A Filha da Noite escrita por sutekilullaby, izacoelho


Capítulo 24
Capítulo 24


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo é maiorzinho, porque eu resolvi juntar dois em um só. Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/70174/chapter/24

  Minha mente entrou em colapso.

 

  — Não... Não, não, não... NÃO!

 

  Comecei a gritar e a chorar descontroladamente. Nico havia morrido. Nico havia desaparecido em meio a uma explosão de luz. Nico não estava mais entre nós. Nico havia me abandonado.

 

  Nico estava morto.

 

  Assim como Annabeth. Meus esforços para tentar salvar os dois haviam sido inúteis. Annabeth fora morta por um demônio que por acaso era minha irmã. Nico havia sido morto por uma Quimera. Se ele não tivesse saído para ficar sozinho. Se ele não tivesse tido aquele ataque de ciúmes. Se eu tivesse me certificado de que ele estava me seguindo, em vez de deixá-lo discutindo com Thalia. Se, se, se...

 

  Meus nervos estavam em frangalhos. Eu não sabia o que eu queria, eu não sabia o que fazer, eu não sabia nada. Uma parte de mim queria abrir uma fenda para o Tártaro e pular lá dentro. Outra parte queria se deitar na grama molhada e me encolher como um bebê, e passar o resto da vida vegetando ali. Outra parte queria acabar logo com isso, dar uma lição no papaizinho do monstro que havia matado meu namorado.

 

  Fiquei ajoelhada no local onde Nico estivera, a cabeça baixa, chorando sem parar e soluçando como louca. Atrás de mim, pude ouvir Heidi acordando e perguntando o que havia acontecido. Percy estava em silêncio enquanto Thalia explicava a ela em voz baixa. Percy era amigo de Nico. Ele devia estar sofrendo também. Mas não como eu.

 

  Não faço idéia de quanto tempo fiquei encolhida ali, chorando tanto que imaginei que fosse desidratar. Meus amigos foram pacientes comigo. Eles não me disseram nada e nem tentaram me consolar, e era assim que eu gostava da coisa. Já bastava que eu sentisse pena de mim mesma, não precisava de mais gente fazendo isso.

 

  A chuva ficava mais intensa, a noite mais escura, o vento mais forte, as presenças mais evidentes. Eu não me importava com nada disso. Por mim que matassem todo mundo, que me matassem, que Tífon se libertasse e ferrasse com aqueles deuses preguiçosos que ficavam no bem-bom do Olimpo enquanto os semideuses, seres completamente mortais, iam enfrentar o monstro mais poderoso de todos. Talvez Luke estivesse certo, pelo que Percy e Nico haviam me contado. Talvez os deuses não merecessem nossos ‘serviços’. Talvez eles fossem um bando de ingratos que sempre mandam os filhinhos fazerem o trabalho duro, enquanto eles ficam sentados assistindo e comendo ambrosia, e não mexem um dedo para nos ajudar. Talvez os deuses devessem ficar na deles e parar de vir à Terra para ter filhos com mortais, já que eles são tão poderosos. Afinal, para que mais os semideuses servem, além de lutarem as batalhas dos pais? E eles nunca dão um sinal de vida...

 

  — Olha, Mel — falou Percy cautelosamente, interrompendo meus pensamentos. Sua voz parecia perfeitamente normal. Como ele conseguia ficar normal? O amigo dele havia morrido! —, sei como você se sente, mas... Temos uma missão a cumprir.

 

  Minha expressão ficou sombria.

 

  — Nico está morto. — Falei com uma voz que mal reconheci como minha.

 

  — Nico não está morto.

 

  — AH, NÃO! ELE SÓ SAIU RESOLVEU BRINCAR DE CHUVA DE PURPURINA! É CLARO QUE ELE MORREU, IDIOTA. ASSIM COMO ANNABETH.

 

  — Isso não é verdade. — Percy me olhava com paciência, mas eu sabia que ele estava ficando irritado por dentro. — Você sabe que não. Melanie, acho que já te contei o episódio de quando cheguei pela primeira vez ao Acampamento Meio-Sangue. Minha mãe subiu a colina comigo, porque tinha um Minotauro nos perseguindo. O Minotauro a pegou e estava apertando tanto ela que ela ia morrer. Mas aí ela explodiu em luz, assim como Nico e Annabeth. Ela não estava morta. Hades a estava mantendo congelada no Mundo Inferior, para negociar comigo. Eles não morreram, Mel. Algum deus deve ter salvado eles por algum motivo, e você sabe disso. Nico te contou isso quando você pensou que Annabeth havia morrido.

 

  — O que Percy diz é verdade. — Thalia finalmente se manifestou. Heidi estava sentada ao seu lado, nos olhando atentamente. — Além do mais, você não se lembra da profecia? A visita a oeste seria prolongada, para resgatar três que iriam para o abismo, e seis retornariam ao final? Isso significa que mais alguém vai ir para o Hades. E nós vamos salvar esses três. E vamos voltar, nós seis.

 

  Aquilo era verdade. Dias atrás eu havia tido uma conversa quase igual a essa com Percy através de uma mensagem de Íris, só que com os papeis invertidos. Eu havia ficado tão desesperada por Nico que nem havia me lembrado.

 

  Pensar assim me trouxe um novo jorro de esperança e determinação. Eles estavam certos. Nico e Annabeth ainda podiam estar vivos. Retiro tudo o que havia dito sobre os deuses... Ou quase. Se for verdade mesmo que Hades os estava mantendo no Mundo Inferior, então os deuses não eram tão pouco dignos assim. Eles ainda tinham salvação, afinal.

 

  — Vamos acabar logo com isso. — Falei, levantando-me. Thalia e Percy sorriram, Heidi continuava nos olhando com uma indiferença incrível. — Vamos lá. Thalia e Percy, segurem as minhas mãos. Heidi, suba nas minhas costas.

 

  — O que você pretende, Melanie? — Thalia me perguntou com uma sobrancelha levantada.

 

  — Há muitas presenças por aqui. Os monstros estão se agitando, Tífon está perto da liberdade. Vários deles já devem ter sentido nosso cheiro, somos todos muito fortes. Eu vou simplesmente transformar a todos nós em sombras para andarmos tranquilamente até o vulcão. Agora, andem!

 

  Eles me obedeceram, e nos pusemos a caminho do Monte Santa Helena. Levamos algumas horas para chegar ao vulcão. Quando chegamos a chuva havia parado, mas o céu continuava muito escuro. Já não era mais noite, eu não sabia que horas eram. Passamos por muitos monstros, alguns que eu nunca havia visto antes. Mas foi quando chegamos ao vulcão que nossos problemas começaram de verdade.

 

  Parado na frente do Monte, como um guarda, estava um gigante. Ele tinha uns cinco ou até seis metros de altura, tinha músculos fortes e olhava para todos os lados. Já comentei que ele realmente parecia um guarda ali? Acho que já. Ele tinha olhos escuros atentos e barba abundante e preta, e cabelos encaracolados pretos. No lugar das pernas havia duas serpentes e ele usava uma armadura prateada tão brilhante que parecia esbranquiçada. Em vez de grama verde, o chão à sua volta era congelado.

 

  — Ah, não. — Thalia disse, baixo. — Encélado.

 

  — Encélado? Que porra é essa? — Heidi perguntou, sem a menor cerimônia.

 

  — É o irmão de Tífon. Ele não é nem de longe tão perigoso quanto o irmão, mas ainda assim é terrível. Ele foi aprisionado com Tífon no mesmo monte.

 

  — Então era ele o “titio” sobre o qual Equidna falou à Quimera. Eu nunca ouvi nada sobre esse tal Encélado. — Eu disse.

 

  — Ele não é tão conhecido quanto Tífon, também. — Percy disse. — Eu acho que devíamos lutar com ele.

 

  — O quê?! — Heidi perguntou. Ela podia ser realmente irritante quando queria. E quando não queria também. — Por que não passamos por ele, simplesmente?! Podemos passar como sombras! Ou eu posso chamar...

 

  — Seu cachorro só ia atrair outros monstros e chamar a atenção do gigante. —Eu a interrompi. Não ia falar na cara dura que não confiava no presente da mãe dela.

 

  — Se temos a oportunidade de matar um monstro... — Thalia falou pensativamente.

 

  — ...Por que não fazê-lo? — Completou Percy.

 

  Caí no chão. Graças aos deuses estávamos no meio de algumas árvores e mais ou menos longe de Encélado, então ele não podia nos ver.

 

  — Temos que bolar um plano, então. — Eu disse, cansada. — Não podemos simplesmente chegar nele com nossas armas e dizer “Hey, seu gigante idiota, viemos aqui te matar e derrotar o seu irmãozinho!”.

 

  Heidi revirou os olhos.

 

  — Você sempre diz coisas idiotas assim quando fica muito cansada?

 

  — Você é sempre ingrata assim com alguém que está cansada pelo esforço de te trazer aqui em segurança?

 

  — Se vocês começarem a brigar, vou jogar um raio em vocês. — Thalia se intrometeu.

 

  Heidi se preparou para responder alguma coisa, mas Percy foi mais rápido. 

 

  — Vocês não podem parar? Temos que lutar contra um gigante, não temos tempo para briguinhas internas. — Percy disse impacientemente. Ele estava certo.

 

  — O plano. — Lembrei-os. — Eu acho que devíamos dar um jeito de descobrir o ponto fraco dele. Aí, enquanto alguns de nós distraem ele, algum outro ataca. Fim.

 

  — Que brilhante. — Juro que se eu não estivesse tão cansada, Heidi já estaria fazendo companhia a Equidna há um bom tempo.

 

  — Tem alguma idéia melhor, bruxinha?

 

  — Se ao menos Annabeth estivesse aqui... — Thalia suspirou, enquanto eu ignorava o olhar cortante que Heidi me lançava. — Aposto que ela bolaria um plano perfeito em minutos. Ela bola estratégias perfeitas.

 

  — Ah, é. Mas, vejam que infeliz, ela não está aqui. — Mesmo Heidi sendo a mais descansada de nós, ela parecia também a mais impaciente. — Então, temos três opções. Primeira, seguimos o plano da Melanie. Segunda, tentamos pensar em outro plano, se algum monstro não aparecer do nada e nos matar primeiro. Terceira, simplesmente atacamos esse brutamontes sem droga de plano nenhum. Honestamente, eu prefiro a última opção.

 

  Eu não sabia se paciência e impulsividade eram características dos filhos de Hécate ou se eram peculiaridades de Heidi, mas ela estava realmente irritante com isso. Talvez tivesse sido melhor se eu não tivesse pedido sua ajuda para esta missão. Até agora, ela não vinha fazendo nada de bom além de dormir e reclamar.

 

  — Ótimo, Senhorita Esperta. Então, já que você é a toda-poderosa, faz o que você quiser! — Explodi. — Eu sei que fui eu quem aceitou que você embarcasse nesta maldita missão, mas você está bem diferente da garota que eu conheci. Porque a garota que eu conheci não era tão irritante, mal-humorada, preguiçosa e rabugenta como você. E quer saber? Por mim que você faça o que quiser. Vai lá enfrentar o maldito gigante, e se você morrer, não venha dizer que eu não avisei.

 

  — Ah, finalmente! — Pensei que ela fosse responder a tudo o que eu havia dito, mas essa foi a única coisa que ela disse. Então ela apenas tateou os bolsos da calça preta, e tirou de lá um pequeno apito prateado que parecia feito de gelo, e um anel dourado. Notei que os olhos de Percy ficaram maiores ao ver o apito. Heidi o levou aos lábios, mas não saiu som nenhum de lá.

 

  — O que foi isso? — Perguntei, sem notar mudança alguma na atmosfera. — Você invocou os demônios da sua mãe ou algo assim?

 

  Em resposta, ela apenas me lançou um olhar cético. Comecei a sentir uma presença e alertei os outros, eu e Thalia pegamos nossas armas, enquanto Heidi e Percy ficaram parados em seus lugares. Em seguida, um conhecido cão infernal pulou onde estávamos, sacudindo as árvores e quebrando os troncos das mais frágeis. Sem esperar, Heidi correu até ele e o montou como um cavalo enorme, e os dois saíram em direção a Encélado.

 

  — O que ela pensa que está fazendo? — Murmurei.

 

  — Ela ficou louca? — Ouvi Thalia murmurar.

 

  Voei para além das árvores, até uma altura onde tinha uma vista completa de tudo o que acontecia. Encélado já havia avistado o cão infernal vindo em sua direção, mas não a garota ruiva em cima dele, brandindo... Uma cimitarra? De onde ela havia tirado aquilo? Ah, sim. O anel.

 

  Quando o gigante enfim percebeu Heidi, e mesmo assim foi só porque ela deu um grito, ele empunhou uma enorme lança que trazia na mão e um escudo.

 

  — Quem sois? — Perguntou o gigante com sotaque grego que achei bem estranho.

 

  — Sou Heidi, filha de Hécate. Deixe-me passar se não quiser fritar nas profundezas do Tártaro!

 

  — Deste ponto não há como passares, filha da bruxaria! O grande Tífon está despertando, e devo impedir a passagem de qualquer um que ouse penetrar o Monte Etna para impedi-lo!

 

  — Monte Etna?! Se liga! Estamos no Monte Santa Helena, nos Estados Unidos, seu imbecil. Agora sai da minha frente!

 

  Heidi podia ser filha de Hécate, mas muitas vezes ela tinha o temperamento de uma filha de Ares. Senti o perigo se aproximando. Eu estava morta de cansaço depois de todos os acontecimentos da noite anterior, mas teria de agüentar mais um pouco.

 

  Encélado rugiu. Digo rugiu mesmo, um rugido que parecia completamente animal. Em seguida ele apontou a lança na direção de Heidi, e de lá saiu um raio branco. Exodus saltou para longe. No local atingido pelo raio havia agora uma pista escorregadia de gelo, em vez de relva verde.

 

  Desci até os outros. Eles estavam se preparando para entrar em cena e ajudar Heidi com o gigante quando pousei ao lado de Thalia.

 

  — Thalia. Você não lembra como esse monstro foi derrotado da primeira vez? Quando você ouviu a história ou leu em algum livro ou algo assim?

 

  — Sim, lembro. — A expressão de Thalia era concentrada. — Encélado foi derrotado por Atena. Ela o acertou com uma pedra gigante.

 

  — Ah, ótimo! E de onde vamos tirar uma pedra gigante? — Perguntei com ironia.

 

  — Não sei, mas é melhor ajudarmos Heidi.

 

  Aquilo era verdade. Heidi estava correndo em seu cachorro, sendo perseguida por raios de gelo que quase a pegavam. Ela apenas brandia sua espada com a lâmina curva, dizendo raivosamente algumas palavras em grego antigo. Imaginei se ela estava fazendo um feitiço ou algo assim? Provavelmente. Se ao menos eu conseguisse distinguir as palavras...

 

  Thalia subiu em algumas árvores altas e começou a atirar suas flechas prateadas contra o gigante. As flechas não tiveram grande efeito por causa da armadura que ele usava, mas ele ficou meio surpreso. No momento em que ele se distraiu, Heidi pulou de seu cão e tentou escalar o gigante, mas ele logo voltou a atenção para ela e a mandou para longe com um tapa, e atirou um raio que transformou Exodus em uma estátua de gelo. Voei rápido para tentar pegá-la antes que caísse no chão e se machucasse seriamente, mas nós duas fomos atiradas para trás por uma onda gigante que veio de algum lugar à nossa frente, no meio das árvores. Uma onda totalmente inesperada e repentina. Era uma onda grande mesmo. E forte.

 

  Não sei o que aconteceu ao gigante pelo fato de estar sendo atirada longe por uma onda avassaladora e pela quantidade considerável de água nos meus pulmões. Senti galhos de árvores raspando meus braços, pedaços finos de gelo se quebrando contra meu corpo, pedras e outras coisas que não consegui identificar batendo em mim, mas graças aos deuses, nada aconteceu desta vez. Quero dizer, nada de asas quebradas, nada de pulsos torcidos, nada de batidas na cabeça, nada de desmaios. Mas juro que pensei que ia morrer afogada.

 

  Até que finalmente senti o chão debaixo de mim —um chão liso e gelado, que imagino que devia ser obra de Encélado — e a água finalmente se dispersou. Minha visão estava embaçada e meus sentidos estavam mais fracos do que nunca. Quando minha visão melhorou, o que não demorou muito, olhei ao redor. Encélado estava atirado no meio das pedras da base do Monte Santa Helena. Algumas pedras ao seu redor estavam congeladas, a grama sob seu corpo também. Ele não parecia bem.

 

  Olhei para os outros lados, procurando meus amigos. Percy estava atirado no chão, inconsciente, próximo a várias árvores caídas e encharcadas. O projeto de tsunami dele havia realmente funcionado: eu não conseguia ver mais nenhuma árvore em pé por perto, a não ser as que tinham troncos muito grossos, e mesmo assim estavam sem a maioria dos galhos. Thalia, assim como eu, estava cuspindo água. Ela estava próxima aos pés-serpentes de Encélado, alguns galhos enroscados em seu cabelo, os braços cheios de cortes. Mas eu não conseguia enxergar Heidi. Tentei perguntar a Thalia sobre ela, mas minha voz não saía. Em vez disso, a única coisa que saía quando eu abria a boca era água, água e mais água.

 

  Então ouvi um barulho, como se as rochas estivessem se mexendo. Olhei em volta e vi Heidi em pé no topo da cabeça do atordoado Encélado, que piscava e girava os olhos. Heidi continuava com sua arma erguida, ainda murmurando alguma coisa em grego. Ela parecia perfeitamente bem, tirando os cabelos molhados e algumas roupas rasgadas. Ela fazia uma careta de esforço. Agora eu conseguia entender o discurso dela menos do que nunca. A única coisa que entendi foi quando ela gritou uma última palavra: . Terra.

 

  Aí tudo desabou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, o que acham que aconteceu com a Heidi? Falando nela, amanhã vou postar um desenho que fiz dela =D Ficou bem tosquinho, mas eu não desenhava a tanto tempo, acho que ficou aceitável. Tentei desenhar a Melanie também, mas a tentativa foi um fail tão grande que nem 'aceitável' ficou.
Reviews? n-n'