Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 9
IX


Notas iniciais do capítulo

I'M BACK!
Perdão pela demora, gente. To saindo (espero) de uma turbulência da minha vida. Segue aqui um capítulo fofo ♥



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— Chá?

A voz súbita de Steve quase a fez pular do assento, desmarcando a página onde estava repousada a sua mão. Ele riu e se desculpou com polidez, já segurando um bule para um par de xícaras de chá. Seu sorriso era tranquilo, daqueles seus despreocupados e de dentes perfeitos, enquanto seus olhos a encaravam de modo atento, meio de soslaio.

— Leitura pesada. – Steve inclinou a cabeça em direção a meia dúzia de livros espalhadas sobre a mesa de ébano, talvez tão grossos quanto a madeira em si. Capa dura, letras em baixo relevo... O bibliotecário afirmara que eram todos antigos, mas tanto pelo estado impecável quanto pela a informação científica ali escrita, era difícil dizer a idade dos exemplares. – Posso ver?

Wanda sorriu ao entregar um deles, silenciosa. Geralmente sabia quando alguém estava se aproximando, principalmente se estava tão perto como Steve, logo ali na outra cadeira. O fato de ter sido pega de surpresa era peculiar, embora não tão incomum. Ela andava confusa. Sabia, porém, que tal distração não era por seus poderes finalmente terem se aquietado...

Era porque a Feiticeira estava focada, seu poder cristalino. Passou as pontas dos dedos nas imagens ali impressas, ou quem sabe pintadas? Céus, cada figura do espaço estava tão perfeita. Tocou uma, duas, as três estrelas do Cinturão de Órion. Em Wakanda eles não chamavam a constelação assim e a história por detrás dela era diferente, mas igualmente interessante.

— Não sabia que gostava de Astronomia. – Ele levantou só uma das sobrancelhas, parando de passar as páginas do livro. – Ou que sabia wakandano.

— Mas o importante é que você sabe que eu gosto de chá. – Wanda riu da expressão dele, em seguida assoprando um pouco da fumaça que subia do líquido quente. – Hm, alecrim?

— Alecrim.

Steve estudou o rosto dela. O olho já perdia o tom arroxeado da pancada e o corte acima da sobrancelha esquerda estava quase que inteiro cicatrizado. Ao menos não estava mais inchado. E ela não estava com olheiras escuras hoje.

Ele sorriu.

— Não pude vê-la antes. – Desviou seu foco brevemente em direção à janela, tão alta quanto o pé direito da biblioteca real. – Vossa Alteza, digo... Majestade e eu fomos até o outro lado da cidade. Precisávamos ir até um laboratório do Estado, conferir um pouco do equipamento. Sairemos de novo no dia vinte.

— Para onde?

— Veneza. – Steve passou a mão na barba curta que deixara crescer nos últimos dias. Muito ocupado. Muito o quê fazer para simplesmente parar um segundo e passar a lâmina no rosto. E a visão de sua postura cansada lhe dava um ar ainda mais sério, mais velho. Wanda começou a estralar os dedos. – Querem montar uma força-tarefa especial para prender quem não concorda com a Lei do Registro. Mata-capas. Gente como nós. Haverá um comitê para decidir se esta organização seria legítima e se usaria o recurso da força bruta. E aqui estamos nós de novo, jogando uns contra os outros.

O coração dela deu um salto para fora do peito.

— Isso pode dar errado de tantas formas...

— Há pessoas que se voluntariam por condições de vida melhor, delas e dos outros. – Afirmou, da forma mais branda que poderia. Ele havia se voluntariado para experimentos. Ela também, em condiçoes completamente adversas e a ideia fora sua. Pietro somente a seguiu, como sempre seguiria. – Outras querem o anonimato para segurança da família. Todos os alunos do Instituto Xavier então podem ir à guerra? Aquelas crianças? E quem decidiria quando e como agiriam? Organizações internacionais corruptas? A SHIELD carregava a HIDRA nas costas e ninguém percebeu até quase ser tarde demais. Eu não consigo ver esse tipo de coisa, Wanda. Stark deu o endereço dele para um bioterrorista e veja o quê...

Ela segurou a mão dele. O peitoral dele subia e descia, frenético.

— Stevie. Eu entendo. – Os dedos dela estavam, apesar da quentura da porcelana da xícara, ainda frios. Sem sorrir, a expressão dela exibia candura. Ele respirou fundo. – Você quer o que você sempre quis: um mundo onde se possa escolher.

— Eu não gosto de valentões.

Ela assentiu. Também não gostava.

— O quê... O quê vocês pretendem fazer?

— Nada. Quanto ao comitê em si, nada mesmo. Nem podemos. – Ele olhou pela janela de novo. – Mas Nat nos deu um aviso. Stark também captou tentativas de invasão em seu sistema de segurança. Alguns governos culparam uns aos outros. T’Challa confirmou: última posição conhecida foi nos arredores. Nenhum dado roubado. Nenhum rastro à mais.

— Isso é tão estranho...

— Wanda, eu temo que isso seja mais alguma forma... Mais alguma forma do algoritmo do Projeto Insight. Nós simplesmente não sabemos o que é. Não é obra do Tony. Não sabemos se é HIDRA. Mas aquelas pessoas correm perigo até descobrirmos, mesmo que... Queiram lançar os Mata-Capas.

— T’Challa irá ao evento, eu suponho.

— Sim, depois do festival de Solstício de Inverno aqui. Vai ao nosso favor. Wakanda é uma nação pequena, mas imponente. Pode influenciar outros países. De qualquer forma, precisamos ir até lá. Essa força-tarefa não pode ser legalizada.

Aquele era Steve. Cansado, mais velho, e com a barba por fazer. Diferente. Ainda com seu instinto de proteger quem não conseguia, ainda querendo fazer o certo. Ele era sólido e não por causa do soro de supersoldado. Sua aura era azul, sempre azul, e não por causa do uniforme.

Mas, diferente.

— Só gostaria de te avisar desta vez, antes de irmos. – Concluiu, meio culpado. – Ou você viria conosco?

Ela pegou o chá. Já haviam tido aquela conversa antes.

Wanda não ia às reuniões na Sala de Inteligência. Não ia às missões ao redor do mundo.  Não, ela não iria fazer mais nada que pudesse pôr a vida de todos em risco. Não mais.

Por mais que fosse Steve... Por mais que fosse Sam. Por mais que tivesse a melhor das intenções...

Não. Não seria o suficiente. Não foi o suficiente.

E ela agora não conseguiria se conter.

— Eu tenho a minha própria missão aqui, Capitão. – Wanda se forçou a sorrir e entendimento iluminou o rosto do Capitão América. Ele tomou mais um gole de chá, lhe entregou o livro.

— Aquela aprendiz que viria neste final de semana, é mesmo... Qual é o nome dela?

— Deka.

— Ah, sim. Ela ainda não chegou, não é?

— Não. – Soltou um suspiro.

A Feiticeira brincou com a luz que incidia sobre seus dedos, raios de sol cálidos e gentis sobre a sua pele morna. Era quase como se pudesse pegá-los com as mãos e desfiá-los tira por tira do astro-rei, causando um eclipse. Ela encarou o mundo lá fora, tão vasto e tão estranho. Viu o verde, viu o fulgor da capital à quilômetros de distância.

O esôfago dela parecia ter inspirado ar gélido de Sokovia, mas o aroma não era de casa. Era uma mão fria que apertava sua garganta pouco a pouco, fazendo um caminho até parar sobre seu coração. Este, coitado, tentava bater. E ela não fazia mais nada senão respirar.

Deka... Quem diabos era Deka? Era uma aprendiz especial, segundo o rei T’Challa, e a palavra dele literalmente era lei. Ele dissera também que essa garota poderia aprender algo com Wanda, mas nada lhe passava pela cabeça além de “Como matar civis na Nigéria” e a coletânea longa de problemas com insônia.

E porque o rei queria que ela, justo ela, fosse treinar com Deka? E o quê as duas exatamente treinariam? O local onde fora ferida antes latejou em protesto contra os pensamentos negativos de Wanda. Talvez não levasse uma surra como levou das Dora Milaje.

Talvez.

De qualquer forma, em algum momento descobriria.

 – Você fala mesmo wakandano?

— Não, Steve! – Ela riu baixo, olhando para os lados para ver se alguém achara rude a sua conversa no meio do sossego do ambiente. Nada.  – O bibliotecário que lhe falei foi sagaz o suficiente para me dar isso aqui. – Mostrou à ele uma placa de vidro com silicone preto de moldura e alças para as mãos nas laterais – Viu?

Ele levantou uma sobrancelha.

— Uau, uma pequena bandeja de vidro!

— Stevie... – Ela tocou o painel na fronte e abaixou o dispositivo para que ficasse em cima e um dos livros que estavam abertos. – Agora eu só vou ajustar o tamanho da fonte e... Pronto.

Wanda sorriu quando ele abriu a boca, finalmente lendo.

— É como uma lente, ou uma lupa... Traduz direto para a tela, em diversos dialetos africanos e línguas padrões. Só cansa um pouco ler em inglês.

— Não tem sokoviano?

— Somos um país pequeno. Não haveria necessidade de um aparelho no meio de Wakanda ter versão sokoviana.

Ele soltou um assovio.

— Tecnologia já não é muito o meu forte, e esse país ainda me pega completamente desprevenido.

O riso de Wanda foi breve.

— Estou só... Eu não sei. Você acha que pode ser algo... Algo como Ultron? Uma inteligência viva como Jarvis uma vez foi? A HIDRA já teve o cetro durante um tempo. –  Suspirou, com pesar. A HIDRA o possuíra durante o tempo em que ela e o irmão eram cobaias e ela podia ouvir os gritos de Pietro quase todas as noites antes de dormir. – Talvez... Talvez seja algo intangível.

— Eu também não sei, Wanda. Eu não...

Uma pequena cesta de vime trançado foi posta encima da mesa com um baque.

— Aqui. – Sam empurrou-a. – Para a minha sobrinha favorita.

Enquanto ela puxava o pacote para si, retirando embrulhos menores e avaliando alguns dos produtos variados, Steve encarava a situação como se aspirasse o cheiro de sua comida favorita queimada.

— Sobrinha?

— Só pode ser sua filha, pra ter esse mesmo olhar de labrador. – Ele puxou uma cadeira pra si, pegou um dos livros de forma despreocupada. Nem dava atenção à expressão de Steve, muito pelo contrário: se divertia com ela. Folheou uma dúzia de páginas e admirou as imagens. – E não me diga que não tem esse olhar. Nem venha.

— Filha, então? – Assentiu levemente para Wanda, um sorriso desconfiado formando-se nos seus lábios. Pareceu gostar da ideia. – O que Clint acharia disso?

— Bom, ele já disse que te acertaria com uma flecha no meio do “A” de "Anarquismo" do seu capacete. Mas você não tem usado, então... Ei, tem tudo o que precisa, Wanda?

— Esperem. – Ela voltou algumas das velas para a sacola. – Ninguém reparou no fato que vocês se consideram irmãos?

Ambos deram de ombros, como se aquilo não fosse importante.

— Só não conte para o outro cara de cem anos. – Steve fechou a cara com a menção nada honrosa de Bucky. – Ele pode ficar chateado.

Steve afastou a xícara de perto e se inclinou para frente.

— O que tem aí, Wanda?

— Desculpe, pai ausente. – Ele segurou o ombro de Steve. – Isso aqui é entre tio e sobrinha, ok?

— São só algumas compras, Stevie, que pedi para Sam comprar pra mim.

Na mesa havia uma dúzia inteira de velas, sais de banho... Nada de significativo aos olhos do Capitão América, embora o embrulho com ameixas pretas fosse estranho, mas ele agradeceu por Wanda estar entretida com algo além de se torturar com a equipe de elite de T’Challa ou pensar demais no quê estava querendo tanto invadir os sistemas de segurança mais blindados do mundo.  

— “Pediu” é uma palavra muito delicada, não acha?

— Como se a Cidade Dourada fosse ruim de se frequentar.

Ele lhes ofereceu um meio sorriso, os olhos afiados com aquele seu típico brilho cáustico.

— A capital é insana. – Ele soltou um riso, como se nem acreditasse. Sam era o único que tinha permissão, ainda com certas ressalvas, de circular no meio do povo wakandano. Seu rosto até poderia ter ficado conhecido através da mídia, mas ele não se destacaria na multidão. Não com a roupa elegante e de padronagem típica da cultura local que trajava, de corte reto melhor acabado do que a mais fina peça da alta costura europeia. –  Vocês não fazem ideia do que estão perdendo, isso porque dei uma volta por lá ontem.

Enquanto Sam narrava sua tarde de compras no centro da Cidade Dourada, Wanda sentia os raios de sol abandonarem seus dedos.

Steve estava ali, azul. Sempre azul. Sam também, radiante.

E talvez, apenas talvez... Aquilo fosse um pouco de paz.

Branca. Intocável. Morna.

Apenas, assim.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ♥ ♥ ♥
~~ e não se preocupem. O próximo capítulo está pronto, e demorará apenas mais uma semana para sair devido às revisões e etc. Agradeço a compreensão de todos pela minha ausência e tenho esperanças de ler um "alô" de vocês também! Beijos *-*