Alvo Potter e a Sala de Espelhos escrita por Tiago Pereira


Capítulo 6
Capítulo 6 — Plataforma nove e três-quartos


Notas iniciais do capítulo

BOA TARDE, GENTE. Tudo bem com vocês? Espero que sim. :)
Bom, eu não tenho palavras para descrever o quanto estou feliz com os números da fanfic. Apesar de muita gente ter deixado de aparecer, estamos com 41 comentários! E eu fico orgulhoso em dizer que eu bati o meu recorde de reviews nesse site e eu devo tudo a vocês. Obrigado, de coração.
Sem mais delongas, mais um capítulo e é simplesmente O TÃO AGUARDADO CAPÍTULO DO EXPRESSO DE HOGWARTS!
Boa leitura e até lá embaixo. :)
Detalhe: o epílogo não foi copiado inteiramente do livro Relíquias da Morte. Sofreu adaptações para o ponto de vista do Alvo.



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O OUTONO PARECEU CHEGAR de repente naquele ano. A manhã do dia primeiro de setembro estava revigorante e dourada como uma maçã e, quando a pequena família atravessou saltitante a rua, em direção à grande estação encardida, a fumaça que os carros expeliam e a respiração dos pedestres cintilavam como teias de aranha no ar frio. Duas grandes gaiolas sacudiam em cima dos carrinhos cheios que os pais empurravam e as corujas dentro delas piavam indignadas. Lílian acompanhava, chorosa, os irmãos, agarrada à mão do pai.

— Não vai demorar muito, e você também irá — disse-lhe o Sr. Potter.

— Dois anos — fungou Lílian. — Quero ir agora!

Os passageiros olharam curiosos para as corujas quando a família se encaminhou em ziguezague para a barreira entre as plataformas nove e dez. A voz de Alvo chegou aos ouvidos do Sr. Potter apesar do barulho reinante, seus dois filhos tinham retomado a discussão começada no carro.

Não quero ir! Não quero ir para Sonserina!

— Tiago, dá um tempo! — pediu a Sra. Potter.

— Eu só disse que ele talvez fosse — defendeu-se Tiago, rindo do irmão mais novo. — Não vejo problema nisso. Ele talvez vá para Sons...

Tiago, porém, viu o olhar da mãe e se calou. Os cinco Potter se aproximaram da barreira. Lançando ao irmão um olhar ligeiramente arrogante por cima do ombro, Tiago apanhou o carrinho que a mãe levava e saiu correndo. Um instante depois tinha desaparecido.

— Vocês vão escrever para mim, não vão? — perguntou Alvo aos pais, capitalizando imediatamente a ausência momentânea do irmão.

— Todo dia, se você quiser — respondeu a Sra. Potter.

Todo dia não — replicou  Alvo, depressa. — O Tiago diz que a maioria dos alunos recebe carta de casa mais ou menos uma vez por mês.

— Escrevemos para Tiago três vezes por semana no ano passado — contestou a Sra. Potter.

— E você não acredite em tudo que ele lhe disser sobre Hogwarts — acrescentou o Sr. Potter. — Ele gosta de brincar, o seu irmão.

Lado a lado, eles empurraram o segundo carrinho e ganharam velocidade. Ao alcançarem a barreira, Alvo fez uma careta, mas a colisão não ocorreu. Em vez disso, a família emergiu na Plataforma 9 e ¾, que estava encoberta pela densa fumaça clara que saía do Expresso de Hogwarts. Vultos indistintos pululavam na névoa em que Tiago já desaparecera.

— Onde eles estão? — perguntou Alvo, ansioso, espiando os vultos brumosos pelos quais passavam ao avançar pela plataforma.

— Nós os acharemos — tranquilizou-o a Sra. Potter.

Mas o vapor era denso e estava difícil distinguir os rostos das pessoas. Separadas dos donos, as vozes ecoavam anormalmente altas. Alvo pensou ter ouvido tio Percy discursar sonoramente sobre o regulamento para uso de vassouras e passou o mais depressa que pôde. Imaginar que conviveria com Lucy o ano todo parecia insuportável.

— Acho que são eles, Al — disse a Sra. Potter, de repente.

Um grupo de quatro pessoas que estava parado ao lado do último vagão emergiu da névoa, mas seus rostos só entraram em foco quando o senhor e a senhora Potter, Lílian e Alvo estavam quase em cima deles.

— Oi — disse Alvo, parecendo imensamente aliviado.

Rose, que já estava usando as vestes de Hogwarts recém-compradas, deu-lhe um grande sorriso.

— Está pronto para embarcar, Al? — perguntou Rose, enquanto seus pais conversavam.

— Sim... estou — disse, sem muita convicção.

— No seu lugar, Al, ficaria muito mais animada — replicou Lílian.

— Dizem que a comida de Hogwarts é tão boa! — comentou oportunamente Hugo, lambendo os lábios.

— É porque ela é feita por elfos, Hugo — complementou Rose.

— Sério? Você disse isso cento e cinquenta vezes, Rose, só ontem.

Todos riram.

Lílian e Hugo se encontravam entretidos em uma animada discussão sobre a Casa para a qual seriam selecionados, quando finalmente fossem para Hogwarts.

— Se você não for para a Grifinória, nós o deserdaremos — ameaçou tio Rony. — Mas não estou pressionando ninguém.

Rony!

Lílian e Hugo riram, mas Alvo e Rose ficaram muito preocupados.

— Ele não está falando sério — disseram tia Hermione e a Sra. Potter, mas tio Rony já não estava prestando atenção.

O vapor dissipou-se por um momento e a silhueta de três pessoas no âmago se destacou contra a névoa em movimento.

— Veja só quem está ali.

Um homem alto e magro estava parado com a mulher e o filho, um sobretudo escuro abotoado até o pescoço. Seus cabelos já revelavam entradas que salientavam o seu queixo fino. O novo aluno era parecido com a figura paterna. Alvo desviou o olhar do menino, o sangue fluindo pelas bochechas. Era o garoto que havia encontrado no Beco Diagonal. Ele notou que todos estavam olhando para o pai, que deu um breve aceno com a cabeça e se afastou.

— Então aquele é o pequeno Scorpius — comentou Rony em voz baixa. — Não deixe de superá-lo em todos os exames, Rose. Graças a Deus você herdou a inteligência da sua mãe.

— Rony, pelo amor de Deus! — O tom de tia Hermione mesclava seriedade e vontade de rir. — Não tente indispor os dois antes mesmo de entrarem para a escola!

— Você tem razão, desculpe. — Mas, incapaz de se conter, ele acrescentou: — Mas não fique muito amiga dele, Rosie. Vovô Weasley nunca perdoaria se você casasse com um Sangue Puro.

— Ei!

Tiago reaparecera. Tinha se livrado do malão, da coruja e do carrinho e, evidentemente, estava fervilhando de novidades.

— Teddy está lá atrás — disse ele, sem fôlego, apontando por cima do ombro para as gordas nuvens de vapor. — Acabei de ver! E adivinhe o que ele está fazendo? Se agarrando com a Victoire!

Ele ergueu os olhos para os adultos, visivelmente desapontado com a falta de reação.

— O nosso Teddy! Teddy Lupin! Agarrando a nossa Victoire! Nossa prima! E perguntei a Teddy que é que ele estava fazendo...

— Você interrompeu os dois? — indagou a Sra. Potter. — Você é igualzinho ao Rony...

— ... e ele disse que tinha vindo se despedir dela! E depois me disse para dar o fora. Ele está agarrando ela! — acrescentou Tiago, preocupado que não tivesse sido suficientemente claro.

— Ah, seria ótimo se os dois se casassem! — sussurrou Lílian, enlevada. — Então o Teddy ia realmente fazer parte da nossa família!

— Ele já aparece para jantar quatro vezes por semana — disse o Sr. Potter. — Por que não o convidamos para morar de uma vez conosco?

— É! — concordou Tiago, entusiasmado. — Eu não me importo de dividir o quarto com o Alvo e o Teddy poderia ficar com o meu!

— Não — disse o Sr. Potter, com firmeza. — Você e Al só dividirão um quarto quando eu quiser ter a casa demolida.

Alvo notou que seu pai consultou o velho relógio arranhado, como costumava fazer sempre.

— São quase onze horas, é melhor embarcar.

— Não se esqueça de transmitir a Neville o nosso carinho! — lembrou a Sra. Potter a Tiago ao abraçá-lo.

— Mamãe! Não posso transmitir carinho a um professor!

— Mas você conhece Neville...

Tiago girou os olhos para o alto.

— Aqui fora, sim, mas, na escola, ele é o Professor Longbottom, não é? Não posso entrar na aula de Herbologia falando em carinho!

E, balançando a cabeça para a tolice da mãe, ele sapecou um pontapé em Alvo.

— A gente se vê, Al. Cuidado com os testrálios.

— Pensei que eles fossem invisíveis. Você disse que eram invisíveis!

Tiago, porém, riu apenas e permitiu que a mãe o beijasse. Deu no pai um rápido abraço e saltou para o trem que se enchia rapidamente. Eles o viram acenar e sair correndo pelo corredor à procura dos amigos.

— Não precisa se preocupar com os testrálios — disse o Sr. Potter a Alvo. — São criaturas meigas, não têm nada de apavorante. E, de qualquer modo, você não irá para a escola de carruagem, irá de barco.

A Sra. Potter deu um beijo de despedida em Alvo.

— Vejo vocês no Natal.

— Tchau, Al — disse o Sr. Potter, e o filho o abraçou. — Não esqueça que Hagrid o convidou para tomar chá na próxima sexta-feira. Não se meta com o Pirraça. Não duele com ninguém até aprender como se faz e não deixe Tiago enrolar você.

— E se eu for para Sonserina?

O sussurro foi apenas para o pai e o Sr. Potter percebeu que só o momento da partida poderia ter forçado Alvo a revelar como o seu medo era grande e sincero.

O Sr. Potter se abaixou de modo a deixar o rosto do menino ligeiramente acima do dele. Dos seus três filhos, apenas Alvo herdara os olhos de sua mãe, tornando-os incrivelmente parecidos.

— Alvo Severo — disse o Sr. Potter, baixinho. Alvo temeu que alguém ouvisse, mas sua mãe acenava para Rose dentro do trem. — Nós lhe demos o nome de dois diretores de Hogwarts. Um deles era da Sonserina e, provavelmente, foi o homem mais corajoso que já conheci.

— Mas me diga...

— Então a Sonserina terá ganhado um excelente estudante, não é mesmo? Não faz diferença para nós, Al. Mas, se fizer para você, poderá escolher a Grifinória em vez da Sonserina. O Chapéu Seletor leva em consideração a sua escolha.

— Sério?

— Levou comigo.

Ele jamais contara isso a nenhum dos filhos e notou o assombro no rosto de Alvo ao ouvi-lo. No entanto, as portas estavam começando a se fechar ao longo do trem vermelho e os contornos indistintos dos pais se aglomeravam ao avançar para os beijos finais e recomendações de última hora.

Alvo pulou para o vagão, e a Sra. Potter fechou a porta do compartimento dele.

Os estudantes estavam pendurados nas janelas mais próximas. Um grande número de rostos, tanto dentro quanto fora do trem, parecia estar virado para o Sr. Potter.

— Por que eles estão todos nos encarando? — perguntou Alvo, enquanto ele e Rose se esticavam para olhar os outros estudantes.

— Não se preocupe — disse Rony — É comigo. Sou excepcionalmente famoso.

Alvo, Rose, Hugo e Lílian riram.

O trem se movia lentamente, ao passo que o Sr. Potter acompanhava lado a lado Alvo, seu rosto brilhando de tanta excitação. O garoto colocou a cabeça para fora e acenou para o pai, que retribuía com um sorriso. Lílian, meia risonha, meia chorosa, mandava beijos para o irmão, assim como a mãe e os tios.

Alvo suspirou lentamente. 

Não é um adeus, ele pensou ao ver a família se distanciar. O trem fez a primeira curva e a fumaça ia se dissipando no ar estival. Alvo se afundou de novo na cabine, seus cabelos sendo varridos pela ventania. Fechou a janela e virou-se para Rose, que ostentava um sorriso eufórico. Eles realmente estavam extremamente ansiosos para chegarem a Hogwarts. Apesar de sempre ouvirem histórias sobre a escola através dos parentes, as crianças não sabiam, de fato, o que iriam encontrar no castelo. As expectativas estavam no auge. 

A porta da cabine se abriu e Dominique, segurando uma revista pink enrolada, seguida de Fred, Roxanne, Tiago e dois rapazes da mesma altura que o irmão entraram. 

— Tem alguém sentado aqui? — Dominique apontou para o assento ao lado de Rose. Antes mesmo que a garota respondesse, já estava sentada. — Espero que não. 

— Fala sério, Dominique — disse Tiago, se metendo entre os dois amigos —, ninguém gostaria de sentar com sonserinos. — Moldou duas presas com os indicadores. Rose o fuzilou com os olhos — A não ser, é claro, a Rosinha.

Rose estalou a língua e sorriu. Nenhuma provocação ofuscaria a felicidade que sentia naquele momento.

— Ah é, antes que eu esqueça — Tiago pigarreou e poliu as unhas no tecido das vestes —, estes são os meus súditos mais fiéis. 

Todos riram, deixando Tiago sem jeito e com as orelhas púrpuras. Cruzou os braços e encarou a paisagem correr pela janela.

— Todos aqui já conhecem eles, bobão — disse Roxanne. — Quer dizer, menos Alvo e Rose. 

Os garotos se apressaram em estender as mãos a Alvo.  

— Eu sou Carl Aingremont — disse o garoto moreno de cabelos negros, lisos e espetados. Tinha o mesmo sorriso maroto que Tiago, mas lembrava perfeitamente um hispânico. Balançou freneticamente a mão de Alvo, chacoalhando todo o seu esqueleto. — Mas dispenso apresentações. 

O outro menino era mais contido, contudo, com o mesmo estilo lascivo dos outros dois. Seus cabelos castanhos também eram espetados, embora o jeito rebelde contrastasse com sua voz aveludada.

— Alaric Daggerfall — apresentou-se. — Espero que não seja tão tapado quanto o Tiago. 

Ele deu uma piscadela e sorriu para Alvo. Uma onda de alívio tomou conta do menino naquele instante. Os rapazes já estavam com seus treze anos de idade e, aos olhos de Alvo, viviam os melhores anos de suas vidas; não via a hora de chegar na mesma série que eles.

— OK, chega de apresentações — disse Dominique. — Estamos aqui para falar sobre A Garota dos Segredos, a fanzine sensação em Hogwarts. A revista mais comentada nesse verão. E adivinhem quem está na página de Rei e Rainha de Hogwarts? 

Ninguém respondeu. 

Moi! — Dominique jogou sua cascata de cabelos para trás, excepcionalmente cheia de si.

— Impressionante... — disse Tiago monotonamente.

— Eu sei — respondeu Dominique com um sorriso encantador. — E ainda estou junto do...  

A garota beijou a foto que se mexia. O garoto era alto, loiro e forte, com um queixo muito quadrado. A foto, Alvo notou, não parava de piscar e sorrir encantadoramente.

— Dave Dragworth — disseram Tiago, Alaric e Carl em coro com voz de falsete. 

— Ah, seus cabeças-de-bagre! — desmereceu Dominique. — Estão com inveja!

Houve uma onda de protestos. Rose estava tentando dizer algo, mas era entrecortada pelos colegas exaltados. Ela respirou fundo e se deteve a ler a revista d’A Garota dos Segredos, a qual Alvo recordara ter visto no Caldeirão Furado. Não parecia nem um pouco atraente aos seus olhos, por isso ficou observando Dominique ralhar com Tiago e seus amigos.

Fred e Roxanne balançaram a cabeça negativamente em sincronia. Puxaram um apito listrado em roxo e verde e o assopraram com um silvo alto e agudo. A discussão parou na hora — até porque nenhum deles conseguia falar. Fred sorriu para a irmã, exultante.

Alvo passou a mão pelo pescoço, esfregando a pele. A sensação de aridez na boca era horrível. Engolia saliva mais que o necessário, mas a secura continuava a assolar a sua garganta. Tentou pigarrear, mas nada saiu.

Fred e Roxanne gargalhavam incessantemente. 

— Primeiramente, vocês foram nossas cobaias — disse Fred, alegre. Sua felicidade aumentou ainda mais ao ver que todos estavam rubros de tanto tentar falar. — Nem adianta tentar, são os Apitos Fecha-Matraca, criação do papai, todos enfeitiçados com um avançado Feitiço Silenciador. Estávamos pensando em comercializá-los com os professores, mas vocês dariam ótimos servos!

Dominique já estava quase chorando naquele ponto. 

— Só há um probleminha. — A voz de Roxanne era ardilosa. — Nós nos esquecemos de perguntar como reverte o efeito.

Exasperados, diversas mãos voaram até as suéteres de Fred e Roxanne, que se matavam de rir. 

— Caiam fora seus mudinhos! — Fred estapeou a lã, afastando os dedos nervosos. — Vocês não sabem brincar não? 

Os dois irmãos apitaram novamente e as vozes voltaram à garganta, embaralhando-se no ar. Alvo sentiu os ouvidos desentupirem na mesma hora, piscando os olhos fortemente. Deu uma olhada para Rose, que tinha os cabelos emaranhados como uma juba.

— Quanta imaturidade de vocês. — Rose cruzou os braços.

Todos miraram a garota, que agora estava tinta de vermelho. Comprimindo a revista na mão, Rose se levantou e saiu do compartimento sem fechar a porta.

— Vou dar uma volta, procurar pessoas normais. — Ainda conseguiu gritar antes de sua voz morrer no corredor do vagão. — Não venham atrás de mim!

— Isso foi culpa sua, Dominique. — Tiago retomou a discussão.

— Minha?! — retrucou a loira, perplexa. 

Em poucos segundos, mais uma discussão eclodiu no local, transformando-o em um pandemônio. Alvo murmurou um palavrão e caminhou para fora da cabine, ingressando em um corredor lotado de alunos. Era impossível localizar a prima no meio de tantas pessoas, mas o garoto tentou rastrear a cabeleira ruiva, embora não conseguisse ver muita coisa além de alunos incrivelmente mais altos que ele.

Caham, caham. — Ouviu Alvo. 

O garoto se virou e deparou-se com dois rapazes. Um deles tinha estatura média, nariz achatado e cabelos simetricamente cortados, cor-de-areia. Os óculos escorregavam da ponta de seu nariz. Trajava as vestes da escola e carregava um distintivo reluzente com a letra “M”. Alvo não teve dúvidas de que era um aluno mais velho — e por que não, monitor-chefe. O outro era um tanto mais alto que Alvo, mas aparentava ter a mesma idade. Seus cabelos castanho-avermelhados eram cachos que choviam na testa. Vestia uma camiseta larga e escarlate com os dizeres “Diabos Vermelhos”.  

Com certeza não é um time de Quadribol, Alvo concluiu em sua mente. 

— Com licença — falou o rapaz mais velho, empurrando os óculos pelo nariz. — Sou Elias Howe, monitor da Lufa-Lufa. 

O tom da sua voz era exageradamente pomposo. 

— Presumo que seja um novato, eh? — Alvo assentiu. — Bom, vi que o senhor acabou de sair de uma cabine muito barulhenta. Pode me dizer o que diabos está acontecendo?

Os lábios de Elias crisparam, deixando Alvo impaciente. Seus pensamentos estavam dedicados em saber aonde Rose estava, mas, pelo visto, seria tão fácil quanto domesticar um dragão.

— Hum... eu estava com meu primo Fred e meu irmão Tiago, ãh... aí... 

O monitor ergueu o punho no ar e Alvo recuou, mas logo entendeu que era um sinal para que ele se calasse. 

— Espera aí — ele disse. —Você é irmão do Potter? Quer dizer... 

— Sim — Alvo se antecipou. 

Elias ficou extremamente surpreso, mudando totalmente de postura, diferentemente do menino ao seu lado, que comprimiu um riso. Elias apertou a mão de Alvo com força exacerbada, a palma da mão escorregadia de suor.

— É um p-prazer, é um prazer — disse Elias. — E-Eu já susp-suspeitava... que era filho de Harry Potter, afinal, são muito... como se diz? 

— Parecidos? — sugeriu o garoto ao lado, divertindo-se com a careta de Alvo. 

— S-Sim, Eviecraddle, parecidos!  

O olhar de admiração do monitor incomodava Alvo mais do que aparentava. Outros alunos pararam para olhar a performance do monitor e alguns até se aproximaram para ver o que ocorria. 

— É Alvo Potter, não? — indagou Elias, menos ridículo. 

— Alvo Potter? — Eles ouviram alguém sussurrar. 

A situação era constrangedora. Alvo não conseguia discernir se o seu nome soava com admiração ou escárnio.

— Sim — confirmou Alvo, humildemente. 

— Ah, sim, é claro! — disse Elias. — Primeiro, o filho do ministro da Magia e agora mais um filho de Harry Potter. Estas são as vantagens de ser estudante de Hogwarts. Bom, vou ver o que se passa nas cabines, qualquer coisa é só chamar. Ah! Antes que eu esqueça, Potter, este é Wayne Eviecraddle. 

Referia-se ao garoto da camisa dos Diabos Vermelhos

— Alô — cumprimentou Wayne, com um aceno de cabeça. 

— Alô — retribuiu Alvo. 

Elias sorriu e se foi. 

— Circulando, circulando!  

Ouviram os garotos enquanto o monitor caminhava. Os dois permaneceram calados. 

— Ãh... eu estou procurando minha prima — disse Alvo, rompendo o silêncio.

— Como ela é? — engajou-se Wayne.

— Ruiva, sardas no rosto... mais ou menos da minha altura...

Wayne riu baixinho. Alvo não estava entendendo nada. 

— Você é engraçado, cara — disse o garoto. — Bom, eu acho que vi sua prima.

— Sério? — Alvo tentou esconder a timidez. — Onde? 

Wayne apontou para o final do corredor. 

— Creio que ela foi para outro vagão. Parece que um tal de Louis trouxe um pelúcio. 

Alvo sorriu sem graça. Louis era seu primo, e a maneira que Wayne falava soava como se fosse patético. 

— Algo de errado? — indagou Wayne. 

Alvo negou com a cabeça. 

— Legal — disse Wayne sem grande entusiasmo. — Olha, pode ir procurar sua prima. Se me dá licença, vou voltar à minha cabine... 

Alvo notou uma certa tristeza no olhar do garoto. Mordeu a língua, pensativo. 

— Quer saber, lá deve estar muito cheio... posso acompanhá-lo? 

Uma das grossas sobrancelhas de Wayne içaram. 

— Bom, claro, pode ser. 

O vagão sacudiu por um instante e Alvo acompanhou Wayne corredor adentro, driblando os alunos que os olhavam ao passar. Tentou ignorar o fato das pessoas se sentirem tão excitadas em saber que o filho d'O Menino Que Sobreviveu estava no mesmo trem que eles. Em meio a um falatório nos corredores, pode ouvir cogitações de “qual Casa vocês acham ele cai?”. Jurou até captar o som do farfalhar êneo de nuques. Para seu azar, um rapaz de cabelos cacheados os parou.

— Opa! — cumprimentou-os sorrindo. — Alvo Potter... rapaz, que loucura! 

— É... — concordou Alvo. — Desculpe, mas você é...? 

— Sean Glascott — Estufou o peito. — Capitão do time de Quadribol da Grifinória. 

Sean estendeu a mão aos meninos, que corresponderam o aperto.

— Quando me falaram que mais um Potter estava no trem eu achava que era mentira, mas veja só, você está bem aqui!

Alvo parecia não estar entendendo nada. 

— Já está pensando em entrar para o time? — Os olhos de Sean pareciam dois galeões reluzindo de enlevo. — Cara, você é filho de Ginevra Weasley e Harry Potter! O quadribol corre pelas suas veias. Vou reformular o plantel inteiro para a temporada, você bem que poderia tentar, é claro, se for selecionado para a Grifinória. — Sean deu uma gargalhada debochada. — Não estou te pressionando!

Ele piscou para o garoto. Alvo sentiu os joelhos cederem.

— Vejo vocês mais tarde! 

Sean saiu na direção contrária de Alvo e Wayne, que não haviam entendido nada do que ele queria dizer. De todo o modo, ele não queria decepcionar Sean e dizer que ele não faria o teste para o time de quadribol. Ele nem sabia se iria para a Grifinória — e isto o incomodava ainda mais. Os garotos continuaram caminhando até acharem uma cabine vandalizada com a mensagem “O Professor Godunov lambe bosta”. Não era o melhor lugar, contudo, o único que estava vazio. Eles se sentaram em assentos opostos, onde permaneceram em silêncio por um tempo, observando a cidade de Londres, até que finalmente Wayne disse:

 — Alvo, me desculpe, mas por que todo mundo fica assediando você? Ou te olhando? 

 A questão atingiu em cheio o garoto. Alvo engoliu em seco, pensando em responder com uma piada, mas disse:

— A questão, na verdade, não sou eu... meu pai... ele derrotou um... bruxo muito poderoso, e minha mãe... 

 Wayne estalou a língua. 

 — Eu sei disso, seu pai está em História da Magia Moderna. Mas a questão é você. Conseguiu fazer algo como seus pais? 

Alvo olhou para os cadarços do tênis, tentando recordar de algum grande feito.

— Sinceramente, não. Quer dizer, meu nome já esteve uma vez nos jornais, só. 

Um esgar de vergonha cruzou o rosto de Alvo.

— Ah, sim... menos mal, já que você tem apenas onze anos — disse Wayne.

O alívio tomou conta do menino.

— Mas me fale sobre sua família — disse Alvo.

 Wayne encolheu os ombros.

 — Minha família é bem tradicional. Meu pai é bruxo, minha mãe é trouxa. Foi um choque desgraçado quando meu pai revelou esse segredo. Àquela altura minha irmã e eu já tínhamos nascido e...

— Você tem irmã?

— Sim, mas me deixa continuar. Obrigado. Então, a notícia foi tão chocante, mas tão chocante que eles acabaram se divorciando porque meu pai se recusava a abandonar o mundo bruxo para morar com os trouxas. Não que ele tinha preconceito, longe disso, é que não poderia abdicar sua verdadeira identidade e nem nos esconder isso, entende. Hoje minha mãe trabalha como professora. Meu pai acabou herdando uma lojinha no Beco Diagonal: Belchior Eviecraddle — Artigos de Segunda para Gente de Primeira. Pode não ser grande coisa, mas para mim é um lugar fascinante, mesmo não sendo famoso. E, ah, minha irmã se chama Danielle. Ela é mais velha e pode ser durona até demais e, aliás, ela fez intercâmbio para a Rússia e está estudando na Escola de Magia Koldovstoretz.

Os dois ficaram conversando enquanto o trem passava por Londres em um campo cheio de bois. Dois deles, em particular, eram extremamente diferentes, revestidos por um couro dourado. Embora estivessem absortos nos seus causos, os garotos não deixaram de notar a peculiaridade dos animais em meio a carneiros e vacas. Tudo passara num lampejo. 

O sol estava mais centralizado do que nunca quando uma mulher de aproximadamente quarenta anos — ou até mais — abriu a porta da cabine abruptamente, assustando os garotos. Ela já vinha fazendo barulho desde o corredor por empurrar o carrinho abarrotado de doces. Ela colocou a mão nos quadris e ficou encarando os garotos. O silêncio perdurou até ela perguntar: 

— Vão querer alguma coisa ou vão ficar olhando para minha cara? Que é, tem alguma coisa no meu nariz? Acho que não, então decidam-se logo! 

Alvo arregalou os olhos e virou-se lentamente para Wayne. Com o estômago roncando de fome, Alvo ergueu-se ouvindo um murmúrio de Wayne dizendo que não tinha muito dinheiro para comprar tudo aquilo. Alvo deu de ombros. 

— Eu compro para você. — E o rosto de Wayne se iluminou. 

Alvo sempre tivera dinheiro para comprar os doces, de acordo com os seus pais, mas aquele era um momento de independência e liberdade, por isso estava disposto a comprar de tudo um pouco. Lambeu os lábios, mirando cada pacote de Feijõezinhos de Todos os Sabores Bertie Botts, Balas de Menta, Varinhas de Alcaçuz, Bombas de Caramelo, Sapos de Chocolate, torta de carne e tantas outras iguarias.  Selecionou somente alguns, pagando junto de Wayne. 

Despejaram os doces no banco vazio e repartiram um pastelão de rins no meio, abocanhando-o vorazmente. Era delicioso! A carne estava inacreditavelmente macia e a massa inacreditavelmente crocante. Alvo sentiu um leve arrependimento em ter dividido com Wayne. Enfiou um pedaço da torta de carne na boca, quando Wayne perguntou: 

— Alvo, para que Casa você acha que vai ser selecionado? 

O garoto ergueu a cabeça bruscamente, engasgando com a torta. Engoliu-a com dificuldades.

— Que Casa? Hum... acho que... eh... Sonse... não, não! Grifinória, é isso que eu quero. 

— Relaxa, cara, foi só uma pergunta. 

Wayne desembalou um sapo de chocolate. 

— Espero que consiga uma carta boa. Tente a sorte também. 

Alvo também pegou um pacote de sapo de chocolate. Sorriu para Wayne, porque era um bom passatempo de viagem comer doces e tortas enquanto conversavam sobre tudo. O garoto abriu o seu pacote e puxou a sua figurinha. No rodapé estava escrito Alberta Toothil

— Eu tirei uma Toothil! — exclamou Alvo, sorridente. 

— Parabéns, Alvo — disse Wayne, um tanto magoado. — Carta lixo, Edgar Stroulger. Mais um... 

— Não desanime, Wayne, podemos abrir um novo pacote. 

— OK. 

E lá foram os dois abrirem um novo pacote — apenas roeram os chocolates. Wayne pegou uma embalagem que havia caído. Estava meio esmagado, mas a figurinha permanecia intacta; sem cerimônia, abriram os sapos de chocolate. Alvo amargou outro Agripa, enquanto Wayne... 

— Olhe, uma carta boa, acho que não tinha esta.

Os dois estavam boquiabertos. Alvo se ergueu em um salto, sentando ao lado de Wayne para apreciar a figurinha. Era uma mulher de vestes azul meia-noite, cabelos ruivos com uma tiara. Estava munida de um cajado e um colar no formato de diamante. Sob o retrato, um nome familiar: Morgana.  Virou o verso:

Morgana, a rainha da ilha de Avalon. Nascida na Idade Média, ela foi a meia-irmã do rei Arthur e inimiga de Merlim e, durante a sua vida, desempenhou um papel em muitos eventos. Como meia-irmã do rei, ela era uma monarca, governando como rainha da ilha de Avalon. Além de seu conhecimento sobre as Artes das Trevas, ela foi uma grande curandeira e era um animago que poderia se transformar em um pássaro. Morgana morreu na Idade Média, em uma data não especificada.

Virou o cartão de novo, procurando outra informação, mas não obteve êxito. A bruxa já não estava mais lá depois de um tempo, porém Alvo deu de ombros, pois sabia que uma hora ou outra a figura estaria lá de novo.

— Sabe — disse Wayne —, deve ser estranho, tanto para mim, quanto para você, viver o mundo dos bruxos e o mundo dos trouxas. Quer dizer, com magia tudo fica mais fácil!

— É, naturalmente — respondeu Alvo, ríspido. — Qual Casa seu pai pertenceu?

— Lufa-Lufa. Isso é normal, não é, parentes pertencerem à Casas diferentes? — sussurrou Wayne, o lábio inferior tremendo.

Alvo transcorreu as mãos pelos cabelos teimosos, refletindo sobre sua família. Quase todos os Weasley pertenceram à Grifinória, assim como o seu pai. O único parente que Alvo se lembrava de não ter sido um grifinório era Teddy, que fora selecionado para a Lufa-Lufa. Mas Alvo achou que ele não contava, já que Teddy não era, de fato, um parente de sangue. Pensando bem, Alvo concluiu, parentes em Casas diferentes não era tão corriqueiro quanto imaginava.

— Sim, acho que sim — respondeu o garoto, sem querer magoar o novo amigo, se assim poderia chamá-lo.

Wayne arredou a sua varinha do bolso do jeans.

— Você já aprendeu algum feitiço?

Alvo sacudiu os ombros, indiferente.

— Um ou outro. — Na verdade, não sabia quase nada.

— Meu pai ensinou um bem simples para mim, quer ver?

Alvo destampou uma garrafa de suco-de-abóbora e assentiu.

— Certo — Wayne pigarreou. — Depulso!

Assustado com o ímpeto do sacolejo, Alvo ergueu os braços por reflexo e a garrafa escorregou de sua mão até se espatifar no chão. Algumas embalagens vazias também tombaram e suco-de-abóbora respingou nos meninos.

— AAAAARRRE! — gritou Alvo.

— Iiiih! — lamentou Wayne. — Desculpe-me, Alvo, eu não tive intenções de fazer essa bagunça. Poxa, que vergonha.

— Não se preocupe, Wayne — disse Alvo, limpando-se com a manga da camisa. — A culpa foi minha mesmo.

— Sério, eu cuido disso. — E apontou a varinha para a garrafa estilhaçada. — Reparo!

Os cacos flutuaram perante os olhos dos meninos e uniram-se, formando uma garrafa nova em folha, que, em poucos segundos depois, desmontou-se em estilhaços. Mesmo assim, o resultado impressionara a garota que acabara de abrir a porta da cabine.

 — Uau! — Rose se admirou. — Foi quase perfeito. Oi, Alvo, estive te procurando e vejo que encontrou companhia.

 Alvo mostrou todos os seus dentes, tamanho fora o seu sorriso.

— Onde esteve? — perguntou a prima.

Rose deu de ombros.

— Estive em outro vagão, ensinando a mudar a cor do pelúcio do nosso primo Louis.

— O tal Louis é seu primo, Alvo? — intrometeu-se Wayne.

— Sim... Rose, este é Wayne. Wayne, minha prima, Rose.

Rose adentrou à cabine e parou de chofre com a poça de suco. Passou por cima dela e fez questão de não arrastar as vestes nesse trecho.

— Prazer. A propósito, bela camisa do Manchester United, é da cidade de Manchester?

— Sim, sou. — Wayne encarou Rose de cima a baixo. — Hum, belo robe.

Rose riu.

— Obrigada, mas este é o uniforme da escola. — Ela se virou para o primo. — Al, estive pensando bem, apesar do meu pai dizer que iria me deserdar, cair na Corvinal não seria uma má opção. Claro, seria o máximo estar na Grifinória ou até mesmo na Lufa-Lufa, Helga Hufflepuff foi uma bruxa inspiradora. Se bem que Rowena Ravenclaw foi uma das bruxas mais inteligentes da história. Olha, se eu fosse você, começava a estudar outras opções, a vida tem vários ângulos e... Ah, não me olhe assim! — Rose havia dito tudo muito rápido.

Alvo apresentava, assim como Wayne, um semblante amargo. Definitivamente, esse papo de seleção dava um nó nas suas entranhas de modo que ele optou pelo silêncio. Rose amarrou a cara e juntou-se aos garotos, repousando sua bolsa no banco. Por um instante, Alvo jurou ter ouvido um ronco vindo dela.

Chhhhh! — Rose chiou para sua própria bolsa. — Escavador, lembra do que tínhamos combinado?

Rose abriu a bolsa e afundou a mão no seu interior, tirando de lá um coelho pequeno e com pelos laranjas e volumosos. Os seus olhinhos pequenos e escuros miraram Alvo, o focinho vibrando.

— Como trouxe ele, Rose? — indagou Alvo sem tirar os olhos do coelho. — Pensei que sua mãe não tinha permitido que você o levasse.

Rose abaixou a cabeça, visivelmente envergonhada. Alvo se apressou em consertar:

— Não estou te incriminando. É que ele havia detonado com os aipos do seu pai, imagina o que fará nos jardins do castelo.

— Escavador é um bom mascote. — Rose apertou o coelho nos braços. — Às vezes ele sai do controle, mas é porque ele muito faminto, não é seu danadinho? — E acariciou o dorso do animalzinho. — Mamãe sabe que eu vou cuidar bem dele, trouxe todo o equipamento escondido. Só espero que ela não surte. Eu não podia deixá-lo sem mim.

Escavador, porém, estava mais interessado nas sobras de rins que os garotos deixaram espalhados nos bancos. Para Alvo, ele parecia bem adorável e tranquilo, mas mudou piamente de opinião quando ele quase comeu sua titica, imaginando que fosse um feijãozinho.

Rose e Wayne ficaram entretidos em uma conversa, aos olhos de Alvo, enfadonha sobre feitiços. Ele não queria participar do debate, afinal, não sabia nenhuma magia. O mais extraordinário que Alvo conseguiu se lembrar foi ter explodido as lâmpadas — mas não fora proposital.

— Alvo? — O garoto ouviu a voz de Wayne. — Rose está falando conosco.

— Sim, desculpe.

 — Eu disse que Louis não se importaria em cair noutra Casa, sem ser a Grifinória, assim como Wayne — disse a garota.

O sangue de Alvo ferveu naquele instante.

— Rose — disse Alvo, rangendo os dentes. — Poderíamos mudar de assunto?

Sem mesmo esperar a resposta, Alvo ficou encarapitado no vidro, observando a tarde cair lentamente, Wayne e Rose continuaram a falar como se conhecessem há anos. Entrementes, Escavador ficou dormindo no meio das embalagens rasgadas dos Sapos de Chocolate. Fosse pelo tédio ou pelo nervosismo, a viagem pareceu durar muito mais do que deveria para Alvo, até que o céu foi totalmente colorido pelo roxo crepuscular e o trem começou a frear vigorosamente.

Uma voz abafada ecoou no corredor e Rose cutucou o primo.

— Al, vamos chegar em cinco minutos, vista-se logo.

Rose recolheu Escavador, que guinchou em protestos. Os dois garotos vestiram seus robes pretos e Alvo constatou, com muita felicidade, que o seu uniforme não ficara tão diferente quanto o de Wayne, a não ser que a sua barra de saia estivesse um pouco esfiapada. Se não estivesse tão nervoso, Alvo teria dado boas gargalhadas da cara que Tiago faria ao vê-lo com as vestes em ótimo estado.

Alguém no corredor pediu para que os alunos deixassem as malas dentro do trem porque seriam levadas para a escola. Alvo sentiu sua língua amarrar, exatamente a mesma sensação que ele tinha quando comia a caçarola de repolho de tia Audrey. As três crianças se encaixaram no corredor apinhado de alunos e não conseguiram obter nenhum vislumbre de outro conhecido, exceto o garoto pálido que ele descobrira ser, ainda na plataforma nove e três-quartos, Scorpius Malfoy. Os olhos cinzas dele se cruzaram com os verdes de Alvo, mas ele mudou rapidamente o trajeto de sua vista para a saída do vagão amontoada de estudantes.

Assim que o trem parou definitivamente, Alvo, Rose e Wayne tiveram de se apressar antes que fossem arremessados plataforma afora. O ar frio fez Alvo estremecer. A pequena estação escura estava coberta por uma névoa densa iluminada por uma luz bamboleante vindoura de uma enorme lanterna.

— Alunos do primeiro ano, por favor! Alunos do primeiro ano por aqui! Venham, primeiro ano!

A voz ribombava como um trovão em meio à tempestade, contudo, era familiar. A luz da lamparina atingiu o cume e Alvo visualizou o rosto grande e peludo de Hagrid numa marola de cabeças. A maioria dos alunos novos observava Hagrid com um certo medo, outros com admiração. Alvo, no entanto, sentiu um imenso alívio em encontrar o amigo, afinal, quem quer que fosse o monstro que eles teriam de enfrentar dali para frente, certamente não iria querer se encrencar com Hagrid.

— Mais alguém do primeiro ano? — Hagrid começou a contar os primeiranistas de cabeça, mas logo perdeu a paciência. — Vamos, não se percam, fiquem juntos. Ah, tudo bem Alvo, Rose?

A manzorra de Hagrid — que lembrava uma tampa de lixo — se ergueu e acenou. Sem outras objeções, começaram a seguir o grandalhão, mal conseguindo enxergar muita coisa. Houveram tropeços no meio do caminho, acompanhado de gargalhadas ou gritos assustados.

— Pelo amor de Deus, não precisam gritar toda hora que alguém topa com uma libélula — resmungou Scorpius Malfoy no grupo de trás.

— Fresco — murmurou Wayne aos colegas.

Alvo e Rose riram.

No todo, quase ninguém falou, somente uma garota de cabelos curtos que cochichava com uma outra menina rechonchuda. Alvo conseguia ver uma nesga de cascas e concluiu que haviam muitas árvores grossas e nodosas em volta deles.

— Se eu não me engano, vamos ver Hogwarts em alguns instantes — contou Rose sem aguentar a excitação.

E uma exclamação coletiva confirmou seu rumor: pouco depois, a margem imponente de um lago caliginoso abriu-se para os alunos. A maioria derrapou para contemplar o castelo suspenso num penhasco rochoso. Haviam várias torres e torrinhas e janelas cintilantes. Hagrid ergueu os braços, sorridente.

— Pessoal, apreciem o futuro lar de vocês durante os próximos anos. É emocionante, não? Sem mais delongas, um quarteto por barco. O que estão esperando, vão logo!

Alvo sentiu uma das maiores alegrias de sua vida. Antecipou-se em um barquinho, imaginando o que teria de enfrentar. Fosse um trasgo ou um testrálio, honestamente, ele pensou, não importava. O seu futuro dependia somente dele.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo... ai, ai! Espero ter alimentado as expectativas de vocês para a Seleção das Casas.

Ah, por falar em Seleção das Casas, semana que vem eu tenho uma surpresa bem agradável para vocês. Acredito que vão gostar, mas é segredo, hein. u_u

Mas e aí? O que vocês acharam deste capítulo? Legal, nostálgico? Chato, clichê? Quais foram suas impressões pelos personagens novos?Confesso que este foi o primeiro capítulo que eu escrevi de toda a fanfic. Sim, eu não comecei pelo capítulo 1 (minha beta deve ter odiado isso). Enfim, se manifestem! Prometo bajulá-los tanto quanto o Sean bajulou o Alvo, haha!

Curiosidade do capítulo: Wayne significa "fabricante de vagão", do alemão. Não havia outro lugar para Alvo o conhecer, não é mesmo? :)

Comentem aqui embaixo, favoritem, recomendem. :)
Até semana que vem!

Att,
Tiago