Aokigahara escrita por Yennefer de V


Capítulo 12
O guardião inmágico


Notas iniciais do capítulo

Tomei a liberdade de praticamente duplicar a quantidade de palavras nesse último capítulo, tamanha minha necessidade de mostrar detalhadamente como estão nossos "heróis" depois da sinistra Aokigahara. Também me dei ao luxo de alguns clichês do tipo "final de novela" e peço desculpas por isso, não gosto muito de clichês. Mas passei a fanfic inteira, apesar do suspense, ação, aventura e terror, em lidar com dramas pessoais deles (em seus relacionamentos e problemas internos) que quis acalma-los, apesar das consequências emocionais e até profissionais que Aokigahara lhes acarretaram. Acho que as mudanças são fundamentais no ser humano quando passam por uma experiencia tão absurda quanto foi Aokigahara e eu quis mostra-las aqui.

:) Boa leitura. Bom final. Terei muitas notas lá embaixo, mas é só uma despedida porque Aokigahara foi uma ótima experiencia pra mim.



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Inglaterra, Cornualha (Tinworth, Chalé das Conchas)

 

Victorie

 

Victorie, estranhamente, acordou mais cedo que Ted. Não que fosse preocupante. Ted ganhou suspensão no trabalho por organizar a Expedição Fênix sem autorização de Harry Potter, o chefe do Quartel-General dos Aurores.

Uma das primeiras coisas que Victorie fez ao voltar para casa foi comprar uma Penseira. Ela revirou as memórias de Margot Orphée antes de devolver os frascos a Ted e Rosa, para que ambos explicassem os acontecimentos em Aokigahara.

Desenvolveu uma matéria tão bem escrita e visualmente rica em detalhes que a vendeu por muitos galeões ao Profeta Diário e logo em seguida para um jornal japonês. Ela só foi discreta em relação a Nick, para que o garoto não sofresse pela exposição. Só que Eleonore estragou tudo aparecendo em todas as mídias possíveis escandalizando sua tragédia. Nenhum membro da expedição ficou feliz com a atitude da mulher.

Victorie havia encontrado sua profissão. Era jornalista investigativa freelancer. Ninguém lhe dava suas pautas. Ela as escolhia. Atualmente, Victorie escrevia sobre os inmágicos (foi difícil parar de falar “abortos”). Estava tão imersa no assunto que virava dias e noites em pesquisas, mandando e recebendo corujas, visitando pessoas e em contato com Rosa.

Ela sabia, de antemão, de uma novidade na Cúpula dos Guardiões. Ia incluir isso na matéria, mas era segredo até para Escórpio. Só Rosa e Lorcan sabiam.

Victorie olhou para o terraço de seu quarto com as cortinas abertas e balançando com o vento. A madrugada estava escura. Ficou com medo de ir até lá e fechá-las. Estava sem dormir direito há tanto tempo que começou a chorar de nervoso. Não queria acordar Ted, mas soluçou.

Sentada na cadeira da escrivaninha, cercada por pergaminhos, fotos, a máquina fotográfica pousada no móvel e alguns livros sobre inmágicos, Victorie não soube quando começou a tremer.

Ted acordou sonolento de sua cama dossel. Victorie estava emoldurada pela luz de velas de candelabros ao seu redor.

— Vic. – Ted chamou a esposa. – Você precisa dormir.

Ted se levantou. Já estava acostumado aos ataques de nervos de Victorie desde Aokigahara. Ela tentava extravasar no trabalho, mas precisava se cuidar.

Ted foi até o portal do terraço, tremendo de frio, vestindo apenas roupa de baixo, praguejando por ter deixado as cortinas abertas. 

Ted sabia que era a escuridão. Era o silencio. Eram todas as noites parecidas com as noites em Aokigahara que perturbavam Victorie.

Depois de fechar as cortinas, ligou o rádio em volume baixo. O rádio começou a tocar um programa matutino. Não importava o conteúdo, importava apenas quebrar o silencio.

Ted puxou Victorie para a cama delicadamente. Ela se deixou levar. Os dois foram para a cama lentamente, com o rádio ligado, as cortinas do terraço fechadas e Ted acendeu mais velas nos criados-mudos.

— Você precisa dormir. – repetiu ele num sussurro.

— Eu gosto do trabalho. – Victorie murmurou com lágrimas lhe descendo pelo rosto.

— Quer que eu acenda a varinha? – perguntou Ted.

Victorie assentiu com a cabeça.

Lumus.— Ted falou e ficaram bem mais confortáveis, como se uma lâmpada trouxa os estivesse aclarado.

Ele passou um braço em torno do pescoço da esposa e aos poucos ela parou de chorar.

— Conte-me algo. – pediu Ted para distraí-la.

Victorie fungou um pouco antes de responder:

— Eu nunca compartilhei tudo sobre Coward com você...

Ted apressou-se em interrompê-la.

— Não precisa ser sobre a viagem, Vic. – Ted trocou a palavra “Aokigahara” ou “floresta” por “viagem” propositalmente, para não acionar memórias ruins em Victorie.

— Eu quero. – Victorie afirmou. – Nós devíamos ter trabalhado mais como parceiros.

Ted concordava, mas não era hora de falar sobre isso.

— Quer saber o que mais eu descobri? – Victorie continuou, precisando compartilhar a história completa.

— Se não for te fazer mal. – respondeu Ted preocupado.

— Nick sempre foi bruxo. Eu procurei sua matrícula em todas as escolas de bruxaria como fiz com Nicholas. Ele estava matriculado em Hogwarts, mas foi transferido automaticamente para Mahoutokoro no Japão por causa do rastreador. O registro dele como aluno entendeu que ele havia mudado de endereço com o sequestro de Coward.

Ted se admirou com o talento da esposa para investigação.

— Não era fácil achá-lo pelo rastreador depois de seu desaparecimento? – perguntou Ted. – Eleonore não podia...

— Você se esqueceu que Nick era filho do Ministro da Magia. Meu palpite é que Coward despistou a esposa, dizendo que avisou ao Ministério sobre o sumiço de Nick, quando na verdade se encobertou propositalmente.

— E como você descobriu?

Victorie deu um sorriso culpado.

— Entrevistei Eleonore com minha antiga identificação de jornalista do Semanário das Bruxas antes da viagem. Inventei que era uma matéria sobre as bruxas mais importantes da atualidade. Eu sabia que ela gostava muito de atenção, mas parou de se exibir depois de casar. Isso era no mínimo suspeito.

Ted ficou em silencio por um tempo, alisando o rosto de Victorie com os dedos em movimentos circulares.

— Por que você escondeu isso de mim?

Victorie o mirou com seus olhos azuis.

— Presumi que você ia achar perda de tempo.

Ted sorriu.

— Estou orgulhoso de você. Porém, se alguma matéria futuramente envolver uma floresta assombrada, pode me contar?

— Somos parceiros. Os segredos que existirem entre nós a partir de agora não serão tão graves.

— Que tipo de segredos serão?

— Os que precisarei guardar para manter minha individualidade. – Victorie falou de modo sério.

— Você está falando como Dominique. Está me assustando. – Ted riu.

Ted sempre achou Dominique espontânea. Ou despretensiosa. Talvez por demais imprevisível. Só que Dominique era a pessoa da vida de Victorie e Ted a amava por isso.

Ted abraçou a esposa. Nunca a havia amado como naquele momento. Em Hogwarts era uma paixão imatura e arrebatadora. Depois de Aokigahara se tornou um amor maduro, cheio de orgulho e admiração.

De súbito percebeu que talvez... Talvez pudessem dar o tal “próximo passo”?

Não havia sinal da manhã ainda. Ele ficou sentindo-a respirar em seu pescoço, ambos encostados na cabeceira, o rádio chiando baixo, as ondas do mar lá fora se quebrando na praia preguiçosamente.

— Vic? – Ted a chamou.

Arrependeu-se em seguida. Percebeu que Victorie havia finalmente dormido.

— Oi... – Victorie despertou sonolenta.

— Me desculpe. – pediu ele, empurrando levemente a cabeça dela contra seu peito.

— O que foi?

— Você quer ter um filho? Ou dois, ou três... – perguntou Ted, a voz cheia de expectativa.

Victorie não estava totalmente acordada, mas captou a mensagem.

— Talvez dois? Mas não hoje. Preciso dormir. Pode ser amanhã?

Ted quis rir alto, mas seria um pecado incomodá-la.

— Ok. Amanhã.

Ele esperou Victorie adormecer novamente antes de fechar os olhos. Deixou o rádio ligado e a varinha acesa.

 [...]

 

Inglaterra, Devon (Ottery St. Catchpole, Morada Para Animais Fantásticos)

 

Lysander

 

Lys tinha que trabalhar. Por todo o tempo que ficou fora da Morada com Dominique não aceitaram a entrada de criaturas, porque eram os dois que administravam a clínica. Holly (a recepcionista), Louis e os outros Cuidadores apenas acompanharam as criaturas que já estavam abrigadas e deram algumas altas. Portanto, Lys tinha que ter aberto a Morada.

Contudo, ele não estava preocupado em passar um tempo com as portas ainda fechadas.

O pátio no centro da Morada estava cheio de visitas. Apesar de estar frio, já era primavera. Isso deixava a cerejeira no meio do pátio lotada de flores cor de rosa. Dominique adorava a cerejeira assim, Lys sabia.

Louis sofria com a primavera. Ele não parava de espirrar.

Lys estava sentado em um dos bancos de praça em torno da arvore. Dominique estava ao seu lado, entretida numa conversa com uma mulher mais velha, de cabelos loiros presos num coque, olhos verdes aguados e sobrancelhas altas. Jessica Cooper fumava um cachimbo fedorento que piorava a alergia de Louis.

Grace Cooper e Benji estavam jogando xadrez bruxo. Grace era notoriamente mais experiente e sagaz. Nick os observava de pé com o olhar melancólico.

Louis e Holly estavam enrolados embaixo da cerejeira, ambos sussurrando. Estavam tão colados que pareciam grudados um no outro. O pelúcio cego de Benji, Três, não facilitava o jogo das duas crianças, roubando peças com a boca. Ben era obrigado a levantar e dar bronca no pelúcio, que fingia culpa, mas tornava a abocanhar outra peça minutos depois.

— Obrigada por nos convidarem. – Jessica agradeceu numa voz rouca, soltando fumaceira pela boca.

Dominique fez careta.

— Nós lidamos com o luto de Ben há um ano... Lys achou que era uma boa ideia Grace ter companhia.

— Foi com certeza uma boa ideia. – Jessica aprovou, balançando a cabeça com vivacidade. – Grace não tem muitos amigos.

Lys ficou ouvindo a conversa, observando o comportamento de Nick. O garoto não falava. Eleonore não ligou de levá-lo à Morada para conhecer Benji e Grace, mas ela não quis ficar. Estava satisfeita demais com seu drama particular sobre a história terrível do falecido marido e a amiga traidora. Parecia se deliciar com a atenção que novamente tinha da mídia bruxa. Mudou o nome de Nick para Nick Burke (tirou o II e o Coward), mas não parecia disposta a ajudar o filho com a superação de seu trauma. Eleonore não era uma pessoa maternal.

Lys não culpava Eleonore. Ela era uma dessas mulheres para quem o espetáculo, o dinheiro e a aparência valiam mais do que a vida real. Nick iria para Hogwarts em setembro, junto com Grace, ele com seus doze anos e ela com seus onze.

— E você como está? – perguntou Dominique com uma delicadeza forçada, já que ela não era delicada.

Jessica riu.

— Não se preocupe comigo! Meu casamento era um desastre. Talvez vocês tenham lido o diário de Clif? – ela perguntou e Dominique confirmou. – Eu também fiquei horrorizada. Nem mostrei para Grace, apenas o entreguei ao auror. Mas acho que Clif estava muito emocionado àquele momento. Nós não estávamos entrosados há anos... Eu queria voltar a trabalhar, insistia para que Grace tivesse um irmão, Clif apenas... Ele não sabia ser um pai, entendem? Ele comprava coisas, dava ordens e tinha expectativas. Não que Grace não tenha ficado triste...

— Benji não consegue usar a Rede de Flu. – comentou Dominique. – Os pais dele morreram num incêndio. – ela terminou, sussurrando.

— Vocês não são os pais biológicos dele? – perguntou Jessica num tom alto e desnecessário. – Bem que achei vocês muitos jovens.

— Ela não é minha mãe! – berrou Ben, sentado no chão lá na frente, com uma audição incrível para fofocas.

— Não sou mesmo! – gritou Dominique de volta. – Vou te deixar aqui com a Holly!

— Eu não ligo!

— Sem o Três e o Agouro! E aqueles outros que você deu nomes esquisitos!

Ben ficou de pé, esquecendo o jogo de xadrez. Nick deu alguns passos para trás. Agouro, o Testrálio macho e todas as quatro fêmeas do rebanho moravam agora na Morada. Como aconteceu com Três (o pelúcio que ficou permanentemente cego), Dominique e Lys providenciaram um habitat só para os Testrálios.

— Não! – teimou Ben. – E os nomes deles são Um, Dois, Quatro e Cinco.

— Ele não é muito criativo. – comentou Lys com Jessica, rindo.

Jessica concordou, colocando o cachimbo apagado em uma caixa de madeira. Depois a enfiou na bolsa. Lys viu Louis soltar um suspiro, aliviado.

— E o outro? – perguntou Jessica. – É o filho dele?

— É Nick. – respondeu Lys, irritado com a indiscrição de Jessica.

Lys levantou do banco para se afastar de Jessica. Desarrumou os cabelos embaraçados de Dominique, deixando-a conversando com a viúva de Clifton Cooper. Foi até as três crianças.

Grace fazia piadas de Benji. Eles não estavam mais jogando. Três já havia sumido com metade das peças. Nick ainda estava de pé como se fosse uma estatua.

Lys abaixou até a altura de seu rosto.

— Você está bem, Nick?

O garoto baixou os olhos.

— Eu tenho um feitiço para te ajudar a falar, você quer ver?

Nick balançou os ombros, sem olhar diretamente para Lys. Lys foi até Holly e pediu um pedaço de pergaminho para ela, junto com uma pena. Holly, que sempre estava preparada, entregou ao Lys.

Lysander voltou até Nick e fez a pena e o pergaminho levitarem.

— Olhe. – pediu Lys. – Eu só vou pensar no que quero dizer.

Tudo bem Nick? Fale comigo. Por que você está chateado?, Lys pensou e as palavras apareceram no pergaminho.

— Uau! – exclamaram Grace e Benji ao mesmo tempo.

Depois se encararam.

— Pare de me imitar, Grace!

— Pare você!

Lys mudou o feitiço para que pudesse acompanhar a reposta de Nick. Apagou sua frase do pergaminho e esperou.

Eu não gosto do meu nome, Nick escreveu por pensamento.

Depois seus olhos abriram num brilho de surpresa.

— Eu também não! – Benji se intrometeu. – Eu gosto dos meus apelidos! Ben ou Benji.

— Eu gosto de Grace. – Grace se enfiou na conversa.

Era um nome de uma pessoa ruim, minha mãe contou, Nick escreveu.

— Não. – Lys respondeu. – O nome da pessoa ruim era Nicholas.

— Seu nome é Nick! – Benji falou. – Como um apelido. Então é bonito. – concluiu.

Nick ficou pensativo por um momento. Olhou para os pés.

— Ele tem razão. Nomes curtos são bonitos. – Grace concordou a contragosto.

— Você quer dar nome para algum dos Testrálios? – perguntou Benji. – Você pode mudar o nome do Um.

O que é um Testrálio?, Nick perguntou.

— É um bicho invisível! – Ben respondeu excitado.

— Eu quero dar um nome também. – Grace discutiu.

— Você não. São meus Testrálios.

— Claro que não são seus Benjamin! – berrou Dominique do banco.

Ben deu um olhar zangado para ela.

— Vou adotar a Holly como mãe!

— Não vai não. – Holly rebateu lá da cerejeira. – Você é muito respondão.

— Podemos ir até o habitat dos Testrálios? – perguntou Benji. – E levar carne, senão não dá pra ver nada. São cavalos voadores invisíveis.— ele enfatizou para Grace e Nick.

Lys ficou grato que Benji não tinha visto a morte dos pais pessoalmente, nem Nick havia presenciado nada assim durante sua estadia em Aokigahara. Para eles, os Testrálios seriam apenas criaturas fantásticas e imperceptíveis.

Holly e Louis se desenroscaram na cerejeira.

— Vou buscar a carne. – anunciou Louis, indo até a sala de mantimentos depois da ponte, do outro lado da Morada.

Lys sorriu para Nick, que sorriu de volta.

— Vou ensinar sua mãe a fazer o feitiço, está bem? Depois vou ensinar você. Assim você poderá pensar e o pergaminho irá escrever.

Está bem, concordou Nick.

— Vou mudar o nome do Cinco para Rowena! Porque eu vou para Corvinal. – anunciou Grace.

— Você pode vir para cá quando quiser Nick. Você também, Grace. – Lys finalizou e os deixou sozinhos.

Os três voltaram a debater.

Lys sentou ao lado de Dominique novamente. Jessica parecia satisfeita observando a filha.

— Obrigada novamente pelo convite. Ela não se animava assim desde... Bem, desde o Clif. E como está o colega de trabalho dele? Clif o considerava um irmão mais novo. Ele quem foi lá em casa com a namorada contar pessoalmente a história para mim. Um rapaz adorável, mas passou por...

— Escórpio? – Dominique a interrompeu. Jessica era extremamente inconveniente com sua falação em excesso.

— Sim. Acho que sim. Nome estranho. – Jessica respondeu, observando a discussão entre as crianças.

Grace e Ben paravam para ler os argumentos de Nick no pergaminho antes de voltar o bate-boca.

Lys teve a impressão de que o filho tinha feito dois amigos. Estava feliz por Nick. Ele sabia que Dominique estava também, já que foi exatamente a motivação para convidarem as crianças. 

[...]

Inglaterra, Londres

 

Escórpio

 

Escórpio acordou suando frio sem saber onde estava. Havia sonhado com uma mata verde, alguém sendo asfixiado por um animal negro, ele tentando produzir um patrono sem sucesso. A boca estava com gosto de animais comidos em sua forma de lince. Estava frio. Quando despertou completamente percebeu que tinha sido outro pesadelo realista demais.

Uma mão macia tocou seu braço no escuro. Não havia amanhecido completamente. Da janela a luminosidade da manhã invadia o quarto pela persiana fechada. Escórpio ajeitou o corpo na cama.

— Você está bem. – sussurrou a voz sonolenta de Rosa pela quinta vez àquela noite. – Nós estamos bem. Você não está sozinho.

Rosa virou o corpo para o dele, abraçando-o com um dos braços. Escórpio fechou os olhos.

Estou bem, repetiu mentalmente. Estamos bem. Grace está bem. Rosa está bem. Meu pai está bem. Minha avó está bem. Meus amigos estão bem. Saímos de lá. Não há criaturas aqui. Aqui conseguimos aparatar. Não estou sozinho.

Era um mantra que ele repetiria até o trauma recente passar. Molly tinha dito que com o tempo melhorava. Ela também receitou Poção Calmante para as noites mais difíceis.

Dia após dia, noite após noite, Escórpio sentia o luto pela mãe misturado ao luto por Clif e os outros colegas, além da vivencia solitária na floresta.

Rosa encostou o nariz na bochecha dele. Escórpio se acalmava com o toque dela.

— É normal. A dor é normal. Você precisa sentir a dor. – repetiu Rosa.

O hálito matinal e quente dela o fez abrir os olhos. Escórpio puxou a manta que os cobria mais para cima.

Quando Escórpio retornou de Aokigahara, se transferiu de departamento. Ele não era mais um pesquisador da Morte. Ele era um Inominável investigador do Tempo.

Com a morte de Clif lhe ofereceram uma promoção. Escórpio recusou e recomeçou a carreira quase do zero.

Foi com Rosa até a casa de Jessica e Grace explicar os acontecimentos. Jessica não deixou Grace ouvir tudo. Para a menina, seu pai havia morrido salvando os colegas de trabalho de uma criatura maligna, o que não era uma mentira completa. Depois Escórpio conseguiu, com muito esforço, falar com o pai e a avó Narcisa, como tinha se prometido na floresta.

Só faltava uma coisa.

Rosa se levantou, o pijama de mangas longas lhe cobrindo os braços, a parte de baixo seminua, os cabelos cacheados e vermelhos despenteados.

Ela foi até o banheiro e Escórpio ouviu a torneira. Depois de alguns minutos, retornou.

— Você vai comigo? – Rosa perguntou, se vestindo.

Escórpio tirou animo da visão dela para se levantar. Rosa se aproximou dele para ganhar um beijo de bom dia. Escórpio retribuiu, foi até o guarda-roupa dela e abriu uma gaveta que era só dele.

Ele ainda não tinha decidido se iria. Estava confuso. Seu próximo passo lhe dava medo e tinha um grande pressentimento de que se fosse não haveria volta.

— Você não vai parar de visitá-la? – perguntou Escórpio.

Rosa deu levemente de ombros colocando um cardigan.

— Eu sinto que preciso. E que ela precisa também. Eu a tirei de lá.

Escórpio não sabia se faria bem a ele vê-la. Ver Grace e Jessica não tinha feito. Encarar qualquer coisa que lembrasse Aokigahara talvez não fizesse.

Você tem que enfrentar, a voz de Molly repetiu em sua cabeça. Você tem que seguir em frente. Não pare na dor. A deixe seguir através de você como uma nevoa. Você tem a vida pela frente, não precisa ter medo o tempo todo.

Molly era sua amiga desde sua tentativa de ser medibruxo. Molly era uma pessoa prática, lógica e extremamente boa na melhora física e emocional das pessoas. Escórpio conseguiu desabafar com ela.

— Eu vou... Com você. Deixe-me só mandar uma coruja para o Ministério. – Escórpio decidiu ignorar o medo.

Colocou o medo em uma parte da mente em que era possível acessá-lo apenas se não estivesse distraído.

Rosa sorriu para ele. Ela queria que Escórpio a acompanhasse há um tempo, ele percebeu. Só não o estava forçando.

Eles não tomaram café. Escórpio mandou sua coruja-preta com o recado que iria se atrasar para o trabalho. Saíram pela porta da sala e Rosa ignorou o apartamento das primas Molly e Roxanne, que era à frente do dela. Desceram um lance de escadas e saíram pela portaria.

Andaram um quarteirão de mãos dadas e Escórpio ficou feliz que não estava tão frio, de modo que Rosa não estava de mãos enluvadas. Enfrentaram a fila da Starbucks e Rosa pediu seu capuccino diário e um muffin de blueberry, enquanto Escórpio se contentou com café puro.

Depois saíram da multidão de trouxas e aparataram.

[...]

Inglaterra, Londres (Orfanato Santo Antônio)

 

Rosa

Às vezes, quando Rosa fechava os olhos, via o corpo de Margot no chão e os olhos amedrontados de Rômulo. Não era por pena ou culpa de Margot que sentia um terror dentro de si quando isso acontecia. Era pela lembrança realista da cena, macabra, pelo pescoço desfigurado de Margot e pela empatia que sentiu por Rômulo.

Como Escórpio, não conseguiu manter por perto muitas coisas que a lembravam de Aokigahara. Molly lhes disse que talvez passasse. Que chamavam de “gatilho”. Era uma espécie de disparador que os fazia sentir ou lembrar o que passaram na floresta. Por isso, Rosa só soube que Rômulo voltou para casa dos pais, mas estava se recuperando. Não manteve contato.

Visitar Cecilé a ajudava em sua cura. Porque Cecilé era uma boa consequência por ela ter enfrentado tudo aquilo. Cecilé era uma garotinha que ela tinha salvado de passar por experiências terríveis. Ela tinha o ritual de visitar Cecilé todas as manhãs, sem saber o que isso lhe significava, mas que a fazia bem.

Vá vivendo normalmente e procure seus estímulos, ajudou-a Molly. Não ignore o que te faz bem. Não precisa fazer sentido.

Rosa e Escórpio aparataram na frente de um prédio de três andares, branco com telhado cinza e janelas vermelhas. Havia uma pequena cerca negra circundando o lugar. Uma placa acima do portal de entrada sinalizava: “Orfanato Santo Antônio”.

O lugar, apesar de estar numa vizinhança trouxa, não era movimentado. Escórpio, ao seu lado, apertava de leve sua mão.

Rosa abriu uma cerca, subiu três degraus e tocou a campainha que soou alta. Uma senhora roliça abriu a porta. Ela tinha aspecto maternal e de extremo cansaço.

— Bom dia senhora Coleman. – desejou Rosa. Em seguida, apontou a varinha para ela. – Confundus!

Os olhos da senhora Coleman, que usava um coque mal feito na cabeça, óculos fundos e roupa floral muito brega, se desanuviaram. Ela pareceu contente em ver Rosa, como se tivessem marcado o compromisso.

— Não acredito que você a confundiu. – sussurrou Escórpio, claramente surpreso.

— Você achava que ela simplesmente me deixava entrar todos os dias? – Rosa sussurrou de volta.

— Você veio visitar Cecilé. – afirmou a senhora Coleman, guiando-os para dentro. – Ela está com saudades, claramente.

A velhota os guiou escada acima depois de uma pequena sala. Passaram por algumas portas idênticas. Na última porta do corredor era o berçário. A senhora Coleman a abriu sem fazer barulho e fez um gesto para Rosa e Escórpio entrarem.

— Seu marido é bem afeiçoado. – comentou a senhora Coleman com um risinho. – Que bom que ele teve tempo de vir visitar Cecilé hoje.

Rosa não a corrigiu. Escórpio se sentiu estranho, como se ele tivesse que ser o “marido” verdadeiramente. Olhou para Rosa, mas ela estava mirando o interior do berçário, alheia.

O berçário era simples. Tinha alguns berços encostados nas paredes da direita e da esquerda. Havia duas mulheres olhando as crianças pequenas. Algumas dormiam pelo horário precoce, outras já se arrastavam no chão com roupas aquecidas. O chão era todo encarpetado. Havia dois baús de madeira abertos, com brinquedos jogados ao chão. Prateleiras nas paredes com brinquedos também. Uma pequena estante com poucos livros e uma poltrona maltratada.

Escórpio reconheceu Cecilé com facilidade. As mãozinhas dela já procuravam por Rosa. Seus cabelos negros e bagunçados estavam espetados para cima. Ela usava um macacão cinza e surrado.

— ‘osa! – exclamou quando Rosa a pegou no colo.

A senhora Coleman falou com as moças no berçário, que entenderam que Rosa e Escórpio vieram visitar Cecilé e saiu.

— Passem um bom tempo com a pequenina! – desejou a senhora Coleman.

— Obrigada. – Rosa respondeu.

Escórpio lhe deu um aceno com a cabeça.

As duas moças pareciam exaustas. Escórpio viu poucos bebês acordados além de Cecilé. Dois tomavam mamadeiras. Outros dois tinham chupetas nas bocas. Um berrava, mas uma das moças foi acalmá-lo.

Escórpio ficou parado ao lado de Rosa. Ele se lembrou da primeira vez que a viu com um bebê nos braços. Foi logo que começaram a namorar e Rosa pegou Pandora no colo, numa visita que Lorcan fez ao Ministério com a filha.

Ele se lembrou de desejar uma família ao lado de Rosa, mesmo que à época tivesse parecido precoce e tolo. De querer levar a filha deles para o Ministério, orgulhoso. De que Rosa carregasse a filha deles no colo com um sorriso de satisfação como segurou Pandora.

Parecia uma lembrança tão distante de um Escórpio diferente.

O que nos impede?, pensou ele. Nossa mudança? Meu medo? Não vamos voltar ao início. Eu sou esse homem diferente e ela é essa Rosa transformada, corajosa o suficiente para seguir em frente. Ela também está enfrentando os próprios demônios. O que nos impede? Eu pensei tanto nisso naquela floresta... É apenas uma pergunta. Alguns segundos de coragem. E estaremos seguindo em frente. Como eu poderia ser infeliz ao lado dela? Apenas uma pergunta...

Olhou para a pequena Cecilé. Eles a tinham salvado de Aokigahara. Toda a Expedição Fênix a salvou de lá. Ela ia ter uma vida normal por causa de seu heroísmo. A própria Rosa saiu com ela nos braços da Boca do Inferno. Elas estavam tão felizes juntas. Escórpio se lembrou de como o corpo pequeno e quente de Cecilé era aconchegante mesmo voando num Testrálio.

— Você quer isso? – soltou Escórpio de impulso e percebeu que era uma forma estranha de perguntar “você quer casar comigo?” ou “você quer formar uma família comigo e a garotinha que salvamos?”.

Ele não era bom em se expressar.

Rosa virou para ele. Cecilé falou:

— Quer!

— Não entendi a pergunta. – respondeu Rosa em tom delicado.

— Você quer... Casar... Ter filhos... A Cecilé, na verdade? Estou quebrado. Talvez eu não seja o que você precisa, eu sei. Talvez eu não seja o que ela precisa. Mas... Preciso perguntar.  

As duas moças que estavam alheias ao mundo, recolhendo crianças e as organizando no caos do berçário, olharam para a cena, os ouvidos atiçados.

Escórpio se arrependeu amargamente da forma que se expressou. Pareceu tão errado. O lugar, o momento, a escolha de palavras.

— Casar com você? – certificou-se Rosa. – Levar Cecilé conosco?

Escórpio fazia um esforço enorme para não correr dali.

— Sua prima fez isso. – ele explicou. – Adotou... – deixou a frase no ar.

Rosa entendeu. Pela expressão surpresa que seu rosto demonstrou, ela entendeu.

— Cecilé Astoria Weasley-Malfoy? – Rosa deu um breve sorriso.

Por Melin, isso!, Escórpio pensou. É isso. Ela sabia. Sabia antes de mim.

— O que você acha Cecilé? – Rosa perguntou para a garotinha despenteada.

— Quer! – Cecilé repetiu como se soubesse apenas duas palavras.

— Sim. – Rosa respondeu. – Eu quero.

Escórpio abraçou as duas tão forte que esmagou a garotinha.

[...]

 

Occitânia, sul da França (Languedoque-Rossilhão, Carcassona)

 

Molly

 

Molly estendeu as férias que tirou para a viagem com a Expedição Fênix. Molly não tirava férias desde Hogwarts. No St. Mungus ela era Atendente Chefe dos Danos Causados por Feitiços.

Isso a fazia trabalhar às vezes doze horas por dia. Lorcan, sendo guardião, tinha horários malucos. Era uma benção para o casal morar com Roxanne e Henry (Rox ainda era residente de medibruxaria, mas não aceitava tantos turnos e plantões como Molly).

Pandora, com seu um ano e poucos meses, era um garotinha de cabelos ruivos, olhos azuis como a avó Luna e enérgica. Rox e Molly começaram a dar Poção do Sono (além da Poção do Acônito) para a menina em toda semana de lua cheia, já que Pan não controlava nem entendia a gravidade de contaminar alguém com suas mordidas “de brincadeira” quando era loba. Assim, ela dormia a noite toda.

Molly, Lorcan e Pandora viajaram para Carcassona na França. Era o lugar que Lorcan tinha sido contaminado, mas também era um local que Lorcan gostaria de compartilhar com a namorada, que se sentia mais próxima dele depois da experiência sinistra em Aokigahara.

Em Carcassona, Houdini, o amigo trambiqueiro de Lorcan que usava seu talento em poções para “oferecer seus dons” aos trouxas desesperados através da Felix Felicis (“trazer a sorte”), Amortentia (“trazer o amor”) e Veritaserum (“revelar a verdade”) e cobrava muito caro por seus serviços, os hospedou em uma de suas luxuosas casas.

Molly tinha simpatia por Houdini. Apesar de ser um foragido, foi Houdini quem salvou Lorcan da morte quando foi contaminado no confronto contra dois lobisomens. Ele também chamou Molly com urgência, logo depois de encontrar o corpo do amigo quase morto, para que Molly salvasse Lorcan com seu conhecimento em medibruxaria.  

Os quatro estavam no pub preferido de Lorcan e Houdini quando Lorcan foi caçador de recompensas, o The Celt Pub. Ainda não havia escurecido. Foram cedo ao pub por causa de Pandora. Lorcan só queria compartilhar um pouco de sua vida antiga com Molly.

Eles sentaram em uma das mesas com quatro cadeiras. Lorcan deixou Pan em pé no seu colo, pulando desajeitadamente. Os barmen se moviam preguiçosamente pela falta de clientela. Um deles limpava o balcão, bocejando. A parede era pintada de amarelo e a iluminação das luminárias suspensas também era amarelada, dando ao pub um tom envelhecido.

Havia apenas mais duas mulheres sentadas em outra mesa e um grupo de jovens alegres falando em espanhol. O pub atraia muitos turistas.

Na mesa, Houdini já tinha deixado uma torre de chopp. Ele a bebia como água em seu caneco. Lorcan bebia moderadamente. Molly estranhou o gosto de bebida dos trouxas.

Houdini tinha barba, cabelos e bigode acastanhados. Estava sem os óculos àquela tarde.

— E lembrar que achei que o Arcanjo aqui estivesse só se gabando de ter uma namorada em Londres! Só acreditei quando você aparatou pra cá toda preocupada com a vida dele! – riu-se Houdini, levantando o caneco, usando o apelido pelo qual Lorcan foi conhecido ao trabalhar para os trouxas como caçador de recompensas.

Sua fama se espalhou como “Arcanjo”, apelido para o arcanjo Miguel, uma figura católica líder do exército de Deus contra as forças do mal.

— Nós gostamos de nos gabar. – explicou Houdini. – Até hoje eu espalho que tive um caso com uma veela e parti o coração dela, embora...

Molly riu abertamente. Ela, como Lorcan, gostava de Houdini, apesar de sua ligeira inclinação para problemas.

— E vocês dois vinham aqui confabular. – constatou Molly, olhando ao redor.

— À noite é mais barulhento e tem música ao vivo, linda medibruxa. – Houdini gracejou. – Mas sempre tem cerveja e chopp.

Houdini abriu a torneira da torre e não deixou espuma no caneco, experiente.

— Bons tempos. – Lorcan fez um brinde com ele.

— Menos quando eu assisti à televisão e descobri que o corpo do meu amigo Arcanjo estava jogado na beira da estrada, atacado por alguma besta. E tive de sair correndo com o carro, confundir policiais... Mudar a memória deles, arrastar você para minha casa, fedendo... Você e sua antiga mania de herói...

Os olhos de Molly ficaram sombrios. Era sua pior memória durante o romance conturbado e a distancia com Lorcan.

— E tudo deu certo! Sua namorada é real, eu tive um caso com a trouxa que você salvou, jovem linda, devo admitir, e você teve uma filha tão irritadiça quanto você. – Houdini apontou para Pan, que cismava em empurrar o caneco do pai com as mãos em direção ao chão.

Lorcan e Molly suspiraram ao mesmo tempo. Lorcan afastou o caneco das mãos de Pan. Houdini percebeu que havia distraído Molly do assunto que a perturbou com eficácia.

Pandora sabia falar algumas palavras. “Mãe”, que ela usava para chamar Roxanne (já que Rox ficava mais com ela que Molly), “NÃO” (sempre como grito), “ólly” (para chamar Molly) e “pai”.

— Vocês vão ter mais rebentos? – perguntou Houdini, curioso.

— NÃO! – Molly, Lorcan e Pandora responderam ao mesmo tempo.

— Família decidida. Vamos fazer um brinde.

Molly deu outra chance ao chopp. Aquele era um lugar que deixava Lorcan feliz, com seu amigo, sua filha e ela. Ela gostava da sensação de ser incluída em suas memórias, coisa que não aconteceu quando eles “namoraram”.

— Quem vai me contar sobre a floresta arrepiante? – perguntou Houdini.

Lorcan deu um longo gole no chopp e pousou o caneco na mesa.

— Tudo verde. Em todas as estações do ano. Sem conseguirmos aparatar de lá. Enfrentamos uma Cocatrice, você acredita? Eu juro... Um Erumpente. Claro que não estou mentindo, vou parar de contar... É mais verdadeiro do que seu caso com a veela...

— Eu sempre disse que você se mete com coisa grande demais pra você Arcanjo. Não sabia que sua medibruxa era assim também. Sem ofensas. – deu uma espiada em Molly.

Pandora conseguiu, finalmente, derrubar o caneco vazio do pai para o chão. Lorcan soltou um palavrão e chamou um barman com um gesto.

Molly se sentiu preenchida de um estranho sentimento de aconchego.

Tengus. Demônios japoneses. – continuou Lorcan. – Se você ficará me interrompendo...

— Não vou mais. Continue. – Houdini prometeu.

[...]

Inglaterra, Londres

 

Henry

 

Henry acordou literalmente amarrado à mão de Roxanne pelo feitiço incarcerous. Não era uma corda tão apertada, mas era uma das medidas que a atual Rox tomava para que Henry não sumisse noite afora novamente.

Ela também trancava todas as portas e janelas com magia e escondia sua própria varinha. Henry não se importava. Se era o que a esposa precisava para se sentir segura, ele esperaria sua crise de nervos passar.

Puxou o braço delicadamente para acordar Roxanne. Ele precisava levantar. Tinha aula de ioga para dar em uma academia e era longe. Teria que pegar o trem.

— Rox. – chamou.

Roxanne acordou num pulo. Geralmente ela era calma e paciente. Depois do ocorrido com Henry, ficou tensa. Seus cabelos crespos amanheceram amassados. Seus olhos estavam cheios de olheiras.

Henry a beijou.

— Preciso que você me liberte. – ele pediu, rindo. – Bom dia.

Roxanne deu um longo suspiro.

— ‘om dia. – desejou.

— Por que não toma poções para acalmar? Molly vive usando-as. Acho que receitou para Escórpio também.

Roxanne fez uma careta.

— Não quero me viciar em poções calmantes. 

— Você tinha que ver o quanto Dominique e Lorcan bebiam de álcool durante a expedição. Cada um se acalma com o que tem. – Henry passou as mãos pelos cabelos dela.

— Não queria que você estivesse lá sozinho.

— Não estava sozinho. Estava com nossos amigos. E Benji e Pan precisavam de você.

Rox alterou a expressão, como se lembrasse de algo.

— Eu preciso falar com você.

— Pode me desalgemar antes? – gemeu ele. – Eu trago seu chá.

— Olhe para o lado. – pediu ela.

Depois de um tempo fuçando algum lugar próximo (a cama, o criado-mudo, dentro do pijama, Henry não soube distinguir) Roxanne apareceu com a varinha.

Finite.

Henry se levantou, movendo os pulsos libertos.

De repente, eles ouviram o barulho de alguém enfiando uma chave na porta de entrada do apartamento. A pessoa girou a maçaneta, sem sucesso de abri-la.

— Rosa. – Roxanne adivinhou. – Veio usar a lareira.

Os dois se levaram. Rox abriu a porta do quarto com um alohomora e foi até a cozinha que dava para a porta de entrada.

— Rox? – chamou Rosa no corredor lá fora, batendo fracamente na porta. – Sou eu e Escórpio.

Alohomora! — Rox destrancou a porta.

Escórpio estava no portal. Isso não era estranho. O estranho era Rosa carregando uma criança da idade aproximada de Pandora. A menina tinha cabelos bagunçados e negros e parecia alegre, enquanto Pandora tinha mais cara de bagunceira.

— Eles têm um bebê. Por que eles têm um bebê? – gritou Roxanne para Henry, que estava no banheiro.

— Bom dia Rox. – desejou Rosa. – Ainda enfeitiçando a porta?

— Bom dia. – Escórpio desejou de modo formal. Ele e Rox não tinham intimidade.

— ‘dia! – Rox desejou. – Henry, tem um bebê aqui e não é a Pan! – chamou Roxanne.

— Que bebê? – Henry perguntou, saindo do banheiro. – Cecil! – ele abriu um sorriso ao reconhecer a menina.

— Alguém me explica...? – pediu Roxanne.

— Preciso falar com Henry. – Rosa se apressou a dizer.

— Tudo bem, mas... – Rox tentou novamente.

— Vou fazer nosso chá, vamos sentar na sala e conversar, está bem? – Henry propôs. – Como está, Escórpio?

Escórpio, que passou a ter um carinho imenso por Henry além de Molly e Rosa, respondeu:

— Temos boas novidades.

Henry sorriu.

— Quero ouvi-las. Só vou fazer o chá. Café pra vocês?

Rosa meneou a cabeça.

— Já tomamos café, obrigada.

Roxanne os levou até a sala. Tinha a lareira, dois sofás de dois lugares cada, uma estante bagunçada e muitas tranqueiras de Pandora, incluindo um baú de madeira aberto, seu carrinho que levitava e brinquedos jogados ao chão.

Rosa aproveitou para colocar Cecilé no tapete felpudo.

— Você não melhorou Rox? – perguntou Rosa, preocupada.

Henry estava fazendo chá. Escórpio pegou um brinquedo e ficou chacoalhando na frente de Cecilé.

— Vai passar. Depois das forças-tarefas talvez.

Ela se referia às forças-tarefas que o imperador japonês bruxo e o Primeiro Ministro Japonês haviam convocado para matar os Hinkypunks e os Tengus, que eram ameaças aos inmágicos. Harry Potter estava envolvido nessas operações. Eles tinham tirado temporariamente os feitiços que impediam os bruxos de aparatarem e desaparatarem de Aokigahara. Também colocaram alguns que impediam inmágicos de adentrarem a floresta.

Felizmente, mais nenhum acidente aconteceu com inmágicos nem bruxos, já que os fantasmas na floresta foram os que morreram se rebelando contra Cole Coward e Margot Orphée.

Infelizmente, trouxas ainda se suicidavam lá e a floresta estava infestada das criaturas libertadas da Boca do Inferno.

— Você não pode ficar assim. Pode fazer mal.— sussurrou Rosa.

Roxanne olhou para a cozinha. Henry não estava ouvindo.

É por isso que ainda não contei. – retrucou de volta, baixo.

Escórpio acompanhava o dialogo com a decência de fingir desinteresse, brincando com a futura filha adotiva.

— Você tem que contar. – Rosa teimou. – Essa é Cecilé. Nós vamos nos casar. E adotá-la, como Dominique e Lys.

Roxanne foi surpreendida e ficou realmente feliz. Ela adorava a felicidade das pessoas que amava. Olhou para Escórpio, que deu um sorriso tão discreto que quase nem deu pra notar. Seus olhos estavam esperançosos e foi o suficiente para Roxanne.

— Estou feliz por vocês. Henry me contou sobre Cecilé. Não sabia que ela estava por perto.

— Vocês vão ficar com ela? – Henry chegou com o chá de Alfazema de Roxanne, entregando sua xícara. – Parabéns! É uma boa decisão.

Escórpio foi inundado pela felicidade de Rox e Henry. Eram pessoas cujas presenças o faziam se sentir bem.

— Obrigado, Henry. E Roxanne. – Escórpio conseguiu soltar.

Henry estava imensamente atrasado para o trabalho, mas não se importou. Talvez fingisse alguma doença. Eram boas notícias. Como Roxanne, ele gostava quando algo bom acontecia. Ele sentou ao lado da esposa.

Rox e Henry bebericavam seus chás. Cecilé ficou em pé apoiada nas pernas do (futuro) pai.

— O que vocês precisavam falar comigo? – perguntou Henry.

— O que você acha de ser nosso guardião inmágico? – perguntou Rosa.

— E estou grávida. - emendou Roxanne de uma vez.

Henry olhou com assombro para Escórpio. Seus lábios formaram as palavras “meu Deus!” que só Escórpio viu. Escórpio gargalhou sozinho.


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Notas finais do capítulo

Primeiro notas do capítulo:

[1] O orfanato Santo Antônio não existe. Fiz uma longa pesquisa na internet por orfanatos em Londres e foi difícil encontrar um que ainda esteja aberto e que eu pudesse ver a foto para descrever. Inventei um. Santo Antônio é o padroeiro das crianças.

[2] Uma vez eu li que J.K simplesmente se desesperou dizendo que Ted Lupin tinha que aparecer no epilogo de RdM para ela dizer que ele estava bem. Eu entendi isso agora com Nick. Não tanto com Grace, porque a mãe dela é uma boa mãe, mas eu tinha que mostrar Nick e deixar implícito que ele ficará bem. Meu amigo Luc diz que eu me envolvo demais com a história e com meus personagens. Só posso concordar. Pra mim é como se estivessem vivos quando escrevo.

[3] Vocês podem ver o casal Holly/Louis em "Se você fechar a porta". Eu apresento Houdini e a contaminação de Lorcan na fic "Come Back Home". A cena de Escórpio vendo Rosa com Pandora está na "Como foi seu dia?". Lys e Dominique adotam Benji em "Mãe? Eu?!". Roxanne conhece Henry em "Roxanne e o dia atrasado, azarado e desequilibrado". Pandora "nasce" na fic "Pandora". Todas no meu perfil :)
—//-

Notas finais pessoais:

[4] Por favor, podem dizer o que acharam? Mesmo os "fantasmas" que tenho a sensação que tenho alguns? (risos). Mas tudo bem, se tiver algum problema em aparecerem, vou fazer o que? Só queria um feedback :)

[5] Aokigahara me consumiu muito. Tempo e energia. As pesquisas nem sempre foram fáceis, principalmente para os ferimentos, a floresta e os personagens "vilões". São temas difíceis de desenvolver de uma forma realista, mesmo num mundo mágico. O suspense, as questões e as respostas (e qd solucionar as perguntas pra vocês) também foram difíceis de desenvolver, além dos duelos e as narrativas de ação, já que eu tinha que fazer algo verdadeiro, e não personagens bons em tudo. Eu ficava com muito medo ao escrever com Lys, Ted, Dominique e Vic, por exemplo. E essa floresta do cara***!!! Espero que tenha correspondido a expectativa de vocês.

[adendo] Rox e Henry tiveram gêmeos: Zen Fabian e Zian Gideon. Nenhum é aborto/inmágico.
Victorie e Ted tiveram dois filhos seguidos: A D.D Lupin (Dee Dee) e um ano depois, o J.J (Joshua Jay "Jay Jay" Lupin), em seguida a Cecelia (CeCe Lupin). Rosa e Escórpio tiveram um caçula chamado Clifton, claro!

É só um pouco do que Aokigahara significou pra mim :)

Obrigada ao Luc por ter me ajudado com algumas dificuldades que tive como "devo matar Cole?" "que casal fica com Cecilé?" "você acha que devo mostrar Amico de novo?" ...

E obrigada a vocês!

PS: não tenho plot futuro, se quiserem dar ideias em MP serão bem-vindas!