San Peter: A Escola dos Mimimis Amorosos (Vol.1) escrita por Biax


Capítulo 25
Professor de Xadrez




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Entramos na biblioteca, e a primeira coisa que vimos foi a senhora da recepção, que olhou em nossa direção, abrindo um sorriso de boas-vindas. Yan andou na frente.

— Oi, dona Graça, como a senhora está? — Se apoiou no balcão e eu fiquei ao seu lado.

— Estou ótima, e você? Olá, querida. — Me cumprimentou gentilmente.

— Olá.

— Tô bem.

Ela continuou me observando, parecendo lembrar de algo — Era você que precisava de um livro que estava com ele, não era?

— Sim, era eu — admiti, sentindo o olhar de Yan sobre mim.

— Ah! Tadinha, tava tão nervosa, né? — falou inocentemente. — Mas vocês se acertaram, imagino. Até viraram amigos.

Mulher, não me entrega! — É...

Graça nos olhou, sorrindo, com ar de quem sabia o que estava acontecendo ali. — Mas então, o que estão fazendo aqui nesse domingo tão bonito?

— Queremos jogar xadrez — Yan explicou.

— Então podem ir. Você já sabe onde os tabuleiros estão. — Sorriu.

Ele retribuiu, afirmando, e seguiu para a ala direita, indo para o fundo. Na parede das janelas, haviam cinco mesas pequenas, do mesmo tamanho do tabuleiro, cada uma com duas cadeiras de madeira que combinavam em modelo e cor.

As janelas pegavam quase a parede e ficavam quase alinhadas com o assento das cadeiras. A cada lacuna entre as janelas, ficava uma mesa encostada na parede, de modo que a lamparina ficasse acima do tabuleiro. De uma mesa para outra não devia ter mais de um metro.

Yan foi até a primeira mesa e sentou, me indicando o lugar da frente. Ele puxou uma trava e abriu a parte de cima da mesa. Fiz o mesmo, encontrando um compartimento onde ficavam as peças do jogo. Eram de madeira, e as minhas eram as brancas.

Peguei todas, as colocando no colo, e voltei a fechar a tampa.

Yan fez o mesmo. — Você lembra onde fica cada peça?

— Só lembro que os peões ficam na frente.

Ele sorriu. — Tudo bem. Vou te mostrar. Ele pegou duas peças. — Essas são as torres. Elas sempre ficam nas pontas. — Ele colocou uma em cada primeiro quadrado. Pegou outras. — Esses são os cavalos, que ficam do lado da torre. — Colocou do lado da torre e pegou mais duas. — Esses são os bispos, esse é o rei e essa a rainha... — E colocou todos um ao lado do outro. — E os peões vão na frente. Coloca suas peças que vou te explicar os movimentos.

Pegando o lado dele de exemplo, fui acomodando todas as peças.

— Certo. Começando pela torre... — Ele a segurou, sem tirá-la do tabuleiro. — Ela só anda na vertical ou horizontal. — Demonstrou levando a peça para frente e trás, voltou, e moveu para os lados. — O cavalo só anda em “L”, ou seja, três casas pra frente ou pra trás. — Mostrou. — E uma para o lado. — Afirmei. Não era tão difícil assim. — O bispo só anda em diagonal, pra frente, pra trás, tanto faz. A rainha pode se mover em todas as direções e ir pra qualquer casa. Ela pode pular três, quatro, ou todas as casas que tiver. O rei também pode ir pra qualquer direção, mas só uma casa por vez. E os peões podem se mover só pra frente. Tá entendendo até aqui?

— Sim. — E tô adorando ouvir suas explicações. — Continue.

Então ele começou a explicar as regras e o bicho pegou. E eu achei que era fácil...

Enquanto ele explicava, fazia o movimento das peças e pedia para que eu também fizesse, para facilitar o entendimento. Ficamos naquilo por uns dez minutos, talvez.

— Acha que consegue tentar uma partida?

— Acho que sim.

Arrumamos as peças de volta. — As brancas começam. — Apontou a mão para mim.

Certo. Eu consigo.

Comecei movendo o segundo peão da esquerda. Vi o olhar dele baixar para seu tabuleiro rapidamente, ficando pensativo. O bom era que eu podia encarar ele quase sem me preocupar. Ele fica tão lindo quando está concentrado. Alguém me belisca? Isso não é um sonho?

Ele moveu o mesmo peão que eu.

Decidi mover o cavalo. Contei três casas para frente e uma para esquerda. — Tá certo?

— Arrã.

Enquanto Yan pensava, olhei ao redor. Estava muito mais silencioso do que na quadra. As janelas permitiam a entrada de toda luz possível, e fazia com que o lugar ficasse aconchegante. Mais para a frente, na parede das janelas, ficavam bancos estofados com encostos na lateral, compridos e espaçosos, que pegavam quase toda a parede até a outra ponta da biblioteca. Um pouco à frente desses bancos, ficavam mesas retangulares, com três cadeiras do outro lado.

Não tinha reparado, mas lá no fundo tinha uma menina deitada no banco, com um livro na frente do rosto, meio que de frente para nós. Não dava para ver seu rosto, mas eu sabia quem era. A garota nova, de cabelo branco. Dava para ver um pouco do seu cabelo, mas reconheci por causa da jardineira azul que ela vestia.

— Você tem que prestar atenção no jogo. — Yan chamou minha atenção. Me virei de volta. — Ou eu posso roubar uma peça sua e você nem vai perceber.

— Desculpa... Você roubaria uma peça minha?

— Só de brincadeira, pra ver se você ia reparar. — Sorriu. — Sua vez.

Ele tinha movido um peão na frente do bispo. Movi meu bispo para o espaço vago.

 

— Droga... — sussurrei. Yan riu.

Quatro peões, dois cavalos, uma torre e um bispo meus já tinham ido para o saco. Só tinha conseguido comer um bispo e um peão dele.

— Você tá indo bem até. — Ele tentou me consolar, sem sucesso.

— Bem? Não sei onde.

— Tá sim. — Deu risada. — Você acabou de aprender, mas pegou o jeito rápido. Só precisa prestar mais atenção nos movimentos que eu posso fazer.

Só preciso mudar de foco. Os movimentos que eu presto atenção não são das peças. — Vou tentar...

Yan ficou alguns segundos em silêncio, como se hesitasse. — Posso fazer uma pergunta?

Gelei. Por que não pergunta direto? Isso de “posso fazer uma pergunta?” acaba comigo. — Pode...

Ele pensou. — A dona Graça falou que você tinha ficado nervosa quando foi buscar o livro. Por que ficou nervosa?

E eu tenho outra: Por que ela abriu a boca? — Por que eu precisava do livro pra fazer meu trabalho, lembra? E... eu nem te conhecia. Como eu ia pedir um livro pra alguém que não conhecia?

Yan sorriu como se pensasse em uma resposta óbvia. — Ué, mas qual o problema?

Dei os ombros. — Eu fiquei com vergonha.

Ele moveu sua próxima peça. Com certeza ele pensou “Já imaginava que era isso”.

Mais algumas rodadas depois, eu estava praticamente perdendo.

— Afe... Já era.

— Você desiste, senhorita Bruna?

Olhei para o teto alto, rindo. — Desisto.

— Eu já ia ganhar mesmo. — Yan pegou seu rei e colocou duas casas acima da minha rainha. — Xeque-Mate. — Sorriu, orgulhoso.

— Um dia eu vou vencer.

— Estou contando com isso.

Eu não ligo de perder para ele, desde que ele sempre dê esse sorriso.

Yan começou a recolocar as peças em seus quadrados, e de repente olhou para o alto, ao meu lado. Me virei, encontrando a menina de cabelo branco ali.

Ela me olhou. — Oi de novo.

— Oi.

— Então... você perdeu?

— Sim. Você sabe jogar? — Talvez se eu jogasse com alguém no mesmo nível que eu fosse mais fácil. E ela parece ser legal.

— Sei sim.

— Quer jogar?

Ela afirmou, animada, e eu cedi meu lugar a ela. Vi de relance Yan abrindo a boca para falar algo, mas a fechou, dando uma coçadinha na testa.

Yan é bom no jogo, então primeiro preciso ver o jeito dela jogar. Se for tão ruim ou pior do que eu, aí jogo contra ela.

Os dois começaram a organizar as peças, e eu aproveitei para pegar outra cadeira e colocar na frente da mesa, entre eles, para assistir o espetáculo de outro ângulo.

Ela moveu um peão. Yan também. E logo em seguida moveu outra peça. Yan também, e sem perder tempo, moveu mais uma.

Que que isso? Ela nem espera ele terminar de jogar...

Os movimentos dela eram rápidos. Percebi que Yan ficou sério e focou seu olhar no tabuleiro. Seus movimentos também ficaram mais rápidos, mas diferente da menina, ele ainda parava um pouco para pensar antes de jogar.

Eles comiam as peças um do outro muito mais rápido do que na minha vez. Era quase como ver uma partida profissional, ou quase isso.

Yan riu quando chegou sua vez. Tinham sobrado poucas peças dos dois lados, e logo a menina anunciou o xeque-mate.

— Uau, você é muito bom — Ela falou, surpresa e animada. — Já participou de alguma competição?

Yan se recostou na cadeira, mais relaxado. — Não. Você já?

— Sim. Sou campeã nacional.

As sobrancelhas dele levantaram. — Espera, você é a Micaela Hawnsen?

— Ah, você me conhece, então. — Ela abriu um sorrisinho envergonhado. — São poucas pessoas que reconhecem jogadores de xadrez.

— Bom, eu sempre gostei, então sempre quis saber de tudo. Mas eu nem te reconheci... Você mudou o cabelo, né?

— Sim, mudei... — Suas bochechas coraram, e seu olhar foi para baixo. — Legal saber... Obrigada pela partida. — Ela levantou, acenou e saiu.

Yan e eu nos olhamos, eu pelo menos sem entender muito daquela reação.

Ele balançou a cabeça, sem acreditar. — Olha, quero ver a gente jogando desse jeito.

Eu ri com aquele absurdo. — Vai demorar mil anos até eu jogar rápido assim.

— Talvez não demore tanto... — Olhou para o alto, para um relógio que ficava na parede. — Olha, são quatro horas. Vamos tomar café?

— Vamos. Tô morrendo de fome depois de queimar os neurônios. — Ele riu.

Guardamos as peças e saímos da biblioteca. Fomos ao refeitório.

Apesar de ele ter ficado impressionado com ela — assim como eu —, ele falou que queria que jogássemos daquele jeito. Eu e ele. Eu fiquei com uma pontadinha de ciúmes, mas o que ele falou depois apagou aquilo.

— Você nunca pensou mesmo em entrar pra uma competição? — perguntei a ele assim que entramos no refeitório.

— Não. Não acho que eu jogue tão bem assim.

— Como não? Você jogou tão bem contra ela. Os dois estavam jogando na mesma velocidade. Acho que você iria longe.

Yan me olhou, sorrindo. — Obrigado. Mas ainda preciso treinar muito até chegar no nível do pessoal que compete. O negócio é louco.

Entramos na fila da cantina.

Ele é tão modesto... Ou será que acha que realmente não joga bem? Ele é demais, de qualquer jeito.

Percebi que estava encarando ele quando seu olhar encontrou o meu. Fiquei sem reação e, sentindo a cara esquentar, comecei a observar a vitrine da cantina, fingindo estar interessada em qual comida ia pedir.

— Que foi? — Ele perguntou, me fazendo ter mais vergonha ainda, tendo certeza que eu não conseguia enganar ninguém, muito menos ele.

— E-eu ia falar alguma coisa, mas esqueci o que era.

Vi de relance ele balançar levemente a cabeça, e ouvi uma risadinha baixa.

Você tá maluca? Olhando pra ele assim? Vai acabar ficando da cor daquela salada de tomate.

Pegamos nossos lanches e procuramos uma mesa. Nos sentamos um na frente do outro.

Meu croissant e chocolate quente parecem deliciosos, mas e se eu ficar com massa entre os dentes? E com a boca suja de chocolate? Devia ter pensado melhor no que pegar.

— E aí, gente! — Mateus apareceu de repente e se sentou na cadeira ao lado de Yan, e colocou sua bandeja sobre a mesa. — Oi, Bru.

— Oi, Mateus.

Ele deu uma abocanhada em seu sanduiche. — Ele te mostrou o braço ferrado dele? — perguntou com a boca cheia.

Balancei a cabeça, tomando um gole do achocolatado, só vendo Yan o olhando com uma cara de “sério que você abriu a boca?”

Mateus deu de ombros. — Achei que você tinha mostrado.

Eu não queria que ele se sentisse obrigado a me mostrar, mas eu fiquei muito curiosa. — Aconteceu alguma coisa?

Yan deu um gole do seu suco, considerando. Colocou o copo na mesa e levantou a manga do braço esquerdo com cuidado.

Arregalei os olhos.

Perto do ombro havia uma ferida pegando toda a parte do músculo mais alto do braço, acima do bíceps, e conforme descia, as feridas ficavam menores, até chegar nos arranhões que eu tinha visto na quadra. Todas os machucados estavam com uma casca vermelha escura.

— Yan, como você fez isso? — perguntei, boquiaberta.

— Foi no jogo de basquete. — Abaixou a manga da blusa. — Quando fui jogar a bola, um colega do Mateus foi tentar me impedir, acabou me empurrando e eu caí no chão, mas por causa da velocidade, eu raspei o braço até parar.

Fiz uma careta de dor, mesmo não imaginando o tamanho da dor que ele deve ter sentido.

— Aquilo foi feio — comentou Mateus. — Deixou o chão lavado de sangue.

— Não exagera. — Yan riu, tomando mais um gole do suco. — Saiu sangue, mas não foi tanto assim.

— Saiu tanto que poderia ter doado aquilo tudo pra um acidentado com hemorragia no hospital e ele sairia vivo.

Yan só balançou a cabeça, começando a comer.

Não consegui rir da brincadeira. Aquilo deve ter doído horrores, mas ele queria dar a impressão de que foi só um arranhãozinho.

— Você tá cuidando disso direito, né? — questionei, preocupada.

— Tô sim. Tô passando uma pomada especial nos horários certos.

Balancei a cabeça, um pouco mais tranquila. Com certeza ele sabia dos riscos de não cuidar de um machucado como aquele direito.

Mudamos de assunto e terminamos de comer, e antes que um de nós resolvesse levantar, Gabriel apareceu, querendo se juntar a nós, então continuamos ali enquanto ele tomava café.

Eles estavam entretidos com o braço de Yan, que foi “obrigado” a contar a história de novo para Gabriel, e certo momento vi Lili entrando no refeitório, trajando um vestido salmão, que combinava demais com seu tom de sua pele e cabelo. Até reparei as poucas cabeças por ali se virarem em sua direção conforme ela andava.

Balancei o braço no alto para que ela me visse, e se aproximou, me cumprimentando com um beijo no rosto.

— Oi, gente — disse ela aos meninos, que já estavam em silêncio desde que ela apareceu no corredor de mesas.

— Oi — responderam ao mesmo tempo.

— Vou subir, viu? Não demora. — Lili deu um sorrisinho e saiu de lá.

— Esp... — Fui impedida de levantar por alguém segurando meu pulso. Me virei.

— Qual o nome da sua amiga? — Mateus indagou assim que Lili saiu do refeitório, com uma expressão meio abismada.

— Lilian.

— Ela tem namorado...?

— Bruna! — Alguém me chamou, cortando Mateus.

Não precisei procurar muito, já que Viktor estava caminhando em minha direção.

— A Lili já subiu? — perguntou assim que chegou perto.

— Ela passou aqui quase agora. Por quê?

Ele enfiou a mão no bolso da calça. — Ela esqueceu o celular no carro. Entrega pra ela, por favor. — E me entregou o aparelho.

— Tá.

E Viktor saiu andando para o jardim. Olhei de volta para Mateus.

— Isso responde minha pergunta, então... — Ele disse, desapontado.

Dei uma risadinha. — Não exatamente. Eles não são namorados. — Não mais, pelo menos. Eu acho.

— Sério? Mas e aquilo do carro?

— Eles são vizinhos. Acho que vieram juntos hoje. Provavelmente no carro do pai da Lili.

— Hmmm... — Ele estendeu a palavra, abrindo um sorriso travesso.  — Tá bom. Obrigado pelas informações.

— De nada. — Sorri. — Eu vou subir, então. Até mais.

Eles acenaram de volta.

Fui ao dormitório e subi as escadas, indo direto para o quarto da Lili.


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