Dimensional Adventure escrita por Projeto Alex


Capítulo 6
No Fim do Dia


Notas iniciais do capítulo

As donzelas chorosas deitam,
O rei adormece e a dama prateada levanta.
Os que elevam seus olhos admiram
A música doce e triste que ela canta.



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Os quatro jovens moviam-se rumo a casa de Salye. Edu, mais conhecido como Chan, carregava a mochila da garota e Glads ia à frente, marchado como um valente soldado.

Chegando na esquina da rua da morena, a garota pediu que parassem: —Droga! O pai ta no portão me esperando! —Ela se arrepiou inteira. —Lucca, me deixa aqui mesmo. Se meu pai me vir nesse estado com um monte de marmanjo, isso aqui vai dar em caso de polícia!

 —Vocês deviam se inscrever naquele programa de TV, como é mesmo o nome? Barracos de Família! —Glads procurou fazer gracinhas como sempre.

—Não é hora pra isso bobão! —Chan disse, sempre tentando lembrar aos demais que ele tinha uma namorada. —Negócio de pais furiosos é sério, né, Luc-ca? —O asiático esperou uma reação do gordinho.

Lucca não respondeu. Ele também era experiente nesse assunto, mesmo que de um jeito diferente. O garoto colocou Salye no chão, fazendo-a deslizar por suas costas, embora esta estivesse de saia.

—Não olhem! —A menina pediu um pouco corada.

Os rapazes desviaram o olhar e ela ajeitou a peça de roupa, cobrindo as coxas manchadas de lama.

—Pronto. —Ela levantou o rosto, um pouco avermelhado e os meninos puderam voltar a visão.

—Bem, a Sissa deve estar me esperando faz tempo. Com certeza ela deve estar morrendo de saudades. —Sorriu, só faltando fazer aparecer um brilho sugestivo nos dentes.

Plim!

Glads pôs as mãos na cintura. —Acho que devemos deixar o nosso jogo pro fim de semana. —Observou. —Com esse clima, é obvio que a Salye vai querer descansar hoje. Sábado bem cedo, nós combinamos de acessar no mesmo horário. Beleza?

Por incrível que pareça, o altão falou algo racional. Todos concordaram.

Será que vai nevar?

Despediram-se então. Edu seguiu por outra rua e a menina desceu, a caminho de casa.

Da esquina, Lucca e Glads continuavam a observá-la.

—Hu hu hu hu. —O moreno riu, olhando para o amigo e cobrindo a boca com a ponta dos dedos.

—O que foi agora? —O gordinho indagou, sem mirá-lo.

Glads espremeu-se para cortar o riso: —A calcinha dela estava encostando nas suas costas, né? —Sussurou.

Os olhos do gordinho só faltaram saltar e seu rosto ficou mais vermelho que pimenta: —PUTH MERDA, GLADS! —Ele rosnou mostrando os caninos.

[...]

Selye caminhou até o portão. Lá, Ivan, o pai, a aguardava, aborrecido com a demora:

—O que aconteceu pra você me chegar uma hora dessas em casa, sua cachorra? —Ele esbraveja.

Salye, já imaginando o tamanho do castigo, já tentava criar na sua cabeça uma longa explicação para livrá-la das penalidades exageradas que seu pai costumava impor-lhe, quando...

—Que cheiro de esgoto... —O homem esfrega a narina com o braço peludo. —... É tu Selye? O que foi isso?

Um raio iluminado clareou os pensamentos dela:

—Desculpa pai, eu tive um pequeno acidente! — Ela disse, intencionando esconder o máximo de detalhes. —Estava vindo pra casa e escorreguei na lama, acho que torci o tornozelo, ta doendo demais! —Ela dá uma pequena pausa da explicação, mas não o suficiente para eu o homem, perguntasse. —Eu demorei porque eu não estava conseguindo andar direito, vim me segurando onde podia.

Yatta¹! Não precisei mentir!

—Vish! Tu é muito desastrada! Devia ter me ligado, que eu ia te buscar! —Ele indagou.

—Eu... não pensei nisso... desculpa por deixar o senhor preocupado, pa-pai. —Já haviam esgotado-se as idéias.

—Olha, menina, vai tomar banho antes que você adoeça. —Ivan sentiu o fedor invadindo-lhe o nariz. —Se achar que tem de ir no médico, aproveita enquanto eu tô pagando o plano de saúde do Haplife.

—Sim senhor. —Salye suspirou aliviado por aquilo ter sido o suficiente.

Mesmo assim, desculpa por não contar a história toda, papai.

Mesmo que ela desejasse poder contar aos pais sobre o ocorrido, mesmo que o pai fosse um homem alto e forte, algo dentro dela sentia que não seria uma boa arranjar mais confusão ainda com os alunos e também com a administração da escola. Era melhor ficar por isso mesmo e deixar que as coisas esfriem. Além do mais, ela se envolveu nisso sozinha e sozinha iria sair disso.

Antes que ela entrasse, Ivan a advertiu: —Olha, a tua mãe já chegou. Passa devagar pra ela não te ver desse jeito, senão já sabe. —Já conhecendo a natureza da mulher. —Troca de roupa e bota essa aí de molho você mesma pra ela não perceber.

A garota sabia o quanto a mãe era nervosa. O trabalho de professora da dela era desgastante e estressante. E como se não fosse o suficiente, a mulher tinha pressão alta e arritmia. Resumindo, ela era uma bomba relógio ambulante, não só para ela mesma, mas também para quem estava ao redor dela.

—Meu Deus, meu nariz está ardendo! —O homem  entre fungados.

Salye fez conforme as orientações razoáveis do patriarca. Desamarrou os tênis e os colocou num cantinho na entrada a fim de não sujar o piso com o calçado enlameado. Deste modo, entrou, pé-ante-pé, para não fazer barulho e acessando o quarto, trancou-o.

O lugar estava uma zona, um digno quarto de homem. Mas era uma zona onde ela se sentia confortável, segura. Assim, ela pegou a toalha embolada de cima da cama, entrou no banheiro e fechando a porta, escorou-se nelas. —Que dia! —Arriando com o peso do corpo, indo deparar-se com o azulejo frio. —Não faço idéia de como as coisas chegaram a esse ponto! —Disse a garota, mirando as pernas completamente imundas, tal como a farda, rosto e cabelo, embora não os pudesse ver por inteiro, naquele momento.

Tomou fôlego e se ergueu, evitando olhar para o espelho da pia. Ligou o chuveiro e deixou que a água quente nos canos caísse. Alguns segundo depois, pôs a mão na água verificando se a mesma havia esfriado e colocou-se debaixo da cascata, ainda vestida.

Salye permitiu-se descansar os pensamentos, deixando a mente em branco. Estava exausta demais para se questionar do que quer que fosse.

[...]

Em sua casa, Lucca adentrava cautelosamente, buscando não fazer barulho. A TV ligada e o cheiro fragrante de rum denunciava uma presença nada acalentadora. O garoto foi até poltrona virada para a tela intencionando pegar o controle remoto a fim de desligá-la.

Havia um homem deitado lá, largado desajeito no assento, ainda segurando a garrafa de álcool. Uma baba espessa lhe escorria pelo canto da boca a medida que um som alto e rouco ecoava, saindo-lhe da garganta. Ele tremia um pouco, afinal era inverno e uma tempestade ameaçava sobrevir naquela noite. O jovem tomou a manta que jazia largada no chão e cobriu-o atenciosamente.

Contudo, de súbito, o homem agarra-o pelo pulso: —Marrye... onde você está? —O bêbado solta as palavras com um bafo insuportável, fazendo o gordinho afastar o rosto.

—Sou eu, pai. Por favor, vá dormir. —Lucca o recomenda, tentando desvencilhar-se. —Agora me solte.

—NÃO SOLTO COISA NENHUMA! —Ele grita abruptamente, se levantando da poltrona, ainda segurando o garoto.

Lucca evitou olhá-lo nos olhos. Sabia que bastava um gesto para tudo se transformar numa sessão de tortura. Desde que a mãe fugira, o pai acabara com todas as riquezas que a família tivera um dia. Este então, entregava as noites para a bebida, desregradamente, quase suicida. Pela manhã, restava apenas o remorso e o silêncio... para os dois.

—Seu bostinha! Onde você estava? Namorando aquela lambisgóia, aposto!  ESQUECEU QUE TEM CASA? ÃH? —Pisando no calo do jovem, na única coisa que não o fazia ficar calado.

—Claro, eu mal podia esperar pra chegar em casa e encontrar UM BEBUM MISERÁVEL QUE SÓ ME BATE! —O gordinho não se contém e responde, cedendo às provocações.

Furioso, o pai esmurra Lucca no rosto, fazendo-o cair sobre o tapete manchado.

O homem cambaleou em direção ao garoto no chão, sacou o cinto e começou a açoitá-lo com força: —Você... não pode... falar... assim... comigo... —Cada pausa era um golpe. —EU SOU... O SEU... PAI. EU SOU... eu sou o seu pai!

O velho, tonto, segurou-se no sofá, o que deu tempo para menino esquivar-se e se trancar no quarto.

Lucca empurrou a pesada cômoda, travando a entrada, enquanto o pai, privado de sanidade, batia na porta como um louco, tentando invadir o dormitório. Tal tática constantemente utilizada pelo menino para sobreviver a noite com o pai.

Ele sentou-se no chão, escorando-se nas gavetas do móvel, e abraçou as pernas. Lucca abaixou a cabeça sobre os joelhos e sussurrou...

—Salye...

 [...]

Quando o líquido levou embora parte da sujeira, tanto das roupas como do corpo, a morena começou a tirar cada uma das peças de roupa e tomando o sabonete, se livrou do restante de lama grudada na pele. Enxaguou-se.

Depois de colocar a farda num balde com água e sabão, passou o rodo no piso e sentiu uma fisgada no pé. —Eu tenho de dar um jeito nisso também... —Disse pegando a toalha. —Se eu tivesse de amputar o pé por causa de um machucado tão simples, seria bem vergonhoso. —Imaginou ouvir a gargalhada infame de Glads. Estremeceu.

Brrrrrh!

Ela se enrolou no pano e foi para o quarto. Agora mais calma, ela via o  ambiente claramente: roupas espalhadas pela cama, livros e cadernos jogados no chão e a porta do armário aberta. Tudo exatamente do jeito que deixara antes de sair para a escola. A garota tirou a toalha e a lançou dobre a cadeira da escrivaninha, indo até o grande espelho do guarda roupa.

Mirando-se a mia luz do abajur, observou o corpo nu. A pele tenra, apesar de livre da sujeira, apresentava aranhões e hematomas em praticamente toda superfície. Os pulsos estavam arroxeados, revelando também as marcas da agressão. E o tornozelo, precisava de cuidados imediatos. Com cuidado, massageou o membro com o ungüento de seu kit de primeiros socorros (o melhor amigo de uma nerd, diga-se de passagem) e o enfaixou. Então vestiu o pijama e se jogou na cama em seguida.

—ONDE ELA ESTÁ? —A pequena suicate levantou a cabeça, num susto. Aquela voz era a da...

Uma mulher invadiu o quarto quando Salye já estava quase adormecendo, só deu tempo apenas, da menina esconder a perna machucada debaixo das cobertas. Velozmente, a mulher põe a mãos na testa da garota a vim de verificar-lhe a temperatura.

—Não foi nada mãe! —a morena, agora limpa e de roupa trocada, tentou acalmar a mãe. —Eu só caí. Meu sapato estava desamarrado e eu tropecei, só isso!

—Foi só isso que aconteceu, Salye? —Ela a mirou direto nos orbes negros.

Salye não conseguiu dizer. Procurou ficar séria, mas a mãe tinha o dom de saber quando ela escondia alguma coisa. Sentiu uma vontade descontrolada de rir. Fez tanta força que a cara se contorceu.

=P

—Você pode enganar seu pai, mas a mim não! —A mulher tira o tênis todo enlameado, não sei da onde, e o exibe para a menina: —Eu vou te mostrar uma coisa, ta vendo o cadarço? Se você caiu porque o tênis estava desamarrado, como é que a única parte limpa do sapato, é a parte onde faz o nó?

O.O Ai meu Deus, isso aqui está virando o CSI!

—Mamãe, estou com frio e com fome. O que tem pra comer? —A morena sabia que se existia uma coisa que pudesse mudar o rumo da história era...

—É claro que está, você está com febre! Vou te dar um paracetamol e fazer uma sopa pra ver se você escapa de ficar gripada. Eu volto jajá.

...A probabilidade de ficar doente e apetite repentino! Quando a mãe saiu do quarto, Salye esticou o braço e pegou o celular para navegar na internet e ver postagens em sites de humor, mas outra coisa na rede social chama a sua atenção: —Olha mensagens dos meninos!

@GladsP*dasGaláxias: Você tem de arrumar briga mais vezes @Salye00. Foi muito emocionante!

@EDYChan: Cheguei atrasado na casa da Sissa e levei mó carão. Você está me devendo :)

@LuccaS: @Salye00! Entra no jogo Animon!

@LuccaS: @Salye00 AGORA!

—QUÊÊÊÊ? —Ela tomou um susto. —Eles estão jogando Animon sem mim, DAMN²! —Ela cerra o punho, irritada. —Como ousam!

Nesse instante, alguém liga para o seu número. É Glads! —Salye? Estamos todos aqui, é uma ligação por conferência. Inicia o game lá.

—Beleza, mas não foi isso o que a gente combinou. Os gaiatinhos já esqueceram? Aconteceu alguma coisa? —Ela pergunta, receosa.

—Sim, está. A gente que não agüentou esperar e resolvemos acessar, meio que ao mesmo tempo e você nada de atender o celular... —Edu tentou jogar a culpa pra cima da garota. —Aliás... a Sissa não gostou nada de saber que eu estava de babá pra você. Por sua causa, vou dormir sem “aquilo”...

—Ué, mas “aquilo” o quê? Não estou entendendo. —Salye perguntou, piscando os olhos inocentemente.

—Ah, você sab-...

Chan foi interrompido a tempo por Lucca: —Espero que seu pé esteja melhor. —O gordinho fala, verdadeiramente interessado. —A propósito, Você vai pirar quando ver a parte de edição de personagem. Olha, nós já fizemos os nossos, mas eu não deixei ninguém começar antes de você ver.

Um pouco hesitante devido o nervosismo, Salye ajeita o celular a sua frente. O ícone reluzente parecia ler seus desejos mais íntimos, implorando para ser tocado e dar a ela tudo o que a mesma queria. Assim, a garota desliza o dedo sobre a tela, iniciando o game. Nele aparecem algumas escolhas, como Bag pack, Álbum, Sala de Troféis e também Caracter.

A morena, ansiosa, seleciona a opção Caracter e no momento que entra, precisa abafar a boca com o lençol para não dar um grito de satisfação.


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Notas finais do capítulo

¹Yatta: Expressão japonesa usada para comemorar quando se consegue fazer alguma coisa.

² Damn: Um xingamento em inglês. Quando um gringo fala isso ele ta muito fulo com alguém.



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