Aokigahara escrita por Yennefer de V


Capítulo 5
A águia de fogo azul


Notas iniciais do capítulo

Apenas: LYSANDER ♥ Dominique ♥

(eu tinha saído correndo e gritando)



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Inglaterra, Brighton (Brighton Wheel)

 

Cole

 

O garoto Cole Coward olhava fascinado lá para baixo. Ele era pequeno para seus oito anos completados àquele dia, usava óculos pelo astigmatismo, roupas largas que o deixavam ainda menor e tinha o rosto rechonchudo. Não importava quantas vezes fosse à Brighton Wheel, sempre se encantava.

Ele e seu irmão mais velho Nicholas, de dez anos, que era mais alto, tinha olhos e porte autoconfiantes e uma aparência rebelde para a idade, estavam dentro da cabine fechada da roda-gigante, lacrada totalmente com um vidro esfumaçado negro para os passageiros aproveitarem a vista.

Na cabine caberiam oito pessoas. O pai deles confundiu o operador para deixar Cole e Nicholas irem sozinhos. Afinal era uma data especial, aniversário de Cole.

A vista, para Cole, era realmente de tirar o fôlego. O brinquedo tinha quarenta e cinco metros de altura e dava três voltas antes de parar.

Quando chegava ao topo Cole gostava de olhar para baixo, se sentindo muito mais importante do que o resto do mundo.

Ele enxergava os pontinhos que eram as pessoas na areia cor de creme e a calmaria da água azul do mar de um lado. Do outro, os prédios abaixo deles, a maioria de cor branca com janelas quadradas.

Nicholas não parecia impressionado. Seus braços estavam cruzados e ele exibia uma expressão de tédio. Ele começou a balançar a cabine agressivamente, se mexendo no banco e batendo os pés no vidro.

— Estou cansado dessa geringonça. Todo maldito aniversário.

Cole se arrumou em seu banco, claramente chateado.

— Eu gosto do alto.

Nicholas riu da expressão do irmão. Olhou pelo vidro da cabine.

— Olhe para eles, Col. Bando de trouxas admirando uma porcaria dessas. Só porque fizeram um monte de ferro girar em torno de si mesmo. É patético.

Cole olhou para os trouxas lá embaixo, a roda começando outra descida.

Nicholas voltou a cruzar os braços.

— Gringotes tem um brinquedo bem melhor. E é apenas um banco.— afirmou Nicholas, que tinha o favoritismo descarado do pai, o acompanhando sempre que podia em seus negócios.

Cole arregalou os olhos.

— Magia é essencial. – afirmou o garoto Nicholas, desdenhoso da sociedade trouxa. – Você verá. Vamos para Hogwarts e você verá.

Cole, que nunca tinha demonstrado nenhum vestígio de magia nas veias, se preocupou. Talvez fosse um trouxa como os avós maternos.

— E se eu não for bruxo? Se eu não receber a carta? – perguntou Cole esquecendo o prazer pelo passeio.

Nicholas deu uma gargalhada.

— Isso não é possível Col. Nossos pais são bruxos. Você vai aprender a voar em vassouras tão alto que vai esquecer esse monte de ferro.

Cole não queria esquecer a roda-gigante, mas ficou mais aliviado. Filhos de bruxos eram bruxos e ponto final. Nicholas sempre estava certo e era por isso que Cole o admirava tanto.

[...]

 

Japão, ilha de Honshu (floresta Aokigahara)

 

Escórpio

Ao anoitecer Escórpio ficou levemente melhor. Rosa estava de mãos dadas com ele, sentada numa cadeira ao seu lado. O quarto era tão pequeno que as pernas dela ficavam coladas à cama.

As chamas azuis o tinham esquentado e ele conseguiu comer um pouco do jantar. Dormir a tarde inteira em forma humana (com ajuda da Poção do Sono), aquecido e seguro tinha ajudado também. Ele aprendeu com Molly que algumas horas de descanso faziam muita diferença no processo de cura. Não acreditou até aquele momento.

Suas poucas feridas não cicatrizaram direito por causa da falta de nutrientes no sistema imunológico. Sua sorte era que nenhum ferimento era grave. Provavelmente Molly o tinha examinado e tratado enquanto ele estava inconsciente.

Molly o avisou que ele precisava comer. Ela não tinha levado nada na expedição para desnutrição. Os sintomas o deixavam fraco demais para se mover ou falar decentemente.

— Senti sua falta. – Rosa sorriu para ele de maneira doce como se ele só tivesse ido até a esquina.

Escórpio apertou a mão dela, sem querer gastar energia.

— Ele não pode passar por um interrogatório ainda! – Molly exclamou para alguém lá fora, perto da porta do quarto.

— Está anoitecendo, Molly. Ele vai sobreviver. Precisamos saber dos outros. E sobre Aokigahara. – a voz de Ted soou autoritária.

Molly soltou um suspiro cansado.

— Só vocês dois. – ela respondeu para um grupo que se remexia. – Você não.

— Eu sou seu namorado! – reclamou Lorcan, barrado na visita ao Escórpio.

— E eu sei o quanto você pode perturbar as pessoas. – Molly respondeu. – Vamos checar o Henry comigo.

— Ele só está falando maluquices. – soltou Lorcan, amargo.

Aparentemente, Molly o arrastou para longe dali, porque Rosa e Escórpio ouviram passos se afastarem da porta.

Imediatamente Ted e Lysander entraram no quarto.

— Bem vindo de volta Escórpio. – Ted sorriu. – Podemos conversar? Trouxe uma Poção Revigorante para melhorar seu animo.

Escórpio apertou a mão de Rosa e acenou afirmativamente com a cabeça. Rosa inclinou a cabeça dele para frente e Ted deu a poção para ele aos goles.

Aos poucos e com muito esforço Escórpio conseguiu falar as primeiras palavras desde seu sumiço em Aokigahara.

— Senti... Sua... Falta... Também... – gaguejou pra Rosa.

Ela quis dar-lhe um abraço forte, mas sabia que podia machucá-lo. Só apertou forte suas duas mãos.

Ted sentou aos pés de Escórpio, na beirada da cama. Lysander ficou em pé na porta.

— Melhor? – perguntou Ted receoso.

Escórpio fez que sim com a cabeça.

— Onde estão os outros? – Lysander decidiu parar de enrolar. A poção ia perder o efeito e iam ficar tagalerando sobre o estado do Inominável. – Zac, Oliver, Jack e Clifton. Você os viu depois do relatado no diário?

Os olhos azuis e melancólicos de Escórpio miraram Lysander. Sua cabeça levantou um pouco.

— Oliver morto. Clifton morto por uma Mortalha-viva. – explicou Escórpio em palavras entrecortadas, o único modo que ele conseguiu se comunicar.

Ted e Lysander trocaram olhares cheios de significação. Mortalha-viva era uma criatura rastejante e negra que parecia um cobertor com espessura gosmenta. Ela rastejava pelo chão, cobrindo todo o corpo da vítima até chegar à boca e asfixiá-la.

— Mortalhas-vivas vivem em climas tropicais. – Lys constatou. – Não num frio cortante como aqui.

Ted digeriu a informação. Lembrava-se vagamente disso.

— Muitas criaturas. – Escórpio informou. – Não daqui.

Lys arqueou as sobrancelhas com a nota enigmática.

— Zac e Jack? – perguntou Ted.

Escórpio balançou a cabeça negativamente.

— Zac foi atraído por um Hinkypunk. – listou Lysander se lembrando do diário de Clifton Cooper. – Jack foi arrastado por um Makura-Gaeshi. Talvez tenham sobrevivido. Nenhuma dessas criaturas mata.

Novamente Escórpio balançou a cabeça.

— Mortos.

— Como é que você sabe? – Ted arqueou a sobrancelha.

— Eu... Sobrevivi...  Como lince. – explicou Escórpio. – Frio. Muitas criaturas. Sem comida, sem água.

— O que você comeu? – perguntou Lysander curioso.

Escórpio fechou os olhos como se fosse uma lembrança ruim.

— Amassos. Besouros da Melancolia. Bribas. Crupes.

Eram todas criaturas mágicas que podiam ser fáceis presas para um lince, mas não era comida humana.

Ted se solidarizou por Escórpio. Lysander não se surpreendeu, seu rosto não se alterou. Rosa só apertou mais a mão do namorado.

  —  Não contem à Victorie. – pediu Ted, tentando melhorar o astral. – Por ultimo, para te deixar descansar... Você descobriu algo sobre Aokigahara?

— Uma construção... Abandonada. – respondeu Escórpio de imediato, se inquietando, o corpo ficou tenso de repente. - Muitas criaturas.

— Calma. – pediu Rosa. – Já chega Ted. – disse em tom de ordem para o auror.

Escórpio tornou a fechar os olhos e começou a tremer.

Ted se levantou e acompanhou Lysander para fora do quarto. Eles se entreolharam. Aokigahara era inabitada.

Como é que havia uma construção na floresta?

[...]

Ted

Assim que Ted saiu do quarto Victorie o abordou. Lysander seguiu para verificar a condição de Henry, que estava desmaiado e quando acordava parecia alucinar, falando coisas desconexas. Molly não tinha feito progresso com ele.

— Como ele está? – perguntou Victorie sobre Escórpio.

— Melhorando. – Ted respondeu.

Victorie estava ansiosa com o Onióculos e um pedaço de jornal na mão.

— Preciso te mostrar isso.

Ted a seguiu até a sala da barraca e sentaram no sofá de dois lugares. Já era madrugada. Ninguém tinha se deitado ainda.

— Olhe. – pediu Victorie estendendo o Onióculos para ele. - Eu registrei isso antes de encontrarmos o Henry.

Ted não entendeu, mas colocou os olhos nas lentes. Apertou o botão de play e viu a construção de tijolos cinza no meio da floresta virgem. Distinguiu um portal de abertura e manchas negras nas paredes. Estava tão estraçalhada que era como se alguém tivesse tentado se livrar do prédio. Depois viu a filmagem de um jovem fantasma ou eco, com Victorie dando zoom in em seu rosto.

Ele deixou o Onióculos no colo.

— Quem era aquele?

Victorie mostrou a foto do jornal.

— Acho que é o irmão do Primeiro Ministro. Nicholas Coward.

Ted olhou a foto e voltou a botar os olhos no Onióculos. O irmão de Cole Coward estava vagando morto por Aokigahara.

[...]

Lorcan

Primeiro ele ouviu os passos. Acostumado a estar sempre alerta e sendo um lobisomem, Lorcan tinha a vantagem de uma ótima audição. Eram muitos passos. Lentos e arrastados.

Ele só distinguiu que eram muitos e eram bípedes. Os seres tinham duas pernas.

Lorcan estava na cozinha bebendo Quentão para acalmar os nervos com Dominique.

Ele franziu a testa e foi até a entrada da barraca para verificar a origem do barulho. Viu Ted e Victorie numa conversa na sala. Molly, Lysander e Henry enfurnados em um quarto. Rosa e o moribundo Escórpio em outro.

Dominique, curiosa, o seguiu com o copo na mão.

Depois ele ouviu os lamentos. A bola de Lysander estava pendendo no ar exatamente como na noite anterior, livrando-os dos Hinkypunks. Os feitiços de proteção estavam em torno da barraca.

Mesmo assim Lorcan se apavorou com a cena. Ele preferia ter enfrentado dois lobisomens sozinho novamente.

Surgindo da escurecida floresta, vindo de algum lugar do inferno que era Aokigahara, um exército de pessoas se aproximava lentamente da barraca. Eram criaturas brancas como leite, os corpos em decomposição, alguns sem membros, com cicatrizes e arrastando os pés. Lorcan percebeu várias delas com marcas em torno do pescoço.

 Mentalmente ele contou pelo menos cinquenta.

Dominique deixou o copo com Quentão cair no chão. Lorcan disparou barraca adentro.

— INFERI! – berrou.

O olhar que ele trocou com Lysander foi de puro pavor. Lys e Ted se precipitaram para entrada da barraca. Dominique já estava lá, como se estivesse hipnotizada com os mortos.

Alguns Inferi já estavam barrados pela bolha invisível que eram os feitiços de proteção. Mesmo assim eles andavam sem sair do lugar, suas mãos estendidas para frente tentando alcançar o grupo.

Victorie, Rosa e Molly vieram em suas soleiras.

— Entrem. – pediu Ted.

Dominique cuspiu no chão.

— Nem pensar.

Victorie e Rosa se entreolharam. Elas não serviam de muita coisa contra as artes das trevas. Deram passos para trás, indecisas. Eram muitos Inferi. Molly fincou os pés no chão.

— Molly... – avisou Lorcan. – Você é mais necessária inteira.

Molly quis retrucar, mas o namorado estava certo. Se alguém, ou todos eles se ferissem naquele lugar, quem ia cuidar deles?

Molly virou o corpo e entrou. Victorie e Rosa a seguiram.

Dominique deu a mão para Lys, deixando claro que não tinha intenção nenhuma de sair de seu lado.

[...]

Lysander

 

Lys não entendeu como os Inferi foram atraídos para a barraca mesmo com sua falsa lua iluminando-os. Eles não gostavam de luz.

Como todas as outras criaturas os Inferi estavam agindo de forma anormal. E pior, Inferi eram armas de bruxos das trevas, e não criaturas que apareciam normalmente pelos cantos do mundo.

Alguém tinha feito aqueles mortos andarem.

Os suicidas de Aokigahara, Lys deu-se conta, horrorizado. Um exército de suicidas trouxas. Por isso não encontramos nenhum corpo em nosso caminho.

Todo o exército estava batendo contra a proteção invisível da barraca a menos de cinco metros deles.

A mão de Dominique tremia segurando a de Lys. Era um pesadelo.

— Não vai aguentar muito tempo! – constatou Ted.

— Temos um plano? – perguntou Dominique.

— Fogo! – Lorcan concluiu logicamente.

— Seria preciso MUITO FOGO. Não teríamos controle. Arriscaríamos queimar toda floresta. – Lysander respondeu estupidamente.

— Nós apagamos depo...

— NÃO DÁ PRA ARRISCAR! – Lysander o interrompeu.

Com aqueles três falando asneiras era impossível pensar. Se todos os Inferi abrissem o campo de proteção seria improvável detê-los sem queimar a barraca. Não era possível tentar uma fuga com Escórpio e Henry nas condições em que se encontravam. Várias mãos estavam abrindo o campo de proteção, como se penetrassem numa pele invisível.

LUMOS SOLEM!— berrou Lysander para o buraco. As criaturas pegaram fogo, voltando os corpos para trás, e as labaredas na frente da abertura impediram temporariamente que outros Inferi arriscassem entrar por ali.

— Lys! – ele ouviu a voz de Lorcan do outro lado da barraca. Nem tinha percebido o irmão sair do seu lado.

INCENDIO! – Lorcan gritou para mais alguns intrusos na parte de trás da barraca.

Não, não, não, Lysander pensou. Eles estão ao nosso redor. Estamos mortos. Aokigahara vai nos matar.

Ele correu em torno da barraca, vendo pontos distintos de invasão pelos mortos. Os Inferi estavam entrando por todos os lados. Trombou com Dominique. Puxou ela pela mão até encontrar Ted e Lorcan.

— Protejam a barraca. Feitiços de proteção. Um atrás do outro. Não a deixem queimar. Não os deixe entrar.

Lorcan colocou a mão no ombro dele, prevendo seu próximo passo. Lysander se desvencilhou. Olhou para os olhos azuis de Dominique.

— Eu te amo. Eu sinto muito. Diga ao Ben que eu o amo.

Então correu para perto da barreira invisível, colado com os Inferi. Dominique o viu sumir entre os mortos.

— NÃO! – Dominique tentou ir atrás dele, mas Lorcan a impediu.

Feitiços de proteção. Um atrás do outro. Não os deixe entrar.— repetiu Lorcan.

Dominique estava tremendo, soluçando e as lágrimas a impediam de ver direito.

O fogomaldito de Lys ganhou vida no ponto em que ele tinha se colocado para fora da barreira de proteção no meio dos mortos. Eram labaredas altas e em vários tons de azul, da altura de dois trasgos um em cima do outro. Tinha a forma de uma águia gigantesca. A águia feita de fogo abriu suas asas ao redor da barraca e sobrevoou baixo ao redor dela, lambendo os Inferi que estavam invadindo.

Enquanto isso Lorcan, Ted e Dominique protegiam alguns pontos em que a águia não conseguiu queimar algum Inferius intruso e continuavam a refazer incansavelmente os feitiços de proteção na barraca.

Só que talvez não fosse necessário. O feitiço das trevas de Lys tinha forma e consciência, voando ao redor da cabana, batendo suas asas feitas de labaredas azuis, abrindo e fechando o bico como se estivesse engolindo os Inferi.

Aos poucos sua tonalidade foi diminuindo o brilho.

Victorie, Molly e Rosa saíram da barraca, espantadas com a movimentação e o brilho azulado que entrava pelo portal.

A águia de Lys foi desaparecendo e sua bola de luz no céu também, aumentando cada vez mais a escuridão na barraca. Alguns deles acenderam as varinhas.

Por fim, dando uma última volta na barraca, a águia sumiu, deixando apenas a fuligem dos corpos que antes era o exército de Inferi.

O chão em torno deles estava repleto de cinzas. Não havia mais sinal de criatura nenhuma. O ar estava tomado por uma fumaça negra e poluente. Victorie começou a tossir sem parar. Nenhum deles enxergava mais nada.

Nenhum feitiço das varinhas iluminava mais na penumbra da noite de Aokigahara. A escuridão era completa.

Sem conseguir distinguir nada, tapando o nariz com o casaco masculino de Lysander que estava usando, Dominique deu alguns passos para frente.

— Lys? – chamou numa voz fraquinha.

— LYSANDER? – gritou Lorcan de outro ponto.

Dominique esperou por uma resposta.

Então deu um berro desesperado na silenciosa Aokigahara, caindo de joelhos no chão.

[...]

 

Grã-Bretanha, Escócia (Hogwarts)

 

Cole

 

Cole devia estar empolgado, animado, excitadíssimo como todos os colegas ao seu redor.

Cole preferia estar com Nicholas no topo da Brighton Wheel só para esquecer o que estava acontecendo.

A viagem com os barquinhos o aterrorizou. A água com certeza estava muito gelada. O que aqueles bruxos pensavam ao atravessar crianças de onze anos por um lago sinistro daquele numa noite tão escura?

E aquele saguão enorme? Era do tamanho de uma casa! Se o saguão era daquele tamanho, Cole imaginou o tamanho do castelo inteiro. Ele se perderia com facilidade. Que droga. Quem queria estudar num labirinto de escadas, saguões e portas gigantes?

E a tal Seleção? Como assim Cole teria que passar seu tempo vago com desconhecidos que seriam “sua família”? Cole tinha uma família. Ninguém se importou em perguntar se ao menos ele queria passar o ano todo em um internato. E se ele quisesse assistir às aulas durante o dia e voltar para casa depois? Ele não teve opção.

Foram os fantasmas que mais assustaram Cole. Eram pessoas mortas. Deviam estar adormecidas, com os olhos fechados, descansando. Não, em Hogwarts eles voavam pelo castelo enorme, todos machucados.

Por que eles não morreram direito?, perguntou-se Cole. Por que ficaram perolados e machucados presos em um castelo feio desses?

Cole teria perguntado a um deles se não estivesse tão apavorado e revoltado.

E aquele céu falso no Grande Salão? O céu visto da Brighton Wheel sim era impressionante porque era real. Não era um truque feito por pessoas de chapéus esquisitos. Por que eles precisavam usar aqueles chapéus bicudos como uniforme?

Ficou na fila, ansioso, esperando que chamassem seu nome. Estremeceu ao ver o chapéu falante. O chapéu tinha um rasgo que era uma boca! Ele cantava e falava!

Sonserina, Grifinória, Lufa-Lufa e Corvinal.

Cole achou que não tinha nenhuma das características das chamadas Casas. Tinha alguma coisa errada naquele lugar. Ele não era ambicioso, não era justo, não era sábio nem ousado (o que era ser ousado?). Ele decidiu perguntar ao Nicholas.

Ele achou as velas acima deles muito perigosas. E se as ceras delas caíssem nas cabeças dos alunos que estavam nas mesas?

— Cole Coward. – chamou uma voz que estremeceu Cole.

Vou colocar o chapéu na cabeça, pensou Cole. Ele vai dizer que eu tenho que voltar para casa. Não sou um bruxo.

— GRIFINÓRIA! – o chapéu anunciou.

Cole era ousado. Ele nem sabia o que era isso. Também era leal e corajoso. Sabia o que era ser corajoso, Nicholas era muito corajoso. Mas não sabia o que era ser ousado.

Cole foi para a mesa da Grifinória com as pernas tremendo. O fantasma de lá conseguia tirar a cabeça do corpo. Cole não entendeu se era bom morrer e continuar vivo daquele jeito horrível, mas o fantasma parecia satisfeito.

Talvez seja uma escolha, pensou Cole. A gente morre e escolhe ficar como fantasma ou não. O que será que Nicholas escolheria? Ele iria embora. Nicholas é corajoso.

Cole só decidiu comer porque estava faminto. Caso contrário, teria recusado a comida do internato.

Estava tão revoltado que queria que Nicholas estivesse lá para ver o quanto a mágica era ridícula. Mas Nicholas não tinha recebido a carta.

Cole odiava aquela escola por não ter convidado seu irmão para estudar lá.

[...]

Japão, ilha de Honshu (floresta Aokigahara)

 

Dominique

Lysander era tão bonito. Dominique se lembrava de achá-lo imensamente mais atraente que o irmão, mesmo magrelo, de óculos de finos aros, com um olhar gentil e curioso. Lorcan, no entanto, tinha fúria e impaciência no olhar, além de momentânea frieza.

Quando a fumaça espessa, poluente e negra do fogomaldito baixou, Dominique e Lorcan encontraram Lys caído no chão, próximo do lugar em que ele tinha se enfiado no meio dos Inferi.

— Ele não está respirando! – Dominique gritou.

Mãos a empurraram para longe. Dominique lembrou-se de ter sido Molly mais tarde.

ANAPEO! — Molly apontou o condão para o pescoço do pálido Lysander.

O condão era a ferramenta mais importante de Molly. Era uma espécie de varinha de prata, mais fina e mais curta. Tinha um prisma pequeno como pingente. O condão foi desenvolvido especialmente para feitiços de medibruxaria, bipava Molly no St. Mungus e ficava pendurado em seu pescoço com uma corrente de prata.

Molly colocou a orelha no nariz e boca de Lysander e percebeu que ele voltou a respirar. Seu peito se contraia fracamente, demonstrando a respiração.

— Ele vai ficar bem. – Molly anunciou para todos e Dominique percebeu que seu rosto estava aliviado.

Ela achou que Lys fosse morrer, constatou Dominique.

Molly diagnosticou que Lys tinha desenvolvido lesões térmicas pela fumaça e aquilo tinha fechado sua glote, impedindo-o de respirar.

Dominique, aos berros, pediu que ela “falasse língua de gente”.

Molly explicou pacientemente que “a garganta dele tinha se fechado pela temperatura alta, impedindo a passagem de ar”.

Molly também fez Lys beber Poção Limpa-Ferida para curar as lesões nas vias aéreas. Não que tivesse sido fácil. Lorcan virou a cabeça do irmão para trás e Molly ficou jogando goles, um ritual que demorou demais.

Depois ela deu uma Poção Para Acalmar para Dominique, que bebeu com Rum de Groselha Vermelha. Tanto ela como Lorcan haviam levado bebidas alcoólicas em suas mochilas.

Mais tarde, quando Dominique estava limpando aos poucos a fuligem negra no rosto e no corpo de Lys com um pano e uma bacia de água, Molly foi ajudá-la e informou que talvez ele tivesse desmaiado de cansaço extremo também. Molly dopou Lys com a Poção do Morto-Vivo para que ele dormisse muito e se recuperasse. Iam alimenta-lo com poções. 

Deitado na cama, já limpo e coberto, com os cachos castanhos ainda cheios de uma substancia preta e gordurosa que foi o que restou do fogomaldito e Dominique não conseguiu lavar sem movê-lo demais, Lys ainda era a pessoa mais bonita do mundo.

Ele saiu contra um exército de Inferi sem saber se conseguiria controlar um feitiço das trevas para salva-los. Saiu esperando a morte, até se despediu de Dominique.

Era a pessoa mais bonita do mundo.


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Notas finais do capítulo

[1] Confesso que pensei em terminar ali naquela parte que a Dominique grita (de maldade). Confesso também que pensei em matar o Lys. Mas na fanfic em que eles adotam o Benji ("Mãe?Eu?!") o Ben perde os pais num incêndio. Ai vortei né.

[2] Lys foi da Corvinal, a forma do fogomaldito dele foi inspirado na Casa, claro.

[3] Não sei o que mais. Acho que foi o capítulo que mais tive medo de escrever junto com "Não passe por isso sozinho". Tava escrevendo de madrugada e parei, pq ouvi uns barulhos e já tava td mundo dormindo. Tipo cagona ¹²³

[4] Não tem bruxo das trevas nessa fic só pra adiantar.

E CEIS? Que acharam?

[ADENDO] descobri depois que "Inferi" é o plural e "Inferius" é o singular. Arrumei!