Aokigahara escrita por Yennefer de V


Capítulo 3
“Não passe por isso sozinho”


Notas iniciais do capítulo

WELCOME TO AOKIGAHARA o/



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Japão, ilha de Honshu (floresta Aokigahara)

 

Rosa

 

Rosa tentava ficar calma. Ela, em geral, era uma pessoa calma. Sua profissão tratava de cooperação mutua entre os seres mágicos e ela era a representante bruxa, a chamada guardiã. Era seu dever (e característica essencial) ter empatia não apenas com seres humanos (fossem bruxos, trouxas ou inmágicos – como eram chamados os abortos pela Cúpula e bruxos conscientes, já que “aborto” era considerada uma palavra pejorativa).

 Porém, enquanto seguia o grupo, liderá-lo agora por Ted, Rosa não conseguia entender por que a sociedade trouxa maltratava tanto seus indivíduos. Diferenças sociais, privilégios para uns e opressão para outros, pressão social para aparentar uma determinada forma física e ostentar certos bens materiais, para se moldar a estereótipos pré-concebidos e tantos outros fatores. Não que o mundo bruxo não tivesse tais características. Só que Rosa trabalhava para diminuir o fardo dos bruxos e todos os outros seres. Ela tinha votado recentemente na Cúpula com os guardiões a inserção de um guardião inmágico.  Apenas o duende votou contra. Depois que Quim Shacklebolt se aposentou, o processo foi misteriosamente arquivado, como se nunca tivesse existido. Com tantas outras tarefas a resolver Rosa não conseguiu investigar melhor o sumiço de seu projeto pessoal.

Os acontecimentos em Aokigahara a deixavam ainda mais intrigada. Estava decidida a resolver o mistério da floresta, além do motivo pessoal, o desaparecimento do seu namorado Escórpio.

Estava tão entretida em devaneios que não percebeu o grupo parar por um momento na frente de uma placa.

— “Sua vida é um dom precioso. Por favor, pense nos seus pais, irmãos e filhos. Não guarde os problemas para si. Não passe por isso sozinho.” – recitou Ted de modo automático lendo a placa, escrita em letras japonesas e segmentais. – E abaixo tem um telefone para uma Associação de Prevenção de Suicídio... – ele finalizou.

Rosa sentiu-se novamente atordoada. Recostou-se ao braço do amigo Lorcan, a pessoa mais próxima que ela tinha naquele grupo. Molly, que estava do outro lado, franziu a sobrancelha, mas não falou nada.

Por que eles entram em uma floresta tão bonita para acabar com a própria existência?, perguntou-se Rosa. O que está fazendo bruxos e inmágicos morrerem lá dentro?

Aokigahara era totalmente verde. As copas das arvores eram tão juntas que a luminosidade da manhã era parcialmente anulada pela falta de espaço para chegar na floresta.

Não havia sinal de vida animal. Nem de flores ou pessoas. Seguiram por uma trilha de terra, cercados pela vegetação, até que Ted parou em uma corrente que impedia o caminho para a direita, aprofundando-se na floresta.

— Temos que entrar. – ele avisou.

— Tem um aviso de proibido. – Molly falou desnecessariamente, apontando para uma placa pendurada na corrente.

— Os Inomináveis foram pesquisar floresta adentro. – resmungou Lorcan. – Ninguém iria se matar numa trilha permitida para passeio.

O grupo se entreolhou.

— Então vamos. – Dominique deu de ombros, insensível às sensações estranhas que Aokigahara trazia a Rosa. Ela abaixou o corpo, passando por baixo da corrente e o grupo, um por um, a seguiu.

Rosa ainda segurava o braço de Lorcan.

 [...]

Inglaterra, Londres

 

Henry

Henry passou o dia todo com curiosidade sobre aquela mancha vermelha que o estava seguindo. Não estava embaçando seus olhos. Estava distante. Ele achou parecida com o brilho avermelhado de um semáforo. Era até redonda.

Também percebeu o corvo em plena paisagem urbana de Londres, mas esse não ficou tão presente.

— Ben. – Henry chamou o filho de Lys e Dominique, de quem estava cuidando junto com a esposa Roxanne, enquanto estavam voltando a pé do mercado de trouxas. – Você está vendo aquela luz vermelha?

Benji virou para o lugar que Henry estava apontando. Era a entrada de uma loja de conveniência.

Ben arqueou as sobrancelhas.

— Não tem nada lá.

Henry percebeu que a luz havia sumido.

— E o corvo pousado lá? – Henry apontou para um cabo de energia elétrica.

Benjamin olhou para cima e franziu os olhos.

— Você está zombando de mim? – perguntou Benji desconfiado.

— Não. – respondeu Henry. – Eu tinha visto...

Deixou o assunto morrer.

Pelo resto do dia Henry viu a luz, mas não focou seu olhar nela. Quis esquecê-la. O corvo apareceu na janela do apartamento de novo, mas bateu as asas e sumiu durante o anoitecer.

Ele estava apreensivo fazendo o jantar feito trouxa (porque era um aborto). Benjamin foi tomar banho e Roxanne estava na sala com Pandora. Decidiu perguntar para a esposa.

— Rox? – chamou Henry da cozinha. Ele estava colocando as batatas dentro do óleo para fritarem. Rox brincava com Pandora no chão da sala mais a frente. O apartamento não tinha divisória entre a cozinha e a sala. 

— O que há de errado? – perguntou Roxanne, percebendo a preocupação na voz dele. Roxanne era boa em captar os sentimentos das pessoas.

— Acho que preciso ir ao oftalmologista. Ou ao St. Mungus. – Henry exclamou, ouvindo o barulho da fritura na panela. – Estou vendo um ponto vermelho o dia todo. E um corvo.

Roxanne se intrigou.

— Um corvo?

— Umas três vezes...

— Não era um pombo?

Henry ficou confuso.

— Não... Não sei.

— Eu te examino no St. Mungus amanhã. Lá é mais preparado. – Roxanne o acalmou, já que era medibruxa.

Henry ficou mais tranquilo e voltou sua atenção ao jantar.

Eles jantaram e colocaram Benji para dormir no outro quarto. Depois esperaram a energizada Pandora dormir em seu berço. Só então deitaram em seu próprio quarto.

Henry não dormiu. Ficou observando a pequena bola de luz vermelha na escuridão do quarto por alguns minutos, finalmente analisando-a decentemente.

Ela o levaria para casa, constatou entorpecido. Para o fim.

Henry levantou e começou a se trocar. Ele tinha visto o caminho.

A trilha, a estrada, o roteiro, o destino... Era o que a luz significava. Estava apontando a trajetória de sua vida. Estava chamando-o para o local em que tudo terminava.

— Henry? – chamou Roxanne da cama, acordando com o barulho dele.

Ele não respondeu. Roxanne acendeu a varinha.

— Por que você está se trocando? É meia-noite.

Os olhos de Henry continuaram procurando seu blusão esportivo mais quente no armário. Ele tentaria explicar, mas ela não entenderia. E ele perderia tempo. Roxanne era uma bruxa. O caminho, a estrada, o roteiro, o destino... Não eram os mesmos para ela. Ela era de outro mundo. Henry era alguém que precisava de um fim.

— Eu vou caminhar. – respondeu de forma convincente.

Roxanne o olhou sem entender.

— De madrugada?

— Não consigo dormir.

Roxanne levantou.

— Henry... Tem alguma coisa que você não quer compartilhar comigo?

O destino... Era melhor não ter vida nenhuma do que viver uma vida abortada.

— Preciso pensar um pouco. É coisa de trouxas. Você nunca iria entender. – respondeu Henry rispidamente.

Roxanne sentiu como se tivesse levado uma azaração dele. Henry era doce e gentil. Ele nunca falava com grosseira.

— Então ... Boa caminhada. Tem ideia da hora que vai voltar? – fraquejou a voz dela.

Era o local onde tudo terminava... O que será que vinha depois?... Ele seria capaz de voltar?

Roxanne colocou uma mão no ombro dele de forma delicada.

— Não toque em mim. – ordenou Henry agressivamente. – Você não vai me impedir. Você não entenderia. Você é uma bruxa.— cuspiu a palavra como se fosse uma ofensa.

Roxanne deu dois passos para trás.

— Não acorde as crianças. – retrucou de modo autoritário e magoado.

Henry grunhiu algumas palavras de volta que ela não entendeu.

Se a luz o tivesse chamado para Tóquio antes, ele teria o problema de conseguir um visto e uma viagem de mais de vinte horas.

Só que havia o corvo.

A luz estava indicando o fim. O corvo o levaria até lá.

[...]

 

Japão, ilha de Honshu (floresta Aokigahara)

 

Lysander

 

Eles caminharam até o anoitecer, guiados por Ted, que fitava o mapa. Lys andava de mãos dadas com Dominique. Lorcan também segurava a mão de Molly distraidamente, enquanto Rosa andava ao seu lado. Victorie vinha atrás com seu Onióculos, fazendo muito barulho e exclamações exageradas.

— Você pode diminuir o ruído? – pediu Lysander educadamente, olhando para trás. – Você devia levar sua vida mais a sério.

Victorie passou a fazer menos barulho, sobressaltada pelo aviso dele.

Fizeram duas pausas. Beberam água, se alimentaram e continuaram. Até que a noite começou a escurecer a floresta.

Lysander percebeu que era muito silenciosa. Nem o vento fazia barulho entre as arvores.

Puxando levemente Dominique com ele, foi até Ted, que estava sentado no chão analisando a rota da Expedição Sinistro.

Lorcan, Molly, Rosa e Victorie estavam montando a barraca.

Lysander se ajoelhou de frente para Ted e Dominique o acompanhou.

— É uma floresta vulcânica? – perguntou Lysander.

Ted ergueu os olhos do mapa, que aparentemente estava cheio de anotações também, coberto por pedaços de pergaminhos cortados de qualquer jeito, e assentiu com a cabeça.

— Ela nasceu da lava seca quando o Monte Fuji entrou em erupção há muito tempo.

Lysander assentiu, olhando ao redor.

Estava escuro. Todos eles estavam com as varinhas acesas.

— Não tem animais aqui? – perguntou Dominique com curiosidade.

Lysander, ainda ajoelhado, balançou a cabeça.

— Sem vida selvagem. Sem flores.

— É tão verde... – comentou Dominique. – Mesmo no inverno.

— Como se sempre estivesse preparada para te receber para a morte. – falou rispidamente Lorcan. – Como se tivesse algo de errado com ela.

Lysander olhou friamente para o irmão. Lorcan o ignorou.

— Terminamos de armar a barraca. Querem dar uma olhada lá dentro?

[...]

Victorie

A barraca era imensa por dentro. Tinha dez quartos numa fileira (que só cabiam uma cama de solteiro e uma cômoda precária), separados por paredes de madeira fina, com portas da mesma madeira.

Victorie sabia que os quartos eram uma besteira. Que assim que eles se preparassem para dormir, a irmã iria se juntar na cama de Lysander, Molly ia para cama de Lorcan e mesmo ela ia dormir com Ted, espremida.

Talvez fosse por isso que Rosa parecesse tão deprimida.

A fileira de quartos ficava ao lado direito. No lado esquerdo havia uma cozinha, uma sala com um sofá e duas poltronas mais macias que aquelas camas minúsculas.

No meio da barraca havia uma grande mesa quadrada com dez cadeiras. Havia também um banheiro que era (graças a Merlin) apropriado para uso perto da sala.

Victorie sabia que o namorado da irmã, Lysander, era bom na cozinha. Ou melhor, ele era bom com feitiços que faziam a cozinha trabalhar sozinha.

Ela jogou seu Onióculos, a mochila e o pergaminho em que estivera fazendo anotações sobre a floresta com a Pena de Repetição Rápida em um quarto aleatório e se juntou a ele no preparo do jantar.

Lysander agradeceu a ajuda.

Um corvo entrou pela entrada da tenda e pousou em uma cadeira, os observando lá do centro. Lysander semicerrou o olhar e pegou a varinha.

— Não. – pediu Victorie. – É só um corvo.

— Aokigahara não tem animais. – argumentou Lys.

— Nem matava bruxos ou abortos. E olha só o que aconteceu. – ela deu de ombros. – Ele é um sobrevivente. Deve gostar dos corpos.

Lysander abriu a boca para retrucar, mas foi impedido por Rosa, que entrou na cozinha, abrindo totalmente a porta de lona. Seu rosto estava pálido. Suas mãos tremiam.

— Vocês precisam ver isso.

Lysander a acompanhou rapidamente sem perguntar nada e Victorie foi atrás.

[...]

Lorcan

 

A escuridão da floresta estava tomada por fantasmas.

Eram pelo menos dez na visão de Lorcan, pairando debilmente acima deles, rondando a barraca, entre as arvores mais pra frente, os olhos desfocados, claramente desorientados e perdidos.

No entanto, alguns deles pareciam conscientes e sãos. Eles olhavam diretamente para o grupo, os olhos raivosos ou deprimidos, sem vontade de se aproximar.

— Ei! – Victorie se aproximou de um deles, que parecia com vontade de morrer, o que era uma piada.

O fantasma se afastou rapidamente como se Victorie fosse contagiosa, mas o grupo ouviu um guincho assustado antes de ele sumir.

— Alguns falam. – constatou Ted estranhando. – Outros estão simplesmente... Apáticos...

— São ecos.— Rosa explicou.

 Lorcan viu que ela estava chorando discretamente.

— Ecos? – perguntou Ted.

— É a versão de fantasma para os inmágicos. Os a-a-abortos. Eles não têm magia o suficiente para deixar uma presença consciente, mas conseguem ficar como... Ecos. Como uma cópia sem consciência.

Ted sentiu um arrepio.

— Eles não podem acordar? – perguntou Lysander.

— Não sei. Nunca pesquisamos o suficiente. Ninguém liga para inmágicos a esse ponto. – explicou Rosa, que ainda estava tremendo.

Lorcan ainda observava a silenciosa Aokigahara. Ele estava procurando por algo. No caso dos Inomináveis, todos os eventos trágicos aconteceram à noite, e os fantasmas também estavam presentes. Havia fotos e relatos.

Ele não demorou a perceber as tochas.

Eram pontos luminosos avermelhados como fogo, dançando entre as arvores como se os Hinkypunks estivessem brincando de ciranda. Seus corpos não eram visíveis. Pareciam feitos de uma neblina muito escassa. Os pontos de luz pairavam na altura da mesa que tinham na cozinha da cabana.

— Lysander. – Lorcan chamou e apontou para a movimentação em meio aos fantasmas e ecos.

Lys sufocou um palavrão.

— Ninguém olhe diretamente para...

— TED! – Victorie berrou.

Ted estava indo de encontro aos Hinkypunks como um bêbado.

— Maldição! – Lorcan praguejou.

Lysander empunhou a varinha e foi em direção às criaturas, tentando não olhar diretamente para elas.

Lorcan e Dominique o acompanharam.

[...]

Lysander

ESTUPEFAÇA! — Lys ouviu Dominique bradar em sua corrida. Ela não mirou nos Hinkypunks. Mirou em Ted, que foi lançado para trás e caiu desmaiado.

— Eu cuido dele! – avisou Dominique.

Lysander quis agradecê-la, mas estava cheio de adrenalina, ao lado do irmão que era mais ágil que ele. Lorcan o ultrapassou.

Os dois ouviam seus passos no chão, os de Lorcan leves e discretos como os de um animal feroz numa caçada. Lysander distinguiu vagamente berros de suas companheiras de acampamento.

Os gêmeos passaram por Dominique e Victorie, ambas arrastando um Ted desacordado para a barraca com esforço. Lysander nem percebeu Victorie se aproximar.

Lorcan parou de repente, a uma distancia de três metros dos Hinkypunks. Lys parou junto dele momentos depois. Com uma olhada rápida, percebeu que as criaturas eram basicamente feitas de neblina. Olhando de perto, pareciam névoas de apenas sessenta centímetros, carregando pequenos pontos de luz que lembravam labaredas. Uma das pernas de cada era mais visível, como se fossem mancos.

— LYSANDER! – Lorcan berrou ao seu lado porque Lys estava encarando os Hinkypunks.

Lys virou o rosto imediatamente.

Aparecium! — tentou Lorcan mirando na direção das criaturas que se moviam lentamente, sem olhar diretamente para elas, na intenção de fazê-las aparecer.

— Não adianta! – avisou Lys. – Eles não vão ficar visíveis, essa é a forma verdadeira que têm!

Lorcan praguejou.

Bombarda!— Lorcan mirou num deles e o atingiu. O Hinkypunk desapareceu de vista. Lys percebeu que o irmão o tinha azarado, pois sua tocha desapareceu.

 - CRIATURA GROTESCA. – Lorcan comemorou.

Só que não era suficiente. Eram pelo menos vinte deles, dançando ao redor, com luzes como faróis.

Confringo! — bradou Lorcan com ferocidade. Era um dos feitiços que ele mais gostava. A terra perto dos Hinkypunks explodiu. Pelo menos duas luzes desapareceram.

Lorcan abriu um sorriso na escuridão.

Então Lys viu seus olhos se desfocarem. Ele deixou a varinha cair no chão, o corpo pendeu para frente e ele começou a seguir um Hinkypunk.

Lysander praguejou.

— LORCAN!

Nenhum resultado. O irmão dava lentos passos seguindo a tocha do Hinkypunk.

Lysander se jogou em cima dele. Os dois bateram na terra, se embolando no chão. Ambos se feriram levemente com raspões e cortes.

— MALDIÇÃO! – Lorcan percebeu o que tinha acontecido e se apressou em pegar sua varinha no chão. – Como vamos enfrentá-los se não podemos mirar, eles não param quietos e está uma escuridão do inferno?

Estavam a apenas dois metros dos Hinkypunks agora. Era uma visão assustadora.

Lysander sabia o que precisava fazer. Ele só estava receoso. Aquilo podia atrair coisa pior.

— LYS! – Lorcan apelou para seu apelido, coisa que não fazia desde que eram crianças.

Lysander tentou pensar em outra alternativa.

Protego Totalum! — tentou Lys.

— Ótimo. – resmungou Lorcan ao seu lado, ambos se encarando para não olharem para as criaturas. – Agora eles não podem nos atacar, mas o caso é que ELES NÃO ESTÃO NOS ATACANDO. Essa proteção é invisível, nós podemos vê-los ainda!

NOX!  - tentou Lysander desesperado e olhou para os Hinkypunks. Uma das luzes vermelhas se apagou.

Lorcan acompanhou seu olhar.

— Agora você só tem que acertar mais dezenove deles. – disse com sarcasmo, encarando o irmão.

Lysander reprimiu um palavrão. Apontou a varinha para o alto e gritou:

LUMOS MAXIMA!

Uma bola de luz branca, do tamanho de um dragão Rabo-Córneo Húngaro tomou o ar, indo em direção às copas das arvores. Parou na metade do caminho, iluminando do alto ao redor dos Hinkypunks, o acampamento e os gêmeos.

Com relativa rapidez, todas as criaturas sumiram, seus pontos de luz se apagando aos poucos e suas presenças desaparecendo do meio das arvores.

Lorcan percebeu que eles tinham ido embora, fazendo o caminho de volta ao inferno do qual tinham saído.

Ao seu lado, Lysander não parecia satisfeito com seu sucesso. Lorcan bateu no ombro dele com força.

— O que foi? Você os espantou.

— Estou com medo do que posso atrair. – respondeu Lys melancólico. – Estamos muito visíveis.

Lorcan olhou para a grande lua artificial criada por Lys pairando acima deles. De repente, entendeu sua hesitação e receio. Ela chamava muita atenção.

— Estamos protegidos agora. Vamos ver se todos estão bem.

— Vou fazer alguns feitiços de proteção só para... Aliviar a inquietação. – respondeu Lys, fantasmagoricamente iluminado pela luz esbranquiçada de sua bola luminosa.

— Eu te ajudo. – Lorcan olhou para o irmão demonstrando cumplicidade.

 [...]

Lorcan

Ted havia se recuperado bem e estava aos cuidados de Victorie. Lysander também não tinha se machucado gravemente. Todos eles jantaram num silencio perturbador, quebrado por esporádicas tentativas de comunicação.

O corvo que virou uma espécie de animal de estimação deles ficou pousado numa das vigas de sustentação da barraca. Rosa brincou, desajeitadamente, sobre dar-lhe um nome.

Depois se retiraram para os quartos.

A bola de luz de Lys continuava no céu, deixando a barraca iluminada.

Lorcan estava cansado. Depois de lutar, geralmente ele tinha dificuldade para adormecer. Em geral ele ingeria algo com álcool antes de deitar. Surpreendeu-se àquela noite, dormindo quase antes de chegar à cama.  

Molly abriu a porta de madeira do quarto do namorado e entrou. Ela deitou em cima de seu corpo e Lorcan acordou sonolento. Ainda estava um pouco adormecido, mas reconhecia o cheiro de Molly. Os cabelos dela lhe caiam nas costas.

— Deite ao meu lado. – pediu Lorcan com a voz preguiçosa. – Não sou um colchão.

— Eu vi o jeito que vocês se tocam. – Molly avisou na orelha dele de modo perturbador. – Sei que você a ama.

Lorcan despertou. Algo estava errado. Na voz de Molly e em suas acusações.

Ele tentou se levantar, mas não conseguiria sem jogar Molly ao chão.

— De quem você está falando? – perguntou ele com cautela.

— Rosa. – respondeu Molly no mesmo tom frio. – Sempre agarrada ao seu braço. Pedindo consolo. Sei que você a ama.

— Molly... Levante. Vamos conversar. – pediu Lorcan de bruços, enquanto o corpo de Molly continuava em cima do seu.

— Eu sei o que precisamos fazer. – anunciou Molly.

Lorcan não ia esperar mais nada acontecer.

— LYS! – gritou. – LYSANDER! TEM ALGUMA COISA ERRADA AQUI!

Estupefaça.— sussurrou Molly para o namorado.

Lorcan, que não esperava um ataque tão de perto, desmaiou e tombou para fora da cama. Molly aparou sua leve queda fincando as duas pernas no chão. Ficou de pé, olhando para o corpo imóvel de Lorcan.

Lysander abriu a porta de madeira seguido de Dominique.

— O que atacou ele? – Dominique se assombrou.

Molly desmaiou sem motivo aparente. Seu corpo bateu contra a frágil parede de madeira e escorregou para baixo. Dominique tentou acudi-la.

Lysander não perdeu mais tempo.

Aparecium! – Lys ordenou para um canto do quarto. - Aparecium! Aparecium!

Na terceira tentativa, uma criatura gorda e vermelha de um metro de altura, com cabelos lisos, amarelos e olhos negros, carregando um barril branco, se materializou ao lado da cama, em cima do corpo de Lorcan.

Dominique deu um berro.

A criatura saltou para porta e tentou correr quarto afora.

Petrificus Totalus!— Lys o atacou e a criatura se petrificou.

— M-m-melin. O que é isso? – perguntou Dominique esquecendo Molly.

— “Alguma coisa puxou Jack para dentro da floresta. Nós vimos. Não era humano. Não tinha forma. Eram mãos invisíveis.” – citou Lysander e Dominique lembrou-se vagamente do diário do Inominável Clifton. Percebeu que Lysander o havia decorado.

— Isso é um Makura-Gaeshi. Invisível para adultos. Só as crianças conseguem vê-lo.

[...]

Ted

 

Ted estava enojado. Pouco comeu no jantar e isso o fez ficar fraco. Esqueceu-se que precisava de energia para enfrentar artes das trevas. Era Aokigahara exercendo algum efeito maligno sobre ele. Percebeu que pelo menos três deles já estariam mortos não fosse pela ajuda dos colegas.

O Makura-Gaeshi estava preso por cordas feitas por um feitiço dele em cima da mesa. Era como um duende feio e vermelho carregando um barril. A cara da criatura era alucinatória, como se fosse louca.

Eles pousaram Molly em uma das camas. O ataque do Makura-Gaeshi foi forte. Lorcan já estava desperto.

Eles estavam sentados ao redor da mesa. Apenas Lysander estava de pé com Dominique ao seu lado, ambos colados pelos ombros. Victorie estava cuidando de Molly.

— O que é essa coisa? – perguntou para Lys.

— Um youkai para os trouxas. Um animal com poderes sobrenaturais. Para os bruxos, apenas uma criatura.

— O que ele fez com a Molly? – perguntou Lorcan rispidamente.

Lys ficou encarando o Makura-Gaeshi de forma analítica.

— Eles têm capacidade de fazer as pessoas dormirem. Move-las de suas camas. – respondeu Lys.

— Mas... Ela estava estranha. Falando com uma voz que não era dela. Dizendo que eu tenho sentimentos pela Rosa. Ela não foi simplesmente arrastada para fora da cama. – Lorcan respondeu confuso.

Lysander ficou tenso. Pegou a varinha repentinamente e apontou para o centro da barraca.

Animalis Revelio!

O corvo que estava com eles a noite toda mudou de forma, pousado na viga acima de suas cabeças. Era tão grande quanto um homem, o que facilitou sua exposição.

Tinha o corpo humanóide, mas era vermelho como o Makura-Gaeshi. Seu nariz era longo e fino e tinha um par de asas às costas. Os olhos eram cínicos.

Ele avançou num rasante diretamente para a mesa, focando em Lorcan.


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Notas finais do capítulo

Só pra vocês não ficarem se corroendo até o próximo capítulo: são dois corvos distintos. É o mesmo animal, mas um está atacando e o outro com Henry.

De resto ... Como é Aokigahara? @_@