A governanta escrita por Sirukyps


Capítulo 1
Capítulo 1




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Minha esposa foi sequestrada por um empresário que recentemente adquiriu poder. O pior é que o considerava meu amigo, já que estudávamos juntos desde a metade do fundamental. Ele era atencioso e sempre conseguia tudo o que eu desejava. Inclusive o troféu da feira de ciências, com o qual perdi noites preparando diversos projetos durante anos para ganhar. Ele ganhou no primeiro ano que participou como se fosse uma coisa muito simples. Sim, eu o parabenizei e sorri, como se realmente estivesse feliz por aquela miserável derrota. Contudo, eu sabia perder. Só não imaginava que perderia tanto. Perdi a presidência do Grêmio Estudantil, sendo obrigado a me conformar como o seu vice. Perdi diversas viagens, tendo que me conformar com passeios na casa de seus familiares. 

Mesmo assim, apesar da raiva, eu não conseguia odiá-lo. O toque de seus dedos, enquanto me animava... Eu me sentia a pessoa mais especial do universo. Este garoto parecia ter olhos de raios-X, pois conseguia detectar os anseios mais profundos da minha alma. Ele conhecia meus prazeres e descontentamentos muito melhor que eu mesmo. Acredito este ser o motivo pelo qual continuei com aquela amizade por tanto tempo. 

Próximo ao término do ensino médio, minha família foi surpreendida por uma terrível crise financeira. Nossa empresa ameaçava fechar as portas, levando nossos móveis, imóveis e automóveis. Meu pai cometeu suicídio motivado pelo desespero. Minha mãe não aceitava a repentina desgraça e continuava frequentando os bailes da alta sociedade, tentando sustentar um status que já não lhe pertencia. 

Eu saia toda manhã para procurar um emprego, contudo todas as portas estavam fechadas. Eu não poderia me formar naquele ano, pois não tinha condições de continuar frequentando aquele caro colégio. Meu amigo sabia que tinha algo errado e me oferecia ajuda, embora, eu apenas sorrisse e mentisse afirmando que estava tudo bem. Não queria que os outros tivessem conhecimento sobre os meus problemas. Principalmente, não queria preocupá-lo. 

E foram alguns meses assim, até que minha mãe chegou com uma boa notícia. Um casamento arranjado. Inicialmente, fui contra a ideia. Isto era tão ultrapassado. Como também, eu desejava viajar bastante e viver com uma pessoa que encontrasse pelo acaso. Imediatamente, juntei minhas forças para me posicionar contra. Aliás, a pobre menina também não merecia tal coisa. 

Neste momento, minha mãe afirmou que a garota foi quem havia lançado a proposta, inclusive, existia infinita pressa para que tudo ocorresse o mais rápido possível. Fiquei surpreso, no entanto, mantive meu posicionamento. Naquele dia, o clima ficou tenso e fui para o meu quarto. 

Quando saí para jantar, havia vários convidados na sala como se ocorresse uma comemoração. Terminei de descer as escadas, e todos viraram para mim, aplaudindo alegremente. Pior que eu trajava um pijama (calça e camisa) de bolinhas azuis, cabelos bagunçados e aquela irrepreensível cara de sono. Fiquei vermelho de vergonha. Desejava desaparecer, no entanto minha mãe veio ao meu encontro, chamando-me para cumprimentar os convidados que abafavam as indiscretas risadas.

Dentre os convidados, estava meu amigo, perto da porta da sala, junto com uma bonita garota que sorria bastante como se escutasse piadas sucessivas. Procurando o motivo para os risos, encarou a escadaria, fitando-me seriamente como se estivesse profundamente decepcionado. Não havia motivos para aquele olhar. Eu não sabia sobre a comemoração para que pudesse aparecer com roupas melhores. E o certeiro olhar não desviava, tanto que me senti bastante incomodado e pedi a minha mãe para me preparar corretamente. 

Ela sorriu e aceitou, dizendo que eu necessitaria me apressar, pois devia aproveitar aquela festa de noivado, afinal, amanhã eu seria um homem casado. Insatisfeito, não retruquei. Estava tudo decidido e não adiantava gritar. Eu era somente outro peão naquela partida de xadrez decidida. A angústia apertava minha garganta e as lágrimas escorriam pelos meus olhos, agora eu entendia porque o papai havia cometido suicídio. Talvez, a morte fosse o portal de transição para a liberdade. A única forma de romper estes desajustados finos fios que movimentam os nossos membros superiores e inferiores.

Abri meu guarda-roupa e peguei um dos meus ternos. Vesti rapidamente na suíte do meu quarto e arrumei o cabelo. Limpei as lágrimas e respirei profundamente para aparentar satisfação. Poderíamos vender a casa.  Era uma antiga mansão, a qual estava na nossa família há duas gerações. E eu não precisava de um espelho tão grande no meu quarto. Nem de todo aquele luxo. Poderia viver em uma casa pequena, quentinha e habitada pela felicidade. 

O problema era a minha mãe. Ela havia agarrado esta oportunidade com um abraço de urso e jamais permitiria a minha fuga. Suspirei, cansado de ser covarde. Tudo que existia em frente aquele espelho era um homem covarde e cheio de tolos sonhos. O mundo não precisava disto e, um dia, eu poderia terminar como o meu pai se não estivesse satisfeito. 

No entanto, eu nem conhecia a garota e já estava fazendo esta tempestade. Deveria descer e tentar espionar o que o futuro me reservava e depois decidiria meu próximo passo. 
Deste modo, desci e cumprimentei os convidados. A jovem que conversava com meu amigo mais cedo, aproximou-se e me deu um leve beijo nos lábios. Afastei-me, assustado, enquanto ela sorria como uma meia lua minguante, permitindo palavras escapar diante os diversos risos: 

— Você é tão fofo, meu marido. 

— Você não deveria fazer isto. – Repreendi imediatamente. 

— Mas nos casaremos amanhã. – Comentou meio tristonha, franzindo o cenho, enquanto fitava-me com aqueles grandes olhos negros e carentes. – Você não me ama? Pretende me deixar sozinha assim como todos sempre fizeram? 

— Eu não a conheço... – Confessei receoso, tentando compreender aquela situação. Ela era bonita, jovem, vestia-se bem... Seria completamente inaceitável rejeitá-la perante a sociedade, ainda mais considerando a minha atual situação... 

— Ainda não, mas teremos uma vida juntos e farei de tudo para que seja muito feliz. 

— Eu também farei... De tudo... – Completei pensativo, tentando seguir a onda com um evidente sorriso forçado. –... Como posso chamá-la? 

— Minha noiva. – Respondeu rapidamente. Neste momento, percebi que até mesmo os seus olhos sorriam. Talvez, ela fosse um anjo se materializando das cinzas do desespero para me salvar. Nunca fui religioso, contudo acho que estas coisas de “milagres” podem acontecer. 

— “Minha noiva”. – Repeti, quando senti uma mão quente e pesada segurar o meu ombro, chamando minha atenção. 

Virei para cumprimentar o convidado e era o meu amigo. Sorri, todavia, realmente, ele estava zangado e deixava mais evidente pelo contorno das grossas negras sobrancelhas.  Fiquei sem jeito, apesar de curioso sobre seu mau humor. 

— Dudu! – Apressou-se a minha noiva, abordando-o como se já o conhecesse. – Este é o meu noivo, Jorge Cavalcante, - Levemente possessiva, enfatizou. - Então, não o toque, pois ele é meu amor. Apenas meu. Inclusive, ele afirmou que você deveria se afastar, pois deseja me proteger dos seus desejos lascivos. 

Eu não compreendia aquelas palavras e ri sem jeito como se fosse uma brincadeira. Só poderia ser. Meu amigo lançou um olhar de desprezo, e, ignorando aquelas palavras, pediu para conversar comigo em um local mais calmo. Sorri e pedi um segundo para a minha noiva que permitiu insatisfeita, assim o acompanhei até o jardim, seguindo-o dentre a multidão para não o perder. 

Caminhamos até o centro do jardim, onde tinha apenas o chafariz jorrando água e alguns bancos de cimento. Era um local com privacidade, cercado por altos muros em canaletas de plástico, os quais permitiam as plantas enraizar como uma floresta vertical, cativando atenção pelas diversificadas texturas, cores e volumes diversificados vegetais.  

Ele chegou primeiro e sentou na parte cinza da fonte, acho que era cimento ou concreto, não entendo muito sobre os materiais utilizados na construção da minha casa. Este ficou em silêncio como se esperasse alguma atitude da minha parte. Retirou um cigarro do terno, acedendo, parecia concentrar certa a raiva no objeto, enquanto evitava me encarar. A perna esquerda balançava irritada. 
Eu fiquei observando, confesso que estava com um pouco de medo.

— Eduardo, você só queria fumar? – Comentei, tentando quebrar o gelo, contudo não funcionou. – Acho que isto não incomodaria os convidados, inclusive, você pertence a esta casa. 

— Pertenço? – Perguntou, após expelir um pouco da fumaça pela boca. – Sim, pertenço. – Continuou, virando-se em minha direção e fitando-me com seriedade. - Não apenas a sua casa. Sou uma parte importante da sua vida.   

— Sim, você é. – Confirmei sorrindo sem jeito. 

— Contudo, é com ela que você irá se casar. 

— Você está zangado? – Indaguei. – Você está com ciúmes? 

— E por que não estaria? – Perguntou seriamente, arqueando a sobrancelha esquerda, levantando-se e aproximando-se do local onde eu permanecia parado. 

Eu dei dois passos para trás, conforme ele avançava. Ele estava estranho. Definitivamente estava. Nunca havia o visto tão zangado em toda a minha existência. 

 - Jorge... – Neste momento, sua afeição se tornou mais dócil. Lembrava um cachorro abandonado em um dia chuvoso, deixando mais evidente sua mágoa. – Sabia que recebi a herança de um tio inglês. Tem dois dias... Eu queria te contar antes, mas você estava tão preocupado que nem mesmo prestava atenção nas aulas. 

Era o que eu necessitava neste momento. Um tio que me deixasse uma grande herança e novamente ele conseguiu. Só que... Droga! O muro não permitia que eu recuasse mais, contudo, ele também parou. Frete a frente. E continuou: 

— Eu estava tão preocupado... Sabia que havia algum problema desde a morte do seu pai. Você estava tão distante...  Mas não é sobre isto que quero falar. Você não precisa se casar. Eu posso te ajudar, mas não faça isto. – Suplicou, aproximando-se mais e tocando a maçã do meu rosto com apreço e carinho, como se eu fosse um valioso e raro objeto, enquanto seus negros olhos continuavam me analisando profundamente quase explorando minha alma.

Meu corpo ficava quente, devido o medo. O coração acelerava de maneira estranha, devido o medo. Ele parecia tão determinado em me ajudar. Não conseguia desviar meu olhar, pois temia ele deduzir que eu não levava suas palavras a sério.  Seu rosto se aproximava, assim comentei, mesmo que as palavras não desejassem sair. 

— Confesso que eu não queria me casar... 

— Não precisa. – Afirmou, balançando a cabeça negativamente para reforçar o que dizia, enquanto se aproximava mais do meu rosto como se tivesse hipnotizado por alguma desconhecida energia.

— Mas... Você a ama tanto assim? 

— Não. Eu não a amo. – Respondeu levemente zangado pela minha colocação, como se a estranha hipnose perdesse um pouco do efeito.

— Então porque a deseja tanto? Realmente, vocês parecem bem próximos... 

— Droga, Jorge! – Exaltou-se, dando um muro com a mão livre contra as plantas atrás de mim. Permitindo que o cigarro aceso caísse ao chão. 

— Eduardo! Não machuque as plantas. 

— Eu deveria machucar você? – Perguntou maliciosamente, levando a mão até a gola da camisa branca que ficava por debaixo do paletó, segurando esta com firmeza e guiando meu rosto para mais próximo do seu. Eu podia sentir o vento daquelas palavras.

— Jorge! Jorge! – Minha mãe chamava, preocupada com minha ausência na festa. 

— Eduardo, eu já entendi que você a ama, mas não sou eu quem quer este casamento, é a minha mãe. Por mim, você viveria feliz com ela ou com qualquer outra garota. Mas... Não depende de mim... – Expliquei, mantendo o cenho franzindo em indignação e torcendo que ele entendesse. Usei as palmas das minhas mãos gélidas para empurrá-lo vagarosamente, este deu um passo para trás. Precisava de espaço para respirar, pois meu coração parecia que iria parar. 

— Então, fuja comigo! 

— E deixá-la sozinha? Que tipo de amante você é? – Perguntei indignado sem compreender tal atitude. 

— Não é por... – Ele continuava, quando foi interrompido pela chegada da minha mãe ao jardim. Eu o afastei assim que escutei o velho ferrolho sendo forçado e ele pegou outro cigarro e acendeu. 

— Jorge! – Bronqueou minha mãe, caminhando de salto entre as pedrinhas que compunha o chão do jardim. Dobrou o pé uma vez e quase torcia o tornozelo. – Como você pode desaparecer desta maneira? – Percebendo a presença do meu amigo, ela comentou. – Você não deveria está fumando, Eduardo. Ainda mais na presença do meu filho. 

— E você não deveria forçá-lo a se casar. – Retrucou cinicamente, levando o outro fumo novamente a boca. – Isto é ridículo. Tão ridículo quanto você. 

— Eduardo! – Exclamei desacreditado, olhando em sua direção. 

— Eduardo, isto é entre minha família e os Nabíh. Você não entra em nada. 

— Mãe! Eduardo ama aquela garota. – Comentei, esperando que ela trocasse de ideia e desistisse daquilo. Contudo, ela se aproximou de mim. Arrumou meu terno, espanando algumas folhas que havia caído nos meus desarrumados cabelos.

— Nossa, filho! – Observou, olhando atentamente para meu rosto. – Como você está vermelho. Contudo, só lamento pelo Eduardo, pois ela escolheu você. – Finalizou, lançando falsas condolências para meu amigo e puxando-me pelo pulso para retornar a festa.

Ele ficou lá. Sozinho como sempre viveu no colégio. Olhei para trás umas duas vezes e ele permanecia me olhando como se aguardasse uma repentina mudança de opinião. E até mesmo a fumaça expelida pelo pequeno fumo se distanciava rapidamente. Sentia-me mal por firmar matrimônio com a única pessoa que ele considerava especial na vida.  Desejava acabar com aquela palhaçada, mas minha mãe segurava meu pulso com força, determinada a concretizar aquilo. 

Suspirei, pois, naquele momento, apenas a minha respiração estava livre para escolher o que fazer. Tentando esquecer o olhar carente de Eduardo, retornei a desinteressante festa.


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