Unnecessary feelings escrita por Phaerlax


Capítulo 1
Lying Coldly


Notas iniciais do capítulo

EU TINHA UM ESBOÇO DE CASO COM MISTÉRIO MORTES JULGAMENTOS E PLOT TWISTS MAS EU NÃO SIRVO PRA NADA AAAAAAAAAAAAA ME PERDOE DEUSA COMECEI HOJE

a giula gostou então a culpa é dela também



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31/12/2016, 3:12 PM. Gatewater Mall, praça de alimentação B.

Havia pouquíssimas pessoas. Funcionários desesperados o suficiente para trabalhar no último dia do ano apodreciam detrás de seus balcões, à espera de fregueses que vinham a conta-gotas. Enquanto caminhava, Miles Edgeworth não ouviu ninguém cochichando às suas costas ou tentando fotografá-lo com celulares. Desde quatro dias atrás, aquilo era sua definição de paz.

Sentou-se a uma pequena mesa, frente a um estabelecimento que se propunha a ser uma casa de chá, de acordo com a logomarca cafona sobre o balcão; no entanto, havia muito mais junk food aleatórias do que chás requintados no menu. Edgeworth não estava ali para apreciar uma refeição, porém. Havia trabalho a fazer.

Largou sobre a mesa as gordas pastas que trazia debaixo do braço e abriu a primeira, retirando parte da papelada contida ali dentro e pondo seus óculos de leitura. Ainda restavam algumas horas antes de o shopping fechar precocemente naquele feriado; talvez conseguisse examinar aquele caso e começar outro. Regressar a casa mais cedo simplesmente porque outro calendário seria inaugurado no dia seguinte parecia tolice para ele, mas supunha que era um preço pequeno por aquela tranquilidade anormal; sequer havia pessoas em mesas vizinhas.

Mal virada a primeira página, sua paz lhe foi negada.

— Feliz ano novo, senhor! Posso anotar seu pedido? — A voz desnecessariamente animada vinha de uma garçonete em sua visão periférica.

— Chá preto, por favor. — Ergueu o olhar para a garota, esforçando-se para não franzir o cenho. Era apenas uma jovem tentando ganhar algo em comissão naquele dia parado; não havia motivos para ser grosseiro — Com açúcar, sem leit-

Oh! — Os olhos da garçonete se arregalaram e iluminaram em reconhecimento. Edgeworth rendeu-se a seus instintos e franziu o cenho profundamente, já prevendo o que estava por vir — Você não é o promotor que...

A voz e sorriso da jovem vacilaram e ela recuou um passo ao perceber a intensidade com que o olhar do freguês a fulminava.

 — Chá preto com açúcar e sem leite, pra já! — disse, por cima do ombro, enquanto anotava o pedido e corria de volta à segurança do balcão. Edgeworth suspirou e desceu os olhos de volta à papelada, certo de que logo a garçonete postaria o ocorrido em alguma rede social e um repórter amador surgiria para abordá-lo acerta do incidente no lago Gourd e o caso DL-6.

Que seja, decidiu, enquanto perscrutava meticulosamente os documentos que tinha em mãos. Aquilo já demoraria demais em seu ritmo atual; se precisasse encontrar um novo local para trabalhar a cada vinte minutos, jamais terminaria. E tinha pena de quem tentasse interrompê-lo.

“A defesa apresenta a possibilidade de uma terceira parte na cena durante o ocorrido...”, leu. Edgeworth forçou-se a conter um riso de desdém. Lembrava vagamente daquele julgamento; sua adversária afirmara que, hipoteticamente, o irmão gêmeo do cliente poderia ter deixado as impressões digitais na arma do crime. Ridículo, pensara na ocasião – um pensamento que ecoava agora. O relato de sua testemunha decisiva desmentira aquela hipótese esdrúxula. Em retrospectiva, porém... seria, de fato, impossível?

Mais impossível do que dois homens estarem a sós em um barco na madrugada, um deles ser baleado e o outro ser inocente?

Edgeworth vencera aquele caso, como o prodígio que era. Até recentemente, reler aqueles registros e imaginar o réu em sua cela seria um motivo de orgulho para ele; teria uma sensação de dever cumprido que renovaria seu ardor pelo ofício e a filosofia impiedosa com que von Karma o doutrinara. Agora, no entanto, cada trecho da argumentação da defesa paria dúvidas. Um sentimento desconfortável borbulhava em seu peito enquanto ele relia os fundamentos nos quais embasara inúmeras condenações. Fundamentos que nenhum dos advogados que enfrentara foram capazes de refutar, mas que, talvez... não fossem perfeitos.

Tirou uma caneta do bolso do paletó e pôs-se a destacar trechos problemáticos no relato de sua testemunha principal na ocasião. Havia vários. Em certas partes, a testemunha contradizia claramente suas alegações de que não conhecia os envolvidos. Se fosse o caso, aquilo punha em xeque a validade do testemunho inteiro. Como pudera ignorar aquilo em sua ânsia por um veredito de culpa...?

Não pela primeira nem pela centésima vez desde que ele próprio fora encarcerado há menos de uma semana, Miles Edgeworth imaginou a quantidade de inocentes que poderiam estar apodrecendo atrás das grades – ou debaixo da terra – por sua causa. Era nauseante e enlouquecedor. Ansiava por revirar os registros de todos os casos em que havia atuado desde que recebera seu distintivo.

Mas, ao mesmo tempo, temia o que encontraria. Era quase imperceptível, mas suas mãos tremiam enquanto ele folheava os documentos. Até então, já revisara oito casos que vencera; em nenhum deles constatou que o réu era, na verdade, inocente. Mas a possibilidade existia e, em alguns, chegava a ser palpável. Era uma questão de tempo até que encontrasse um caso em que seus erros houvessem levado o juiz a uma decisão injusta.

Não sabia o que faria quando isso acontecesse. Não sabia o que podia fazer. Mas a noção o assombrava e o compelia a continuar procurando, até que tivesse investigado meticulosamente cada canto e recanto de sua carreira.

E isso não aconteceria tão cedo, aparentemente. Sua paz logo lhe foi negada de novo.

— Você é difícil de encontrar, sabe? — disse um provável jornalista em sua visão periférica. Danações. Sequer tirou os olhos de sua papelada quando murmurou “nada a declarar”.

Para o total desconcerto de Edgeworth, o homem puxou a cadeira oposta a ele e se sentou à sua mesa. Atônito com tamanha empáfia, o promotor encheu os pulmões para citar seus direitos; quando seu olhar injuriado caiu sobre o ofensor, porém, a respiração foi interrompida.

— Como vão as coisas? — Phoenix indagou, debruçando sobre a mesa com um sorriso afável nos lábios, como se sua presença fosse completamente normal. — Espero que tudo esteja voltando ao normal.

Edgeworth recuperou a compostura rapidamente, apesar de estar fumegando de irritação por dentro. A última coisa de que precisava era bater papo com a causa de sua lenta descida à insanidade, não?

O que... — começou, perdendo-se nas diversas perguntas que lhe saltavam à mente — O que você está fazendo aqui, Wright?!

A expressão de Phoenix murchou um pouco, como se ele esperasse por outra reação.

— Me preocupando com a sua saúde. Você desapareceu desde o fim do julgamento e parece que esqueceu da existência do seu telefone. — O advogado riu, apesar da aflição que se notava em seu tom. — Seu escritório está vazio quase o dia inteiro.

— A intenção era me distanciar de distrações desnecessárias. Julguei que estivesse bastante evidente.  — Edgeworth cerrou as pálpebras e massageou uma têmpora enquanto falava, fazendo questão de que sua irritação também estivesse bastante evidente. — Você me seguiu...?

— Detetive Gumshoe me disse que perguntou por você no prédio do Ministério e descobriu que você aparece lá uma vez por dia, pega documentos do seu escritório com pressa e sai — contou. Em seguida, levou a mão à nuca e desviou o olhar, um tanto sem jeito — Eu meio que montei acampamento na porta por algumas horas e segui seu carro quando apareceu.

Perturbador.

— Obrigado pela preocupação. Passo bem — agradeceu em tom de escárnio e desceu os olhos para a papelada sobre a mesa. — A mídia ainda está interessada demais no incidente. Recebo ligações constantes, por isso abandonei o telefone. Agora, se me dá licença, tenho trabalho a...

Wright puxou os documentos para longe. O promotor tentou impedi-lo, mas não foi tão rápido.

— Por que não faz isso na tranquilidade do seu escritório? — Folheou os registros rapidamente, antes de Edgeworth arrancar-lhes de suas mãos — Isso é um caso de 2013...

O promotor o encarou de um jeito com que já se acostumara há algum tempo. “Eu não lhe devo explicações e sua existência me aborrece”, o sobrolho carregado parecia dizer. As olheiras profundas eram uma novidade alarmante, porém.

— Você tem se olhado no espelho ultimamente, Edgeworth...? Parece que não dorme há dias. — Wright relanceou a pilha de pastas sobre a mesa — Revisando casos ganhos?

— Catalogando — alegou, categórico. — A desorganização dos meus arquivos me incomodava e decidi reestruturá-la durante o recesso forense.

Wright não parecia convencido.

— Temo que suas alegações contradizem as evidências. Primeiro, as olheiras: não creio que deixaria de dormir para organizar suas prateleiras.

— Mera conjectura-

— Segundo! — Wright o interrompeu, debruçando-se sobre a mesa tal qual faria com sua bancada em tribunal — Esses registros têm trechos destacados... aparentemente, trechos que um advogado destacaria para defender seu cliente.

Edgeworth percebeu a garçonete se aproximando com seu chá e aproveitou a oportunidade para desviar o olhar. Infelizmente, a jovem deixou a travessa às pressas e foi embora imediatamente, ainda traumatizada por sua antipatia.

— Estou aproveitando a oportunidade para identificar pontos em que minha performance poderia ter sido melhor — O promotor afirmou, levando a xícara aos lábios. — Não compreendo o problema e gostaria de poder retomar meu...

Em um instante, os olhos de Phoenix dardejaram dos documentos para o rosto de Edgeworth e de volta para os documentos. Uma súbita tensão já bem conhecida pelo promotor se instalou no ar; a tensão que precedia um-

Protesto! — exclamou, um pouco alto demais. A garçonete olhou a dupla por cima do ombro, confusa, antes de continuar seu recuo ao balcão — Você esteve no banco do réu e, agora, está considerando a possibilidade de ter... cometido alguma injustiça. Não é verdade?

— Isso não... — “faz sentido algum”, pretendia retorquir, mas. Mas.

A sensação de náusea percorreu seu corpo quando percebeu que estava ocultando deliberadamente a verdade. Ele pousou a xícara, com o tremor quase imperceptível da mão. Wright percebeu.

— Edgeworth. Eu entendo. Mesmo. — Não estava acostumado a ser o receptor de olhares intensos como aquele. A determinação na voz de Wright revirava as aflições que borbulhavam em seu peito — Você enxergou o mundo pela visão de von Karma por tempo demais. Mudar de perspectiva tão bruscamente não pode ser fácil. Mas revirar o passado dessa forma não vai melhorar nada.

— É simples dizer coisas assim quando o peso não está sobre as suas costas — Edgeworth trincou os dentes — Eu não quero falar sobre isso, Wright. Você já enfrentou meus demônios por mim uma vez.

Fez menção de se levantar, mas Phoenix segurou seu braço.

— Tenho medo de te deixar sozinho com esses demônios — disse em voz baixa e embargada. — Você parece prestes a... quebrar, Edgeworth. Me deixe-

— Eu não... — Desvencilhou-se do aperto frouxo de Wright — Eu não preciso da sua pena!

A expressão chocada do outro fez Edgeworth perceber o quanto tinha erguido a voz. Algumas das poucas almas presentes na praça de alimentação dirigiam-lhes olhares curiosos.

— Não é pena, é...

Um longo momento passou. A palavra não veio.

— Perdoe-me se soo ingrato. Não é minha intenção. — Levantou-se, encaixou os documentos sob o braço e fez uma pequena mesura apologética — Agradeço imensamente por seus esforços no tribunal. Mas devo lutar minhas próprias batalhas daqui em diante.

— Isso não é- — O promotor deu-lhe as costas e começou a se afastar — Edgeworth! Espera!

Edgeworth esperou. Virou-se e viu que o outro lhe estendia algo – um cartão em que se lia “Escritório de advocacia Wright & afiliados”.

— Se você mudar de ideia sobre isso. Meu número e endereço. — Miles pegou o cartão e o examinou, sua expressão indecifrável — Por favor, me procure se pensar em fazer algo... algo de possa se arrepender.

Edgeworth o encarou por alguns segundos, segurando o cartão. Em vez de guarda-lo, porém, ele o pousou na mesa, junto com uma nota de vinte dólares pelo café em que mal tocara.

— Se chegar a isso, procurarei um psiquiatra — disse, mais seco do que pretendia. — Passe bem, Wright.

Então virou-se de vez e se foi, apressado, antes que Phoenix pudesse pensar em algo mais a dizer, deixando o advogado com a sensação de que tivera um cliente condenado.

 

×

 

31/12/2016, 5:58 PM. Edifício do Ministério, quarto 1202.

Abriu a porta. Há pouco tempo, o identificaria como seu escritório; todavia, ultimamente sentia uma forte repulsa por todos os detalhes daquele aposento. Pertencia a uma pessoa diferente, um célebre promotor inescrupuloso que faria tudo por uma condenação. Aquele ambiente rejeitava o ser caído e esfrangalhado que se esgueirou para dentro, portando documentos roubados de seu legítimo dono e uma mente corroída por sentimentos desnecessários.

Ele caminhou até a parede tomada do chão ao teto por prateleiras carregadas de arquivos. Parou a um passo dela e despejou as pastas no chão, em cima de outras que já examinara. Havia mais centenas nas estantes, porém. Edgeworth não ousava erguer a face e esbarrar o olhar nas lombadas, cujos títulos lhe trariam memórias dos processos. Seus crimes poderiam estar à espreita naquelas prateleiras.

Logo despencou sobre a cadeira, voltando-a deliberadamente para a janela, de modo a manter tanto os arquivos quanto a maldita moldura fora de seu campo de visão. Sentia que chumbo corria por suas veias; estava exausto.

Sim, ele não dormia há bastante tempo. Claro que Wright estava certo. Wright estava sempre certo no final, não é mesmo?

Sabia que o sono não viria. Ainda que seu corpo estivesse exaurido até o limite, seu cérebro continuava a fervilhar, febril e tomado por ânsias conflitantes. A vontade de virar seu histórico de ponta-cabeça para certificar-se de que não havia mácula alguma e o temor indescritível da possibilidade de haver várias.

Massageou as têmporas, sentido que sua cabeça começava a latejar. Pegou-se querendo gritar, mas supunha que era apenas uma impressão; o que realmente precisava era extrair aquelas sensações de seu peito. Miles não estava acostumado a emoções naquele nível primal.

Se Wright não tivesse ressurgido e posto minha vida em chamas...

No fim, todas as estradas levavam a Wright, não? O advogado estreante era o epicentro daquele terremoto que derrubara todas as peças de seu tabuleiro. Sem Wright...

...pelo menos três pessoas inocentes teriam sido condenadas por assassinato, contando comigo. Pelo menos cinco criminosos estariam à solta.

Edgeworth suspirou profundamente, contabilizando a quantidade de peso que Wright impedira de cair sobre as suas costas. Sabia muito bem que não tinha motivos para odiá-lo. Não, seu ódio era direcionado a si mesmo, à criatura desprezível que fora.

Tudo que Wright fez foi apresentá-lo àquela criatura. Fizera Edgeworth despencar de sua zona de conforto e cair no abismo de angústias em que rastejava atualmente – além do pequeno detalhe de livrá-lo da pena de morte. De alguma forma, era capaz de interpretar aquilo como uma injúria digna de ressentimento. Talvez, no fundo, só quisesse continuar sendo o infame “Promotor Infernal”, livre daquelas querelas morais.

Mas o asco que sentia das próprias ações era forte demais para aquilo ser verdade.

Sua vontade de gritar se manifestou em um grunhido involuntário; como suspeitava, pouco serviu para amenizar aqueles sentimentos. Pensar em Wright fez virem à tona o encontro recente. A mistura de tristeza e aflição que notara no rosto e na voz do outro, preocupado com ele, apesar da maneira deplorável como o tratara.

Edgeworth se pôs de pé. Aquele turbilhão de sentimentos desnecessários estava substituindo sua exaustão por ansiedade. Queria chutar alguma coisa, agora. Era uma sensação inédita em sua vida.

Ele devia, no mínimo, um pedido de desculpas a Wright. Deveria ter pegado aquele cartão – deveria ter dito o que precisava ser dito lá mesmo. Mas o que precisava ser dito?

Miles Edgeworth não era nenhum imbecil. Àquela altura, já percebera que Wright nutria sentimentos mais que fraternais por ele. Tinha certeza de que não os reciprocava – mas cá estava, tendo um colapso nervoso cujo tema era ninguém menos que o novato de cabelos espetados. O que Edgeworth sequer sabia sobre afeição? Julgava ter perdido sua capacidade de amar naquele elevador, há quinze anos.

Debruçou-se sobre a escrivaninha, encarando o próprio rosto vagamente refletido na superfície polida. Estava realmente com um aspecto horrível. Nunca teria descoberto se Wright não tivesse mencionado. Naquele ritmo, definharia.

Aquilo era certamente cômico, de algum ponto de vista. Acumulava angústias que só uma pessoa poderia entender – uma pessoa que, por sinal, era basicamente seu único contato humano – e rechaçava essa pessoa violentamente, irritado com suas tentativas de aproximação.

Tentou gargalhar, apesar de ser incapaz de enxergar o tal ponto de vista. Não funcionou muito melhor que gritar, mas provou que estava perigosamente próximo de um surto psicótico. Suspeitava que chutar algo também não resolveria.

Estava claro que a única coisa a se fazer com aquele tipo miasma era despejá-lo sobre alguém.


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Notas finais do capítulo

aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa