Le Sobriété de Pouvoir escrita por Megara


Capítulo 1
S01C01 - Anormalidade Cruel


Notas iniciais do capítulo

Olá, serumaninhos lindos!
Como cês tão?
Aos leitores antigos, bem vindos de volta (continuamos a agradecer por não terem abandonado a fic), aos novos simplesmente bem vindos!
Iría postar amanhã, mas não podia deixar passar uma data tão especial...
Esperamos e aproveitem as mudanças e toda a revisão em si!
CAPÍTULO BETADO 08/03/2019, @PatBlack, [u/26945/]



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 Não se passara nem mesmo três horas desde que fora posta ajoelhada em frente à um pequeno púlpito de confissão na Ala Leste, mas mesmo assim Florence já estava entediada. Haviam ainda seis horas de punição pela frente.

Florence fora pega lendo e rindo pela Irmã Saravejo durante o café da manhã no Salão de Jantar. Ali, era proibida a leitura, assim como as risadas; não de forma aberta, é claro, mas as freiras nunca deixavam que fizessem nem um nem outro.

Não era a primeira vez durante sua estadia no Internato Saint’Marie em que Florence tinha uma correção. Era uma garota meio inconstante e um tanto feliz demais, coisas inaceitáveis em um Internato conhecido como aquele.

— Veja bem, garotinha, – começou Irmã Saravejo, uma das freiras do lugar – caso se comportasse e seguisse as regras como uma boa menina deve fazer, não estaria aqui agora, perdendo um dia bonito como esse de jardinagem.

Mesmo estando cansada e dolorida de estar ajoelhada a tanto tempo, Florence sorriu para a mulher, não ligando muito para os dizeres que já sabia de decor. Não era culpa dela, ou muito menos da freira, as regras do lugar; absurdas.

— Quando acabar seu tempo de punição, levante-se e vá ajudar as outras meninas na lavanderia, estamos apertadas hoje. – Irmã Saravejo não ficou muito tempo perto da garota, todos tinham algum medo de represália, o que sempre acontecia quando estavam perto de Florence.

Florence Dursley tinha um jeitinho especial de sempre se meter em encrencas, e levar outras pessoas junto com ela, o que a tornou rapidamente odiada por todas as outras garotas do lugar. Ela também tinha certeza que fora esse jeitinho que fazia a mãe não gostar muito de olhar para seu rosto, ou para ela toda.

Florence, na verdade, se chamava Dahlia, uma escolha infeliz de Petunia baseada na tradição da família Evans de sempre dar nomes “floridos” às crianças nascidas mulheres da família. Florence tinha certeza de não haver nome pior no mundo, então sempre se apresentava como Florence, dizia se chamar Florence e emburrava quando outros não a chamavam de Florence; atitude severamente repreendida pela mãe e pelas freiras.

Observando vagamente a mesa de madeira com uma única estátua de Maria que olhava diretamente para si, Florence começou a pensar na mãe... Petunia Dursley não a tinha em alta estima, na verdade, todos da família sabiam que Petunia se contentaria por ter um único filho: Dudders. Florence era desajeitada, doce e gostava de comer; tudo que Petunia detestava em uma garota.

Seu pai, Vernon, amava dizer que Florence era a imagem cuspida da esposa, mas todos viam que não era bem assim... Florence Dursley era uma garota franzina, com cabelos dourados e olhos amendoados verdes, com a boca em formato de coração. Já Petunia tinha o rosto ossudo, lábios finos e era alta como um poste, nem mesmo seus olhos eram parecidos com os da filha. Somente os cabelos eram da mesma cor, mas os de Petúnia eram desbotados pelos anos de uso do coque, e não mais lembravam os da filha.

Florence supunha que essa ideia do pai era originada do fato de Petunia não conseguir suportar a própria filha, talvez uma tentativa de criar alguns laços entre as duas. Isso nunca havia funcionado, é claro, mas Vernon nunca desistira. Apesar de tudo, Vernon gostava da filha na mesma proporção que Petunia não gostava, o que acabava por criar um atrito entre o casal. A solução encontrada por Petunia foi enviar a garota para o Internato. E assim fora.

Mas finalmente era julho! Florence não conseguia deixar de estar radiante com a perspectiva de voltar para a Rua dos Alfeneiros e rever a família, por mais que Petunia não gostasse muito dela e Duda sempre puxasse seus cabelos. Afinal, em sua casa havia Vernon e Harry, e isso era o suficiente para deixar Florence feliz.

Harry Potter era uma das únicas pessoas no mundo que Florence amava por completo. Ele também era seu primo considerado uma aberração pelos pais. Ele compartilhava com ela algumas lembranças de aventuras simplórias e os mesmos olhos verdes de Lilian Potter.

No último ano, Harry dera vazão aos falatórios de Vernon e Petunia, indo estudar em uma escola de magia no interior do país, e Florence não o vira desde então. Harry era um bruxo! Florence mal podia acreditar que aquele tipo de coisa realmente existia...

— O que ainda está fazendo aqui, Srta. Dursley? – Perguntou alguém por trás de Florence, fazendo-a virar rapidamente e ver outra freira, dessa vez a Irmã Chapman – Levante-se e vá para seu dormitório, já! E espero que suas malas estejam prontas, estou certa?

— Sim, Irmã Chapman. – Respondeu Florence, olhando-a de baixo.

— Levante-se e vá, então. O jantar está começando. – E saiu rapidamente.

Já familiarizada com as dores depois de tanto tempo de penitência, Florence tentou se levantar, falhando nas primeiras vezes, mas sendo bem-sucedida na sétima. Quando se apoiou no púlpito perto de si, dobrou-se um pouco para observar a situação dos joelhos; estavam em carne viva depois de tanto tempo apoiados em milho, Florence olhou resignada para um caroço que se agarrara no sangue e o pegou, juntando-o com os outros no chão para serem jogados fora. Aquilo era, por sorte, tarefa de outra garota.

Olhou para os tremeliques das pernas por um momento e pensou se valia a pena ir jantar e aguentar as garotas que certamente debochariam dela, mas logo os pensamentos foram interrompidos por um ronco gutural saído de seu estômago. É claro que estaria com fome, só havia comido metade de uma torrada durante todo o dia.

Suspirou por um momento e foi em direção ao Salão de Jantar, suas pernas pararam de tremer pela metade do caminho e podia tentar tapar os joelhos com a capa de frio enorme do internato, mas nada mudaria o conhecimento que todas sabiam onde ela havia passado o dia.

Entrou no salão rapidamente e se direcionou para a janela onde as cozinheiras serviam as bandejas de comida. Podia sentir os olhares em sua nuca e as risadas ecoando em sua mente, crianças podiam ser bem maldosas, tanto quanto adultos.

Foi servida e logo sentou sobre uma das diversas mesas do salão, as garotas que estavam sentadas ali não haviam terminado de comer, mas logo saíram dali e a deixaram sozinha na mesa.

Florence sentia vontade de se debulhar em lágrimas, mas não podia. Não se lembrava da última vez que havia chorado, mas sempre estava sentindo vontade de chorar. Nunca havia comentado sobre isso com ninguém, e nem sabia se devia. Mas, isso era um fato: Florence nunca chorava.

Havia perdido qualquer apetite, mas continuava comendo aos poucos, sabendo que desmaiaria pelo Internato caso não o fizesse. Depois de conseguir acabar com a metade da comida na bandeja, se levantou e rumou para fora da cozinha, desejando um pouco de ar. O internato era sempre congelante, mas parecia que o ar não circulava pelo lugar, deixando Florence claustrofóbica sempre que pensava no assunto.

Olhou para uma das paredes do lado de fora do Salão de Jantar e encontrou um relógio que demarcava oito horas da noite, o toque de recolher era às nove, logo, Florence ainda tinha uma mísera hora para fazer algo que gostasse.

A biblioteca estava fechada àquele horário, mas sabia que as portas para o lado de fora estariam abertas, pois a governanta só as fechava quando faltavam dez minutos para o toque de recolher. Florence foi para o jardim, então.

Um dos males de ser castigada nas sextas-feiras era perder o dia de jardinagem, um dos únicos dias que Florence realmente apreciava no internato. Gostava de plantar e cuidar de flores, mesmo que precisasse se sujar de terra no processo.

Andou calmamente até a oliveira que havia na propriedade e observou a plantação de rosas que havia ali. O internato lucrava com a venda de flores para uma comercializadora de cosméticos da região, e as mais vendidas eram as rosas. Florence não gostava muito delas.

Rosas lhe lembravam de falsidade, do cuidado que deveria ser dispensado pelas freiras que não acontecia, do descaso e muitas das coisas ruins que aconteciam na vida de Florence. Ela gostava das gardênias que haviam aleatoriamente pela propriedade. Eram belas e quase ninguém lhes dispensava muita atenção. Elas lembravam-na de si mesma, mesmo que não se considerasse tão bela quanto.

Quando finalmente chegou à oliveira, observou a flor branca que havia sido plantada por ela logo atrás da árvore; perto de um mar de flores cor-de-sangue, havia uma única e simplória gardênia branca.

Florence se sentou ao lado da flor e colocou calmamente a mão em seu caule, observando como ela mudava suas pétalas até se abrir completamente, se tornando rosa-bebê, depois azul-miosótis, verde-grama, lilás, amarela-canário, e então todas as cores juntas; às vezes uma em cada pétala, ou formando um arco-íris com todas as pétalas. Era a coisa mais linda que Florence podia fazer; e a mais secreta também.

A garota sabia que crianças normais não faziam flores crescerem em um dia ou mudavam suas cores. Crianças normais também não faziam livros flutuarem até elas quando estavam muito altos. Apesar disso, Florence se considerava normal, e relacionava essas habilidades com suas afinidades. Florence amava ler e amava flores, e não havia nada de mais nisso.

Se levantou rapidamente quando viu uma das irmãs freiras se direcionar para as grandes portas de madeira da entrada do internato com intenção de fechá-las. Correu até a freira e depois passou por ela, ignorando seu aviso para não correr, indo para os dormitórios.

Quem sabe não seria castigada depois? Amanhã iria para casa, afinal!

Ledo engano.

 

Florence estava em uma clareira banhada pela luz do sol do entardecer. Era novamente uma garotinha de quatro anos, com o coração pulsante de alegria e as pernas cansadas de correr por muito tempo.

Era uma época desconhecida para a Florence de dez anos, que tinha uma memória a longo prazo curta e não se lembrava de muita coisa da primeira infância. Apesar desses pequenos fatores, Florence sentia que aquele fora um dia feliz.

Ela corria pelas árvores bem espaçadas e ria com vontade enquanto gritava de felicidade, suas pernas estavam raladas e cansadas, mas ela não queria parar a brincadeira tão cedo. Fazia tantos meses que seu pai não tinha tempo para ela...

De repente, alguém saiu das sombras que a garota havia ignorado até então, afinal, seu pai estava ali para protege-la, nada iria acontecer. Ela estava errada. O estranho tapou sua boca que tentava gritar e a puxou para longe do pai, que se afastava a cada segundo.

Florence mordeu com força a mão do estranho, puxando um longo fôlego e voltando a gritar, agora com desespero: “Papai!”, mas seu pai estava muito longe, parado nas sombras, não indo ao seu encontro quando ela gritava.

Quando percebeu que nem mesmo o pai a queria mais, Florence desistiu de lutar, deixando então o estranho a puxar para debaixo da terra; congelante, sufocante e angustiante. Florence acordou com um grito.

Olhou em volta do seu quarto, observando as outras garotas a olharem com raiva ou pena, e para o lado, onde a Irmã Saravejo a encarava enfezada com um copo de água gelada pela metade na mão. Os olhinhos cruéis observando cada canto de expressão que pudesse ter no rosto de Florence.

— Levante-se, Srta. Dursley. O seu dia começa cedo hoje. – Falou a freira enquanto já voltava pelo caminho que fizera até o quarto. Florence olhou de relance o relógio em cima da porta do quarto.

— Irmã Saravejo! São quatro da manhã, certamente houve um mal-entendido...

— Não houve tal coisa, Dursley. Não achou que iria correr pelos corredores, tão perto do toque de recolher e fazendo tal algazarra, sem haver nenhuma represália, estou certa? – Falou a freira, observando-a com os olhinhos de predadora. – Tem cinco minutos para se apresentar à irmã Vee no hall de entrada.

Florence estava perdida. Levantou-se rapidamente e se arrumou como uma bala de canhão, invejando as colegas de quarto que ainda tinham horas de sono pela frente. Tinha que enfrentar o último castigo do ano com a Irmã Vee... Florence não tinha mesmo sorte.

De todas as freiras no Internato Saint’Marie, sem dúvidas Irmã Vee era a pior de todas. Cruel em todos os sentidos da palavra não era o suficiente para descrever a mulher. Negra, alta e de cabelos armados, ela dava a entender que não tinha alma alguma; sempre que aplicava uma punição gostava também de bater pessoalmente nas garotas, assim como tinha fama de espalhar ameaças e também de assumir secretamente a culpa por coisas terríveis.

Vee era o demônio no corpo de freira, e tinha uma vendeta pessoal para com Florence.

Quando Florence terminou de se arrumar e vestir adequadamente, olhou por alguns segundos a mala feita ao lado da cama, ansiando o momento que a pegaria e sairia daquele inferno pessoal. Deu as costas ao quarto e seguiu correndo até o corredor do segundo andar, onde Vee estaria esperando-a.

 

— Ora, ora... não poderia seguir para suas amadas férias sem antes passar por mim, certo Srta. Dursley? – Perguntou a freira, observando a garota loira ofegante. Mesmo estando em condições pouco hábeis para resposta, Florence escolheu não se dirigir à freira, fazendo apenas seu sorriso se alargar como nunca antes.

Foi a pior manhã da vida de Florence. Enfrentara à palmatória por longos minutos, sentindo as mãos e o olhos arderem, a vontade de chorar incômoda e estressante, o sorriso atormentador de Vee sobre ela. Também fora feita de cachorro; fora obrigada a fazer todas as tarefas destinadas à freira.

Lavara os banheiros imundos, organizara toda a cozinha, limpara o chão e sovara massa de pão por horas, ansiando pelo momento em que enfim os pais viessem buscar as filhas desviadas. Sim, Internato Saint’Marie Para Garotas Problemáticas.

— Vou sentir sua falta, garotinha. Minhas mãos nunca ficam tão macias quando você não está aqui. – Falou Vee maldosamente, observando Florence de cima.

— Sem mim aqui você não tem ninguém para abusar do poder. Não é mesmo? – Perguntou Florence do chão, enquanto esfregava o piso com as mãos nuas e as mangas arregaçadas.

Seu rosto se virou antes de conseguir sentir o ardor do tapa. Observou a freira chocada enquanto levava uma das mãos à face machucada.

— Como se atreve...

— Não! Como você se atreve? Não se contenta em sugar a vida de garotas como já faz? Ou deseja também tirar-lhes a inocência? Como fez com o pobre Francisco? – Os olhos de Vee olhavam para a garota como se nunca houvesse lhe enxergado antes.

— Como você...

— Como eu sei que você sempre se esgueirou adentro dos cobertores do próprio sobrinho quando ele não tinha idade ou noção para saber que aquilo era errado? Como você o violou? Roubou sua inocência? Eu não preciso saber de nada quando você sabe a extensão de sua própria desgraça.

Florence nunca havia sido tão cruel antes na vida. Foi quando Vee saiu de perto da garota, tropeçando, que a Dursley pensou em seu seus dizeres. Não sabia como havia feito tal coisa, mas sempre soubera que a convivência do único menino a habitar o Internato com a tia infernal não havia sido boa. Mas... como soubera?

Decidida a esquecer o incidente, largou o pano que machucava as mãos sensíveis e se levantou, rumando ao antigo quarto para pegar suas malas, à espera da família. Florence não se despediu, mas foi a última vez que viu aquelas paredes ou as garotas que habitavam aquele lugar.

 

x...x

 

Florence não sabia que o sentimento de felicidade bateria tão forte em seu peito quando viu o carro sem graça da família no horizonte. Pareceu por um momento que nada de ruim havia acontecido no Internato, mas suas cicatrizes ainda provavam o contrário. Mas nada importou. Estava indo para casa, enfim.

Mal conseguiu esperar quieta, seguindo o protocolo, enquanto sua família seguia até ela. Se jogou nos braços do pai quando o homem mal havia chegado à dois metros do lugar onde estava, afundando o rosto no quase-pescoço dele. Florence não ligava que Vernon estivesse muito acima do peso.

Depois que finalmente se largaram, o pai sorrindo como se ela fosse Dudders, Florence olhou para a mãe, em seguida, e não conseguiu se conter em sua própria pele, abraçando-a também. Infringira uma regra, e sentia a mãe dura e sem reação ao abraço, mas acabou não se importando muito com o fato. Comum, diria.

Enquanto olhava para o irmão, que era quase tão gordo quanto um bebê elefante, Florence pensou um pouco sobre as “regras secretas” que Petunia havia imposto quando ela era ainda muito nova. Uma delas e geralmente a que mais magoava era aquela: sem abraços.

Não abraçou ou dispensou muita atenção ao irmão que não suportava, se virando para os pais e olhando esperançosa ao seu redor; procurando Harry. Desde que fora posta no Internato, Harry vinha com os pais para lhe buscar.

— Harry está no carro, papai? – Perguntou Florence, observando como Vernon ficava vermelho de raiva e parecia incapaz de responder-lhe.

— O garoto está em casa, Dahlia. Vamos embora. – Falou Petunia, se virando em direção ao carro e puxando Dudders junto de si. – Não faça perguntas.

Puxou sua mala de roupas atrás de si e olhou um pouco entristecida para o pai, que a olhava como se houvesse alguma coisa errada com ela; talvez decepcionado. Florence não gostava quando Vernon agia como Petunia; parecia que ela havia feito algo errado.

Seguiu até o carro e deixou que o pai pusesse suas coisas no porta-malas, entrando no carro em seguida e sentando-se ao lado do irmão, o mais longe que conseguiu. O caminho para Little Whinging foi marcado pelo silêncio.

            Quando enfim chegaram à Rua dos Alfeneiros, Florence novamente perguntou pelo primo, temendo pelo destino do mesmo. Talvez tivesse ficado para sempre em sua escola e esquecido de Florence, ela não sabia. Ela foi novamente ignorada pelos pais, e Petunia mandou-a arrumar suas coisas.

            Quando chegou ao segundo andar, observou a porta do primo com melancolia, imaginando se ainda havia algo do mesmo ali. Entrou em seu próprio e pôs-se a arrumar tudo, estranhando as paredes rosas e a cama branca; parecia-lhe que estivera em casa a uma vida de distância.

Quando já era noite e quase hora do jantar, ouviu uma pequena batida na porta; Vernon entrou logo em seguida. Ele olhou todo o quarto com nostalgia e, por último, pousou os olhinhos pequenos em cima da filha.

— Conversei com sua mãe agora a pouco, ela foi contrária à ideia, mas sei que você gosta do pirralho. – Falou o pai dando de ombros, como se fosse também contrário à ideia, o que Florence sabia ser a verdade. – Ele está preso no quarto; estragou uma visita importantíssima de um potencial sócio de Grunnings uns dias atrás, o moleque. Apesar disso, vou deixa-la vê-lo por alguns minutos. Seja rápida.

Então Harry não havia abandonado a casa... sentiu-se feliz por um momento egoísta, mas Florence logo se repreendeu; a melhor coisa para Harry Potter seria dar o fora da casa dos Dursley o quanto antes. Apesar de se sentir como lixo, o sentimento de felicidade não passou quando a garota pulou no pescoço do pai, o agradecendo por aquele momentinho.

Quando adentrou finalmente nos aposentos do primo, voltou a se sentir culpada.

Harry estava deitado a dormir na cama, magro como nunca o vira antes. Sua coruja de estimação me olhava intrigada de dentro de sua gaiola. Na verdade, todo o quarto parecia uma prisão, feita para não deixar que o garoto saísse. Não gostou daquilo, mas o que poderia fazer?

            Chegou-se perto da cama e balançou levemente o primo, até que viu suas pestanas balançarem suavemente e os olhos verdes como os seus a encarassem. Ele observou-a por um momento que pareceu uma eternidade, e então a puxou para um abraço apertado; exatamente como Florence precisava receber.

— Sinto muito por não ter ido te buscar esse ano, Flor. – Falou Harry, com o rosto enterrado em meus cabelos. Era bom sentir seu abraço, era realmente como voltar ao lar.

— O que houve, por que está aqui, Arry? – Um antigo apelido, que não parecia que deixaria de ser usado. Quando Florence ainda era pequena, mesmo com cinco anos, tinha uma grande dificuldade de falar nomes e palavras que começavam com a letra “h”, então chamava Harry de Arry, o que depois de anos se tornou um apelido carinhoso.

Harry contou-lhe então das novidades. Sobre como havia chego de Hogwarts e sua recepção pela família de Florence, sobre o jantar importante com o Sr. E Sra. Mason, como havia sido punido por uma brincadeira, sobre o fracasso da noite e, por fim, confidenciou-lhe sobre o “elfo doméstico” que o visitara e causara todo o estrago. Eram notícias terríveis, sim, mas Florence nada poderia fazer para tirar Harry do castigo que ele recebera, então procurou perguntar sobre como era a escola e os novos amigos do primo; para lhe desviar de pensamentos ruins. Funcionou.

Florence ficara encantada com a magnitude das histórias de Harry Potter. Como derrotara um bruxo maligno famoso, como salvara o mundo bruxo e suas histórias sobre a “melhor escola de magia e bruxaria do mundo”. Harry sempre fora modesto, então não contara à Florence exatamente da forma que ela imaginara, mas não importava. Florence passou a admirar o primo ainda mais.

— Me conte mais sobre Hogwarts, Harry. – Pediu Florence excitada, mal notando a mãe na porta do quarto do primo.

— Não diga nenhuma palavra. Como se atreve a compactuar com tal loucura, Dahlia? Somos sua família, não essa abominação. Você não é ela. – Antes de perguntar quem seria “ela”, foi puxada por uma mão de ferro de perto do primo, apenas ouvindo quando a porta fora trancada e fora jogada no próprio quarto, sob os olhos de Vernon e Petunia.

— Eu lhe disse que era uma péssima ideia que a garota fosse conversar com o pequeno anormal de minha irmã. Eu lhe disse. – Ganiu Petunia, com uma mão no coração e outra limpando uma pequena umidade ao lado do olho direito.

— Perdoe-me, fofinha...

— Imagine... oh, céus! Imagine se ela se torna uma aberração como o garoto, como... como minha irmã desmiolada! Seria o fim... o fruto de meu próprio ventre como... como ela... – Petunia não olhava para o marido, ou tão pouco parecia falar com o mesmo, olhava Florence como se não fosse sua filha; e sim uma outra.

— Dahlia vai com Harry para a escola de esquisitos? – Perguntou Dudders, prostrado ao lado da mãe com um sorriso convencido.

— Claro que não! – Esganiçou Vernon. – Sua irmã é normal.

— Eu não acho ela normal, pai. Já olhou para ela? Ela nem parece comigo ou com ninguém daqui. Ela só parece com...

Quieto! Ela não se parece com ninguém. Vá para seu quarto, agora! – Florence nunca vira Dudders ser repreendido pela mãe por qualquer coisa, foi um choque tanto para a garota quanto para os outros Dursley. Mas Petunia não parou para dar explicações, seguiu para o primeiro andar, afetada, com Vernon em seu encalço.

Nada poderia ser mais estranho que aquilo. Bem... quase nada.

 

Os dias que se passaram seguiram lentos como lesmas, arrastando-se com uma onda de calor que assolou aquele pedaço de Londres. Florence continuava a se sentir intrigada com os atos da mãe, mas nada que se seguiu foi como aquele dia, voltando tudo à quase normalidade de sempre.

Harry era muito mal alimentado, e Florence sabia disso. Por isso, sempre que a noite se arrastava adentro e conseguia ouvir os roncos altos dos quartos ao lado do seu, Florence se esgueirava até a cozinha para roubar alguma comida para o primo.

Como nunca conseguia alcançar as chaves que eram mantidas no alto da soleira de uma porta na cozinha, a única coisa que a garota podia fazer era passar a comida pela portinhola que fora instalada na porta do quarto de Harry e ouvir seus resmungos de agradecimento que passavam brevemente pela porta.

Florence pensava que estava magra o suficiente para ela mesma passar pela pequena portinha, mas escolhia não se aventurar por aquele caminho, com medo de ficar entalada no processo e no dia seguinte ser descoberta; o que acabaria com sua pequena liberdade e tiraria por completo a do primo.

Mas aquele domingo de agosto, em que faltavam seis dias para seu aniversário, Florence enfim tomou coragem. Logo após empurrar a comida para dentro do quarto de Harry, se lançou pela portinhola, o coração tremendo pelo medo. Medo que acabou por se mostrar infundado; a garota passava perfeitamente bem pelo lugar, resultado do corpo franzino e pequeno.

Naquela noite, nenhum do dois dormira; mas certamente valera a pena. Se divertiram como nunca, Harry impressionava a garota com algumas das coisas que aconteciam em Hogwarts, e Florence inventava algumas mentiras para fazer parecer o Internato Saint’Marie sensacional.

Quando deram por encerrada a noite, Florence se despediu de Harry com a promessa que tentaria tirar o garoto dali por algum tempo, prometendo também voltar no dia seguinte, quer conseguisse, quer falhasse.

O dia seguinte foi o fatídico dia, enfim.

Florence aporrinhara tanto o pai pedindo que Harry fosse solto ao menos nas refeições, que enfim Vernon dissera, entredentes, que pensaria no caso. Não se dando por vencida e já conhecendo o truque, Florence cutucou e subornou Dudders até que enfim convenceu o irmão a também pedir pela soltura de Harry aos pais.

Cansados das petições de ambos os filhos, o casal Dursley enfim entrou em um consenso que Potter seria permitido sair do quarto durante os jantares, depois voltaria para de volta ao quarto seguir com o final da noite sozinho. “Pelo menos era um começo”, pensou Florence.

Quando a noite chegou, Harry, faminto, se dirigiu à mesa juntamente com todos os Dursley, lançando um pequeno sorriso de agradecimento a prima. O jantar transcorreu sem nenhum problema, mas a Harry não fora permitida a sobremesa. Florence não tinha muita vontade de comer o pudim com o olhar do primo sobre si, tampouco, então foi com o mesmo para a sala.

— Não quero os dois conversando sobre aquela palavra com “m”, ouviram bem? – Perguntou Vernon, com um pedaço do bigode sujo de calda de caramelo. Ambos acenaram positivamente e foram liberados para a sala.

Quando a conversa ainda não se aprofundara muito e menos ainda o pudim estava pela metade, uma grande coruja marrom entrara de supetão na sala de jantar impecável dos Dursley, largando sobre o balcão duas cartas pardas de aparência pesada.

            - Será que finalmente lhe expulsaram, garoto? – Perguntou Vernon, o rosto vermelho com a excitação de abrir as cartas. – Acho que se preveniram esse ano, mandaram duas cartas iguais. Deixe-me lê-las para todos.

Prezado Sr. Potter,

Temos o prazer de informar que, com as boas notas resultantes de seu primeiro ano, V.Sa. continua com uma vaga na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, agora no segundo ano. Estamos anexando uma lista dos livros e equipamentos necessários. O ano letivo começa em 1º de setembro. Aguardamos sua coruja até 31 de julho, no mais tardar.”

— Bem... sabemos bem que eles nunca receberão coruja alguma, certo Sr. Potter? – Disse Vernon, com uma maldade certa escorrendo pelas palavras. – Vamos à sua próxima cartinha, então...

Prezada Srta. Dursley,

Temos o prazer de informar que V.Sa. tem uma vaga na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Estamos anexando uma lista dos livros e equipamentos necessários. O ano letivo começa em 1º de setembro. Aguardamos sua coruja até 31 de julho, no mais tardar.”

Os olhos de Vernon saltaram do papel para a filha, sentada incrédula no sofá ao lado do primo. Florence não podia acreditar no ouvira, e ninguém parecia menos chocado que ela, nem mesmo Harry, que a olhava como se ela tivesse duas cabeças.

— Você... não pode ser. – Murmurou Vernon, encarando a filha com a decepção latente no olhar. – Uma aberração... minha filhinha.

— É a convivência com Potter, só pode ser. – Falou Petunia, encarando a filha com certo nojo, mas ainda sim com medo no olhar. – Ela não é... não é isso, certamente. Potter deve ter pedido que mandassem a coruja.

— Não mandei nada! É o Ministério que manda a lista de nomes para Hogwarts, não...

— COMO SE ATREVE? CORROMPEU MINHA FILHA? NÃO diga nada, nem um pio. – Começou Vernon, irado e gritando no começo, mas se acalmando. – Dahlia não vai a lugar algum, muito menos você pirralho. Ela vai voltar para o internato como se não fosse uma aberração como você e sua gente e você vai para a escola do bairro. Nem um pio...

Aquelas palavras magoaram Florence mais do que ela poderia imaginar. Com os olhos ardendo como nunca antes, saiu correndo da sala de jantar e se trancou no quarto, querendo ser capaz de chorar, querendo que os pais não fossem tão cruéis, querendo que fosse normal... querendo também uma vida que nunca teria.

 

Florence não conseguia dormir. A palavra “aberração” gritada nos ouvidos sempre que fechava os olhos a impedia. O medo do futuro também não deixava que a garota adormecesse. Iria para Hogwarts? Não iria?

Levantou-se consternada, olhando para a porta do quarto e imaginando se deveria ir até o do primo, lembrando de seu olhar para com ela quando Vernon lera a carta que Hogwarts enviara. Acabou por decidir que iria.

Quando seu corpo passou pela portinhola novamente, Harry já a esperava. Florence ficou surpresa quando o primo a puxou para um longo abraço, e fungou algumas vezes em seu pescoço, os olhos ardendo novamente.

— Florence! Você é uma bruxa! Eu nunca imaginaria, eu sempre soube que você era especial, mas sendo filha de seus pais eu nunca imaginaria isso... – Harry teria falado mais, mas via que a prima não estava gostando muito daquela animação toda.

— E o que tem isso haver? Meus pais nunca permitiriam ir para sua escola, Harry. Não vão deixar você voltar esse ano, tampouco. – Falou Florence, desanimada como nunca.

— Aposto que Dumbledore não nos deixaria aqui. Ele fará alguma coisa. – Mas nem Harry parecia acreditar muito em suas próprias palavras, deixando escapar um suspiro por entre os lábios.

Florence teria falado algo depois daquilo, mas um pequeno barulhinho chamou a atenção dos dois. Vinha de fora da janela do quarto de Harry. Pela penumbra da noite, Florence pode distinguir dedos, mas dedos não chegariam na janela do segundo andar. Não deveriam, pelo menos.

Quando a... coisa bateu novamente na janela de Harry, ambos se levantaram para averiguar o barulho, mas, antes que chegassem muito perto, uma cabeleira ruiva desgrenhada fez-se presente entre as grades. Um garoto ruivo e sardento, da idade de Harry, espiava os dois da janela.


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Notas finais do capítulo

Chegamos ao fim do primeiro capítulo!
Avisando que vou postar novamente no dia 07/08 (aniversário da Flor!).
Esperamos que tenham gostado e deixem reviews opinando ou simplesmente falando se gostaram ou não.
Por favorzinho, pessoal. Não deixem de enviar os reviews, isso nos impulsiona a seguir em frente ao vermos que tem pessoas aproveitando o nosso trabalho.
FELIZ ANIVERSÁRIO PARA O NOSSO QUERIDO HARRY!