Dimensional Adventure escrita por Projeto Alex


Capítulo 5
A Outra Salye


Notas iniciais do capítulo

Minha loucura pode demonstrar
Mergulho em alegria extravagante e insana,
Sentindo o que só eu posso alcançar.
Me agarrando a dourada barbatana,
Afundo, delirante a dançar.



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—Mas o quê?... —Fabi se surpreende com a reação da garota.

Como que prevendo uma reviravolta da situação, o cara tenta alcançar as duas, no entanto o celular de Salye, ainda em sua mão, brilha intensamente numa luz cegante e se torna como uma fornalha em brasa, prendendo e incendiando a mão esquerda de Pacco o qual grune, agonizando por conta da ignição.

—PACCO! —A delinqüente se desconcentra ao ouvir os guinchos de desespero de seu comparsa.

Aproveitando-se da armadilha, Salye agarra o taco de baseball com ambas as mãos e o empurra fortemente contra o estômago da loira, tirando-lhe o ar. Esta vai para trás em dor, segurando o abdome e implorando por fôlego, despencando sobre o calçamento junto a uma das paredes mofadas do beco.

—Boss! —Pacco vê a comparsa cair. Nunca havia presenciado outrora alguém atingir aquela mulher assustadora, ainda mais daquela maneira. —GRRRRRRAAAAHH!

Furioso, o rapaz de cabelo espetado se joga contra a morena, a fim de retaliar o que esta fizera com sua chefe. Esticando o punho, o meliante tenta esmurrar Salye no rosto, mas a garota esquiva, sendo pega somente de raspão, contudo o suficiente para provocar um pequeno arranhão no lábio inferior.

—Sem dor... —A jovem, sorri. Do minúsculo corte começou a escorrer um filete vermelho. Ela levantou o dedo e o tocou, examinando o dedo indicador machado levemente de rubro. —...dano ínfimo.

Fabi gemia no chão, tentando entender o que se passara. Aquela garota ali na sua frente era realmente a colega de sala quase invisível, insignificante e inofensiva, Salye?

Ela estava diferente, completamente séria, distante... sombria. Não parecia a mesma pessoa de antes. Não! Sequer parecia uma pessoa.

—DO QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO MALDITA? —Pacco cerrava os punhos, enlouquecido de raiva. —Dor? Você só pode está tirando uma com a minha cara! —Disse partindo para cima da garota novamente. —EU VOU TE FAZER SENTIR DOR! —saltando para pegá-la.

Mas a jovem já o esperava, como que tivesse calculado: O meliante vinha de frente, quase em câmera lenta. As pernas dele em corrida moviam-se tão devagar que era possível ouvir, distinguindo, com décimos de segundo de intervalo, cada pisada no chão molhado vindo em sua direção num ângulo perfeito. A única coisa que ela precisava fazer era ajustar o taco entre os dedos e fazê-lo deslizar por eles guiando-o na rota desejada. Sem nem precisar abrir os olhos, ela unicamente plantou os pés no chão, e num rápido giro de pulso desferiu o golpe certeiro, encaçapando¹ o nariz do agressor de forma fenomenal, quebrando-o.

O homem cai também, segurando o nariz ensangüentado como uma cachoeira imunda, se arrastando em direção a Fabi, a qual encarava a colega de sala com total repulsa.

 Os dois delinqüentes, dominados, afastavam-se, rastejando pelo chão molhado e fétido, ao passo que Salye continuava a aproximar-se deles, devagar, atraída pelo pavor estampado nos orbes de suas presas. Mas não sentia nada. Não havia nada da Salye que conheciam ali. Salye entrara no “modo automático”. Seus olhos vazios viam através dos corpos de seus agressores, como se os encarasse não como pessoas, mas como... qualquer outra coisa.

—Quem... quem é você? —Em toda sua vida, Fabi conhecera diversos tipos de pessoas perigosas, as quais foram responsáveis por fazê-la ser quem é. Assim, teve de aprender a identificar e lidar com todo tipo de gente. Intimidar, chantagear, ferir, para o seu próprio bem. Mas aqueles olhos... Sentiu medo. Aquela pessoa na sua frente não era do tipo com quem podia negociar. Eram exatamente iguais os olhos daquele homem. “PARE! PARE!” Ela recordava-se do que ocorrera com ela a muito tempo atrás. —QUEM É VOCÊ? —Fabi gritou.

—Isso... vocês não tem de saber... —A pessoa de olhos negros segurou o bastão com as duas mãos. O fraco luar saindo timidamente por detrás das nuvens revelou o rosto pálido e alterado. —O que vocês tem de saber é... ficar fora do caminho dos outros.

Nisso, “esta Salye” investiu contra os marginais caídos, espancando-os avidamente, ora na base do chute, ora com o próprio bastão de Fabi. Quanto mais batia, mais normal aquilo lhe parecia. Tornou-se agradável a sensação, excitante. Ela já ria loucamente, insana!

O garoto de cabelo verde tentou alcançar o canivete que mantinha consigo em sua calça, contudo, entre as pancadas e também com causa da mão em carne viva, caiu para fora da calça, indo parar nos pés da loira, que, sem pensar duas vezes, tomou a faca para proteger-se.

A morena parou por um instante e inclinou o rosto para o lado, a fim de observar o que a bandida iria fazer. Esta estremecia, lembrando da ultima vez que apanhara tanto assim, quando ainda era pequena. Fora exatamente igual. Até o rosto corrompido daquela a sua frente era igual. Por puro instinto de sobrevivência, Fabi pôs a lâmina a frente de seu corpo para defender-se. Tremia.

Nem bem havia feito isso, Salye agachou-se sobre a inimiga, cara a cara com, tão perto que Fabi poderia atingi-la... se pudesse.

Salye, sem desviar os olhos, esticou o braço e tocou-lhe nas mãos que seguravam o canivete Então a loira, começou a chorar, e simplesmente, entregou o objeto nas mãos da outra, sem resistir.

—Por favor, não!

—Fique bem quietinha, eu não estou com uma boa coordenação motora. —Então, ela pressionou o rosto da loira com a faca, logo abaixo do olho da colega, até a ponta da lâmina entrar, assim, foi trazendo o corte na bochecha em direção ao lóbulo da orelha do mesmo lado. Um risco diagonal até a mandíbula.

[...]

—PRA QUE LADO ELES FORAM? —Lucca parecia um louco, farejando qualquer pista que fosse, embora estivesse escuro e não houvesse nenhum sinal aparente do rastro deles.

Chan avistou um homem aparentemente furioso mexendo no carro. —Senhor! O senhor viu alguma garota correndo por aqui? Ela estava com uma farda igual a nossa e...-

—Olha moleque, agora não! —Estava vermelho de ódio. —MOTOQUEIRO MALDITO! Olha o que ele fez com a pintura do meu carro! CADÊ MEU RETROVISOR? O DESGRAÇADO QUEBROU O MEU RETROVISOR! QUEM QUEBRA O RETROVIDOR DOS OUTROS COM TACO DE BASEBALL? —Ele ficava ainda mais avermelhado.

—Taco? —A orelha de Lucca vibra.

Glads toma a frente: —Tinha uma mulher loira na garupa? Pra que lado eles foram? —O moreno indaga.

O cidadão passava a mão na careca, aborrecido. —Tinha ué! Eles foram rumo a rua estreita lá na frente, pegaram um atalho pra escapar, os desgraçados!

—Bingo! São eles! —Chan se vira para Lucca.

—Espera moleque! Aqueles arruaceiros são seus amigos? —O motorista já ia investir contra eles.

—Na-não! —Glads abanava as mãos, frenético. —Com licença senhor, estamos com pressa... —Olhando para os outros dois amigos, estes já se punham a correr dali, sem esperar por ele.

—Cachorros safados, nem pra me mandar correr!

Os três procuraram dar o fora o mais rápido possível, afinal, podia sobrar para eles e também porque, não havia tempo a perder com aquilo naquela hora.

—Gomen²! —Glads diz com as mãos juntas, olhando para o velho descontrolado ao longe, chutando o retrovisor arrancado para o outro lado da rua.

—Vamos logo idiota! —O asiático puxa o outro pelo braço, rumo o beco.

Adiante, uma luz de farol encandeava os garotos que adentravam na rua streita.

—SALYE! SALYE!

[...]

—Onde eu estou? —Salye tentava entender onde havia ido parar. Não havia mais Fabi, Pacco, nem beco lamacento. Mas também não vira desta vez luzes flutuantes, arvores, ou animais estranhos. Era apenas um comprido corredor, tão escuro que era impossível de ver até onde ia. A sua frente jazia uma colossal porta dupla de pedra, fixa em uma das paredes do corredor. Ela afastou então a hera que o cobria, a fim de abrir a entrada.

Tateando a entrada, entre as duas metades, sentiu um sulco, uma marca funda de forma circular entalhada na pedra, parecida com um tipo de ... —Fechadura! Salye pôs as mãos sobre a porta sólida e a empurrou, contudo esta não cedeu, estava realmente trancada.

Ao mesmo tempo, algo a impedia de usar toda a energia. Sentia-se lenta, pesada. Sem saber ao certo o que fazer, a garota pôs-se a correr buscando encontrar a saída desse lugar incomum, mas por mais rápido que se movimentasse, não ia nem para a direita nem para a esquerda.

—Mas que caca está acontecendo? —Ela começava a se apavorar. As paredes pareciam cada vez mais altas até confundir-se com o nada. —NÃO ERA ISSO O QUE EU QUERIA! Eu não quero ficar sozinha! NÃO QUERO FICAR NO ESCURO! —A garota começou a sufocar, naquele aperto. Segurou o próprio pescoço puxando o ar para dentro dos pulmões com força, mas o ar não entrava. Então se abaixou, agarrando os joelhos e se balançando suavemente para frente e para trás. —Está tão... frio!

—SALYE! SALYE!

De súbito, a morena escutou um voz familiar, esta voz chamava pelo seu nome avivando-lhe o espírito. Uma voz inquieta, preocupada, terna, vindo de todos os lados, inundando-lhe os ouvidos e lhe reconfortando.

—Lucca? —Ela levanta a cabeça. Outras vozes se juntavam a do amigo, vozes que continuavam chamando por ela. —Glads? Chan? Vocês estão aqui? Vocês vieram por mim!

Ela cria ânimo. Selye se escora na parede de pedra e estica as pernas. Nesse momento, com a mente mais calma percebe o quão úmido é aquela atmosfera. —Eu não tenho de ficar aqui! Eu tenho amigos e eles vieram por mim!

—SALYE! ONDE VOCÊ SE ENFIOU?

—Eu posso sair daqui à hora que eu quiser. —A morena, de pé, chacoalha o cabelo. Uma juba negra se forma dos seus longos fios, recusando-se a obedecer à gravidade, e estes passam a flutuar ao seu redor. —Isto não é ar, é água... por isso não consigo me mover normalmente! Eu só preciso subir!

Ela olha para cima e além da escuridão do fundo do oceano brilha uma luz rubra, oscilante. Dessa forma, Salye apenas permite que a corrente delicada a leve para a superfície.

—Esperem por mim, vadios!

A medida que se aproximava da superfície, conseguia ver através da água, parte do beco onde estava momentos antes. Do celular da morena, o qual estava jogado no chão, irradia um grande circulo luminoso e de dentro dele são cuspidos para fora um bocado de água e também a própria Selye!

Absolutamente tonta com o que acabara de experimentar a menina desaba de cara na poça de água suja, esgotada.

—Aquele não é o farol da moto da Fabi? —Glads aponta para o ponto luminoso, que aparentemente ia se afastando rápido, indo embora.

—Ah não! Chegamos tarde! —Lucca corre o máximo que pode, sendo acompanhado por seu companheiro, na direção dele e então os dois param abruptamente.

O asiático também se apressa. —O que foi Glads? —Chan toca no ombro do altão.

Totalmente assombrado, o moreno aponta para o troço funesto largado dentro da poça de lama: —Eu vejo... gente morta!

Chan acompanha Lucca, examinando a coisa dentro d’agua. —Mas... é a Selye!

A garota levanta a cabeça, exausta, toda suja de lama fedida e completamente encharcada. —Os bobões... vão deixar eu me afogar mesmo? —A menina choraminga.

—CACILDA! —Glads fica pasmo ao ver que a colega ainda estava inteira.

Lucca ajuda a menina e de imediato, nota os hematomas no rosto e braços da amiga. —Você está bem? O que eles fizeram com você? —O garoto fala repleto de preocupação.

Selye sente a cabeça doer. —Eu... estou bem, acho... —Ela apóia a testa com a mão.

—Consegue andar? —Chan pergunta a ela, prestativo. A morena dá um passo desajeitado e sente o pé latejar. —Consigo, mas acho que torci o tornozelo quando caí da escada. —Ela cerra os olhos e sorri de mau jeito, tocando o membro dolorido.

Chan já ia se oferecendo para carregá-la mas dessa vez Lucca fora mais ágil, abaixando-se e oferecendo as próprias costas. —Desculpa por preocupar vocês. —Salye aconchega as pernas entre o dorso e os braços de Lucca, pondo as mãos sobre os seus ombros.

—E o que rolou com a Fabí e o doidão de cabelo verde? —Glads indaga ao pegar o celular do chão e entregar para a menina.

Salye recebe o aparelho com uma das mãos e se recorda de tudo o que aconteceu ali. Foi ela. Ela conseguiu se defender sozinha pela primeira vez e escorraçar os agressores. Mas não sentia que aquelas lembranças eram realmente dela, mas de uma pessoa completamente diferente. Não era ela. Não sabia o que pensar sobre isso.

—Acho que eles se divertiram me espancando, até que enjoar. —Ela girou o tornozelo de leve. —Bem, pelo menos não tem nada quebrado.

—E como a doutora sabe que não está quebrado? —Glads pergunta fazendo bico e mexendo os ombros.

—Porque se estivesse mesmo quebrado ela estaria gritando só de tocar nele, ô animal. —Chan dá um murro de brincadeira no braço do moreno, o qual vibra com a oportunidade.

—Ahá! Parece que temos um “Cheroque Romes” aqui! —O altão ri escandalosamente com os braços para o alto,contagiando o asiático com o comentário.

—Haha, tá bom, cara, entendi a referência.

—Engraçadinhos! —A menina tentava esconder, porém em vão, o quanto gostara das colocações. —Vocês não tem jeito!

—Os idiotas podem se apressar? —Lucca era o único que não estava rindo, apesar de gostar de memes quase tanto o quanto gostava de jogos. —Vocês sabem que a Selye não pode chegar tarde em casa. Além disso, ela é muito mais pesada do que parece.

A garota infla as bochechas chateadérrima, com a brincadeira maligna. —LUCCA, SEU PERVO!


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Notas finais do capítulo

¹encaçapar: nomenclatura do jogo de sinuca, na qual se usa um taco para fazer a bola cair num dos buracos da mesa.

²gomen: Pedido de desculpas em japonês.

Leiam também meu outro livro "Projeto Alex - Livro I - Cidade de Metal". Quem sabe eu não faço as histórias se cruzarem um dia...



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