Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 85
LXXXV


Notas iniciais do capítulo

04/05/2019
Voltei com o novo capítulo. Fiquei muito feliz com a reação de vocês, me motivou muito a escrever mais rápido. Essa última semana foi complicada de escrever. Terminei a parte final agora - agora mesmo - mas não queria deixar muito suspense sem postar. Ah! Vi no mural que no novo site do Nyah não existirão mais as notas iniciais... Isso me deixou meio #bolada porque é algo que gosto, então acho que eu simplesmente vou postar minhas notas antes do corpo do texto. Enfim, espero que gostem!



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Depois de descer mais um lance de escadas, Anna Marie parou para se apoiar no corrimão e retomar o fôlego. Não sabia se era esforço físico demais ou o movimento intenso das ondas no mar, mas a descida era tortuosa. Já há alguns minutos tivera que se segurar forte por causa de um solavanco brusco, que lhe provocara até mesmo a impressão de que o cargueiro havia simplesmente parado. Como não ouviu nenhum sinal de alerta e não recebeu nenhuma mensagem de Barnes ou LeBeau, ela continuou.

De fato, o navio era imenso e o porão ficava nos últimos andares, um caminho extenso de estruturas metálicas e luzes fluorescentes. Ela encarou um lado, depois o outro. Não se considerava uma incompetente, pois sabia se virar nas ruas e tinha escapado de um laboratório terrível… Mas isso não a deixava exatamente confortável ao prosseguir na missão, um pistola na mão direita e três explosivos na cintura.

O treinamento na mansão Xavier lhe proporcionou avanços em seus poderes, em sua segurança ao trabalhar em equipe em situações de risco. Eles, os X-Men, eram bons com ela. Eram sua gente, mutantes igual Anna Marie, e a aceitavam mesmo que seu passado fosse um tanto conturbado. Apesar de ter parado no Instituto Xavier de jeito aleatório, através de um golpe de sorte feito pela Feiticeira Escarlate, Anna desejava retribuir os favores que tantos estranhos lhe fizeram. Faria isso alertando Magneto sobre a cura, sobre o atentado. Faria isso salvando mutantes inocentes em seu próprio idílio.

Seu poder era sugar outras habilidades com um mero toque, e muitas vezes memórias vinham junto. Em uma ocasião ou outra, a vida inteira de sua vítima. Estava acostumada com a ideia de ser amaldiçoada, de ser a vilã. A chamavam de Vampira. E agora… Agora tinha a chance de fazer algo bom com isso, não apenas fugir. Manteve a sua terrível alcunha, embora pudesse ser parte dos heróis: Ciclope, Tempestade, Wolverine, Gambit e Vampira.

Não havia ninguém ali entre os corredores, ou era o que parecia. Sem escutar nada que denunciasse alguém se aproximando, Anna seguiu em frente. Seja lá qual fosse a tática de Remy para distrair a tripulação, estava dando muito certo. Não esbarrara em ninguém, sendo que passou perto do maquinário - e ela supunha que sempre haveria alguém no maquinário para vigiar o funcionamento do navio.

A temperatura caiu alguns graus, o que causou um arrepio em suas costas e um pouco mais de cautela de sua parte. Sua respiração condensava no ar e o caminho seguinte era escuro, algumas lâmpadas falhavam à distância. Ergueu o punho para checar o mapa do navio.

Era o lugar certo. Deveria avançar mais quinze metros e abrir uma comporta muito bem lacrada, que daria para o porão. Antes que desse mais um passo, porém, a luz do comunicador piscou e logo veio uma voz:

— Barnes para Vampira.

O tom de voz dele era tranquilo, o que era um bom sinal. Anna Marie aproximou o comunicador da boca e sussurrou a resposta:

— Vampira falando.

— Qual a sua posição?

— Alcançando o porão. A sua?

— Painel de controle, no passadiço.

Anna franziu os cenhos, impressionada. Ele já estava lá? A mutante então se corrigiu, lembrando-se que James Barnes era um agente muito bem preparado, o Soldado Invernal.Era sorte imensa da tripulação que ele estivesse usando munição não-letal, pois do contrário… Haveria muito sangue no piso do convés. Ou então ele não encontrara ninguém no caminho. Isso a levou à seguinte pergunta:

— Remy?

— Distraindo a tripulação. Pegou o transceptor de um imediato e se passou pelo capitão. Pode não ser francês, mas fala bem a língua, inclusive com sotaque. Instruiu todos irem a ala comum nos dormitórios, para uma simulação de segurança, e prendeu todos lá. — Ela sorriu ao ouvir tal artimanha. Esperava que ele fizesse uma atração de cartas com explosões envolvidas, na verdade. Era bom saber que ele poderia ser mais discreto. — Vai descer para te ajudar em seguida. Só tome cuidado. Não é uma equipe militar, mas alguns estão armados.

— E o capitão? O verdadeiro?

Neutralizado.

— Oh.

Então ele tinha encontrado gente no meio do caminho.

— Não se preocupe, não vamos bater o navio. Instruí a equipe aqui dentro a soltar o mecanismo das âncoras antes de...Bem, antes de neutralizá-los.

— Então foi esse o solavanco… — Ela concluiu. O navio de fato havia ancorado, o que era uma coisa boa. Não teriam que se preocupar com a trajetória da embarcação.— Descobriu algo?

— Estou aguardando os arquivos abrirem.

— Eu… Eu estou abrindo o porão agora.

Anna Marie deixou o áudio de seu comunicador aberto, avançando na meia luz do interior do navio. Seus passos eram um tanto hesitantes, a temperatura baixa a incomodava. Suas luvas logo alcançaram a grande maçaneta do portão, que não tinha nenhum alarme ou tranca selada. Houve um barulho de ar comprimido, depois o ranger do grosso portão de metal abrindo-se. O frio escapou em lufadas de névoa espalhando-se pelo chão.

Anna Marie tremeu, mas não de calafrios. As lâmpadas fluorescentes em barras revelaram o interior do porão feito de metal, tal qual um frigorífico hermeticamente fechado, e lá dentro… Suportes para seringas, todas carregadas de um líquido verde e aguado. Ela engoliu seco. Não tinha experiência para saber detalhes de como aquelas máquinas operavam, mas poderia estabelecer uma comparação entre tais objetos e um lança-projéteis de base fixa, coisas que só existiam em zonas de guerras ou filmes. Eram máquinas de artilharia, carregadas com cartelas de injetáveis. A cura.

Ela permaneceu parada no meio do porão, entre o frio, injeções e más lembranças. As recordações do que passara no laboratório lhe alfinetavam como as picadas que os cientistas diziam que não iria doer. Teriam… Teriam descoberto a cura por causa dela? De como suas mãos sugavam os poderes do gene X por alguns minutos? Sua boca tremeu.

Um dia, Anna Marie desejou a cura. Para poder dar e receber abraços, tocar quem amava. Ter uma vida normal. Mas… nunca desejou algo assim. Não daquele jeito. Não dessa forma que trazia tanta dor.

— Barnes. A cura. Eu achei.

Ela sabia o que tinha que fazer, mesmo sem prestar atenção corretamente na resposta de James Barnes. Tirou o cinto do corpo, olhando onde colocaria os explosivos naquele cômodo nefasto. A pistola estava em sua cintura agora, sua mão pesada pelos explosivos e pela responsabilidade. Encarou um ponto entre as máquinas. Barnes havia dito para ativar somente quando tivesse certeza, mas ela estava certa do que fazia. Só tinha que apertar o botão e sair correndo. Depositou o cinto ali, mas ao virar-se ouviu uma voz.

Não vinha do comunicador, nem era de Remy. Era um desconhecido logo ali perto, falando em francês. Estava na porta, uma arma comprida em sua mão, o tom amigável.  Anna Marie permaneceu encarando o sujeito, sem saber como reagir ou o que falar. O detonador estava em seu bolso, no entanto… ao menor movimento em falso, poderia ser atingida por uma bala na cabeça. Sua hesitação pareceu deixá-lo desconfiado. Ele levantou a ponta da arma, a mira inclinando-se em sua direção.

Barnes… — Sussurrou, esperando que suas palavras alcançassem o comunicador no pulso.

— Ele disse para manter o frigorífico fechado para as vacinas. Tente sair daí, rápido. Minta.

Houve um segundo de silêncio, o desconhecido encarou com dúvidas a luz do explosivo acionado. Alternou o olhar para a pistola na cintura de Anna Marie. Depois, com muita calma, o estranho respondeu, mencionando que entendera absolutamente tudo:

— Eu também falo inglês.

O tripulante tentou engatilhar a arma, porém Anna já estava em cima dele no segundo seguinte, feroz, descuidada. A luta corporal era tosca, os dois esbarravam nos objetos do porão, mas a mutante não conseguia ligar para todo aquele barulho de grunhidos e impactos. Sua vida estava em risco. Ouviu Barnes falar algo no comunicador, sobre Remy estar a caminho ou algo do tipo. Não houve tempo, nem oportunidade para checar se era aquilo mesmo ou se ouviu errado. Desviou de um soco do oponente, enquanto usava o máximo de sua força para mantê-lo longe de sua garganta. Deu-lhe um chute no estômago, afastando-o por alguns instantes. Anna procurou por sua arma na cintura, engatilhando o primeiro disparo que daria naquela missão. Foi em vão. Apesar da pistola nas duas mãos da mutante, o desconhecido era treinado e não hesitou em avançar para cima dela. Era maior, mais forte. O chute não lhe afetou por muito tempo e logo lhe estava em cima dela novamente, tentando tirar a pistola da mutante. O tiro pegou no teto, o adversário imobilizou seus braços. A arma caiu no piso, o som oco abafado pelos questionamentos:

— Pra quem você trabalha? Como entrou no navio? — Gritou, seu sotaque arrastado. — Onde estão seus amigos?

Anna Marie não respondeu. Desejava apenas que as mãos do sujeito alcançassem sua pele abaixo das luvas, logo em seus pulsos, para que então ele desmaiasse logo. Encarou as bombas de esguelha, prendendo o ar nos pulmões. Teria apenas que alcançar o detonador… Ela exprimiu um grunhido, interrompendo seu pensamento por causa da dor e surpresa. O homem não encostou em sua pele, nem ela conseguiu alcançar o detonador na cintura. Ocorreu algo ainda mais estranho: As escotilhas no teto abriram, revelando o céu cinzento acima deles.

Tanto ela quanto ele olharam para cima chocados. Nenhum deles tinha atingido algum painel, nem tinha acionado nenhum botão. Nenhum deles previu que a escotilha iria abrir.

Houve uma pausa. Anna Marie achou que ele até mesmo iria soltá-la devido ao fato de ter afrouxado seu aperto. Em realidade, ele somente se desvencilhou para trás dela, aplicando um golpe de estrangulamento ainda mais intrincado. Um mata-leão. Anna já não raciocinava direito, ar lhe faltava. Viu luzes verdes acenderem-se com um som agudo de máquinas, ouviu também o oponente gritar mais perguntas. Ela precisava sair dali, senão iria desmaiar ou morrer. Provavelmente morrer.

Talvez naquele ponto já não importasse mais. A escotilha estava aberta e as injeções ativadas. Genosha estava em risco, todos os mutantes ali seriam aniquilados. Anna Marie deixou de tentar livrar-se do sufocamento, deixou de lutar para pegar a arma no chão. Pegou o detonador em seu bolso e apertou seu único botão. Iniciou-se uma contagem regressiva nos explosivos, o intervalo entre os bipes cada vez mais curtos e estridentes. Ela estava pronta pra morrer e ser a heroína. Foi quando ouviu uma voz esbaforida logo ali perto, luzes cor de néon banharam seu rosto.

— Solte-a! — Remy LeBeau agitava as mãos, um baralho de cartas rodeadas por energia vermelha pairava no ar. O tripulante afrouxou o aperto dado em Anna Marie, xingando em francês, o que lhe deu tempo para respirar fundo e acompanhar o olhar de seu aliado mutante. Ele a encarou, depois voltou sua atenção para os explosivos piscando. Entendeu que tinham pouco tempo. — Se ficarmos aqui, vamos todos morrer!

O outro não a soltou, porém.

— Se afaste! — O tripulante ordenou. — Se afaste agora e então eu penso se a solto ou não! Seus piratas do caralho!

Ele obedeceu, hesitante. Seus olhos cintilantes a encararam com urgência. O tripulante até poderia tê-los confundido com meros piratas modernos, mas isso não fazia a situação mais fácil. Os bipes dos explosivos eram cada vez mais acelerados. Anna aproveitou aquele segundo de distração para escorregar sua mão para fora da luva que vestia, para em seguida agarrar o pulso do homem que a segurava. Geralmente, ela odiava aquilo: a sensação de uma pessoa se contorcendo por conta de seu toque. Uma vida se esvaindo, caso segurasse por tempo demais. Naquele instante, mal parou para pensar nisso. Ele tornava-se cada vez mais frio sob seu toque, gritava e pedia para que parasse. Suas veias saltavam na pele, suas memórias inundavam a cabeça de Anna Marie. Ainda assim, ela encontrou forças para suplicar:

— Remy, saia! Você vai morrer! — Disse ela, agora tirando o peso do desconhecido desmaiado sobre si. Seus joelhos estavam fracos, mal se sustentava. O som da própria voz não era mais de que um pensamento, uma mera lembrança. No entanto, seu instinto estava muito ciente da bomba prestes a explodir. — Eu tive que detonar isso, senão todos da ilha iriam morrer! Saia daqui!

Ele permaneceu um segundo parado, absorvendo sua justificativa e sua súplica. E então, Remy ignorou tudo o que a mutante disse e correu a seu encontro. Anna demorou um segundo a mais para entender que ele tinha pegado o cinto com explosivos e o jogado para cima, sua força maior do que ela sequer imaginava. Ele tinha preferido salvá-la do que salvar a ilha inteira. O objeto alcançou metros e metros acima da escotilha, seus bipes cada vez mais distantes.

Até que explodiu.

Anna Marie teria ficado mais impressionada com o espetáculo de cores no céu enevoado caso seus sentidos não estivessem falhos. O calor chegou a seu rosto, o brilho da explosão a cegou por alguns segundos enquanto um estilhaço da bomba arranhava sua bochecha esquerda. Ela soltou um arquejo de dor, fechou e abriu as pálpebras com força. Em meio a cegueira momentânea, luzes verdes inundaram o ambiente.

— Remy? — Anna chamou, sua voz fraca e o medo tomando conta de seu corpo. Não era nada relacionado à explosão anterior, e sim o verde aquoso das injeções. Cintilava, quase como se possuísse luz própria. As máquinas dentro do porão giraram com um som abafado, inclinado seu eixo para cima, em direção a escotilha aberta. Estavam mirando e carregando, para em seguida atirar.

Ela torceu para que não fosse isso, que estivesse desorientada e errada. No entanto, uma voz gentil e eletrônica confirmou seus piores pensamentos:

 

“Alvos primários localizados. Disparando em 3…

2…”

— Oh, sacré Dieu!

Remy LeBeau agarrou o antebraço de Anna Marie, coberto pela sua jaqueta, e arrastou às pressas do porão. Ela sabia que seu aliado fazia isso para escaparem da artilharia bizarra de Zola, das injeções de cura podre, e não pôde deixar de pensar o quanto teria sido melhor que os explosivos tivessem feito seu trabalho ao destruir todo aquele porão, mesmo que o custo fosse sua vida. Agora, um tanto trôpega, era conduzida para fora daquele ambiente angustiante, apressando-se pelos corredores. Ela olhou para trás.

 

“...1.”

 

Viu o verde alcançando os céus e escutou o barulho ardido dos disparos em uníssono. Engoliu seco. Quantas pessoas seriam atingidas? Aquilo era mesmo só uma cura temporária? Um peso no estômago quase a fez parar e ela soube que era a culpa. Tinha falhado, afinal.

— Marie, o que está fazendo? — Remy a ajudou a se equilibrar, sua voz urgente. Mesmo já estando nas escadas, ainda corriam perigo, pois eram mutantes e não sabia-se se algum disparo poderia pegá-los. As máquinas miraram os céus, mas ela não culpava Remy pela paranóia. — Vamos, vamos.

— As pessoas na ilha…

— Eu sei. Eu sei.

Eles pararam, a conclusão do momento deixando-os pesados. Silêncio. Remy abriu a boca para falar, no entanto nenhuma palavra alcançou sua garganta. Foi Anna que interrompeu a quietude: estendeu o braço para frente e aproximou os lábios do comunicador:

— Barnes. Barnes, está na escuta?

Estática, alguns ruídos indistintos, e então a voz do soldado saiu do dispositivo:

— Sim. O áudio ficou aberto. Ouvi tudo. — Uma pausa. — E vi a explosão e os disparos também. Algum de vocês dois está ferido?

— Não.

— O tripulante?

Neutralizado.

Anna ouviu um suspiro pensativo de James Barnes, seu tom pesaroso.

— Vamos falar com o outro grupo, o de Summers. Se a cura atingir a ilha, mas não os Sentinelas… Ainda temos uma chance. Podemos resolver isso.

Era verdade. Mesmo que as pessoas fossem atingidas, não correriam maiores riscos se eles pudessem detonar os robôs ainda nos navios. De fato, nem tudo estava perdido, embora Anna achasse que seria mais difícil tentar argumentar com Magneto depois que toda a ilha fosse atingida por injeções.

Antes que Anna Marie ou Remy LeBeau pudessem concordar com Bucky e continuar a conversa, uma segunda voz veio o comunicador, tanto no da mutante quanto no do soldado. A voz soou com eco, mas era de uma pessoa conhecida, Scott. E ele não parecia muito bem.

—Westchester para Bucareste. Westchester para Washington. Barnes ou Rogers, atendam essa droga!

— Bucareste na escuta. — Barnes se apresentou pelos três. — O que houve?

— Não há nada aqui. — Remy e Anna se entreolharam, apreensivos pela notícia. — O terceiro navio atracou há três horas e os equipamentos tecnológicos estavam . E o que foi essa explosão, aquilo no céu? Vocês conseguiram? Destruíram a cura?

Anna segurou-se para não chorar de nervoso, lembrando-se do verde das seringas disparadas na névoa. A cor havia levado toda a esperança junto e não havia nada que ela pudesse fazer. Só conseguia pensar nas pessoas na ilha, e agora sabia que os Sentinelas estavam lá também.

— Fomos pegos de surpresa. — Remy disse, sua voz um tom mais alto para que o comunicador captasse o som. Seu rosto estava desprovido de seu costumeiro humor. — Aquilo foi… A cura. Estava no porão. As escotilhas abriram e máquinas dispararam as injeções.

Scott soltou um xingamento. Pareceu falar brevemente com alguém ao fundo. Depois você voltou, ainda mais tenso.

— Precisamos ir pra Genosha. Agora.

 

* * *

 

Steve Rogers encarou Sam e Nat antes de olhar pelo vidro da aeronave, já prestes a pousar. Precisava da confirmação de seus amigos que estavam fazendo a coisa certa, ou ao menos tentando fazer a coisa certa do jeito certo. Ele reviu as informações na braçadeira-comunicador, soltando um suspiro curto. Por enquanto, nenhuma mensagem de Bucareste,  Moscou ou Westchester e talvez isso fosse bom. Notou também que não foram recebidos à tiros, nem mesmo outra aeronave foi ao encontro deles para mero reconhecimento. Isso confirmava que Genosha ainda não tinha poder tecnológico para tal, embora parte de Steve esperasse que Erik Lensherr congelasse o jato no ar com seu magnetismo, ou então que enviasse algum mutante com poderes de vôo para recepcioná-los.

Talvez não fosse necessário, na verdade. Apenas o olhar de Magneto lá embaixo era capaz de fazer uma pessoa reconsiderar intenções hostis. Ele estava à frente de suas emissárias, Frost, Mística, Psylocke, e logo a adiante um time de jornalistas cada vez mais embasbacados com o que presenciavam. Steve franziu a testa, pensando o quanto tudo poderia dar errado. Se os jornalistas estavam impressionados agora, ele mal imaginava quais seriam as manchetes quando vissem que quem descia era o Capitão América, Falcão e Viúva Negra, todos procurados internacionais. Isso complicaria a situação dos três com a ONU, e complicaria também a relação de Genosha com outros países. Não era sua intenção causar um belo problema diplomático, mas naquele momento… Talvez fosse o custo de manter inocentes a salvo.

O pátio era largo, um espaço que no passado foi usado para transportar cargas e cobaias, e se localizava logo após a entrada no Porto, sobrando metros e metros de concreto para abrigar as pessoas, equipamentos e a nave deles.

— Descendo em alguns segundos. — Sam disse, na poltrona de piloto. Todos puderam sentir o leve tranco no contato com o solo, e em seguida, o som da escotilha abrindo. — Pronto para a notícia do século, Capitão?

— Quantas notícias do século nós já protagonizamos, Sam? — Natasha respondeu, um sorriso breve em seu rosto. Depois de tantas missões juntos, de tantos anos… Steve conseguia distinguir um tom de ansiedade em sua voz.

— É para não perder o costume.

Desligaram os sistemas de vôo e desceram. Steve pôde sentir a luz de flashes sobre si, também o poder telepático de Psylocke tateando-o de leve, lembrando-o do que era capaz. Ele foi à frente do seu time, deixando-se a vontade para as telepatas o lerem por inteiro antes de avançarem para Natasha ou Sam. Ela, no entanto, não se intrometeu em seus pensamentos, nem memórias. Notou que Erik havia dado um sinal curto com a mão, mostrando que não era necessário. Em pouco tempo, já estava diante de Magneto, inteiro vestido de rubro. Sua capa ainda estava chamuscada nas pontas do tecido, fruto da batalha em Zurique, mas ainda assim era como se aquele homem fosse inabalável. Ele retirou o capacete de maneira um tanto cerimoniosa e encarou Steve de volta com uma ponta de interesse, uma ponta de agressão.

O Capitão estendeu seu braço num cumprimento educado e firme.

— Senhor Lensherr.

— Capitão Rogers. — Ele retribuiu, mas deu uma pausa fria ao desenlaçar sua mão. Seus olhos o estudaram por alguns instantes. — Aqui você pode me chamar de Magneto.

Steve assentiu. Havia entendido o que tais palavras implicavam. Ali em Genosha, na frente de tantas pessoas e disponível para o mundo, ele era Magneto, um líder, um símbolo. Teria que tratá-lo como tal. Não seria tão difícil, porém. Ele também era um símbolo, embora azul, branco e vermelho.

— Magneto, — Prosseguiu. — Nós viemos com um aviso urgente. Você corre o risco de…

— Sim, eu corro o risco de não me comportar de forma mais polida com visitantes inesperados. — Ele ergueu a sobrancelha e se fez sentir um abalo do magnetismo. Os dispositivos nos antebraços de Steve tremeram, bem como os equipamentos ao redor deles. Houve uma exclamação de surpresa por parte de um ou outro jornalista. Eles tentavam captar o áudio da conversa com os potentes microfones. — Eu disse que nós nos veríamos de novo e disse que seria bom se estivéssemos do mesmo lado. E aqui estão vocês, vindo sem avisar no meio de uma convenção humanitária. Sabe, Capitão… Eu passei os últimos meses projetando e erguendo casas, uma escola, um hospital. Ver vocês traz guerra. É melhor que digam logo o que querem.

Steve trocou um olhar com Sam. Ele não ia entrar inteiramente naquele jogo, naquela argumentação. Magneto era um homem inteligente, recebera toda a ajuda internacional e jornalistas para fazer certa propaganda de Genosha. Era claro, embora um tanto implícito, que Lensherr havia feito uma distinção entre os Vingadores Secretos e o papel de Magneto em Genosha, talvez no mundo. Os Vingadores traziam conflito. Magneto estava edificando um lar.

As palavras não vieram a sua boca, talvez porque Steve Rogers tenha sentido no osso a comparação entre si e guerra. Nunca foi o que ele queria ser, um arauto de violência. O quanto isso era verdade? Sempre no meio de atritos internacionais, bombas, sangue. Quando abriu os lábios novamente, Natasha veio ao seu lado e disparou logo o aviso:

— Zola vai fazer um atentado na ilha. A qualquer momento. Hoje. E você é o alvo principal.

Silêncio. Erik a estudou por alguns segundos, depois fez um sinal para que suas aliadas se aproximassem. Frost desfez sua versão de diamante, tornando-se de pele e carne novamente. Com as informações que Sam havia coletado há tantos meses, quando enfrentara ela e Psylocke sozinho, ficou claro que Emma Frost poderia apenas usar seus poderes telepáticos quando estivesse em sua forma normal. Ela e Psylocke tinham feixes de energia ao redor da cabeça, prestes a usar seus poderes para conferir a validade das afirmações do grupo.

O rosto de Natasha se contraiu, Sam deu um passo instintivo para trás. Steve ergueu a mão para impedi-las e disse:

— Vasculhem apenas minha cabeça. Eu garanto que será suficiente.

Magneto assentiu e elas continuaram. Ao contrário da forma que Wanda Maximoff usava seus poderes, Steve conseguiu sentir as telepatas abrindo sua mente. Emma buscou as lembranças com precisão cirúrgica, Psylocke parecia um tanto mais sádica. Ambas pararam quando viram o que deveriam ver.

Frost engoliu seco.

— É verdade, Magneto.

— Isso não faz sentido. — Mística se aproximou do grupo, fazendo-se ouvir. Seus imensos olhos amarelos estavam em alerta. Steve recordou-se do pedido de Shuri e notou que Natasha ao seu lado parecia tentada a desferir um soco na mutante. — Revistamos o material da carga que desembarcou. Tudo de ferro, peças de um sistema moderno de comunicação. Isso não seria nem um pouco inteligente de Zola, nem prático.

— Eu poderia subjugar tudo em um estalo. — Erik concluiu num tom sombrio, mas Steve deu mais atenção a fala seguinte de Sam Wilson:

— Ah, droga. Um dos navios já está aqui.

Capitão América e Viúva Negra se entreolharam, entendendo o raciocínio um do outro. Equipamentos já estavam na ilha, pois Mística revelara que um dos navios atracou no porto e descarregou peças. Steve soltou um xingamento em sua cabeça. A embarcação veio antes que os outros times pudessem impedi-lo. Isso significava que bastava neutralizar os mutantes para Zola seguir com seu plano.

— Ele desenvolveu um cura.

— Uma cura para que, senhorita Romanoff?

Magneto, Frost, Psylocke e Mística focaram-se na espiã com perigosa atenção. Não levou um segundo para que todos ali percebessem a razão do incômodo. Uma cura, ela disse, para algo que não era uma doença. Steve se apressou em completar:

— Um soro capaz de anular poderes. Sabemos que é por tempo limitado, mas… A ideia de Zola é deixá-lo vulnerável e então atacar. Quer o mesmo que em 99, com Lorna Darne. A troca de corpo, de almas.

Magneto rangeu os dentes, seus olhos fixos demais. Naquele instante, ele era apenas Erik Lensherr, um homem pensando em sua filha. No segundo seguinte, voltou a ser o líder das insurgências mutantes,  governante de uma nação. Era possível ver que considerava o assunto, pois afinal tinha dado ouvidos ao que Steve Rogers dissera. Desejava manter a segurança dos civis.

— Os outros navios não chegaram ainda, não é? — Ao receber a confirmação de suas aliadas, ele se virou para Psylocke. — Vá até os portões da cidade. Quero todos nos abrigos agora. Frost, mande alguém até às docas para conferir a carga. Leve Terremoto, se necessário. Mística, você vai me ajudar a mandar esses jornalistas o mais longe possível daqui. Eu e Rogers vamos terminar isso.

As três começaram a se mover, enquanto o Capitão aproveitava a oportunidade para esclarecer mais alguns pontos para Lensherr. Ele ainda encarava as direções que suas aliadas seguiam e repousou sua atenção nas docas à distância, ocultas por névoa e pela breve elevação do terreno.

— Uma de nossas agentes se infiltrou para implantar um código que vai limitar a inteligência artificial de Zola. Esperamos que você consiga eliminá-lo depois. Não conseguimos contatá-lo antes e…

Magneto pousou seus olhos em Steve.

— Onde está minha filha?

— Ela está segura.

Ele apenas torceu a expressão em escárnio.

— Eu ouvi um boato de captura em Marrocos. Depois em Bucareste. Isso não é o mesmo que segurança. — Deu um passo para frente e repetiu, controlando a voz, mas mal controlando a ira em seu corpo. Segurava o capacete com força maior que a necessária: —Onde está minha filha? Aquele homem, Barnes, está com ela? Ele cumpre a palavra dele?

— Essa não é a questão agora, Lensherr.

Sacudiu o rosto, quase como se contivesse uma onda de fúria. Novamente, Steve sentiu as partes metálicas de seu traje vibrarem, bem como escutou os jornalistas comentando sobre os efeitos dos poderes de Magneto com visível surpresa e apreensão. Por estar tão perto, era quase como sentir o ferro em seu sangue circular de forma diferente da qual deveria.

— Ela é tudo o que eu tenho! Essas pessoas, os mutantes… Precisam de uma direção. De um lugar seguro e ofereço isso a elas. Mas minha filha… — A raiva em sua voz esmaeceu, como se parte da sua raiva derretesse. — Ela é meu idílio. Eu pereceria sem dor se ela continuar segura. Eu não posso perdê-la. Não vou perdê-la.

— Wanda está bem, apenas saiu por conta própria. Foi atrás da verdade, então… — Sam fez um gesto vago com as mãos. — Que tal todo mundo ficar bem?

— Vamos nos focar em destruir o plano de Zola, de uma vez por todas. E então vamos atrás dela. — Steve o assegurou. — Acho que vocês dois têm muito o que conversar e suspeito que ela esteja em condições melhores pra falar agora.

A tensão magnética no ar parou com um suspiro dele.

— Muito bem, Rogers. Conte mais sobre esse plano.

Steve abriu a boca, mas o som dos comunicadores dos três liberou o áudio de uma chamada de voz. Era Yelena Belova.

Moscou para Washington. Moscou para Birnin Zana. Estou na parte final da -

E em seguida, o barulho indistinto de estática. Os três, mais Magneto, se entreolharam em alerta. Natasha engoliu seco e aproximou o próprio punho na boca:

— Moscou? Moscou, estamos na linha. — Silêncio. — Yelena, responda.

Sam teclou comandos diferentes em seu comunicador, Steve alertava Shuri para localizar Yelena na ilha. Natasha continuou a chamar pela espiã, sua voz gradativamente mais alterada a cada vez que repetia seu nome. A mensagem seguinte veio depressa, mas de outra origem: Scott Summers.

Westchester para Bucareste. Westchester para Washington. Barnes ou Rogers, atendam essa droga!

— O que diabos está acontecendo? — Magneto disse, sua voz um estrondo. A resposta veio de Sam:

— Eu tenho um mau pressentimento sobre isso.

— Magneto, precisamos agir. — Steve optou por voltar no ponto central e conseguiu a atenção de Erik Lensherr, que parecia preocupado o suficiente para mudar de opinião sobre a segurança de Wanda. Ela em Genosha, naquele momento, não era uma boa ideia e nisso todos poderiam concordar. —  Como eu disse, você é o alvo primário e…

Magneto soltou um grito de dor e de fúria, ajoelhando-se no chão de concreto. Suas mãos largaram o capacete por puro instinto e alcançaram o próprio pescoço. Steve escutou o capacete rolando para longe de seu dono, escutou outros gritos ao longo da ilha inteira e viu  brilho verde cruzar o ar como estrelas cadentes. Frost estava caída, bem como Psylocke e Mística. A última parecia sofrer uma convulsão, sua pele alternando entre o azul e as inúmeras nuances de cor de pele humana. Sam e Natasha permaneceram congelados no mesmo lugar, observando as mutantes agonizando no concreto tão chocados quanto a equipe de mídia atrás. O Capitão América mal era capaz de processar o que estava acontecendo, até que Erik Lensherr soltou mais um grunhido e lançou logo a frente o objeto que havia atingido sua carne.

Houve um tilintar de vidro no concreto, a cor esmeralda escorreu da ponta. Uma injeção. A cura. O soldado ficou sem ar.

— Não. Não, não! — Erik moveu as mãos, no entanto nenhum item sequer obedeceu seus comandos. A tensão no ar, característica de seu magnetismo, esvaíra de seu corpo. Seus poderes haviam se apagado.

Steve deu um passo incerto para trás, seus ombros pesados e cabeça vazia. Sua mente tentava raciocinar alguma alternativa, alguma escapatória. Eles tinham que encontrar uma forma de resolver aquilo. A população mutante foi atingida, Magneto estava sem poderes e as máquinas estavam em algum lugar da ilha. Se conseguissem ao menos destruir as peças ou se Yelena pudesse concluir sua parte no plano…

Seus pensamentos foram calados pelo som metálico à distância, metal raspando metal, e tremor. Em seguida, vozes em uníssono ecoaram das docas:

Mutantes identificados. Calculando… Níveis variados. Quantidade exacerbada.

Ameaça iminente.

Ativando…

Ativando...

Iniciar contra medidas.

Sentinelas, Steve concluiu. Encarou Natasha, depois Sam. Havia apenas os três ali naquele momento e teria que ser o suficiente para conter os robôs, para salvar os mutantes e os jornalistas. Ativou os escudos retangulares concedidos por Wakanda nos punhos, enquanto seus amigos engatilharam as armas. Sam aproximou o comunicador da boca e mandou uma última mensagem ao restante dos grupos:

— Washington para Bucareste, Westchester, Moscou e Birnin Zana. A festa começou, mas tem pouca gente. Venham logo, vai ser um estouro.

As luzes amarelas do Sentinelas perfuraram a névoa espessa. Steve engoliu seco, franziu os cenhos. Chegou a hora.

— Vingadores…


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Notas finais do capítulo

* Por favor, me corrijam se avistarem algo gramaticalmente incorreto ou incoerente.

* AVANTE!

* Quando querem o próximo?



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