Crônicas de um Opressor escrita por Felipe Martins


Capítulo 1
Gloria (ou quase)




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Crônicas de um Opressor
Gloria (ou quase)

Eu estava andando pela rua onde trabalho. Era mais um fim de expediente, em que eu saio todo desgovernado rumo a minha cama (existe coisa que emocione e importe mais que isso?!) e seria outra caminhada típica se eu não a tivesse encontrado no caminho.

A frente, a moça parecia distraída procurando algo em seus bolsos, mas bastou eu diminuir nossa distância de cinco metros pra ela me notar e demonstrar, pelo reflexo cristalino das suas emoções (vulgarmente chamado de "rosto"), um leve pavor crescente.

Logo que eu percebi a situação, puxei pela memória aquelas listas típicas de o que fazer para a menina não achar que você é uma ameaça que não fosse "passe na frente dela" (por motivos óbvios, eu não ia conseguir superar os cinco metros de distância sem sair correndo e parecer mais um assaltante ou louco maníaco) e a primeira coisa que me veio a cabeça foi cantar alguma coisa.

"OK, Felipe, você não tem um chuveiro pra deixar sua voz linda, perfeita e maravilhosa, mas você consegue," eu pensei.

A primeira letra que encontrei no meu super portfólio de três músicas decoradas foi "I Will Survive" (bem viada, mesmo). Limpei a garganta e, bem, comecei a cantar, fazer o quê:

 


At first I was afraid,
I was petrified
Kept thinking I could never
leave without you by my side

Ela me olhou de canto, então imaginei que eu estivesse indo mais ou menos bem. Continuei cantando e comecei a me distanciar dela (pra ela não achar, novamente, que eu fosse um maníaco qualquer).

Chegamos num cruzamento. Pus meu fone de ouvido, adiantei a música pro refrão e comecei a acompanhar a (deosa, linda, amor da minha vida, maravilhosa da) Gloria Gaynor:


Oh no, not I! I will survive!
Oh, as long as I know how to love,
I know I'll stay alive!

À minha maneira, quase profetizava aos meus arredores que seria um sobrevivente àquele momento tortuoso para nós dois. O farol, pouco depois de ter acabado o clímax da música, deu passagem para ambos e ela retardou o passo.

"Acho que ela não conhece a Gloria," pensei. "Droga!"

Ultrapassei-a, ciente da minha posição de péssimo cantor e opressor que se achara inocente.


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