Alvo Potter e a Sala de Espelhos escrita por Tiago Pereira


Capítulo 1
Capítulo 1 — Nem tudo estava bem


Notas iniciais do capítulo

E aí, gente, belezinha?
Depois de quase DOIS ANOS escrevendo, finalmente eu vou postar minha fanfic sobre o Alvo. E, acreditem, diferentemente de muitas outras histórias sobre o personagem, eu não começarei pelo capítulo do epílogo. É preciso uma história por trás antes do Alvo embarcar no Expresso de Hogwarts.
Antes de começar, só gostaria de agradecer a Luna, que, depois de muitos "nãos", aceitou este desafio de betar e a todos os contribuintes!
Enfim, sem mais enrolações, boa leitura e obrigado por ter clicado. :D
LEIA AS NOTAS FINAIS!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/699635/chapter/1

 

                                                      


A
LVO CHECOU O RELÓGIO de madeira na parede. Ainda restavam agonizantes dez minutos para o dia 9 de agosto.

Tique-taque, tique-taque, tique-taque. O menino já não aguentava mais esperar tanto tempo. Virou de um lado para o outro, mas não encontrava aconchego algum. Atirou o cobertor para o lado e se dirigiu à janela.

Relançou mais uma vez os olhos para o relógio, decepcionando-se com os sete minutos restantes. Sete minutos! Faltavam sete minutos para Alvo Severo Potter completar onze anos de idade. Seu pai, o Sr. Potter, havia partido há horas e o garoto imaginou inúmeras possibilidades da sua ausência. Ele poderia aparecer com uma vassoura nova, talvez, ele pensou.

O Sr. Potter era Chefe do Esquadrão de Aurores, logo, passava a maior parte do tempo trabalhando para o Ministério da Magia e nunca se sabia quando poderia ser convocado para uma missão especial. Entetanto, por que ele não poderia comprar um presente para seu filho?

Alvo Severo Potter era um menino incomum, com um nome incomum e de aspecto incomum. Era franzino, magricelo e pequeno. Possuía cabelos pretos e arrepiados, além de brilhantes olhos verdes e sardas claras pelo rosto.

Os Potter viviam em um chalé de dois andares no vilarejo de Godric’s Hollow, Grã-Bretanha. Godric’s Hollow era um lugar historicamente conhecido por ser o antigo lar de Godric Gryffindor, mas Alvo não sabia disso, já que preferia jogar Quadribol em vez de ler livros de História. Ninguém sabia o endereço dos Potter, algo que embatucava os vizinhos.

— Ah, eles nunca vêm na nossa festa de Natal — cochichava a Sra. Taylor, do número 12, ao marido, antes de acrescentar um pouco mais de chá à xícara dele. — Muito estranhos eles, os Potter. Onde eles moram?

— Hum. — Era o que sempre dizia o Sr. Taylor, atento às notícias matinais.

— Um dia eu ouvi o filho deles dizendo em voar em vassouras... — A Sra. Taylor tentava prolongar o assunto, a fim de levantar a sua teoria. — E um monte de coisas sobre... magia... Será que existem bruxos aqui?

— Absurdo — comentara o Sr. Taylor, não à observação da esposa, mas à reportagem sobre o aumento do combustível. — O que é que você estava falando, querida?

A Sra. Taylor revirou os olhos, imaginando que estaria louca — o que definitivamente era mentira. Os Potter eram bruxos — muito famosos, por sinal —, assim como uma porção de famílias em Godric’s Hollow, todos convivendo em meio aos trouxas. Alvo achava muito estranho o fato da bruxidade nunca ter sido descoberta, afinal, eles eram os únicos que comemoravam euforicamente datas desconexas ao calendário, como o dia 2 de maio, aniversário do fim da Segunda Guerra Bruxa.

O coração de Alvo disparou quando notou que os ponteiros denunciavam três minutos para o seu aniversário. Ele estava ansiosíssimo, afinal, não se fazia onze anos todo dia e sua carta de admissão em Hogwarts poderia chegar a qualquer instante. E esta era mais uma peculiaridade que separava Alvo das crianças comuns: enquanto, para muitos, o fim do verão anunciava um triste retorno às salas de aula, Alvo não via a hora de ir para a escola dos bruxos britânicos — Hogwarts. O seu irmão e seus primos viviam contando os feitiços que aprenderam, as poções que preparavam, enquanto ele aguardava e sonhava com o momento em que receberia a sua aprovação.

E, ao que tudo indicava, este momento estava muito próximo. Alvo evitava pensar no tempo, mas a tentação de mover o pescoço para conferir as horas era quase incontrolável. Não queria incontáveis presentes ou uma festa de arromba, apenas aquela carta que, possivelmente, estaria nas mãos de seu pai prorrompendo em chamas verde-esmeralda da lareira da sala em instantes.

Cruzou os dedos e ficou contando os últimos trinta segundos... agora vinte... Fechou os olhos e pensou em chamar os irmãos para repartirem uma caixa de chocolate... Três... Dois... Um...

Um ronco repentino e estrondoso reverberou pelas ruas do vilarejo como um trovão. Seria o seu pai? Meteu a cabeça para fora da janela e um farol quase o cegou. Alvo se atirou para trás e caiu de costas no assoalho, pontuando uma incômoda dor na lombar. Sua visão, antes embaciada, foi se tornando cada vez mais nítida aos seus olhos. Aquilo que estava diante dele, jorrando luz por todo o quarto era... era... uma moto?

— Feliz aniversário, Al — desejou o piloto da moto. Alvo percebeu que ele estava equipado de capacete e óculos. — Que é? Parece que viu um fantasma!

Alvo discerniu a figura quase que imediatamente: os cabelos pretos que escapavam do capacete, os olhos castanhos e o inconfundível ar de gaiato no rosto denunciavam Tiago Sirius, seu irmão mais velho.

— O que está fazendo aí? — Alvo massageou as costas.

— Fale baixo, cabeção! — protestou Tiago, olhando de um lado a outro. — Vista um casaco e sobe no sidecar, rápido, é urgente! Sem mas, faz o que eu disse.  Tem algo a ver com a sua carta... Aliás, pega!

Tiago atirou um pacote quadrado, que fez os olhos verdes do irmão brilharem ainda mais. Alvo rasgou a embalagem com uma certa voracidade e tirou uma camisa com a estampa de uma banda de rock muito famosa entre os jovens bruxos: The White Bats. Era a banda preferida... de Tiago. Somente agora Alvo pôde ver que o irmão flutuava diante de sua janela. 

— Hã... obrigado — disse humildemente, torcendo em seu interior para que tudo não passasse de um sonho ocasionado pelos sanduíches frios que ele furtara da geladeira há uma hora atrás.

Tiago sorriu.

— Agora apanhe uma jaqueta e suba na moto.

Alvo rolou os olhos para cima e cedeu à tentação. Já estava terminando de se agasalhar quando a porta gemeu lentamente. Os dois irmãos olharam apavorados, brancos como cal, os corações em disparate; um suor frio escorreu pela têmpora de Tiago no instante que a pequena menina entrou no quarto. A garota ruiva de cabelos curtos segurava um hipogrifo de pelúcia e limpava as pestanas. Seus olhos estavam inchados e só se via uma nesga do seu rosto, iluminada pelo farol. A supressão de luz salientou suas sardas. Lílian Luna, a mais nova dos três irmãos, falou durante o bocejo:

— Para onde é que vocês vão? Por que o Tiago está na moto do papai... Peraí, ele está voando?

Alvo abaixou o tom, um pouco aliviado por não ser a mãe.

— Lílian, eh... temos que fazer algo importante.

Ele não tinha ideia do que dizer, afinal, nem mesmo ele sabia para onde iria.

— Por favor, não conte à mamãe — suplicou Tiago. — Prometo te dar quinze galeões. E o Alvo também!

Alvo tentou protestar, mas Tiago o censurou.

— Eu não ia contar, mas aceito a proposta de encobertá-los. — Lílian sorriu triunfante.

A garotinha caminhou até o irmão do meio e lhe selou um abraço.

— Feliz aniversário — desejou. — Voltam que horas?

— Antes do sol raiar — atropelou Tiago. Ele bateu insistentemente no painel da moto. — Pombas, parece que o botão da invisibilidade quebrou. Entra logo, Al!

O garoto retribuiu o abraço da irmã e embarcou no sidecar preto através da janela com extrema cautela para não cair. De perto, viu que a moto era absurdamente maior do que Tiago. Estava metros abaixo do irmão, que ria dele. O sidecar vibrava fervorosamente e, antes que pudessem acenar para a irmã, a moto avançou em uma velocidade assustadora, deixando um rastro luminoso.

— Para onde vamos? — perguntou o menino, se agarrando nas bordas do sidecar. O vento fazia seus olhos lacrimejarem e seu cabelo ficar ainda mais em pé.

— Estamos em uma missão, Al — disse Tiago, por cima do ronco do motor. — Você é a única pessoa que pode me ajudar.

— Eu? — Alvo escorregou um pouco no banco. Era necessário inclinar a cabeça para falar. — Por que não chamou seus amigos?

— Um deles mora em Appleby e outro em Montrose, esperava o quê? — respondeu Tiago, impaciente. — E outra, você é meu irmão, deve estar do meu lado sempre. Essa missão envolve o seu presente... Mas, se não quiser ir, eu não vou te obrigar a nada.

Alvo odiava isso. Odiava as chantagens emocionais que Tiago fazia com ele para conseguir algo; pensou na sua carta, no sorriso da mãe... Poderiam comemorar o seu aniversário com um bolo de frutas e um sorvete caseiro, discutindo quando iriam ao Beco Diagonal, com seus primos em volta da mesa cantando a “Canção do Chapéu Coco” do Vovô Weasley.

Vovô Weasley! O que ele pensaria se visse seus dois netos montados em uma motocicleta ilegal? A Triumph Bonneville T120, modelo de 1959, na qual os garotos estavam montados, lembrava muito uma moto comum. Contudo, diferente do veículo trouxa, esta tinha o dobro de seu tamanho, podendo acomodar até mesmo um trasgo montanhês. Alvo pensou em Hagrid — o seu amigo meio gigante — por um momento e como a moto cairia extremamente bem em seu corpo titânico.

O menino arriscou colocar a cabeça para fora do sidecar e dar uma espiada lá embaixo; todavia, não demorou muito para que um frio no seu estômago lhe devolvesse o juízo. A visão panorâmica mostrava um vilarejo distante, com luzes brancas iluminando as estradas desertas. Os chalés eram pontos embaçados pelo anuviado noturno. Deveriam estar muito acima do chão.

Tiago adejou pelas ruas do vilarejo durante longos minutos, enquanto Alvo já estava recostado no console do sidecar, os olhos fechando mansamente. O ronco do motor, as crepitações do sidecar e os tapas que o irmão lhe sapecava impediam o garoto de descansar, fazendo seu humor piorar a cada minuto que passava. Àquela altura, Alvo nem se lembrava mais o porquê de estar sentado naquele compartimento ao lado de Tiago.

Mais ou menos uma hora depois, Tiago boquejou:

— É, Alvo, parece que seu presente não chegará hoje. Gárgulas, Molly me paga!

— Como assim? — perguntou Alvo, voltando a si. — O que a Molly tem a ver com isso?

Sob os óculos de proteção, as maçãs de Tiago coraram vigorosamente.

— Al, preciso te contar uma coisa... Jure que não vai me matar, hein? Escute. É uma longa história. — Tiago já apresentava gotículas de suor na testa. — No último ano letivo, o nosso professor de Voo, o Sr. Abelardo, retirou cinquenta pontos da Grifinória porque o verme do Hunter Gibbon conseguiu fazer com que a Azaração Coaxante do Alaric ricocheteasse na Hilda Withby. Maldito, ele que começou com a história de que a mãe dele parecia um tonel de cerveja amanteigada.

“Enfim, como um bom membro da Grifinória, fui tentar resolver do meu jeito, mas o Prof. Abelardo não é tão preparado assim. Enquanto ele tomava seu lanche da noite... Silêncio, deixe-me terminar. Enquanto ele tomava seu lanche da noite, Becca Maritain havia nos fornecido uma Poção do Sono extremamente forte que o sedou por um bom tempo.

“Utilizando o meu map... digo, minha cabeça brilhante, presumi a hora exata que ele iria comer seus waffles com a poção e elaborei um plano com meus amigos onde levamos ele depois do Toque de Recolher para a Torre Oeste. Não me pergunte como e porquê, apenas ouça. Assim que ele foi devidamente carregado para um armário de vassouras, atiramos uma capa vermelha em cima dele. — Naquele ponto, Tiago já estava gargalhando, com lágrimas brotando nos olhos. — Em seguida, retiramos a sua varinha e lançamos uma Azaração da Cara de Vampiro, deixando-o pendurado para que pensassem que ele era uma criatura bisonha.

“Claro que foi em nossa última noite em Hogwarts, apenas uma vingançazinha. Infelizmente, não tivemos tempo de arquitetar um plano para fazer o mesmo ou pior com o Gibbon, uma vez que voltamos para Londres quase em sequência... Que é? Parece que viu um fantasma, de novo! Não me venha com lições de moral, ele mereceu.”

Alvo piscou três, quatro, cinco vezes, esperando que Tiago negasse a história toda, o que, obviamente, não aconteceu. Ele com a mesma expressão estupefata, perplexo com o que o irmão contara. Como alguém teria coragem?

— Bom, Molly me informou que encontraram o Prof. Abelardo meio grogue — prosseguiu Tiago. — E que a Profa. McGonagall assinou a minha carta de expulsão que será entregue a qualquer instante. Estou em vigília há mais ou menos três semanas, mas aposto que hoje é o dia que ela chegará... No dia em que você vai receber a sua carta de admissão...

 As lágrimas que estavam suspensas nas pestanas de Tiago deslizaram pela sua bochecha. Entretanto, o garoto não estava rindo, pelo contrário, estava aos prantos, gemendo baixo.

 — Alvo, eu não quero ser expulso... Fiz tantas coisas erradas...

Alvo se manteve estático durante alguns instantes, tentando entender quais eram as intenções de Tiago. Questionou-se por um momento se ele estaria fazendo-o de peão em seu jogo novamente, ou se realmente estava arrependido. Resolveu largar as diferenças e deu tapinhas nas costas do irmão. Tiago fungava e contava outras histórias suas em Hogwarts — algumas cômicas, teve de admitir —, como a vez que transformou a vassoura de Winston Dickens em uma cenoura e outras histórias que chocaram o garoto, como a vez que encheu as roupas íntimas de Alfredo Livingstone com bichos-de-conta.

 — Al — disse Tiago choroso —, me desculpe.

— Não se preocupe, Tiago — disse Alvo, sorrindo para o irmão. — Vamos voltar para casa e falar com nossos pais.

Tiago removeu os óculos de proteção, revelando uma camada de fuligem impregnada no objeto, realçada pelas lágrimas, em volta de seus olhos. Pelo ângulo de Alvo, Tiago lembrava a figura tosca de um guaxinim desamparado. Um riso debochado entrecruzou a sua face.

Após uma onda de soluços, lamentos e consolos, Alvo argumentou da melhor forma possível para que o irmão se sentisse melhor. Em ocasiões corriqueiras, estaria rubro e extremamente envergonhado e contrafeito em dizer que Tiago era uma boa pessoa, um bom irmão e um grande amigo. No fundo, havia uma pontinha de verdade, mas não queria admitir.

— Obrigado por tentar me animar, mas agora já era! — Bufou Tiago. — Estou expulso!

Ele girou o tronco e jogou os braços sobre o velocímetro. Péssima opção.

Houve um clarão vermelho e, com a corpulência esguia, Tiago pressionou um botão roxo. Instantaneamente, uma língua de fogo azul e cálida borbotou do escape da moto, que disparou como um balaço errante sobre os chalés. Alvo foi lançado para trás, os nós dos dedos brancos, as veias ressaltadas de tanto fazer força para se segurar no sidecar. A moto descia helicoidalmente, em direção de charnecas. Uma trilha fulminante de chamas carbonizara uma roseira de um chalé abandonado e outras centelhas chamuscavam a grama mal cortada, ousando pulverizar todo o campo. Uma olhada de soslaio e Alvo encontrou seu irmão deitado no guidão da moto, inconsciente, seu corpo molenga, como se um títere o controlasse.

Um ruído metálico encheu os ouvidos de Alvo e o sidecar começou a sacudir terrificantemente. As ligas que o prendiam à moto começaram a partir devido ao ímpeto. É o fim, pensou o garoto, enquanto seu corpo balançava em espiral. Só iriam parar quando batessem em algo — no caso, uma colina espectral.

Fechou os olhos e lembrou-se de toda a sua família, esperando pelo pior. Pensou quais seriam as chances de chegar ao guidão, mas sua altura não cooperava. Talvez não houvesse mais chance mesmo. A colina já estava a alguns metros da motocicleta, pronta para rachar os dois garotos.

Mas o impacto não aconteceu.

A moto começou a desacelerar lentamente, subitamente, magicamente. Alvo despencou do sidecar, batendoo o queixo na grama rala. Inalou o ar em sua volta, aspirando o cheiro das cinzas. Achou que iria desmaiar.

O som de passos amassando a grama chegou aos seus ouvidos. Alvo olhou para cima, se deparando com uma bota de couro de dragão. Seus olhos subiram mais um pouco e o corpo de um homem de meia-idade se revelou com rugas na testa. Trajava um conjunto azul e uma capa cor-de-ameixa. Apontou a varinha para Alvo, ordenando:

 — Levante-se — disse, ríspido. Alvo não se moveu. — Levante-se! Imperio!

Alvo paralisou. Os pensamentos estavam esvaindo de sua mente aos poucos... era uma sensação boa, não pensar, esquecer as preocupações que estavam assolando-o naquela eterna noite de verão. Imaginou que estava flutuando em uma nuvem, em direção ao infindável horizonte, a voz do homem ecoando no seu cérebro vazio.

Em posição... não se mova...

A próxima coisa que Alvo sentiu, após o prazer de voar, foi uma dor nas rótulas. Inexplicavelmente, estava de pé. O corpo de Tiago do seu lado, inanimado como uma pedra. As cinzas caíam lentamente como flocos de neve, mas não haviam mais resquícios de chama, nem roseiras, apenas o borralho.

 O homem desaparatou na sua frente, desta vez, acompanhado de uma mulher que aparentava estar no auge dos trinta anos. Alvo não conseguia compreender nada e não havia ninguém para recorrer suas dúvidas. Manteve-se inerte, sem dizer nada.

 A mulher, que vestia um chapéu alto e pontudo, criou um lume na ponta de sua varinha e iluminou o rosto de Alvo, que apertou os olhos devido à claridade. Conseguiu ver na faixa iluminada os seus olhos âmbar, o cabelo escuro amarrado em um coque na nuca. Ela moveu a varinha descensionalmente e apagou a luz.

 — Identificação — disse o homem.

 A mulher entrou na frente e apontou novamente a varinha para Alvo. Antes que pudesse demonstrar alguma reação, ela já havia murmurado palavras incompreensíveis ao menino. Ele teve a sensação de que sua cabeça estava sendo chupada, até que então, viu diante de seus cabelos o nome tecido delicadamente na cor prata: Alvo Severo Potter.

 — Sim, ele é o filho do Potter — sussurrou a mulher. — O que faz aqui à esta hora da noite em pleno toque de recolher?

Alvo continuou petrificado e calado. Não tinha certeza se a pergunta era dirigida a ele, e se fosse, tinha de formular alguma resposta decente que os enganasse. Afinal, quem eles eram? Não poderiam ser moradores da aldeia, pois nunca os vira antes. Estavam com um ar de sequestradores ou bruxo das Trevas. Os olhos de Alvo se prenderam na lapela da mulher e, para seu tremendo alívio — e desespero —, o símbolo do Ministério da Magia estava emoldurado.

O menino engoliu a seco, já contando quantos anos de prisão daria por desrespeitar o toque de recolher. Talvez uns quinze, se ele contasse que não sabia de nada. Mas e se Tiago soubesse?

— Não importa — antecipou-se a mulher. — Sou a auror-sênior Flora Nightingale e este é o auror Otto Yancey, trabalhamos para o Ministério no Esquadrão Delta. Não sabiam que um prisioneiro de alta periculosidade fugiu?... Imaginei que não.

“Proponho que vocês subam neste veículo, que aparentemente é ilícito, e voltem para as suas casas. Soube que estão enviando uma carta para a residência dos Potter. Foi assinada pela própria Mafalda Hopkirk. No entanto, não iremos acionar a Seção de Controle do Mau Uso dos Artefatos dos Trouxas, que, aparentemente, é chefiada pelo próprio Perkins, amigo de Arthur Weasley. Tem muita sorte, os dois.”

Flora Nightingale cutucou o traseiro de Tiago com o pé.

— Yancey, prepare um relatório para mandar ao QG. Faça uma rápida perícia pelo local e trate de contatar a Central de Obliviação. É melhor garantir que nenhum desses trouxas saiba o que está realmente acontecendo. — E virou-se para Alvo. — Mas, diga-me, Potter, o que houve com seu irmão?

— Eu não sei... — respondeu Alvo. — Ele estava hã... meio distraído e, eh... bateu a mão em um botão ao lado do velocímetro e um fogo jorrou. Depois disso eu vi que ele estava desmaiado. Deve ter batido a cabeça.

— Anotou tudo, Yancey? Ótimo.

Flora circundou a moto, com as mãos ocultas atrás do tronco. Flexionou os joelhos e apontou a varinha para o escape. Ergueu-se novamente e ordenou:

Reparo! — E a ligação entre a moto e o sidecar se reestabeleceram. — Está melhor assim.

Alvo subsistiu quieto enquanto a mulher cingia o corpo de Tiago, apalpando sua bochecha, colando o ouvido no seu tórax, verificando os batimentos e procurando algum ferimento.

— O que houve com ele? — perguntou Alvo, curioso.

 Flora balançava a cabeça negativamente, incrédula. Levantou-se em um salto e chamou por Yancey.

 — O menino não bateu a cabeça bosta nenhuma! — exclamou ao companheiro, suando frio.  — Foi estuporado. Eles estão por aqui. Inicie por buscas e, assim que possível, chame reforços do Esquadrão Gama. Rápido!

“ Você”, Flora apontou a varinha para Alvo. “Vá para o lado do seu irmão.”

 Não houveram objeções; Alvo correu para o lado de Tiago, esperando as próximas instruções. Se a auror era funcionária de seu pai, deveria obedecê-la. Flora começou a andar em um pequeno círculo em torno de Alvo e Tiago, com a varinha içada, rumorejando encantamentos que o garoto sequer conhecia. Em torno da colina, a auror lançava algo como uma névoa de calor.

Abaffiato... Repello Inimigotum... Repello Trouxatum... Salvio Hexia... Protego Totallum... Cuidado com seu irmão. Rennervate!

 Houve um intenso feixe de luz vermelha sobre Tiago, derrubando Alvo na grama. O garoto ficou de quatro, boquiaberto, enquanto as pálpebras do irmão ondeavam, trazendo-o de volta à realidade.

 — Explique tudo a ele — ordenou Flora. — Eu já volto.

 Fez um sinal para que os garotos ficassem onde estavam e correu na mesma direção que indicou a Yancey. Alvo chacoalhou o irmão, que piscava os olhos dementemente.

 — Tiago, está me ouvindo? — questionou o garoto. — Se sim, saiba que fomos salvos pelos aurores. Alguma coisa aconteceu, eles estavam fazendo ronda em Godric’s Hollow e descobriram que você foi estuporado.

 Tiago bocejou.

 — Eu senti algo acertar as minhas costas depois que deitei no velocímetro.

— É, é o que parece. Mandaram-nos ficar esperando. — E bocejou também. — Vou ficar de guarda.

Tiago puxou a sua varinha do jeans e recostou a espalda na lataria do sidecar.

— Eu também.

Alvo ficou em vigília durante alguns minutos, mas acabou pegando no sono. Queria ter sonhado com a nuvem de novo, só que um raio verde o acordou. Seria a chuva?

A metros da moto, havia um homem parado. Não era Yancey, tampouco algum conhecido de Alvo. A única parte do seu corpo totalmente visível eram os dedos grossos e macilentos empunhando uma varinha. Ele vestia a indumentária mais estranha que Alvo já vira: vestes longas e escarlates que o cobriam até o pescoço, um chapéu com abas, que deixavam seus cabelos negros escaparem como tentáculos da cabeça, e o artefato mais extraordinário — uma máscara com dois olhos profundamente negros e, entre eles, um bico longo e curvo. Lembrava a Alvo um pitoresco homem-corvo. Mesmo sem ver nenhum insignificante pedaço de seu rosto, o garoto conseguiu sentir a cólera que emanava do homem. À sua frente, o corpo tombado que recebera toda a carga de fúria.

Alvo sabia quem era. Era Yancey. Morto.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, de novo!
Bem, foi isso, fim trágico. Curtiram?

O capítulo foi meio curto, mas o número de palavras tende a aumentar, então gostaria de saber se vocês querem que eu postei toda sexta-feira ou a cada duas semanas (ou seja, uma sexta sim, uma sexta não)?

Obrigado por ler e não se esqueçam de aparecer para dizer o que você achou! Eu não mordo (só se você for um x-burguer)!

Att,
Tiago