Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 90
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Notas iniciais do capítulo

AVISO: Conteúdo +16 ao final do capítulo. Nada explícito, mas vocês entenderam...



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* * *

Aquele dia foi longo e Wanda mal acreditou quando afinal pegou carona na aeronave de Steve, Nat e Sam para chegar até Outer Heaven. A tarde tinha sido recheada por prestar assistência à mutantes, ajudar os enfermeiros wakandanos, lidar com a dinâmica engraçada de Anna Marie e Remy e tentar não surtar quando certa equipe de jornalistas simplesmente não quis ir embora - só pra tirar últimas fotos e filmagens para  a próxima edição transmitida. Ela não quis exatamente usar seus poderes telepáticos para manipulá-los, mas no fim nem precisou: bastou um tom mais severo da princesa de Wakanda para que se tornasse claro que aquela viagem já estava encerrada para a imprensa. Eles logo partiram nas embarcações disponíveis. 

A Feiticeira sentia falta da amiga, mais do que achava que sentia, e agora estava ali, na oficina da base com ela e James Barnes.

Todos se deram uma breve pausa ao pousar em Outer Heaven, ou ao menos todos menos Steve, Scott Summers e Silver. Os três tiveram que oferecer declarações, entrar em contato com outros departamentos de segurança na ONU e garantir ao mundo que ninguém tinha realmente se ferido gravemente naquele dia. Um dia sem mortos, embora com dezenas de perguntas não respondidas: Quais países financiaram o ataque em Genosha? Seriam punidos ou ao menos investigados? Finalmente encerrariam o projeto Sentinela ou quem sabe adotariam uma política de proteção aos mutantes? 

Steve Rogers nem desperdiçou um minuto para tirar as cinzas do rosto ou trocar a roupa, seguiu direto para a Sala de Comunicação central e gastou o restante da tarde acompanhando a mídia, com Natasha ao seu lado. Scott, por sua vez, recebeu ajuda de Jean ao entrar em contato com o Instituto Xavier, em Westchester. A ajuda em si era um tanto emocional, já que o líder do grupo mutante parecia prestes a ter um ataque fulminante a qualquer momento, principalmente ao explicar à professor Xavier que Ororo Munroe tinha sido atingida pela cura temporária. Ao menos ela estava melhor, pois tomou o soro wakandano ainda na ilha. Só estava um tanto zonza e descansava em outra ala em Outer Heaven, lugar indicado por Sam para todos descansarem. Yelena Belova, por exemplo, também estava lá, assistida por Silver - que por sua vez quase latia ordens em seu comunicador para a central de seu país, Symkaria. 

Wanda não sabia como participar de todas essas questões diplomáticas, ou se até mesmo deveria. Não achava que tinha meios para entrar no assunto e já era delicado o suficiente todos saberem que era filha de Magneto, líder daquela nova nação. Seria herdeira? Não,não se tratava de uma monarquia - embora duvidasse que Erik abrisse votações democráticas tão cedo. Não quis pensar mais nisso. Somente rumou para o quarto reservado à ela nos dormitórios, tomou um banho quente e trocou suas vestes para roupas mais confortáveis: uma blusa escura de mangas compridas e uma saia folgada, de tecido macio e corte evasê. Agora estava ali na oficina, quase repetindo uma memória dos três no lab da princesa em Wakanda.

Bucky estava sentado na mesa, vestido com uma regata branca e calça preta, franzindo a expressão vez ou outra enquanto Shuri acertava os pontos de articulação no ombro dele. Mesmo com a perna no último estágio de recuperação da fratura, a princesa não tinha dificuldade de arquear a coluna e focar sua atenção na mecânica sublime da peça. Estava de pé, inclusive.

— Como está indo? —  Wanda apoiou seu quadril na mesa e cruzou os braços. Bucky tentou sorrir para ela, mas em seguida fechou a expressão quando a ferramenta da wakandana soltou uma luz intensa e fria. A Feiticeira não saberia dizer o nome do item que estava nas mãos da outra, mas claramente era algo que emitia calor, algo que servia para soldar mesmo sem fogo. 

— Já, já entrego seu namorado novo em folha, bruxinha. Não vai ter que se preocupar em abraços incompletos.

Bucky torceu a boca, franzindo o nariz com desgosto. Não era por causa da dor, porém. Wanda riu e se aproximou para segurar sua mão boa, sentindo sua pele morna entrelaçar seus dedos. Com o outro braço, ela ajeitou uma mecha do cabelo dele, um pouco úmido ainda por também ter tomado banho, e tal gesto obrigou a face de James Barnes se derreter em um sorriso tolo e silencioso. Ele até mesmo chegou a fechar os olhos um segundo, para então abri-los com dor. Logo em seguida, encarou Shuri e disse:

— Vou pedir pra Wanda quebrar sua outra perna, princesa.

Shuri largou a ferramenta e soltou uma gargalhada curta.

— Teste logo seu braço novo. Está perfeito. Inclusive, estou pensando em fazer um estoque para você, algo que seja mais fácil de colocar nesse seu ombro delicado. E quem sabe eu entre em contato com Helen Cho pra fazer algo mais orgânico, já que você está gastando vibrianium. Quer escolher as cores? Algo que combine com seus olhos ou alguma pintura especial?

— Acho que não quero fingir que tenho um ombro de carne, Shuri. Acostumei com metal e nem sei quem é essa Helen. — Deu uma breve pausa. — E eu não vou pedir uma pin-up da Wanda tatuada no meu braço.

A Feiticeira se afastou um palmo de Barnes, o rosto confuso com a ideia estranha e mais impactada ainda ao vislumbrar os pensamentos do soldado. A pintura que ele tinha imaginado era uma versão felizmente menos comprometedora do que as imagens típicas nas laterais de aviões da Segunda Guerra, mas ainda assim era algo um tanto constrangedor.

E parecia que Bucky tinha esquecido-se um instante que ela podia ler mentes, pois sua boca se abriu numa expressão surpresa e seu rosto empalideceu um tom ao entender que Wanda tinha visto. Ela riu, sem ficar verdadeiramente brava com ele. 

— Por que não uma pin-up minha?

Shuri tamborilou a ferramenta na mesa e respondeu pelo soldado:

— Já sei. Ele não quer que mais ninguém veja a Feiticeira Escarlate numa pose sensual. Clássico.

Bucky fechou os olhos com força e franziu a expressão, também desviando o rosto das duas. Envergonhado, ele levou alguns segundos a mais para rebater a provocação:

— Eu não estava acordado quando vocês ainda se odiavam, mas acho que eu preferia assim.

As duas riram.

— Sabe, eu pensei que não dariam certo. Eu tive medo que Wanda revirasse demais sua cabeça e que não estivessem prontos para… — Ela ergueu a sobrancelha. — O que quer chamem esse relacionamento de vocês dois.

Nenhum deles diria que eram amantes, assim como Ebony definiu, e Wanda só podia pensar o quanto era engraçado faltar palavra melhor. Bucky, por sua vez, limpou a garganta e afirmou, sua voz um tanto desconcertada:

— Bom, não foi de repente.

— Sim, de fato. Mas… Foi bem aleatório? Quem iria imaginar?

— São mistérios mesmo. — Wanda concordou. Não era tão fã de não saber das coisas, mas não podia negar que a cascata de situações caóticas que os levaram até aquele momento. — Até para mim.

A princesa se encostou no painel do lado oposto, parando um instante e ajeitando o piercing no nariz. Deu de ombros.

— Seria mais fácil se as pessoas falassem o que sentem.

— Concordo com você em parte. Há coisas que não precisam ser ditas.

— Por Bast, — Shuri lhe ofereceu um sorriso incrédulo. — Você virou uma bruxa mesma. Falando desse jeito pomposo.

— Palavras são pesadas, princesa. Acho que sei bem disso… — A frase do soldado saiu mais como um esboço de sua garganta, um pensamento em voz alta. Ele gostava do silêncio, no entanto parecia considerar a necessidade do som de letras, sílabas, parágrafos inteiros. — Mas um gato uma vez me disse que não falar às vezes faz falta. Então…

— Está me enrolando só pra dizer que então depende? Nossa, vocês são perfeitos um para outro.

— Eu entendo o que diz. — Wanda riu, tentando se explicar. Assim como havia dito, reconhecia que seria bem fácil para todos se as pessoas fossem sinceras em suas palavras. Ainda assim, na quietude havia quem era demasiado honesto em seus sentimentos. Isso a fez lembrar mais do que ela e James. Um tom mais baixo, ela confessou: — Entre nós, eu vejo… Vejo a aura do Steve mudar toda vez que ele está perto da…

— Natasha?

— Isso. — Confirmou, feliz por James Barnes também ter notado. — E ele é tão gentil com ela. Também acho que poderiam… Ai, não sei. 

— Eles seriam um casal e tanto. — A outra meneou a cabeça. — E Jean, Scott e Logan? Eu duvido que seja apenas uma disputa entre os dois por ela. Tem algo rolando entre os três. Eu farejo isso.

Wanda abriu a boca. Bucky riu e disse:

— Oh. Ousado.

— Acho que o único casal seguro que a gente conhece é Ororo e T’Challa.

— Sim. Eu só… — Wanda torceu os lábios. Se sentia mal por dizer algo que não tinha certeza, no entanto fazia tanto tempo que simplesmente não dialogava feito uma pessoa normal, jogando conversa fora. Inspirou fundo e revelou suas suspeitas: — Talvez esteja errada, mas vejo Sam vacilar toda vez que a vê com o Rei. Vocês acham que...

— Por Bast e todas as panteras na Terra, você tem poderes telepáticos e não percebeu? Sam não fica ansioso pela Ororo. Fica pelo meu irmão.

Bucky arregalou os olhos.

— Mentira.

Shuri dá de ombros e gargalhou daquele jeito felino que Wanda tanto sentiu falta. A Feiticeira Escarlate se considerou uma tola por não ter sacado algo que era notável mesmo sem poderes, mas não foi difícil ligar um ponto no outro. Apesar de nunca ter invadido demais a mente de Samuel Wilson, ela enxergava sua aura tão radiante se eclipsar com a memória de Riley, seu antigo companheiro da Aeronáutica. Talvez ele fosse mais do que um colega. E quando ele, Ororo e T'Challa estavam no mesmo cômodo, Sam vacilava assim como o Sol era cortado por nuvens. Wanda era, de fato, uma tola por não notar e deveria oferecer um ombro amigo para o Falcão. Não achava que T’Challa olharia para outra pessoa além da mutante Tempestade. Uma ironia, escolher as nuvens e a chuva ao invés do sol.

— Vocês precisam conhecer melhor os seus amigos.

— E você? Por que odiava tanto a Ororo?

— Porque eu era uma babaca que não queria uma estrangeira no trono. Até que uma estrangeira insana veio à Wakanda e eu tive que reavaliar meus conceitos.

A boca da Feiticeira não conteve um sorriso de lado, vitorioso e - por que não? - um tanto presunçoso.

— Viu? Você tem que agradecer.

— Eu? Se não fosse pela surra que te dei na sala de criogenia, seu namorado não estaria aqui agora. Ele acordou naquele dia.

A expressão de Bucky Barnes foi impagável.

— Eu retiro o que disse sobre vocês se odiarem.

— Acho que temos que agradecer ao T’Challa, na verdade. Ele queria que eu aprendesse como usar os punhos e você quando deixar de usar.

— E você levou o Bucky de bônus. Ai, ai. Mistérios da amizade… — A princesa suspirou, depois pareceu se recordar de algo interessante, ainda dentro do assunto. — Sabe o que mais? Adivinha quem me ajudou a programar o negócio que paralisou a Inteligência Artificial do Zola?

Wanda franziu a testa. A outra tinha lhe contado sobre o programa no pendrive que Belova inseriu na torre em Genosha, mas não fazia ideia de quem poderia ter lhe auxiliado. Jane Foster? Não, ela era astrofísica.

— Riri Willians?

— Teria sido legal, mas não. E também não é como se eu exatamente necessitasse de ajuda, mas eu precisava de mais alguém com um satélite próprio pra garantir que Zola não escapasse mesmo. — Tanto Wanda quanto Bucky só sacudiram a cabeça, sem saber de quem ela falava. — O próprio Tony Stark. Ele parece se divertir aprendendo coisas da noite pro dia. E também deve ter algum resto de coração.

— É. Espero que sim.

Bucky encarou o chão.

— Será que um dia ele vai perdoar o Steve?

Shuri aproximou-se e lhe afagou o ombro, preocupada com o amigo. Ela fez um sinal positivo com a cabeça, embora não pudesse se livrar de certa preocupação.

— O mundo se torna um lugar mais vulnerável com os dois brigados… Mas Tony ainda não está pronto pra isso. Me pediu sigilo. Acho que posso contar com uma bruxa e um soldado, huh?

— Pode, pode sim. Nós sabemos o peso de palavras.

As duas sorriram uma para a outra. Antes que a conversa pudesse se desenrolar para algo mais ameno, uma voz veio dos auto falantes e as luzes de emergência se acenderam, formando um jogo de sombras e luzes azuis.

Todos os tripulantes: Favor direcionem-se a Sala de Comando”

Soldado, feiticeira e princesa se entreolharam confusos. Não parecia algo perigoso, mas parecia sério. Não demorou para que os três rumassem para o recinto mencionado na mensagem, no andar acima onde estavam.

Quando chegaram, o resto já estava lá: Todos os X-Men - incluindo Remy e Anna Marie, os Vingadores Secretos e até mesmo Yelena e Silver Sable. O objetivo do recinto era monitorar as notícias do mundo, investigar informações e provas coletadas e até mesmo debater o rumo das missões, mas a verdade é que frequentemente o local era usado como uma sala pelos Vingadores, já que passavam tempo demais lá. As telas dos painéis estavam acesas em canais que transmitiam notícias em variadas línguas, a maioria passava o que ocorrera em Genosha. Steve, no meio da sala, já vestia uma camiseta mais folgada - embora as calças e cinto fosse ainda do uniforme pesado. Ele passou as mãos rapidamente pela barba, um gesto adquirido com o tempo, e começou seu discurso naquele tom solene.

— Eu sei que devem se perguntar por quê chamei todos aqui e agora. Não existe motivo pra se preocuparem. O que quero dizer é que…

Houve um estouro próximo. Era Natasha com uma garrafa de champanhe na mão, que começou a espumar e cair no piso.

— Nós vencemos!

Uma música festiva começou ao fundo e Wanda pôde notar pelo jazz que Sam Wilson escolhera a playlist. Alguém desativou as luzes de emergência, no entanto deixou o cômodo à meia luz, também iluminado pelo dourado da final da tarde através das imensas janelas. O começo foi estranho e a comida não era tão elaborada, mas aos poucos desenrolou-se uma comemoração em Outer Heaven. 

Segundo Shuri, havia mais bebida do que ela tinha programado estocar na base projetada. Champanhe. Vodka. Logan reclamou não ter whisky para se divertir, embora não tenha reclamado do charuto grosso que Steve lhe ofereceu em sinal de amizade. Wanda mal acreditava na cena que corria à sua frente, parecia dentro de uma ilusão estranha onde tudo era mais leve. As auras cintilavam numa mistura de cores que a embriagavam mais do que qualquer copo em sua mão - ainda que ela estivesse longe de ficar bêbada. Focou mais nos salgadinhos numa das bancadas.

Ao se virar, Wanda parou um instante para gravar tudo da forma mais nítida que podia em sua memória. Uma festa da vitória, quem diria? E logo após uma missão onde ela, de maneira não calculada, foi peça chave. Sorriu. Seus olhos repousaram na figura de Steve e Natasha, não muito distantes de si. Ele falava algo enquanto servia mais uma dose à ela, encarando o copo com atenção, enquanto a russa olhava seu rosto com carinho. Sam estava conversando com Ororo sobre música quando aproximou-se para também pedir mais um gole ao Capitão América.

Natasha mencionou, num tom entre a seriedade e o deboche, que não tivera a oportunidade de dar um soco em Mística na ilha. A coitada já estava com problemas demais para uma briga justa. Sam concordou. Disse o quanto seria interessante um acerto de contas com Psylocke e Emma Frost, que uma vez quase o mataram. Steve, por sua vez, só sacudiu a cabeça e pegou também uma dose de álcool para si. Tinha companhias terríveis e as adorava.

A Feiticeira Escarlate sorriu, procurando Bucky. Ele estava mais no canto, um tanto longe do som, mas não estava sozinho. Aliás, a conversa russa entre ele, Yelena e Silver parecia render argumentos cada vez mais longos. Ela decidiu deixá-los em paz. Tirando James, as duas foram as que mais sofreram ferimentos. A retirada da bala em Belova foi rápida, ainda em Genosha e feita pela equipe médica wakandana, mas era bom que ela não se movimentasse muito. Apenas tomava suco e comia com parcimônia, sendo alvo dos cuidados de Silver Sable. 

Então Wanda enxergou algo, ou o começo de algo entre as duas. Uma preocupação que poderia se tornar algo diferente. O brilho da aura prata com o furta-cor da pérola. Ela tinha esperanças que isso acontecesse, um romance. Yelena merecia paz no coração, por que não algo mais? Assim como Wanda precisou, ambas necessitariam apenas de tempo.

Ela deu de ombros. Que caos adorável. Pegou a bandeja inteira de salgadinhos industrializados e foi até o sofá, para onde Ororo acabara de chegar. Ofereceu salgadinhos aos demais ao redor da mesa de centro, alguns no chão - como Remy e Anna. Scott comentava com Logan sobre os noticiários da TV e o apoio que as pessoas mandavam aos mutantes agora. Entre uma tragada e outra no charuto, Logan dizia que gostava mais da reportagem de um senhor que ilustrava quadrinhos com heróis mutantes, juntando fundos para doar à causa. 

— Além do mais, tem um personagem que é a sua cara. O mesmo corte de cabelo ridículo.

Scott riu do deboche.

— Não viu o outro? Igualzinho a você. Baixinho.

Logan não era tão baixinho, ou ao menos não tanto quanto nas histórias em quadrinhos publicadas por aquele senhor, mas a provocação pareceu ter atingido seu alvo e fez o mutante de longas garras dar uma longa e pensativa tragada no charuto. Logo veio Jean Grey, afagando seu ombro.

— Meninos, parem.

Todos ali riram, ainda que Wanda captasse a verdade que Shuri havia dito há pouco. Concordava com Bucky. Era ousado, os três juntos: Jean, Scott e Logan. Talvez não fosse nem algo declarado, admitido, no entanto sentia faíscas. E Wanda não podia achar mais certo do que isso. Sentou-se ao lado da amiga wakandana para assistir o últimos truques de cartas de Remy LeBeau. Ao notar que ela o observava, Gambit lhe ofereceu uma piscadela e colocou um brilho a mais nas cartas, que pairavam em cor rosa neon no ar.

Anna Marie franziu a testa, incomodada no chão. Em resposta, Remy lhe abraçou forte pelo ombro, protegido pela camada de roupas de ambos, e aproximou seus lábios no ouvido dela para dizer algo que somente Anna ouviu - e enrubesceu imediatamente. Devido aos poderes dela, Gambit e Vampira não podiam se tocar, mas isso não parecia impedir os flertes do francês.

— Ei, ei, meu chapa. — Logan o cutucou na perna com a ponta da botina. Não era nenhum segredo que ele tratava a nova mutante do grupo como uma filha, semelhante da forma que ele fazia também com Kitty Pride. Quem sabe fosse o pouco que do tinha bebido fazendo efeito, quem sabe fosse sua visão escarlate, mas fosse o que fosse, Wanda enxergou uma filha no futuro daquele mutante. Uma filha demasiado parecida com ele. — O que que é isso daí com a guria? Seu vagabundo, safa-

A voz de Ororo se sobrepôs aos demais:

— Que tal a gente jogar baralho? A gente pode jogar em duplas!

Todos concordaram, desviando o assunto.

— Sabe uma coisa que eu gostaria de ver? Um jogo entre telepatas. — Remy apontou para Jean Grey e Wanda Maximoff. — Um duelo justo, não?

Ela foi obrigada a engolir os salgadinhos sem mastigar direito.

— Hã, eu…  

— Eu sou a dupla dela. — Shuri respondeu prontamente, ajeitando-se ao seu lado. Seus olhos adquiriram aquele brilho competitivo inconfundível. — O melhor da magia com o melhor da ciência.

Jean Grey lançou um olhar a Ororo numa conversa silenciosa e sorriu:

— Aceitamos.

O único problema era que Wanda mal sabia jogar, mas não deixou de ser engraçado. Shuri estava naquele seu afã de vencer, enquanto Remy narrava as cartadas como quem assiste um jogo de futebol. Ele tentou também fazer um círculo de apostas, mas foi impedido por Scott. Na realidade, Jean Grey conversava mentalmente com Wanda, lhe orientando qual jogada fazer e qual evitar, assim como avisava quando iria vencer uma rodada. Dizia que queria algo equilibrado, embora admitisse a sorte da Feiticeira com as cartas.

A festa se desenvolveu em mais estampidos de champanha e conversas esparsas. O jogo entre Jean, Ororo, Wanda e Shuri terminou num empate. Todos riam, todos comiam, todos jogavam conversa fora, até que noite foi chegando e o cansaço também. Sam dormiu numa poltrona, Yelena decidiu se recolher. Silver partiu numa aeronave, já Shuri se preocupou em mandar uma mensagem pro irmão. Wanda se levantou para pegar um copo de água para si, depois viu que havia perdido Bucky de vista. Guiando-se pelo som do vento, ela saiu da Sala de Comando e foi até o convés, onde encontrou-o assistindo o pôr do sol. Estava quase ao fim, os tons vermelhos dos últimos raios de sol minguavam nas nuvens.

O coração dela se aqueceu naquela sensação conhecida. Havia algo doce em vê-lo ali, observando o carmesim do céu enquanto a escuridão se aproximava. Ele se virou para Wanda com as mãos no bolso da calça e, devido ao vento, um casaco sobre o corpo.

— Hey, boneca.

— Hey, James.

Ele a recebeu com um sorriso tímido, depois fez sinal para que se aproximasse. Wanda logo veio em sua direção, encontrando conforto e calor em seu abraço de lado. O vento bagunçava o cabelo dos dois, mas ela não ousou reclamar.

— Seu gato me fez uma visita aqui uma vez.

— Sério? — Ao invés de bisbilhotar as memórias dele, tentou imaginar  cena. Todas elas eram recheadas de farpas e deboche. — E você está esperando por ele?

— Não, não. Digo, seria legal se ele aparecesse. É um bom gato, embora um gato tonto também. — O riso dele foi substituído por uma expressão mais séria. — Mas…

— Mas…?

— Mas eu tô pensando no que vai acontecer agora.

Silêncio. A afirmação foi pesada e Wanda não pôde encará-lo naquele instante - o que ela achou um tanto estúpido da parte dela. O fato de Bucky pensar no depois, no próprio destino, era um sinal claro que ele enfim levava uma vida mais autônoma, livre das amarras da HYDRA. Faltava apenas uma única palavra, mas que diferença ela podia notar entre os meses que se passaram. Aquele frio momentâneo na barriga dela foi uma vaga insegurança pela possibilidade dos planos dele não a envolverem, no entanto aquilo não era o mais importante. Não se tratava apenas dela, não é mesmo? Tal medo foi superado rapidamente pelo orgulho que sentia de James Barnes.

— Oh. E o que você concluiu?

— Nada. Digo, eu estou praticamente curado, então… Acho que eu poderia ajudar aqui. Não sei. Silver, Rooskaya e eu conversamos um pouco. Elas tem alguns planos interessantes. Silver vai sair dos Mata-Capas, voltará para Symkaria. Está pensando em criar um projeto de reabilitar pessoas que querem sair da vida do crime. — Deu de ombros, ajeitou o cabelo dela mesmo com o vento. Seu rosto era gentil. — Belova vai voltar a ativa, mais ou menos. Gostou da ideia da Silver, mas quer uma equipe focada em mulheres que, de algum modo, foram afetadas pela guerra.

Wanda repousou sua cabeça no tórax dele. Eram planos nobres, pensou. 

— Isso na verdade é fantástico.

— É. Ela até já arrumou nome. Equipe “Beauty and Beast”. B&B.

— Poderoso.

— E você? — Ele ergueu um pouco mais o queixo dela, inclinando-o delicadamente em sua direção. — O que vai fazer agora?

— Eu… Eu tinha vontade de voltar pra equipe, mesmo que eu goste das aventuras na loja da Agatha. — Riu, mas seu riso terminou com um suspiro triste. — Mas antes eu tenho que terminar algo.

— Você vai voltar pra Montanha Wundagore, não vai?

— Me perdoe, James. — Ela não conseguia deixar de se sentir culpada e não conseguiu deixar de se justificar. — Eu não quero te abandonar. Não veja assim. Eu também não acho justo com você, tudo isso acontecendo, esse monte de problema e…

— Ei, ei. — Ele lhe depositou um beijo cálido em sua testa. — Eu não sou a pessoa mais resolvida do mundo. Está tudo bem. Aliás, a gente sempre acaba ficando junto, huh?

— É. Eu acho que sim. Vou te dar um beijo na Wonder Wheel. 

Bucky a abraçou forte, primeiro beijando seus cabelos e depois voltando seus lábios para sua boca. Seu toque era quente e gentil, mas ela quase derreteu quando ele segurou seu queixo de novo daquele jeito que a deixava bamba. E então ele se afastou devagar, numa pausa breve.

— Eu acho que seu feitiço é verdadeiro. Quando precisei, a cor escarlate veio até mim. — Disse ele, se referindo a como Wanda tinha o encontrado, como ela havia sentido que precisava de sua ajuda. — Então quando precisar de mim, é só seguir o uivo no breu.

Ela sorriu ao ouvi-lo repetir tal promessa, sorvendo todos os detalhes de seu rosto e bebendo de sua voz grave. Sua aura a recebia feito a noite que coloria o céu e a Feiticeira sempre amara a quietude da escuridão e das estrelas. Acariciou o rosto dele, passando a ponta de seus dedos pela linha de seu queixo.

— Isso é um feitiço, senhor Barnes?

— Talvez seja.

Ela riu.

— Eu gosto da nossa bagunça.

— É. Eu também.

E então ela novamente encostou seus lábios no dele com delicadeza e foi retribuída com mais entusiasmo que esperava - o que lhe provocou um arrepio. Soltou um riso abafado, misturado com um arquejo que não foi capaz de conter.

Os braços dele a seguraram com firmeza, trazendo-a para mais perto de si ainda; Wanda então acariciou sua nuca enquanto continuava a beijá-lo. Ela, que sempre se fortalecia na presença dele, sentiu-se fraca em seus braços, afinal, Bucky parecia saber exatamente quando ar faltava-lhe entre os beijos, deslizando seus lábios em seu pescoço nessas pausas. Ela jamais diria que o relacionamento entre eles tinha demorado demais. Nenhum deles esperava por isso e eles construíram algo - aos poucos, de maneira sólida. De fato, assim como Bucky dissera antes, não foi de repente.

Wanda mal havia visto o tempo - ou até mesmo o cenário passar - enquanto estava nos braços de James Barnes, sem interrupções e sem medo. Ou melhor, se convencia de que não tinha consciência de que a noite caía e que eles seguiam nos corredores, para depois pegar o elevador. Talvez parte de si tentasse fingir que não sabia o que ocorreria em seguida, do lugar para onde escaparam.

Até que ele fechou a porta do dormitório atrás de si - e ela não pôde fugir da consciência de que entendia muito bem o que aconteceria.

Nem o som da porta selando-se, nem o barulho da tranca não foram altos, mas pareceram despertar tanto Wanda quanto Bucky do que eles estavam fazendo. Ou melhor, do que iam fazer. Eles permaneceram assim por alguns segundos, de frente para o outro, apenas se encarando com hesitação. Ele notou, e com um tanto de pânico, que as roupas da Feiticeira estavam todas amarrotadas pelo jeito forte que se abraçaram e se beijaram até chegar ali - embora ainda estivessem no corpo dela. Ninguém tinha os visto - Steve, Natasha, Sam ou os X-Men - o que era até mesmo um tanto cômico. Alguns já tinham ido dormir, outros estavam ébrios o suficiente para mal prestar atenção, como Remy. E depois de atravessarem tal cômodo, ficaram sozinhos de novo, no elevador e agora no quarto dele.

Ele engoliu seco e mordeu levemente seus próprios lábios. E Deus, ela vestia saia.

— James? — Ela deu um passo à frente, sua voz preocupada. — A gente não precisa…

A frase ficou suspensa no ar, incompleta. Ele se aproximou devagar, a segurou pela cintura e encostou sua testa na dela. 

Não era a sua primeira vez, mas ela era a primeira em muito tempo. Desde 1944, pelo o que se lembrava e isso era quase uma outra vida. Ele não sabia se era o mesmo para Wanda, mas independente disso, de ser o primeiro ou não, Bucky desejava que ela se sentisse nas mãos mais gentis do mundo - assim como ela acariciava seus sentimentos e cuidava de sua mente tal qual uma entidade particular, sua aparição escarlate. Ele, no entanto, tinha um braço metálico e a sensação latente que sempre existiria um pedaço dele simplesmente errado.

— A gente não precisa… — Wanda segurou seus ombros, mesmo que seu tom fosse baixo ao repetir a frase. — Não se não quiser.

— Acredite. Você não está me forçando a nada.

Voltou a beijá-la, superando aquele resto de hesitação. Tirou seu próprio casaco, jogando-o no piso mesmo, depois uma de suas mãos avançou delicadamente por debaixo da blusa dela, subindo suas costas. Ele sentiu a pele macia dela se tensionar, e então relaxar, mas quando afinal chegou ao ponto onde deveria existir o fecho de um sutiã, não havia nada. Ele engoliu seco, desejoso com o que a ausência daquela peça significava, e afastou brevemente o rosto do dela.

— Wow.

Ela sorriu, sem graça.

— Hm, não encontrei o sutiã do conjunto no meu dormitório e…

— Por mim, tudo bem.

Beijou-a de novo, com mais necessidade, avidez. Sentia uma combustão dentro de seu tórax, uma combustão impulsionando-o a pegá-la pelas coxas e atravessar o quarto com Wanda em seu colo. Ela facilitou ao segurá-lo firme de volta, entrelaçando seus braços atrás do pescoço dele, até que Bucky a colocou com delicadeza na cama e se afastou para tirar sua regata. Houve uma nova pausa, mais breve. Wanda riu de nervoso ao vê-lo de peitoral nu e tampou a face com a mão num momento de vergonha, o que o obrigou a rir também. Ele se aproximou sorrindo e disse:

— Vem cá, eu te ajudo.

Pegou a barra da blusa junto com ela e aos poucos a levantou, auxiliando-a passar o tecido pelo pescoço, pelos braços e pela cabeça. Podia jurar ter ouvido Wanda reclamar baixinho, mais para si do que para ele, questionando-se o por quê tinha vestido uma saia. Bucky riu de novo e entendeu que estava tão nervosa quanto ele.

E então mais um tecido foi para o chão.

Lá estava ela, tímida, adorável e de seios nus. Ele mal entendia a razão de suas incertezas, pois Wanda o tinha nas mãos sempre, sempre. Era, além de feiticeira, um encanto em si;  Bucky que era o tolo apaixonado. Avançou para mais um beijo, deitando-a abaixo de si no colchão, as pernas dela ao redor de seu quadril. Começou com beijo cálido em seus lábios, depois partiu para seu pescoço e então sua clavícula. Wanda não sabia ao certo o que fazer com as mãos, mas acariciou sua nuca e sussurrou seu nome, o que já era suficiente para deixá-lo em ebulição. Bucky desejava que não houvesse uma única parte do corpo dela que não fosse tocado pelos seus lábios e desceu sua trilhas de beijos, provando de sua pele arrepiada.

A Feiticeira Escarlate e o Soldado Invernal, duas criaturas feitas para matar, ali - derretendo-se de amores. E então não disseram mais nada. Uma não-conversa, embora aquele tipo de quietude fosse um tanto… Nova. Morna. E docemente ofegante. 


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