Mística Feminina escrita por Eponine


Capítulo 1
o problema sem nome




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1983

 

 

Acendeu um cigarro e passou a mão em suas madeixas lisas, fascinada.

Ela era ofensivamente linda. Passou a mão com o cigarro pendendo entre os dedos em sua boca vermelha, procurando algum defeito. Olhou seu anel de diamantes, dando mais um trago em seu cigarro.

Seu quarto extremamente grande e branco dava um toque gélido a Mansão tão escura dos Malfoy.

Virou-se em seu banquinho diante da penteadeira e olhou o homem adormecido na cama, tentando sentir algo. Abaixou os olhos e levantou-se, com o cigarro pendendo em sua boca. Já de saltos, ela desce para a cozinha e começa a passar o café, agitando a varinha como uma se estivesse em uma Orquestra, organiza a mesa com os três sabores diferentes de bolo, sucos, biscoitos e pães, todos retirados da maravilhosa revista culinária “Lugar de Mulher”. Então ela sobe e acorda Lucius, acorda Draco e o prepara para o café, muito paciente e mecânica.

— Devíamos comprar um elfo. — diz Lucius na mesa de vinte lugares, ocupando o central, lendo o Profeta Diário enquanto toma uma xícara de café.

Narcissa coloca Draco em sua cadeirinha, pronta para lhe dar sua papinha.

— Como quiser. — sorriu Cissy, dócil. Lucius retribuiu o sorriso, disperso. Após o marido partir para o Ministério, ela prepara Draco com suas melhores roupas, saindo pouco tempo depois para a lareira, a fim de teletransportar-se para sua consulta médica.

Tinha medo de ser receitado novamente os medicamentos que faziam seus pelos corporais crescerem de forma absurda, o que incomodava profundamente Lucius. Ele nem precisou mandar, ela cortou o medicamento imediatamente, mas começou a ter sintomas cada vez mais forte de sua insônia. Se demorasse mais um pouco, ficaria vinte e quatro horas sem dormir tranquilamente.

Já na clínica, Cissy teve uma ótima surpresa, lá estava Betty Nott, sua vizinha:

— Narcissa, que maravilha! — as duas se abraçaram após Cissy colocar Draco no banco da sala de espera.  — Você também vai consultar o Doutor Edward?

— Sim, ainda estou com insônia. — Betty riu com descaso.

— Ah querida, quem dera você fosse a única. Sabe Marie? Do fim da rua? Casada com Charlie? Bem, ela também está tendo insônia. Aliás, eu nem te conto! A filha de Amelie, a Grace, está indo para a Universidade, acredita?

Cissy não se surpreendeu, mas Betty parecia indignada.

— Ela sempre me pareceu inteligente. — comentou a mulher loura, um pouco irritada com a presença da Nott. Betty olhou-a com aversão.

— Inteligente? A inteligência não irá salvá-la de ficar solteira, isso eu lhe garanto. Enfim, ela tem planos para ser Enfermeira, eu acho isso um completo desperdício de tempo, se pelo menos fosse um curso de Culinária e... — Narcissa ficou surda espontaneamente, virando o rosto, fingindo ouvir Betty. Ela já não tinha paciência até mesmo para a sua melhor amiga. A achava repulsiva, fútil e burra feito uma porta. Sem contar que era moralista.

Levou um susto com seu pensamento exatamente na hora que fora chamada para o consultório. Despediu-se de Betty e adentrou no consultório do Dr. Edward, sentando-se de frente para ele, abraçando o adormecido Draco em seus braços. Os dois conversaram sobre a insônia de Cissy mais uma vez, como todas as vinte vezes que ela já fora ali:

— Senhora Malfoy, receio que precise de um psicólogo. Há um problema... Sem nome... que está assolando as mulheres da sua geração. — Narcissa uniu suas sobrancelhas, confusa. Psicólogos eram para mulheres loucas ou divorciadas apenas. Mas o Doutor fez a mesma expressão de sempre, como se Cissy fosse uma retardada mental e tudo precisasse ser explicado nos mínimos detalhes como se ela tivesse três anos de idade: — Esse tipo de insônia atinge as mulheres que começam a ter noção do espaço e do tempo... Como posso ser mais claro... Você está com inveja do seu marido.

— Desculpe? — Narcissa sentiu-se profundamente ofendida, jamais sentiria inveja de Lucius.

— Saber que seu marido é bem sucedido na carreira, estudado e o chefe da família faz com que você se sinta... Rebaixada. O que não é verdade, afinal, todos tem o seu papel e isso é extremamente importante. Não se preocupe, você não é a única, muitas mulheres têm sido atingidas com isso, apesar de algumas chegarem ao suicídio...

Narcissa fitou o nada, tentando absorver aquilo.

— Vou recomendar um remédio mais forte que o último, não irá alterar seus hormônios, pode ficar despreocupada. E Senhora Malfoy, recomendo que pare e veja a sua real importância, que não é grande como a de seu marido, mas é essencial: Você é a dona da casa, o que seríamos de nós sem uma boa refeição e uma casa limpa, não é? Sem contar uma esposa amorosa, então preocupe-se com seu marido, esse seu problema pode afetá-lo, e não é isso que queremos, certo? — o Doutor apontou sua pena para o Draco adormecido. — Criado como um príncipe, huh? Me lembro do seu desespero... Triste...

Cissy olhou o Doutor anotar sua prescrição em silêncio absoluto após o recado com a entonação de voz categórico e preciso (algo normalmente direcionado para pessoas surtadas) que recebia apenas de homens:

Seu avô.

Seu pai.

Seu primo.

Seu marido.

E em breve, receberia de seu filho.

Pegou a receita e agradeceu, dando-lhe o melhor sorriso que podia, como sua mãe lhe ensinou.

 

 

1963

 

 

O ambiente rosa do quarto de Narcissa Black dava um tom doce ao momento.

— Olhe para você... — Cissy olhou-se no espelho, séria. Sua mãe, atrás dela, parecia uma versão sua do futuro que voltara para admirá-la. Os olhos azuis brilhantes de Narcissa não eram os mesmos olhos azuis gélidos de Druella, mas o tempo cuidaria daquilo. A mulher pousou seu queixo no ombro da filha, ambas fascinadas com o que viam. — Veja como é linda.

Narcissa sorriu lentamente.

— A beleza é uma faca de dois gumes, querida. E você precisa saber usar os dois lados. — Druella ergueu-se novamente em seu vestido que custava uma fortuna e pousou sua mão fria próxima do pescoço de Narcissa, exibindo seu anel de diamantes.

— Mamãe, você escut... — A mão de Druella afundou na clavícula de Narcissa, fazendo a garota tremer de medo. Druella sorriu levemente, parecendo uma rainha dos contos de fada. Ela era perfeita, era tão linda que chegava a doer. Conseguia até mesmo deixar veelas desconfortáveis. Antes do Baile de Arrecadação do Ministério da Magia, Cissy tentara contar a mãe que viu seu papai, Cygnus, beijando outra mulher.

— Você nunca mais falar sobre o que viu. — sibilou Druella. — Entendeu?

Narcissa assentiu lentamente, com os olhos marejados de dor. A mãe finalmente a soltou quando a porta de seu quarto fora aberta por Cygnus Black. Ele arfou, parecendo ter visto um anjo. Sorriu lentamente para Druella, admirado.

A mulher soltou Narcissa e foi até ele, o beijando. A garota olhou a cena, confusa e assustada, não entendendo o porquê da mãe estar beijando seu pai, mesmo depois dela ter contado o que viu... Abaixou a cabeça, irritada consigo mesma e com os adultos. Olhou-se no espelho novamente.

 

 

1973

 

 

 

— Anticoncepcionais? — Narcissa olhou Bella, confusa. — Mas você está prometida...

— E daí? Eu sempre tomei. — Bellatrix tomou o copo de água. — É bom ter controle do próprio corpo, sabia?

Ela olhou a irmã, imersa em pensamentos. Contou o caso a Lucius e ouviu sua gargalhada misturar-se a fumaça que saia de sua boca. Ela deu mais um trago em seu próprio cigarro e aguardou ele terminar de rir em silêncio no jardim de Hogwarts. Olhou seu crachá de Monitor Chefe, muito bem polido.

— Sua irmã é uma puta declarada. — Ela trancou sua mandíbula, impassível ao olhar os olhos cinzas de Lucius. Ela aprendera com sua mãe aquele truque, após horas diante do espelho, treinando sorrisos e inexpressões. Tornou-se uma atriz digna de Oscar. — Mulheres fáceis como ela não arranjam maridos. Ela teve sorte de ter sido prometida a Rodolphus há muito tempo.

Narcissa tragou seu cigarro lentamente, apertando seus livros com tanta força que não havia nem mesmo uma gota de sangue circulando por ali. Ela sorriu para Lucius, jogando seu cigarro fora.

— Vou me atrasar para a aula. — disse ela, com uma voz dócil. Lucius também jogou seu cigarro fora e aproximou-se dela, tocando seu rosto.

— Não se magoe, querida. Sabe que não me refiro a você. Suas duas irmãs são putas, mas você... Você é a salvação da família. — ele sorriu para ela, confidente, e Narcissa retribuiu seu sorriso, mecânica.

Eles juntaram suas mãos e caminharam para dentro do Castelo, em silêncio. Durante das férias de Natal, Narcissa invadiu o quarto de Bellatrix e procurou suas gavetas seu conjunto de frascos de poção anticoncepcional. Olhou o frasco em sua mão, abriu e tomou o conteúdo cor de rosa, mesmo sabendo que era virgem.

Perguntou-se o porquê de ter feito aquilo.

 

 

2003

 

 

Narcissa olhou Astoria através do espelho, séria.

A mulher teve uma crise de tosse séria, cobrindo a boca com um lenço. Ela deu uma leve olhada para o que escarrou e amassou o lenço, parecendo abalada. Narcissa continuou retocando seu batom, ignorando as rugas em seu rosto. Guardou o batom em sua bolsa, continuou de olhos baixos, assistindo Astoria tentar abrir seu batom. Suas mãos pareciam não obedecê-la, parecia ter alguma deficiência que seus dedos não seguiam o que seu cérebro ordenava.

— Quer que eu passe? — ofereceu Cissy, virando-se para a mulher mais nova.

— Por favor... — agradeceu ela, envergonhada. A Malfoy aproximou-se da namorada de seu filho, pegando o batom e abrindo, o aproximando da boca da mulher. Ela tinha olhos verdes gigantes e intensos, infantis demais para seu rosto malicioso. Narcissa não gostava da cor de seu cabelo, castanho era muito... Comum.

— Essa doença... — Astoria fechou os olhos quando Narcissa afundou levemente o batom vermelho na boca da Greengrass. — Matou sua mãe, não?

Astoria ficou em silêncio.

— Te deixou órfã. — ela terminou de passar e fechou o batom, colocando na bolsa de Astoria, que já estava de olhos marejados quando Narcissa voltou a olhá-la. — Quer mesmo fazer isso com meu filho?

A mulher abaixou os olhos, trêmula, maneando a cabeça negativamente.

— Foi o que eu pensei. — disse Narcissa, voltando para a sua bolsa, estava próxima de seus sessenta e ainda tinha um semblante perfeito. Olhou Astoria de canto de olho e saiu do banheiro, retornando ao restaurante.

Seu aperto não serviu de nada, pois alguns meses depois ela teve que comparecer ao casamento de seu filho com aquela mulher. Cissy não conseguia saber se sentia pena ou raiva da mulher.

Não conseguia sentir raiva de suas iguais.

 

 

1993

 

 

Draco sentou-se na cama da mãe, observando a mulher se arrumar.

Ela estava coberta por um vestido azul, que combinava com seus olhos da mesma cor, e ele se perguntou se sua esposa seria tão linda quanto sua mãe. Ela notou o olhar penetrante do filho e sorriu para ele, colocando seus brincos de pérola. Ela parou e suspirou, o analisando.

— Como você cresceu rápido.

Cissy virou-se para o espelho novamente, tocado sua barriga, voltando a sensível sensação de quando estava grávida. Lembrou-se dos longos oito anos que passou tentando ter filhos. Olhou-se no espelho e pensou ver Druella ao lembrar-se das noites que passou seguindo Lucius pelas ruas, o vendo entrar nas casas de suas amantes.

As coisas que fazia por amor...

— Você está linda, mamãe. — Draco abraçou a mulher, já do seu tamanho. Ela sorriu para o espelho, agradecida por não ter tido uma garota. Choraria de tristeza se tivesse uma. Não é o melhor dos prêmios colocar mais uma pequena escrava no mundo. Beijou a bochecha de seu filho, limpando o rastro de batom em seguida, sorrindo enormemente. O garoto saiu do quarto, indo juntar-se ao pai na sala. Cissy passou a mão em seu vestido mais uma vez, olhando-se no espelho, tentando ver algo.

Ainda sofria de insônia, e do famoso problema sem nome, que assolava todas as mulheres do mundo trouxa e bruxo. 

Abaixou os olhos, saindo do quarto.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Faz tempo que eu li Mistica Feminina, foi em pdf porque POR ALGUM MOTIVO COMPLETAMENTE DESCONHECIDO esse livro simplesmente foi extinto nesse país, e se existe em algum lugar (tipo estante virtual), é tipo, 150 reais.

Enfim, leiam, é um dos melhores livros que já li na vida.

Quando eu releio o que eu escrevi, parece tão falso, é dificil acreditar que as mulheres dos anos 50 e 60 eram realmente tratadas como um segundo sexo (como já dizia a Simone de Beauvoir), não que o quadro tenha mudado muito, mas houveram avanços...

Espero que gostem.