O Que Fizeram com Nemo? escrita por Star


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Essa rodada é a semifinal de até 1.000 palavras e o tema é esse trecho da Clarice Lispector:
"...Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo."



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— O senhor está dizendo que seu filho ficou desaparecido por dois anos e sequer cogitou trazê-lo ao hospital quando voltou? — A médica perguntou.

Marlin respondeu numa voz fraca de quem já teve muitas certezas e agora não mais:

— Tive receio que quisessem interná-lo e tirá-lo de mim outra vez.

— Senhor, ele matou um cachorro.

— Não foi por isso que o trouxe.

— Por que, então?

Ele hesitou. Olhou para a própria mão fechada por um instante. Estendeu-a sobre a mesa e a abriu, mostrando três pequenas peças brancas.

— Os dentinhos dele — explicou, com a voz embargada. — Os dentinhos dele estão caindo.

Toda a conversa tinha acontecido cerca de meia hora atrás. Agora Marlin e Nemo esperavam os resultados do exames. Uma sensação pesada ainda retorcia o estômago do pai, algo que tinha começado quando precisou contar que o filho tinha passado mais de oito horas em pé em frente à porta de casa sem que o percebesse. A sensação era ácida e pesada e Marlin a conhecia muito bem: a certeza de que era um péssimo pai.

Marlin encarava os nós pálidos dos próprios dedos. Com a visão periférica podia ver as perninhas do filho sentado na cadeira ao seu lado, pequenas demais para tocarem o chão, mas ao invés de se balançarem agitadas como costumavam fazer, pendiam soltas da cadeira, como carnes penduradas no gancho do açougue.

Interrompendo seu pensamento a médica reapareceu no escritório. Trazia uma prancheta nas mãos e dois policiais às costas.

— Veja só, senhor, a coisa mais curiosa aconteceu — comentou a médica, hesitante. — Encontramos registros do seu filho no sistema. Ele está cadastrado como interno no hospício São Vicente e foi dado como desaparecido no dia anterior ao que o senhor diz o ter encontrado. Esses gentis policiais vieram para levá-lo de volta. Agora, sobre o laudo...

As informações atingiram Marlin com a força de um trem. Um hospício? Como, um hospício? Sem conseguir processar nada corretamente ele percebeu que a médica continuava a falar sobre perfurações nas solas do pé e perda parcial da audição, que um policial foi em direção ao seu filho e que Nemo, agora tão impassível, começou a gritar. Seus gritos saíram do fundo dos pulmões cheios e carregados de puro terror. Nemo gritou como se tivesse acabado de nascer.

De volta à realidade, Marlin lutou. Mas eles estavam em dois e Marlin era apenas um. Por descuido um soco o atingiu tão forte que fez sua cabeça chacoalhar. Sua visão ficou turva e, ainda lutando, Marlin caiu. Agarrou-se à consciência, aos gritos do filho que se distanciavam, mas mesmo assim caiu nas trevas. Quando voltou a si encontrou apenas a médica ajoelhada ao seu lado, pedindo por ajuda.

Marlin forçou-se para fora do hospital. Procurou por uma viatura, perguntou por uma, a toda pessoa que passasse. Com o coração apertado no peito e o desespero formando um nó na sua garganta, ele esbarrou na multidão que passava à contra mão e quase foi atropelado quando uma moto parou bruscamente às suas costas, atingindo-o com o para-choque.

— Minha nossa! — gritou a motorista, pulando pra fora. — Desculpa, moço, não te vi! Você tá legal?

— Viatura.. Uma viatura... — Marlin balbuciou, levantando nas pernas bambas.

— Viatura? Eu vi uma viatura da polícia! E passou não tem muito tempo.

— Pra onde foi? Você sabe? — perguntou, esperançoso, pra mulher de cabelos azuis.

— Ela foi... Pra lá! — Apontou — Foi pra lá! Quer uma carona?

Marlin agradeceu até quase ficar rouco e subiu na moto da mulher. Desceram a avenida e seguiram pela estrada pra fora da cidade até que a moto começou a ziguezaguear em alta velocidade.

— Não precisa correr tanto — Marlin sugeriu.

— Quem é você? — a garota gritou, subitamente, e Marlin viu seus olhos esbugalhados no retrovisor. — Ai meu deus, isso é um sequestro? É um sequestro, não é? Socorro!

Ele tentou argumentar, mas ela agitou-se tanto que perderam controle da moto e caíram os dois no chão da estrada.

— O que diabos foi isso? — Ele gritou, erguendo-se com o corpo dolorido e o rosto cheio de areia. — Você não ia me levar até a viatura?

— Eu ia? — A garota perguntou, confusa, levantando-se cheia de areia. — Poxa. Desculpa. Eu tenho alguns... Problemas. De memória.

Antes que pudessem discutir uma viatura parou pouco atrás de onde os dois viraram. Um sujeito enorme saiu de dentro dela. O uniforme de polícia parecia prestes a estourar no seu peito.

— Temos algum problema aqui, senhores? — Ele perguntou, abrindo um sorriso que parecia ter dentes demais para um ser humano comum.

Ao mesmo tempo a moça mencionou o sequestro e Marlin perguntou pelo hospício. De alguma forma, acabaram os dois algemados no banco de trás da viatura, com uma história confusa demais para ser explicada no distrito.

Sacolejando na traseira, Marlin olhou as próprias algemas. Os gritos do filho ainda ecoavam na sua cabeça.

Nemo escapou entre os seus dedos de novo. Era tão cruel e irônico que parecia ser castigo divino. Como se Deus estivesse lhe punindo pelo terrível pai que costumava ser. Ou que sempre foi. Por que, então, se o castigo era seu, era a criança quem precisava sofrer? 

A agonia se agitava no seu peito. Estava sozinho outra vez e era tudo culpa sua. Foi uma fracasso para proteger a sua família. Foi um miserável sua vida inteira e por mais que tentasse, jamais deixaria de ser, e aqueles que amava continuavam pagando por isso.

Marlin bateu a cabeça na grade que separava o banco do resto do carro. Não podia perder tempo com seu próprio desprezo. Precisava ter forças para aceitar a própria culpa e usar isso para seguir em frente. Porque Nemo não tinha nenhuma outra pessoa que pudesse lutar por ele. Seus dedos abriram o cinto da calça. Porque Nemo merecia ser salvo e ser feliz.

— Sinto muito — disse e antes que a garota pudesse perguntar por quê Marlin passou o cinto no seu pescoço, fazendo-a sufocar.

— Ou me deixa sair desse carro — ele rangeu, entredentes, para o motorista — ou juro por Deus que mato essa garota.


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Notas finais do capítulo

n vou mentir foi dureza conseguir parir esse aqui viu seja oq deus me quiser



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