Capítulo 02 – Terrence Ethan Jones.

A noite foi mais tranquila do que Todd achou que seria. Após o problema com o jantar, a pizza chegou e todos se divertiram — inclusive Todd e Chloe. Assim que Fred foi embora, o garoto problema trancou-se no quarto para que não fosse incomodado nem mesmo por Chloe. Tudo que ele fez foi tomar um banho e jogar-se na cama ainda enrolado na toalha e pensar em tudo que vinha fazendo há algum tempo.

Tantas brigas, tantos socos e desavenças ridículas. E com que motivo? Qual a razão daquilo tudo? Ele queria chamar a atenção de quem? Para quem Todd queria se provar?

Nem ele sabia as respostas.

No dia seguinte, Todd e Chloe saíram de casa um pouco mais cedo, pois ele não queria ter que olhar para os pais naquela manhã. Já bastava o que eles tinham feito no dia anterior ao convidar Fred para jantar com eles.

— Até que o Diretor Fred não é tão ruim assim, né? — Chloe puxou assunto com o irmão enquanto eles caminhavam em direção ao colégio.

— É, mais ou menos, sei lá. Uma pizza não é suficiente para me comprar, Chloe.

Ela riu e balançou a cabeça. Assim que entraram no colégio, que era um grande prédio com arquitetura estilo Vitoriano, encontraram Luke.

— Como foi ontem? — Luke perguntou para Todd e deu um beijo rápido em Chloe. — Ele decidiu te manter no colégio a troco de quê?

— Em troca de me manter no colégio, ele pediu a mão da Chloe em casamento e nossos pais aceitaram. - Todd zombou, sorrindo para Luke.

— Idiota. — Chloe deu um soco leve no ombro de Todd e se virou para falar com Luke. — O Fred falou algo sobre uma aula experimental de relaxamento, sei lá o que é isso. Toda sexta-feira serei obrigado a comparecer nessa aula bizarra. É isso ou não concluir o ensino médio.

— Fazer essa aula é uma boa escolha.

— Pois é... — Todd suspirou. — Mas vou perder a tarde inteira com essa babaquice. Além disso, não entendi o motivo de só eu ter sido encrencado: você briga tanto quanto eu.

— Todd, — Luke falou, colocando a mão no ombro do amigo. — eu só brigo contigo, já você sai por aí socando qualquer um, essa é a diferença. Você é um baixinho nervoso.

Mesmo sendo verdade, Todd se irritou de leve com a brincadeira. Ele exclamou um palavrão qualquer e foi em direção à sala, deixando Chloe e Luke sozinhos e rindo da reação dele.

Emburrado, Todd observava o enorme jardim da frente do colégio através da janela de vidro. Olhou o horário em seu celular e já passava das 14h42. 

Seu professor estava atrasado.

Deixou seu corpo escorregar pela cadeira até ficar quase deitado.

Será que o professor vai ser legal? E se for uma professora, será que ela vai ser legal também? E bonita? Ou será que vai ser um professor chato que vai falar que sou um caso perdido e me expulsar de vez?

Todd não conseguia parar de pensar, principalmente quando estava sozinho naquela sala sufocante esperando por alguém que havia se atrasado.

Maldita ansiedade!

Sem perceber, ele começou a apertar seus punhos enquanto pensava.

Você vai ser expulso, Todd! Não vai ter futuro! Nunca vai ter um emprego porque não vai completar o ensino médio! Vai morar com seus pais até o dia que eles se encherem de você e te expulsarem! Depois disso você vai ter que morar com a Chloe e o Luke! Você vai dormir no sofá da casa deles e os amiguinhos dos seus sobrinhos vão perguntar porque eles têm um tio tão inútil!

Seus próprios pensamentos sabiam ser bem cruéis.

Quando seu punho estava tão apertado, a ponto de suas unhas furarem as palmas das mãos, a porta se abriu e Todd respirou aliviado, quase relaxando.

Era Fred.

— Todd, eu estava te procurando até agora.

O garoto revirou os olhos e não respondeu.

— Enfim, peço desculpas pelo atraso. Antes de começarmos...

— É você que vai me dar essa aula? — Todd interrompeu o diretor, completamente furioso. — É brincadeira, né?

Fred fechou a cara. O diretor já não aguenta mais a rebeldia desenfreada e aparentemente sem motivo de Todd. O garoto teria que se controlar se quisesse se formar no ensino médio.

— Não sou eu quem vai te dar aula. O professor Ethan já está chegando. Ele é ótimo com crianças problemáticas e vocês vão se dar bem, tenho certeza.

Todd não sabia qual termo o deixou mais irritado: crianças ou problemáticas.

A porta da sala abriu, impedindo que o garoto e o diretor discutissem mais uma vez, e de lá surgiu um homem com uma mochila na mão.

— Professor Ethan! — Fred foi até o homem, o cumprimentando. — Que bom que você chegou.

— Tive um pequeno problema com o trânsito, sinto muito. — Ele respondeu com um sorriso quase completamente coberto por sua barba um tanto irregular. — Bem, posso começar a aula agora ou teremos mais alunos?

— Não, só esse mesmo. — O diretor saiu pela porta, deixando só a cabeça para dentro enquanto acenava para Todd. — Boa aula, Toddy!

***

A aparência do novo professor chamou a atenção do garoto: ele tinha uma espécie de moicano, mas diferente dos moicanos de Todd e de Luke, que eram raspados na lateral e arrepiados no meio, com pouco mais de quatro centímetros de comprimento, o do professor era um corte comum apenas penteado para cima na região central da cabeça, contudo não deixava de ser interessante ver um professor com aquele penteado. Além disso, era alto; fazendo uma rápida comparação mental com a altura de Luke — que era 1,87m —, Todd arriscava que ele tinha entre 1,85 e 1,90m de altura. O professor usava uma jaqueta de couro por cima da camiseta preta, uma calça jeans e All Star preto nos pés. Se o professor tivesse cabelos escuros, Todd ousaria dizer que aquele homem era uma versão mais velha de Luke, devido à tamanha semelhança.

— Todd, é? — O homem, que estava por trás da mesa, chamou enquanto lia uma lista de chamada. — Só tem um nome aqui.

— É. — Todd respondeu ainda o analisando fisicamente.

— Tudo bem. Meu nome é Terrence Ethan Jones, mas você pode me chamar de Ethan. Sou formado em Inglês e Literaturas e costumava dar aulas disso até que fiz um curso sobre uma técnica nova, chamada “Relaxamento Mental”, que acalma — Ele pigarreou. — jovens rebeldes. Não gosto de usar esse termo, mas parece que seu diretor gosta bastante... Enfim, vamos tentar resolver o seu comportamento. Já frequentou terapias com psicólogos?

— Sim. – Todd agora olhava para um canto da sala onde não tinha nada, mas aquilo ainda parecia ser melhor do que olhar dentro dos olhos azuis do homem.

— Ainda frequenta? – Ethan pegou uma caneta e abriu um caderninho de capa preta.

— Não.

— Por quê?

— Porque eu não quis mais ir. – Agora ele respondeu diretamente para o novo professor.

Ethan assentiu.

— Tudo bem, então. Só quero deixar claro: eu não sou psicólogo. Sou apenas um professor como outro qualquer que tem algum jeito com jovens de personalidade forte.

— Ok.

— Você é sempre assim? — Ethan puxou uma cadeira para perto de Todd e se sentou ao lado dele.

— Assim como?

— Calado, você sabe.

— Não.

Todd não estava nem tentando ser agradável.

— Tudo bem. — O professor respirou fundo e sorriu. — Todd, o que você gosta de fazer? Preciso te conhecer um pouco para planejar nossas aulas.

— Eu gosto de sair com meus amigos, — Ele falou após pensar alguns segundos. — beber, fumar e fazer sexo. Respondido?

— Ótimo... — Ethan falou calmamente. — Além disso, não tem mais nada que você goste de fazer? Ouvir música, tocar um instrumento, pintar, cozinhar...?

— Não.

— E quando você está estressado, o que faz para se acalmar?

Todd gargalhou e voltou o seu olhar para Ethan tentando parecer intimidador de alguma forma.

— Normalmente eu soco a cara do Luke ou de qualquer outro babaca que cruze meu caminho e faça algo que eu não goste.

— Uau. — Ethan encarou Todd. — Como assim? Luke é algo como o seu rival?

— Para falar a verdade, ele é meu melhor amigo.

— Interessante. — O professor se levantou e caminhou até a frente da sala, tirando sua jaqueta. — Vamos começar então com um relaxamento focando na respiração.

Todd suspirou e bateu sua cabeça na mesa algumas vezes.

— Depois de fazer esse relaxamento, eu te liberarei da aula. — Ethan sugeriu, levantando as mãos acima da cabeça durante a inspiração e abaixando lentamente no mesmo ritmo que expirava o ar. — Vamos lá, Todd! Inspire, expire.

Convencido pela proposta feita pelo professor, Todd obedeceu e realizou os movimentos respiratórios. Completamente entediado, ele queria muito que aquilo acabasse logo.

Será que dormir no sofá da futura casa de Chloe seria tão ruim quanto essa aula?

***

— Pronto, você foi muito bem! — Ethan exclamou animadamente. Todd se divertiu ao ver aquele homem, que mais parecia um motoqueiro da Hell’s Angels como os bad boys dos filmes, se divertindo apenas respirando.

— Posso ir embora? — Ele se apressou, já pegando a mochila e indo em direção à porta.

— Ainda não. — O professor respondeu, indo para trás da mesa e arrumando uns papéis.

O garoto bufou e soltou os ombros, se virando para o professor e cruzando os braços.

— Agora sim, você pode ir. — Ethan sorriu. — Até terça-feira, Todd.

— Terça?! — Ele quase gritou. — Não era apenas uma vez por semana?

— Não, o diretor Fred pediu para que eu te encontrasse duas vezes por semana. Ordens dele.

Todd saiu furioso e bateu a porta da sala. Sempre irritado por qualquer coisinha que não saísse como ele queria, pisava duro enquanto andava pelo corredor da escola. Fred não tinha o direito de julgá-lo como um idiota revoltadinho qualquer só porque ele nunca gostou de estudar e preferia brigar num canto da escola do que se render às aulas.

Na verdade Fred só tinha esse “direito” porque era o diretor do colégio e Todd só aceitou enfrentar esse novo professor porque a perspectiva de passar mais de dois anos naquela escola era aterrorizante demais. Se ele já não aguenta mais levantar todos os dias para ver rostos conhecidos, imagina ter que ficar no colégio depois que Luke e Chloe já tiverem se formado? Parecia um cenário doloroso, triste e humilhante demais até mesmo para alguém como ele que nunca se importou com nada.

Por outro lado, Ethan havia chamado a sua atenção. Nunca tinha visto um professor como ele. Um homem ainda jovem, mas já formado, com emprego estável e que veste-se como um motoqueiro inconsequente da Sons Of Anarchy. Todd sempre sonhou em sair pelo mundo em cima de uma moto com apenas uma mochila nas costas, algumas notas no bolso, garrafas de cerveja barata, cigarros de menta e uma puta diferente a cada noite. Ou quem sabe um cara gostoso e tatuado para aquecer-lhe a cama durante as noites mais frias. Essa é a vida dos seus sonhos. A vida ideal para Todd não tem contas para pagar, nem contra cheques, ordens de um chefe, uma companheira ou companheiro reclamando da sua imaturidade e dizendo que o leite das crianças está acabando. Quando já estava do lado de fora do colégio, pegou o celular e colocou uma de suas canções favoritas do Guns N’ Roses para tocar. Quando a voz de Axl começou a cantar nos seus ouvidos, ele pensou em como esperava para se ver livre daquele lugar.

Ethan sentou em cima da mesa, ainda arrumando os papéis e sorriu. Todd lembrava-o de como ele costumava ser na adolescência. É claro que ele não saía por aí socando rostos alheios quando sentia raiva, mas a lembrança de ser um jovem rebelde e que não se importava com regras o fazia sorrir e perceber como a vida parece tão efêmera e curta quando se tem menos de 30 anos. Todo dia parece o último, cada suspiro e gemido contra um corpo suado não é suficiente, cada garrafa de cerveja é só mais um convite para a próxima. Todas as regras são duras e não fazem sentido.

Aquele garoto seria um desafio divertido para ele.