Astronaut: ReFlying

Kaline Bogard

Capítulo 06

— Eu tinha cinco anos — falou em um tom grave, cruzando as mãos sobre o colo — Meu pai era violento e bêbado. Um fudido, na verdade. Um dia ele espancou a minha mãe, bebeu até cair no carpete da sala e deixou o cigarro colocar fogo na casa. Só eu sobrevivi, mas esse foi o preço...

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O silêncio que se seguiu foi tão denso, mas tão denso, que se Peter tivesse uma faca nas mãos poderia cortar o ar sufocante. Ele olhou chocado para Wade, não acreditando no passado difícil.

E o clima continuaria, se não fosse um som estranho que saiu da garganta do Wade, e outro e mais um, até que o rapaz estava gargalhando.

— Eles caíram nessa! Vocês acreditam?! Que trouxas — e puxou a bochecha de Peter — Você no modo incrédulo fica fofinho demais, baby boy.

Peter afastou a mão com um tapa irritado.

— É mentira? — perguntou incrédulo, sentimento que encontrou reflexo nos outros adolescentes.

— Eu nunca peguei fogo. Bem... não literalmente. Desculpa, pessoal. O senso de humor é minha única defesa. Isso aqui — a voz assumiu um tom solene enquanto ele apontou o próprio rosto encapuzado — É câncer de pele. A SHIELD me deu uma segunda chance porque meus dias estão contados. Em seis meses a gente já era.

— Caraca... — Clint exclamou, sentiu as mãos de Natasha em sua cabeça apertarem com certa força, como se a namorada quisesse ter certeza da sua presença.

Tony ergueu as sobrancelhas, aquilo não era bem o que esperava ouvir. Até Niat, mais dura na queda, mostrou uma expressão condescendente na face de pele pálida. Sentimento gêmeo ao que manifestou Bruce Banner.

— Sinto muito — Peter soou empático, sem saber o que mais falar. Acabara de ouvir que o novo amigo sofria de uma doença grave e morreria em breve!

Mas Wade não resistiu e acabou rindo.

— Puta que me pariu tão foda!! Petey... a gente te adora. Só tô zoando de novo — e o puxou para um abraço.

Irritado, Parker acertou-lhe um soquinho de mau jeito no ombro.

— Não tem graça!

— Até que tem graça — Clint falou do chão — De um jeito distorcido e meio bizarro...

— Se falar outra mentira te faço engolir um sapato — Niat resmungou de onde estava. Era difícil não acreditar em uma história triste vindo de alguém que tinha o corpo tão desfigurado.

— A gente prefere engolir o Petey!! — ele rebateu agarrando Peter com os dois braços e o apertando contra si — Ele parece gostoso.

— WADE!! — o pobre garoto esbravejou, sentindo o rosto pegar fogo — Idiota!

Tony Stark venceu a estupefação (e não era fácil deixá-lo sem palavras), para exclamar inconformado:

— Que cara doido! Você tem um parafuso solto, não tem? — provocou.

— Parafuso solto? A gente nem tem mais parafuso — Wade falou com empolgação, enquanto meio que lutava para manter Peter preso nos braços — A esquizofrenia acabou com todos!

Dessa vez ninguém acreditou que fosse verdade. Apenas esperaram que ele desmentisse e dissesse que era uma piada. Como isso não aconteceu, os adolescentes ponderaram que talvez fosse a sério. Fato que explicava muita coisa!

— Você é esquizofrênico? — Natasha sondou, não querendo ser feita de boba pela terceira vez.

— Completamente. Em todos os níveis, graus e angulações. São vozes na minha cabeça... "With the monsters in your head"— Wade afirmou. No mesmo instante Peter congelou no lugar, meio que se esquecendo de tentar escapar do abraço, os óculos quase caindo do rosto — Mas não se preocupe, baby boy. A gente tá tomando os remédios direitinho. Regra da S.H.I.E.L.D., sacumé, né? E nada de machucar pessoas também, pelo menos não as inocentes! A não ser que elas queiram...

— Mas quem adivinharia isso! — Tony exclamou — Olha, Bruce, agora você tem um amigo fora da casinha. Podem tomar chá qualquer dia desses.

— Anthony — Banner girou os olhos.

— Te irritei? — o playboy soou um tanto ansioso demais.

Bruce cruzou os braços e fez um bico antes de responder:

— Não o suficiente — devolveu meio mal-humorado.

Peter apenas acompanhava a interação sentindo-se um tanto perdido. Sabia que tinha algo de errado com o Wade, mas não esperava algo tão grave. Nem se deu conta de que continuava entre os braços do outro, apenas refletindo sobre o que deveria fazer.

Antes que o assunto continuasse, ouviram batidas na porta e Bruce foi abri-la. Era a mãe de Clint, que equilibrava uma bandeja com uma pilha enorme de lanches em uma mão e uma grande jarra de suco na outra. Ela já estava acostumada a fazer aquilo, afinal, era tradição receber os amigos do filho e alimentá-los bem. Trazia pouca comida, comparado a quando Thor estava com eles, pois nessas ocasiões não havia comida que bastasse!!

O clima mudou totalmente. Logo eram apenas jovens famintos devorando sanduíches de manteiga de amendoim como se nada de anormal tivesse acontecido.

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Quando Peter Parker pôs os pés em casa não pôde acreditar. Estava exausto, em todos os sentidos. Nem parecia que tanta coisa acontecera em tão pouco tempo!! Assim que entrou na sala notou logo a luz piscando na secretária eletrônica.

Tia May ligara avisando que conseguira carona, por isso ele não precisava encontrar-se com ela no meio do caminho.

Livre do compromisso, Peter resolveu tomar um banho rápido, meter-se no pijama e ir fazer lição de casa. Passava das sete da noite, não tinha planos de sair mais de casa.

Uma rápida olhada no celular indicou que Wade Wilson continuava sua cruzada stalker e o enchera de notificações nas redes sociais. Acabou distraindo-se dos deveres com isso, cruzou os braços na escrivaninha e descansou o rosto sobre eles. Wade era esquisito, agora sabia o porquê. O rapaz sofria de esquizofrenia, tomava remédios. E era um “aluno problemático” proibido, pelo programa da S.H.I.E.L.D., de machucar pessoas (inocentes, muita ênfase nesse ponto). Talvez fosse mais seguro afastar-se dele, evitá-lo.

Apesar disso, a tarde terminara de um jeito... típico. Típico até demais. Como se o grupo de Tony Stark achasse perfeitamente normal ter um louco entre eles. Tal pensamento trouxe uma cena a memória de Peter: Tony comentando algo sobre Bruce ganhar a amizade de alguém fora da casinha. Talvez o terceiranista também sofresse de alguma patologia similar?

Suspirou com desânimo. No fim das contas não fizeram nenhum teste consigo. Teria a presença de Wade atrapalhado os planos? E agora? Esperaria um novo convite? Ou deveria insistir e pedir que a prova acontecesse logo?

Peter não sabia como agir.

A idéia de ligar para Harry ou Gwen passou por sua mente, mas sumiu tão rápido quanto veio. Não estava a fim de dar muitos detalhes sobre um assunto que não lhe deixava confortável. Algo superficial como “tenho um novo stalker esquizofrênico que se acha meu BFF” não satisfaria a curiosidade e esmiuçar as novidades não eram o melhor plano de fim de noite.

Deixaria que Peter Parker do futuro resolvesse que rumo dar a vida e o que fazer com Wade Wilson, pois o Peter Parker do presente sentia fome e sono.

Desceu até a cozinha e encontrou bolo de carne e macarrão que sobraram do jantar na noite passada. Devorou ambos sem se dar ao trabalho de requentar, apenas sentou-se na mesa engolindo a comida com apetite. Jogava o último pedaço na boca e mastigava com vontade quando recebeu um novo alerta de SMS.

Já fazia um tempinho que eles não chegavam, acabou ficando curioso. Desbloqueou a tela. Era uma mensagem de Wade, claro, vinha com uma foto anexada. Assim que abriu, Peter engasgou com o bolo de carne. E teve a sensação de que sofria um principiozinho de infarto.

Ele quase seguiu para a luz.