Teoria do caos escrita por Angelina Dourado


Capítulo 10
Antes da Queda - Capítulo Nove


Notas iniciais do capítulo

Bem atrasada, mas ainda é domingo! Então tá valendo, eu acho ;p
Capítulo cheio de feels! Junto com algumas respostas e o surgimento de mais perguntas!
Boa leitura!



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Semi Serif tinha um arsenal de discos antigos espetacular, fruto dos seus anos os procurando no lixão. Atualmente estavam todos em uma caixa velha e mofada, até então nos fundos de um armário praticamente esquecido. Os irmãos não entendiam o que eram aqueles estranhos discos negros, mas achavam interessante observar as capas de estilos tão diferentes, com diversos humanos estranhos estampados em grande parte delas.

— Pra que será que servem essas coisas? – Papyrus se perguntou girando um dos discos como se fosse um peão, ele rodopiou por alguns segundos até permanecer novamente parado no chão, estava todo riscado. Sans não respondeu, escorava o rosto em uma das mãos enquanto com o dedo fazia movimentos circulares em um dos discos, seu olhar estava distante e por um bom tempo não pronunciou uma única palavra. Andava muito silencioso aqueles dias.

— O que disse Sans? – Questionou ao ouvir o irmão murmurar algo baixo demais para poder entender. Sans levantou um pouco os olhos em sua direção, parecia desanimado, com o olhar opaco e sem vida.

— Eu não enxergo mais. – Respondeu Sans um pouco mais alto, encolhendo-se em seguida e pondo a mão no olho esquerdo tapando-o. – Se eu fizer assim é como se estivesse de olhos fechados. Meu olho direito está cego, não vejo mais nada, é estranho demais ver tudo só com o esquerdo.

— Sans eu... – Papyrus não sabia ao certo o que dizer, afinal como poderia acalmar o irmão naquela situação? Era visível o quanto Sans se tornara mais recluso desde o experimento, seu ânimo se esvaíra e parecia ter medo de tudo, evitava Gaster o máximo que podia – o que não era difícil já que o doutor mal aparecia para vê-los -, parecia mais distraído e preguiçoso do que o normal, não queria mais treinar os seus ataques. Essa brusca mudança de comportamento preocupava Papyrus que tentava ao máximo reverter à situação, mas era respondido sempre da mesma forma por Sans que tentava convencê-lo de que estava bem, mesmo quando suas atitudes mostravam o contrário.

 - Desculpe, não quero te preocupar. – Sans deu um pequeno sorriso, fraco e forçado, desviando o olhar de Papyrus que o olhava alarmado. Era sempre assim, o mais velho sempre tentava tirar a atenção que lhe era dada. – Não sei por que eu falei isso, eu estou ossótimo. Esquece o que eu disse.

— Não, você não está. – Papyrus disse de maneira firme e surpreendentemente doce, fazendo com que o irmão o olhasse. – Eu quero ver você feliz Sans, mas você não está. Por favor, me diz o que eu tenho que fazer pra te ver assim de novo.

— Não precisa fazer nada Paps, eu vou ficar bem! Só preciso de um tempo e... – Sans tentou retrucar, mas foi impedido de continuar quando sentiu sua boca ser tapada pela mão de Papyrus. O mais novo o encarava com os olhos franzidos, não estando nada satisfeito com o estado de Sans. Naquele momento Papyrus parecia uma espécie de mãe mandona.

— Você e suas desculpas! Não aguento mais! – Em seguida Papyrus pegou o pulso de Sans, obrigando-o a se levantar e segui-lo para algum lugar. O puxava de maneira firme, demonstrando que realmente era para ser levado a sério. – Vou dar um jeito nisso com você querendo ou não.

— O que está fazendo Papyrus?! – Perguntou alarmado e o irmão lhe olhou de canto com um singelo sorriso no rosto, sendo levado tão facilmente como soprar uma pena, leve e frágil.

— Nem tente me impedir! NYEH!

Papyrus o levara para fora do laboratório e apesar da ação inesperada Sans não contestou, sabia que não seria capaz de impedi-lo sem usar a força física, e seu animo se esvaíra o bastante para não considerar qualquer tipo de esforço. Assim apenas deixou que o irmão o levasse para além de Hotland, se perguntando como Papyrus saberia de alguma coisa fora dali interessante para fazerem, afinal raramente saíam de casa e de nada sabiam do mundo fora do laboratório.

— Você sabe para onde estamos indo? – Perguntou um tanto inseguro ao perceber que já estavam andando há muito tempo, queria descansar por conta das pernas doloridas, porém Papyrus era incansável demais e parecia determinado a logo chegar ao misterioso lugar, não soltando seu braço uma única vez.

— Mais ou menos, só sei que é só seguir em frente! – Papyrus respondeu confiante demais para uma frase tão incerta, bem típico dele. Mas realmente ambos quase não viraram nenhuma rua, apenas seguindo em frente como se uma linha reta invisível os guiasse.

A paisagem quente e mecânica começara diminuir, seguindo uma visão de rochas e pedras, os dois irmãos logo se viram adentrando no que parecia ser uma enorme caverna repleta de estalactites. Aquele lugar fazia-os lembrar de que estavam presos no subsolo, trancados eternamente distantes da superfície e jamais capazes de verem a luz do sol, as rochas eram a enorme lembrança do resultado sombrio da guerra.

Sans perguntava-se o porquê de Papyrus achar que aquele lugar o faria se sentir melhor, afinal com aqueles pensamentos melancólicos lhe percorrendo mostrava que era bem o contrário. Logo viu que diversas flores azuis e fluorescentes começavam a aparecer aqui e ali, emitindo sussurros esquisitos e que lhe chamavam a atenção, não demorou muito para se ver repleto delas, em um verdadeiro jardim que se estendia por toda a região, seus sussurros se tornando incompreensíveis por tamanho o tumulto que tantas delas provocavam.

— Sans olha! – Gritou de repente Papyrus enquanto apontava para cima, ao erguer o rosto ele pode ver a coisa mais bela e impressionante que já vira. O teto era um conjunto de rochas negras e arroxeadas que se agrupavam em suaves ondas, com centenas de cristais pregados em diversos pontos, alguns maiores e menores que outros, porém todos emitiam um brilho chamativo com suas luzes formando desenhos abstratos e inspiradores, todo aquele ambiente não precisava de nenhuma outra fonte de luz, era banhado pela luz cristalina das pedras. Era tão bonito que os irmãos tinham a impressão que seu brilho podia ser ouvido, tilintando enquanto piscavam.

Uau. – Sans suspirou com aquela visão, seus olhos brilhando com o reflexo dos cristais.

— Eu saia que você ia gostar! Isso não é incrível?! – Papyrus estava animado, olhava para o teto com um gigantesco sorriso no rosto. Maravilhado com tudo aquilo e orgulhoso do seu feito, havia feito o irmão sorrir de maneira verdadeira depois de dias de pura melancolia, sentia-se um verdadeiro herói!

— Como você soube disso Paps? – Perguntou Sans e o mais novo ao notar seu interesse imediatamente voltou sua atenção ao irmão, com olhos brilhando de orgulho e felicidade.

— Lembra há uns anos atrás quando fomos à biblioteca real? – Papyrus indagou e o mais velho assentiu. – Eu tinha lido um livro onde falava sobre aqui, tinha um mapa junto também! Parecia que era só ficar vindo em linha reta, e não é que deu certo?! Pra chegar aos lugares só precisamos ir pra frente e prá trás pelo jeito! Mas eu acabei deixando isso meio de lado apesar de achar legal, e quando te vi meio assim pra baixo logo me lembrei daqui... Por isso te trouxe!

— Por que achou que este seria um bom lugar pra mim? – Sans questionou curioso e Papyrus pareceu ficar ainda mais animado com a pergunta, mostrando que queria aprofundar mais a explicação. O mais velho frequentemente se impressionava com seu irmãozinho, Papyrus era alguém cheio de surpresas e sempre tinha algo novo para mostrar, afinal Sans nunca imaginara que Papyrus tivesse uma memória tão boa ao ponto de se lembrar daquilo!

— Ah, é que o livro também dizia que quando nós vivíamos na superfície, fazíamos pedidos para as estrelas que pelo que entendi são uns pontinhos brilhantes no céu!Mas agora aqui em baixo não tem mais nenhum céu para fazermos pedidos, mas temos esse lugar que dizem ser muito parecido com as estrelas.

Sans permaneceu em silêncio, apenas admirando aquela vista. Em um dado momento ele e o irmão deitaram-se em cima daquele jardim de flores azuladas, enquanto elas ecoavam diversas frases, sendo eles diversos pedidos feitos por monstros esperançosos. Todos sussurrados com o mesmo tom de expectativa, pedindo àquelas estrelas de cristais para que um dia possam retornar a ver o brilho das da superfície. Mas será que pedidos tão verdadeiros pudessem ser atendidos por falsas estrelas? Mesmo com essas questões rondando sua mente, Sans deixara-se ser levado por aquele ambiente sereno e deixando sua mente limpa.

— Vai fazer algum pedido Sans? – Papyrus indagou, não tirando os olhos do teto da caverna, hipnotizado com seu brilho.

— Hm... Não sei. Faz você primeiro, vou pensar em algum.

— Ta bem! – Papyrus determinado franziu os olhos, se concentrando ao máximo para fazer o pedido. – Eu quero que Gaster pare de fazer esse projeto dele, assim vai voltar a ser como antes. Talvez até melhor! Ele pode ser até mais legal com nós. Aí você vai ficar feliz de novo, e eu também vou ficar feliz!

Sans permaneceu em silêncio por um tempo, um nó se formara em sua garganta inexistente, mas os sentimentos acumulados em sua alma davam esta impressão a ele. Sua intenção jamais fora preocupar Papyrus, afinal era ele como irmão mais velho que deveria tomar conta dele, mas estava acontecendo o contrário! Sentia-se mais fraco do que o normal, sendo que ele já tinha só 1 HP.

— É um ‘’novo Gaster’’ seria uma boa. – Disse dando um sorriso fraco. – Mas sabe Paps, não preciso de algo assim pra ficar feliz. Você já anima os meus dias, se tu ta comigo então está tudo bem. Tipo, olha pra esse lugar! Você sempre faz essas coisas incríveis, você consegue fazer qualquer um ficar feliz ao seu lado!

— Sou o Grande Papyrus! É o meu dever! – Papyrus se vangloriou apontando para si mesmo, mas logo relaxou novamente e olhou para Sans de um jeito amistoso. – É que você está me deixando preocupado, Sans você está diferente desde... Desde aquilo, sabe? Eu tento te deixar animado novamente, mas ás vezes é difícil. Seria mais fácil se você me contasse o que é que está te deixando assim.

O mais velho temia por aquilo. Tentava esconder seus medos e problemas do irmão para não preocupá-lo, procurando tentar resolvê-los sem nenhum tipo de amparo. Mas Papyrus o conhecia desde sempre, por mais que Sans tentasse era difícil esconder o que ele sentia, afinal, os dois eram muito próximos um do outro e sabiam cada detalhe de suas vidas. Por mais que insistisse não conseguiria se livrar do olhar atento do irmão, sempre a postos para compartilhar qualquer que fosse suas angústias.

Sans queria ver Papyrus sem problemas, queria ver seu irmãozinho feliz em um mundo sem dor. E uma de suas tentativas de evitar isso, era escondendo suas próprias feridas dele.

Mas ele mal sabia que Papyrus já conhecia muito bem aquele mundo cruel, e no meio de toda aquela escuridão ele sempre seria capaz de encontrar uma luz. E, além disso, espalhar esta mesma luz para quem precisasse.

— Paps não...

— Não comece com isso Sans. – Papyrus o interrompeu num tom de voz firme, lhe encarando com as órbitas vazias. Era raro o mais novo ficar daquele jeito, sendo sinal de que deveria ser ouvido, nem parecia ele mesmo estando tão sério assim.

— Está bem. – Sans deu um longo suspiro antes de se sentar, sendo acompanhado por Papyrus que lhe olhava bem no fundo dos olhos, esperando ansioso pelo relato. – É que você sabe que sou meio... Duro de pedra.

— Sans isso é sério!

— Ta bem eu paro! – Sans colocou as mãos em posição de defensiva ao ver o olhar nada amigável do irmão, porém ria da mesma expressão. Respirou fundo, buscando organizar os seus pensamentos antes de começar a sua fala, evitando olhar muito nos olhos de Papyrus, pois sabia que ficaria mais nervoso caso não fizesse isso. – Eu estou com medo e preocupado. Gaster ta levando isso longe demais eu acho, eu não quero que ele faça com você o que ele fez comigo só pra ir à busca de mais resultados. Sabe, não foi nem tanto a dor e o pânico que foi à hora do experimento, é depois. Eu me sinto fraco, meu corpo está tão leve que me sinto quase um fantasma, só que fantasmas não podem morrer e eu se me machucar com qualquer coisa eu viro pó! E eu me sinto estranho, está acontecendo coisas estranhas, tenho sonhos estranhos, não sei o que fazer, eu não sei como lidar com isso, não sei se devo pedir ajuda! Penso várias vezes em falar com Gaster sobre isso, mas ele está ficando cada vez mais esquisito e sinto medo do que ele pode fazer se eu contar, mas eu não sei quanto tempo mais eu vou aguentar isso e eu penso que...

Mal notara que estava chorando, as lágrimas escorrendo de seu rosto e pingando na terra escura. Dera-se conta apenas quando sentiu ser atingido por algo, ou melhor, alguém, sendo envolvido por um abraço aconchegante e muito familiar.

— Você guarda coisas demais! – Papyrus gritou num tom manhoso, aninhando o mais velho em seus braços sem o consentimento do mesmo. – Sans, não pode ficar escondendo tudo isso só pra você! Ainda mais que você é baixinho, não cabe tanta coisa assim.

— Papyrus, você acabou de fazer uma piada? – Sans questionou limpando as lágrimas com a manga da camiseta e tentando se manter numa posição confortável no colo do irmão.

— Que piada?

— Devia ter imaginado, ha. – Disse Sans com um pequeno sorriso no rosto e uma risada fraca, ainda estando bem desanimado.

— Ei Sans, se essas coisas estão acontecendo com você eu acho que você tem que falar com Gaster sim. Só ele vai saber o que fazer. – Papyrus aconselhou, falando num tom carinhoso mostrando que realmente estava disposto a ajudá-lo. – Eu também estou achando ele meio estranho, um tanto assustador também... Mas você sabe, apesar de tudo, ele ainda é o Gaster, não pode ter parado de se importar com nós tão rápido assim, eu acredito nele ainda, e acho que você também pode! Mas, se você realmente não quiser fazer isso e achar melhor assim, então não esconda mais as coisas de mim deste jeito, eu sou seu irmão e estou aqui para te ajudar! E eu quero te ajudar, assim como você também quer cuidar de mim.

Sans refletiu por um tempo, hesitando um pouco aquela ideia. Mas não havia outra saída, teria que enfrentar Gaster uma hora ou outra, pois se não contasse á ele o doutor acabaria descobrindo de um jeito ou de outro. Entretanto naquele momento, o que precisava resolver era toda a carga que Papyrus tinha sobre si, afinal esconder o que sentia não melhorava as coisas, pelo contrário apenas piorava, deveria confiar mais no irmão e devia tentar mudar isso para uma relação sem segredos.

— Gaster sempre conserta tudo, não é mesmo? – Sans murmurou, dizendo para ninguém em específico. Papyrus se aproximou mais um pouco, pegando na sua mão e ficando de mãos dadas. – E valeu por isso Paps, vou tentar falar mais das coisas.

— Tudo vai melhorar Sans, tenho certeza disso! – Papyrus falou confiante, parecendo ainda mais radiante com a última frase dita pelo irmão.

— Acho que este é o meu desejo. – Disse Sans com um singelo sorriso no rosto.

— Ei Sans, você acha que dá pra fazer mais de um pedido?

— Acho que não tem nenhuma regra sobre isso.

— Wowie! Então, eu desejo poder ter uma loja de chamas! Aí e posso entregar luz para todo mundo que ta no escuro, aí assim ninguém se perde! Não seria legal Sans? – Papyrus indagou virando o rosto para o irmão que sorriu mais ainda ao ouvir aquilo, era incrível como seu irmãozinho dava uma tiradas como aquelas com tanta espontaneidade.

‘’Mano. Você é precioso demais para esse mundo. ’’

— Ah e um carro! Eu quero um carro igual aos que aparecem nas capas dos trecos do vovô Semi! – Papyrus falava num tom sonhador olhando para os cristais. – E você tem mais algum desejo Sans?

— Hm... Talvez ver as estrelas, as de verdade.

                                                                          ***

Não conseguia parar de olhar para aquilo.

Era brilhante demais, caso fixasse seu olhar por muito tempo seus olhos começavam a arder. Mas era lindo, era uma enorme bola de luz no meio do céu, jamais imaginara que o céu da superfície fosse de um azul tão límpido e claro.

Pelo menos Sans imaginava que fosse a superfície, afinal nunca conhecera um lugar assim. A grama era verde e alta, balançando por conta de um vento fresco, rodeado por árvores de tamanhos variados e espécies tão diferentes uma das outras! Aquilo jamais poderia ser o subsolo, sempre escuro e monótono.

Estava em uma espécie de acampamento, diversas barracas e tendas estavam enfileiradas em um extenso corredor ao ar livre. Monstros caminhavam apressados, vestindo armaduras, guardando suprimentos e falando uns com os outros. Treinavam suas magias e estendiam bandeiras para todo o lado, toda aquela agitação deixava Sans zonzo e confuso, não fazia ideia do que estava acontecendo.

Até que de repente o som de uma corneta pode ser ouvido por toda a região, alto e claro fazendo com que todos os monstros olhassem para sua direção, prestando a máxima atenção. Quando o barulho se dissipou, vários monstros começaram a andar em direção a algum lugar, portando armas e invocando suas mágicas, andando num único sentido em várias filas organizadas.

Sans não tinha outra opção a não ser segui-los, na verdade já estava sendo arrastado por aquela multidão. Nunca havia visto tantos monstros em sua vida, talvez houvesse mais do que na capital, eles acenavam e se despediam daqueles que ficaram no acampamento, pareciam determinados e confiantes para o que estava prestes a acontecer.

Seguia aquela multidão sem muito entender, não conhecia nenhum monstro dali, só instintivamente virara a cabeça de lado ao ver um pequeno grupo de esqueletos andando. Não os conhecia obviamente, afinal pelo que sempre soube ele o irmão e Gaster eram os únicos no subsolo.

Até que no meio de tantos desconhecidos, Sans reconheceu uma carapaça que já havia visto antes. Começando a correr em direção daquele amigo que não via já há alguns anos.

— Gerson! Sou eu, Sans! – Gritou encostando a mão no ombro do velho, entretanto ele não pareceu ouvi-lo ou senti-lo. Seguindo toda aquela fila como se Sans não estivesse ali. Logo o garoto notou que o guarda real estava diferente, parecia muito mais jovem, portando uma armadura pesada e um grande martelo, cheio de energia para o que estava por vir.

Apesar de surpreso com aquilo, de parecer não existir para as pessoas ao seu redor, Sans continuou a seguir por vários minutos aquela multidão. Até que de repente todos pararam, ficando intactos e olhando para frente. Havia uma figura mais a frente que chamava a atenção de todos, discursando e espalhando frases cheias de esperança e coragem.

Mesmo estando muito atrás, Sans pode ver Asgore muito bem. Seus cabelos e a barba não estavam tão compridos, trajava uma armadura dourada digna de um verdadeiro rei, sua capa de cor púrpura ficava a poucos centímetros do chão. Ele segurava um enorme e vermelho tridente, apontando-o para cima enquanto discursava sobre a verdadeira coragem e do que realmente importava, dizendo que apesar de jamais ter desejado aquela situação ele tinha a esperança de que sairiam vitoriosos.

Sans tinha algumas suspeitas do que estava acontecendo, mas estava em grande parte ainda confuso com tudo aquilo. Não havia como perguntar as pessoas dali o que estava acontecendo, afinal ninguém o via. Até que de repente todos seguraram suas armas a postos, as magias foram invocadas e o som de trotes ao longe pode ser ouvido junto com gritos de fúria, outra multidão se aproximava, porém Sans não conseguia ver quem é que estava chegando.

Foi aí que tudo ficou claro.

E a vida de muitos monstros fora tomada, enquanto nenhuma alma humana sofrera. Os monstros lutaram bravamente, se esforçaram tanto, mas um por um foram se reduzindo ao pó. Os humanos mal se feriam, cantando a vitória no meio da própria batalha, pisando nas cinzas deixadas pelos falecidos. Um cenário de dor e horror era o cenário da guerra, era a ferida causada pela violência naqueles rastros de sangue e pó.

Mas Sans não podia fazer nada, por mais que gritasse, por mais que chorasse, por mais que tentasse lutar, ele era apenas um espectador. Não havia como reparar aquilo que já estava feito, a guerra havia acontecido há muito tempo e nada do que tinham poderia reverter este acontecimento. Só podia assistir a toda aquela brutalidade, rodeado no meio das cinzas e as lágrimas daqueles que sentiriam saudades iluminados pela luz do crepúsculo que deixava amostra todo aquele sofrimento.

E Sans sofrera sem ser visto, sentado sobre a grama alta balançando pelo vento gélido do entardecer, com as cinzas a se espalharem sobre seus pés. Sentindo a dor de cada alma que fora tomada e de cada um que sentiria falta delas.

Então ele acordou.

Mas Sans não estava em sua cama, se vira no chão frio e completamente sozinho. Levantara-se eufórico, tentando saber onde estava no meio do escuro, apesar de ainda estar abalado com o que vira no sonho. De todos os estranhos sonhos que havia tido, aquele fora o mais intenso, o mais real de todos. Apesar de parecer loucura, Sans sentia que tudo o que estava sonhando havia mesmo acontecido, uma sensação estranha lhe cobria quando estava neles como se fosse um intruso que não deveria estar ali. Era um fardo muito grande para ele dar conta, precisava de ajuda não importando de quem fosse.

Para piorar não tinha a mínima ideia de como viera parar ali. Deveria estar em seu quarto, com Papyrus dormindo no beliche de cima, não tinha nenhuma explicação lógica para aquilo! Será que estava sonhando de novo?

— Papyrus? Papyrus onde você está? – Tentara perguntar em vão, sem uma única resposta. Até que ouviu passos no corredor, lentos e ritmados, com certeza não era o andar rápido e ansioso de seu irmão, até se surpreender com uma luz sendo acesa e se ver em uma das salas do laboratório.

— [O que está fazendo aqui Sans?] – Gaster foi quem aparecera, ainda vestindo o jaleco como se não tivesse parado de trabalhar o dia inteiro, segurando uma xícara de café na mão direita. Mesmo que há pouco tempo atrás Sans queria evitá-lo o máximo que podia, agora se via aliviado por vê-lo naquele momento.

— Eu não sei!

Aquela fora uma longa conversa.

Era estranho conversar abertamente com Gaster, afinal ele anotava tudo o lhe era dito e por conta disso raramente fazia contato visual. Sans sentia-se mais um experimento – o que de certa forma não deixava de ser – do que um indivíduo perto do doutor. Era tudo frio demais, mecanizado e sem emoção.

— [Então Sans conseguiu se teleportar sem o uso de intervenções, apenas com o poder da própria alma. Devo criar uma nota sobre isso.] – O pior era quando o cientista falava com ele mesmo, ignorando-o por completo e pondo apenas seus objetivos em foco.

— Espera, então quer dizer que eu me teleportei?! – Sans perguntava confuso, tentando pegar no ar as informações que Gaster dava aleatoriamente. Convivia com o cientista já há muito tempo e entendia por completo sua fala, não havia nada que Gaster pudesse esconder dele quando falava, obrigando-o a explicar seus devaneios quando Sans pedia.

Sans não queria fugir mais de seus medos, muito menos lidar com todos aqueles problemas sozinhos. Por isso resolvera contar tudo o que estava acontecendo de estranho desde o experimento, sobre como os sonhos lhe angustiavam e pareciam tão reais.

O doutor no começo duvidara do que Sans dizia sobre os sonhos, não prestando muita atenção no começo. Mas assim que o garoto começava a dar tantos detalhes acerca da superfície, era de se suspeitar os tantos detalhes vindo de alguém que deveria nunca ter visto tudo aquilo.

— E tinha aquela bola gigante no céu, brilhava tanto que até doía os olhos! Ou melhor, torrava os olhos.

— [Está falando do Sol.]

— É o nome disso?! – Sans questionara impressionado enquanto Gaster pela primeira vez desde o início dessa conversa resolveu anotar alguma coisa, mostrando que começara a prestar atenção aos relatos.

— [Você provavelmente está desenvolvendo a habilidade de ver através de janelas dimensionais, te levando para outras realidades e situações. Pelo que você me contou, suas visões relataram apenas acontecimentos do passado até então. Por isso não há o que temer sobre esses ‘’sonhos’’, você é só um espectador e não existe forma de mudar o tempo, pelo menos por enquanto.] – Falara o doutor enquanto digitava avidamente os relatos.

— Isso é bom?

— [É o desejado.] – Respondera o doutor sem desviar o olhar da tela. Sans balançava as pernas enquanto estava sentado na cadeira, girando-a superficialmente. Havia ainda outras coisas que queria falar com o doutor, mas tinha seus receios quanto a isso, afinal Gaster só tratava das coisas de seu interesse.

— E quanto ao teleporte? Vou sair acordando em lugares aleatórios toda a noite? – Questionou.

— [Posso te explicar algumas coisas, mas a minha habilidade veio por meios artificiais enquanto a sua veio direto de sua alma, portanto é mais indeterminada. Você terá que aprender a controlar isso.] – Explicara Gaster e Sans bufou descontente, farto daqueles conselhos ínfimos. – [Entretanto, é fundamental que você compreenda como essa habilidade funciona. Em primeiro lugar não é um teleporte, isso é mais uma espécie de apelido que não condiz ao certo com o que realmente é. É a criação através de essência mágica modificada de um buraco de minhoca, espécies de ‘’atalhos’’ que são criados de um ponto do espaço ao outro. Você e eu somos capazes de mover por esses atalhos em velocidades absurdas, fazendo com que o tempo se torne diferente para nós do que para o resto do mundo afora, como se no atalho o tempo parasse. Por isso aconselho que treine esta habilidade para não fazê-la mais de maneira inconsciente, pode ser muito perigoso.]

Sans apenas assentiu. Não é como se já não soubesse disso, pois por mais que Gaster usasse a palavra ‘’teleporte’’ para o buraco de minhoca, Sans já havia lido coisas o bastante sobre isso para poder compreender o que se passava nos projetos do doutor.

— E vou ficar assim até quando? – Indagou com um tom de voz sério, não pensando mais nas ressalvas sobre tocar neste assunto.

— [Defina o ‘’assim’’.]

— Você sabe. Fraco. – Respondeu trincando os dentes, tentando controlar o sentimento de raiva que queria crescer em sua alma. Gaster por um momento parara de digitar, virando-se para Sans com um olhar indiferente, juntando suas mãos duma maneira pensativa.

— [Não há meios de reverter isso, você terá que lidar com seu 1 HP.]

— É sério?! – Irritado Sans cerrava seus punhos, havia guardado ressentimentos demais até aquele momento. – Você me prende pra aquela máquina injetar um negócio estranho em mim, eu entro em coma, quase morro, sofro alto risco de vida e agora ta dizendo para eu só ‘’lidar com isso’’?!  Isso é ridículo!

O doutor ficou quieto, não esboçando nenhuma expressão. Sans não sabia dizer se ele estava chocado ou se apenas não dava a mínima para o que ele dizia, provavelmente estava novamente em seu próprio mundo, hipnotizado pelos seus próprios pensamentos.

— [Não há como reverter o que já foi feito.] – Disse sem emoção e Sans franziu os olhos sentindo sua alma vibrar dentro de si.

— É sempre assim, não é? Tudo é sempre como você quer e manda, não tem discussão. Dane-se o que pode acontecer, você só pensa nos seus experimentos estúpidos. Vai fazer o que na próxima? Cerrar o meu crânio?

Então Sans sentira ser puxado para cima, vendo-se acima do chão e a altura de Gaster que controlava sua alma. Ele lhe encarava com a mesma expressão de antes, só que com as órbitas vazias. O garoto já imaginava aquilo, sua relação com o doutor jamais seria a mesma não importando o quanto tentasse, assim aceitou o seu destino, fechando os olhos e esperando o que estava por vir.

— [Está tarde, deveria estar na cama agora.] – Surpreendentemente fora apenas isso que Gaster disse enquanto levava Sans flutuando em direção ao seu quarto. – [E não se chame de estúpido, não se deve desmerecer a si mesmo.]

— Não adianta tentar, continuo te detestando. – Sans cuspiu as palavras olhando para qualquer direção que não fosse o doutor, que apenas o ignorara como sempre fizera.

Foi ali que Sans teve a certeza que sua fonte de ajuda era a mesma de seus problemas.


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Notas finais do capítulo

A parte da loja de chamas realmente é canon! Papyrus fala isso quando você liga para ele em uma região de Waterfall. Quem nunca jogou Undertale ligando para Papyrus a cada três passos posso garantir que perdeu bastante dessas coisas escondidas, recomendo fazerem isso é bem legal o que nos é contado ^-^
Sobre o teleporte, eu não via palavra melhor para definir o poder de Sans se não essa, mas eu realmente acho que os tais ''atalhos' sejam realmente uma espécie de buraco de minhoca, que não passam de realmente atalhos no meio do espaço tempo. Se pensar por um lado, realmente é um teleporte, mas não do jeito que quase todo mundo imagina ;D
Comentários são sempre bem vindos! ^-^



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