O clima era assustador, visto que de tempos em tempos uns barulhos estranhos ecoavam das sombras. Apesar de tudo, Ryuu continuava em frente, até uma gata da raça sphynx aparecer na sua frente como um fantasma.

Os olhos róseos não piscavam nunca e tampouco se mexia o corpo despelado. Ryuu e ela se encararam em silêncio por um tempo, antes que a felina miasse baixinho e seguisse seu caminho como nada tivesse acontecido. Tomado pela curiosidade, seguiu-a, mas acabou tropeçando no corpo de uma garota jogado ao chão. A gata parou para encará-lo em sua degradante situação antes de seguir seu caminho, espremendo-se para passar por uma cerca com os dizeres “passagem proibida” em letras garrafais.

— Mas que porra?

— Então, é muito mais fácil ignorar tudo e continuar vivendo sua vida, sabe? — A voz feminina disse, os olhos fixados em algum ponto nas árvores.

— Está falando comigo? — Ryuu perguntou, confuso.

— Não, estava falando com as vozes — respondeu com a mesma tranquilidade de quem dizia que comeu brioches no café.

“Claro”, pensou Ryuu, ponderando como caralhos ele foi chegar naquela situação com aquela louca. Quando ela se ajeitou no chão para responder-lhe, o rosto ficou numa posição favorável de iluminação. Os cabelos verdes caiam até a altura da cintura, desgrenhados e assanhados, e ela usava várias camadas de casacos e um cachecol, mesmo que não se mostrasse tão frio.

— Certo. De qualquer maneira, tenho uma impressão de já ter te visto antes — comentou Ryuu, estreitando os olhos escuros para ela. — Você não é aquela garota que fazia shows e cuidava dos animais no zoológico?

— Akira Sasaki, sim — confirmou, com um sorriso educado.

AKIRA SASAKI — SUPER HIGH SCHOOL LEVEL TAMER

Quando pequeno, os pais de Ryuu e Chiasa levavam-nos para o zoo, o lugar preferido dos dois na vida. Ele lembrava-se muito bem de uma foto em sua casa em que ele e sua irmã brincavam de trançar a juba de um leão jogado preguiçosamente em sua jaula. Tinha uma menina mais ou menos da sua idade que conseguia fazer com que a maior das feras ficasse calma o suficiente para qualquer um acariciá-la com segurança.

— Meu nome é Ryuu Fujiwara. Devo agradecer-lhe por ter permitido as melhores memórias da minha vida — comentou Ryuu, com um sorriso polido. — Não tem medo de ser atacada?

— Eles são meus amigos, por que me atacariam? — Ao longe, um miado fez-se ouvir e a gata despelada pulou para o colo de Akira. — Ah, você voltou, Marisa Cristina. Senti sua falta.

— Oh. Então ela é sua?

— Sim. Marisa é minha melhor amiga, você vê. — Acariciou entre as orelhas da gata, que ronronou satisfeita. — Animais são bem mais fáceis de lidar que humanos, você sabe. Eu sei disso desde criança, quando os animais começaram a....

Ryuu esperou pacientemente a domadora prosseguir, mas ela apenas ficou brincando com as rugas do pescoço de Marisa Cristina. Intrigado, o barista incentivou-a: — Como dizia?

— Perdão?

— Você estava dizendo alguma coisa.

— Ah, sim. Mas sinto muito, já não lembro. — Quando a gata resolveu sair de seu colo, Sasaki aproveitou para se espreguiçar. — De qualquer modo, vou voltar a meu quarto no castelo. Estamos presos aqui mesmo.

— Não se importa de ficar presa aqui?

— Nah, não é nada demais. Se eu e Marisa ficarmos bem, não tem problemas. É até uma situação engraçada, se você parar para pensar, ficar preso com um bando de pessoas desconhecidas.

Ryuu quase deu uma resposta malcriada só pelo fato de sentir saudade de seu bar, mas controlou-se e apenas murmurou um “se você diz” e seguiu-a de volta para o castelo. Em certo ponto da viagem, a gata da domadora manteve-se miando e arranhando a barra de sua calça insistentemente.

— Ela está mandando você levá-la no colo — disse Sasaki, vendo as ações da gata com um sorriso admirado. — E que você é um escravo insolente.

— O que...?

Marisa Cristina continuou arranhando sua calça e miando incessantemente, até que Ryuu finalmente se rendeu e pegou a gata no colo, sendo acalentado por sua pele quentinha. Marisa Cristina ficou soberbamente quieta em seus braços, descansando suas preguiçosas patas até chegarem ao castelo. Novamente de frente a porta da cozinha, ela pulou dos braços do barista para os de sua dona, que seguiu em direção aos quartos. Ryuu suspirou pesadamente, pensando no que poderia fazer agora.


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Notas finais do capítulo

Porque eu fiquei com um puta recalque da Du e vim postar aqui também. Acontece. O motivo? Isso aqui:

https://spiritfanfics.com/historia/the-blind-mountains-8112416

Essa quenga já postou até fic nova e eu nem atualizei o capítulo. Aí fiquei com ciúme e postei também, simples e fácil. Provavelmente vocês já conhecem Regresso (porque é uma fic fodona e todo o mundo leu aquilo mesmo sem ter personagem). Ela postou essa fic nova no Spirit e seria muito bom que vocês acompanhassem ela por lá também. A fic só tem um capítulo, mas meu cu já trancou só com o primeiro parágrafo. Sério, leiam.

Mas agora falando sério: eu já tinha o capítulo pronto há um bom tempo, mas ele estava separado porque o meu computador bugou e eu perdi o que seria a primeira parte antes mesmo de terminar todo o capítulo. Então, tive que continuar escrevendo no Google Drive (que eu só descobri que existia depois, cof cof) e só agora, com meu computador devidamente consertado, que pude juntar as duas partes e postar. Desculpa mesmo por esse tempo todo de demora, sério. Não queria que fosse assim, mas tenham certeza de que mesmo que eu demore séculos, a história será concluída. Então, só peço que não desistam de mim.

Além disso, finalmente consegui concluir as vagas~ Infelizmente tinha mais ficha do que vaga e infelizmente tive que escolher apenas duas e foi FUCKING DIFÍCIL. PORRA, SÓ ME FODO. Mas é, eu sinto muito se sua ficha não foi aceita, mas espero que não desanime da fic por isso. Sério, vai ser legal de ler~

E SÓ MAIS UMA COISA, CHUPEM SUAS PIRANHAS. EU SEI QUE VOCÊS SABEM MUITO BEM QUE SÃO VOCÊS MESMAS. DISSERAM QUE EU NÃO IA CONSEGUIR E EU TÔ AQUI. CHUUUUUPAAAAA~