Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 81
LXXXI


Notas iniciais do capítulo

17/03/2019
Depois de um capítulo recheado de Wanda e Bucky, aqui veremos o reencontro de Rooskaya e Natasha. Espero que gostem!



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Natasha olhou para o mundo ao seu redor e depois relógio em seu pulso: Barnes estava três minutos atrasado. Poderia até soar algo casual demais, quem sabe até superficial, mas ele não se atrasava. Nunca. Foi treinado para ser pontual, preciso, efetivo - assim como ela. Então, três minutos de atraso obrigavam a espiã russa a imaginar infinitas possibilidades, cada uma mais catastrófica que a outra. Bucky tinha sido preso. Bucky encontrou aqueles estranhos Sentinelas, mesmo que não fosse mutante. Bucky estava caído no chão, uma bala em seu peito e Yelena com uma arma na mão. Por que ele não tinha usado o comunicador? Havia sido um combate tão grave assim? Se sim, isso lhe dava calafrios, pois ele era um excelente soldado, praticamente implacável. Natasha estava prestes a procurá-lo quando uma figura se aproximou, cumprimentando-a de forma breve. Era ele. E nenhum dos cenários que imaginou havia preparado-a para aquilo que enxergava a sua frente:

Bucky Barnes estava com os cabelos cortados até o queixo, um boné com uma frase boba na cabeça. O pior era sua expressão um tanto reticente, um tanto… Divertida. Bem, de fato o rosto confuso de Natasha deveria ser engraçado aos olhos dele. O que diabos ele tinha aprontado? A espiã não teve paciência de usar táticas de interrogação em seu parceiro.

— Onde estava? Você foi num barbeiro durante uma missão?

— Não, eu…

Ela deu um passo em sua direção, aspirando o ar. O cheiro doce lhe disse tudo.

— Você esteve com uma mulher?

— Não! Eu não estive com uma mulher. — Bucky franziu o nariz, desprezando a ideia de estar com uma desconhecida. — Era Wanda.

Natasha parou. Bucky parou. Ele tentou consertar o que disse sem sucesso, enquanto a russa juntava as peças.

— Céus, esse é o perfume do creme de cabelo dela! Ela está aqui? Como a encontrou? Vocês dois… Urgh. Vocês dois, hm, fondue?

— O que inferno é esse fondue?

— Ora essa, Barnes! Você já é grandinho pra ser o que é fondue.

— Oh. — Ele engoliu seco. — Oh.

Ela poderia rir se sua cabeça não estivesse em um turbilhão de imagens que ela preferia não imaginar.

— Mas eu e ela não… Não aconteceu nada, ok? Eu a encontrei, ela me ajudou com algumas informações sobre a seringa e cortou meu cabelo. Só.

Natasha o encarou.

— Vou acreditar nisso só porque é mais conveniente, pois sei também que você mente tão bem quanto eu. Mas me conte, como que topou com ela?

Ele desviou o olhar, ajeitou a própria postura. Os dois estavam no mesmo ponto que antes, o pôr do sol já esgotando-se.

— Quis pegar o metrô até a estação em que enfrentamos o Sentinela, mas o ponto ainda está interditado. Daí, como eu também não descobri nada sobre Yelena, tomei o desvio para o apartamento que morei aqui. Eu só queria pegar o meu boné de volta.

White Wolf. Eram os dizeres tolos da peça. Às vezes ela mal acreditava nessa obsessão de seus colegas por bonés. Sam usava, Clint também, Wanda, Bucky e até mesmo Steve. Se bem que ele tinha ficado uma graça de óculos e boné, naquela ocasião que fugiam da SHIELD, com o próprio Soldado Invernal em seu encalço.

— Isso é tão idiota que parece verdade. — Ela suspirou. — E Wanda magicamente estava lá?

— Bem, ela… Ela soube pelo nosso pequeno informante que nós estaríamos aqui. E ela quis ajudar.

— Hm, — Sentiu o absurdo da situação quase lhe provocar um aneurisma. Manteve a face dura. —  O gato preto trouxe você e ela para o mesmo lugar? Que conveniente. Aposto que ela ajudou mesmo.

Ela ainda desejava perguntar se havia sido bom e se os dois tinham se prevenido, mas considerou que o jeito constrangido de Barnes já era tortura suficiente. Ele mal a encarava nos olhos, fingindo-se de distraído com o movimento das pessoas na rua, dos carros. Na realidade, Natasha sentira que ele falou a verdade quando disse que os dois não aproveitaram nenhum fondue, embora fosse nítido que não tinha sido apenas um corte de cabelo.

Ao mesmo tempo que não desejava imaginar cenas entre os dois, isso a deixava um pouco curiosa. Eram experimentos da HYDRA, cada um com suas sequelas e traumas. Um assassino, uma feiticeira vingativa. Algozes, vítimas que agora encontravam um sentimento a mais. Um sentimento delicado, ela diria, algo que nem mesmo a Viúva Negra poderia forjar com outra pessoa através de seus sorrisos sedutores. Um sentimento que ela às vezes duvidava existir.

Não sabia dizer o que lhe surpreendia mais, o fato de duas pessoas tão arredias e cheias de marcas conseguirem se apaixonar ou elas se apaixonarem justamente uma pela outra. Como era para Wanda? Natasha sempre tinha a sensação de que a Feiticeira era capaz de enxergá-la do avesso em seu silêncio e aquilo a machucara num primeiro momento, embora não a culpasse por isso. Como poderia? Faria o mesmo em seu lugar. Faria pior. Mas como Wanda a olhava para ela e via a cor rosa de doçuras como uma vez disse? E como ela enxergava James Barnes?

Encarou mais uma vez seu parceiro de missão. Bucky achava que ela não se lembrava ao certo dele, de seu instrutor americano do Salão Vermelho. No começo, a memória realmente era estilhaçada na sua cabeça, mas Natasha acabou se recordando de seu rosto duro, os traços angulosos, os golpes que ele tinha ensinado-a no frio da Rússia e o vermelho do sangue que tirara de sua boca. Lembrara-se há três anos, logo que SHIELD se desmanchou por conta da HYDRA, e eles nunca conversaram a respeito, tanto porque ele sumiu por um tempo, quanto porque não era bom falar do passado. Natasha preferia que tais coisas permanecessem enterradas no neve, mas certas memórias ainda conseguiam se arrastar de volta no gelo. Como Yelena.

— O que Wanda descobriu sobre a seringa foi pouco. — Bucky murmurou, despertando-a de seus devaneios. Ele falava baixo, de modo que ninguém suspeitasse da conversa. — Ela desenvolveu um certo tipo de visão ao tocar alguns objetos. Não sei explicar, é feitiçaria. Disse que viu laboratórios, alguém desenvolvendo uma forma de curar as mutações. Máquinas capazes de tirar os poderes. Viu Anna Marie e disse que o lugar era quente.

Natasha ponderou sobre o que ouviu. Era muito para se absorver. Seus olhos focaram no nada enquanto sua cabeça disparava hipóteses.

— Quem tem esse tipo de laboratório, tem tecnologia avançada. Pode ser algum dos itens roubados da Sable International e talvez Yelena saiba algo. E é bom saber que Anna Marie pode ter alguma informação, já que Steve e Sam estão no Instituto Xavier agora.

— Sim. De qualquer forma, são coisas ainda muito soltas. Precisamos ouvir o que Yelena tem a dizer, assim com Anna. Descobriu algo sobre Rooskaya?

— Não. — Respondeu num sibilo, assombrada pelo apelido da outra. — Ela não entrou no apartamento, nem saiu. Fiquei nos arredores por algumas horas e eu até diria que o lugar está vazio, mas um entregador foi até a porta e deixou um pacote. Dei uma volta no centro também. Nada. Deveríamos tentar uma abordagem mais… assertiva?

Ele entendeu o que ela quis dizer. Seria entrar no apartamento, independente da recepção de Belova. Independente se enfrentariam tiros ou não. Bucky franziu os cenhos.

— Não. Não queremos mais problemas em Bucareste. Tentamos outra hora, quem sabe de madrugada.

— E agora?

— Vamos só descansar num hotel aqui perto.

Natasha quis dizer não, mas no fim apenas assentiu com a cabeça. Seu corpo estava cansado e isso a incomodava. Talvez não fosse somente por ter caminhado por algumas horas, olhando para os lados e se fingindo de distraída. Talvez não fosse por ter se passado por turista durante a tarde, cuidadosa em seu sotaque e em sua postura. Não, essas coisas eram cansativas, no entanto eram sua segunda natureza. Tão fácil destilar mentiras, tão fácil trazer todos para sua teia, tão fácil vestir outra pele. O difícil era ter a sensação de ver Yelena pelos cantos dos olhos, um ponto branco, loiro, em sua visão periférica.

Seria hoje a noite, então? De madrugada, quando afinal iria ter seu derradeiro encontro com Belova?

Natasha tinha as mãos nos bolsos do casaco enquanto caminhava, agora já adentrando o hotel barato indicado por Bucky. Escondia o tremor breve de seus dedos, um nervosismo que poucas vezes se refletia em seu corpo. No bolso direito, segurava bem o cabo de um canivete. Deram nomes e documentos falsos na recepção, subiram as escadas para o quinto andar. Ela não gostou da demora do recepcionista ao ir buscar as chaves, no entanto culpava mais a falta de organização do hotel do que uma real possibilidade de atividade suspeita. O local era um tanto desgastado, de paredes rachadas e carpete puído, mas oferecia uma discrição melhor, pois apesar de existirem muitos hóspedes ali, a maioria eram mochileiros e o movimento era grande. Ninguém prestaria atenção em dois estranhos. Natasha também não fazia questão de algo luxuoso, pois já dormira em lugares piores antes e não tinha intenções de virar a noite inteira. Ardia por acabar logo com a missão, encontrar Yelena. Chegaram ao quarto, abriram a porta. O cômodo era pequeno, iluminado somente  por um abajur. Havia uma cama de casal, um banheiro e uma pequena antesala com uma escrivaninha e uma larga cadeira, de encosto alto e tecido vermelho - mesmo sendo um móvel de rodinhas. Trancaram a porta e avançaram poucos passos adentro.

— Urgh. — Bucky deu uma olhada ao redor. — Não tem nem frigobar.

Natasha ia responder quando ouviu um rangido fino e curto. A cadeira girou em seu eixo, revelando uma pessoa sentada nela: Yelena Belova. Ela apontou a arma Tokarev que tinha em mãos e disparou um sorriso:

— Lamentável não ter frigobar. Que hotel hoje em dia não tem, não é mesmo?

Natasha tirou o canivete do bolso, tentada a eliminar o espaço entre ela e Yelena e cortar sua garganta. Permaneceu onde estava, sua postura retesada. Infelizmente, bastava um tiro para acabar com a conversa.

Rooskaya...

— Soldat.

Barnes e Belova se cumprimentaram. Bucky estava um tanto a sua frente. Se ele absorvesse o impacto da bala com seu braço metálico, isso daria tempo o suficiente para que pudesse correr e acertar a rival com um golpe na mão, o que a faria derrubar a arma e então… A estratégia se desfez no ar quando Natasha sentiu a atenção de Yelena cair sobre si. Seus olhos azuis pareciam vítreos por conta da luz do abajur. Como aquela desgraçada tinha entrado ali? Teria seguido seguido-os esse tempo todo? E como não perceberam? Ela tentou ligar os pontos, mas lembrava-se apenas de uma coisa: a demora para entregar as chaves para Barnes. O recepcionista, de algum modo, deve ter contado algo para a outra e Natasha o faria pagar caro por isso, por fazê-la se sentir presa numa teia que não era sua.

— Gostei do cabelo. — Yelena elogiou, indicando a direção com o queixo. Se referia a cor loira assim como as suas próprias madeixas. Natasha não se moveu. Bucky optou falar primeiro:

— Precisamos de sua ajuda.

— É claro que sim, senão não viriam. Como me acharam?

Natasha a cortou:

— Isso não importa.

— Ah, importa… — Yelena fez um gesto vago com a mão que empunhava a arma, como se estivesse quase distraída. As costas de Barnes se tensionaram, seu corpo tentou ficar mais próximo do dela, quem sabe num instinto de salvá-la. Se de fato recebesse um tiro, Natasha faria seu sacrifício valer a pena. — Há várias pessoas me pedindo coisas e querendo me matar, então saber onde errei em me esconder deixaria meu sono muito mais tranquilo.

— Podemos te proteger.

— Eu não quero proteção. — Desprezou as palavras dele. — Eu quero que isso acabe!

Houve uma pausa. Não parecia muito inteligente da parte dela usar uma arma de fogo em um hotel movimentado, mas Natasha sabia que ela poderia contornar tal coisa. Continuou a pensar em outros meios de como imobiliza-la quando afinal prestou atenção no rosto pálido da outra espiã. Haviam olheiras em sua face, um tom quebrado em sua voz. Quando Natasha pensava nela, a imaginava em dois aspectos: Serena, bela e letal. Insana, vingativa, assassina. Naquele instante, ela parecia apenas triste, um tanto desesperada.

— Só vamos perguntar algumas coisas e vamos embora. — Disse suavemente, na tentativa de fazer com que suas palavras a acalmassem. A arma ainda estava apontada para frente.

— Eu sei. Como lembranças, como fantasmas. — Ela inclinou o rosto. — Sabia que houve um tempo que eu queria ser igual a você?

Natasha odiou-se por engolir seco.

— Há momentos em que eu não queria ser eu.

Yelena riu com a resposta e um tiro seria menos surpreendente que sua risada breve. Bucky aproveitou aquele instante para esticar um pouco mais o braço, como um escudo. Ela agradecia a proteção, mas avançou mais um passo com cuidado.

— Você sempre mereceu palco, bailarina. Eu fico nas coxias. — Balançou a cabeça suavemente, seus cabelos loiros se moveram suaves. — Você é tão perfeita, não? Cruel quando precisa. Virtuosa. Graciosa. Assassina e heroína, a prima ballerina. Ainda me lembro da peça em Moscou. Você estava tão linda de cisne negro.

— Yelena…

A grande peça em Moscou. Seus olhos se arregalaram um pouco, Bucky tremeu e murmurou seu apelido como se aquilo a pudesse trazer de volta de uma lembrança tão vil. Rooskaya, ele dizia. Tinha sido pouco depois da tentativa de fuga do Salão Vermelho, dias depois da queda no gelo. Yelena foi surrada em punição como nenhuma das garotas dali já tinha visto, seus tornozelos nem estavam em condições de se apresentar, mas ela vestiu um tutu branco. Ela não dançou, entretanto sua figura era igual ao que o Cisne Branco deveria ser. Puro. Frágil. Morto.

— Nós sempre seremos a parte mal resolvida do passado uma da outra,huh? A peça que falta, que mal se encaixa nesses estilhaços.

— E você sabe o quanto o detesto quebra-cabeças.

— Mentirosa. — Ela sorriu e engatilhou a arma, o que fez toda a pele de Natasha se arrepiar — Você sempre amou desafios. Juntar peças e quebrá-las também. Eu me pergunto se olha no espelho e vê minha imagem à espreita, assim como você aparece em meu reflexo.

Mais um instante de silêncio. Barnes não dizia nada, o que bem se encaixava com sua figura no passado das duas: Um homem calado em meio às assassinas. Natasha não ousava admitir que a visão de Yelena aparecia não somente em espelhos, mas ainda assim palavras saíram de seus lábios sem que pudesse impedi-las. Palavras que se arrastavam como se saídas do gelo.

— Eu sentia que você era uma sombra. Intangível, vil. Mas se fosse uma sombra, estaria sempre por perto e você não estava. Então você era um fantasma, embora isso fosse igualmente terrível. Eu não poderia matar o que estava morto e eu queria. — Confessou. — Mas seria, ao mesmo tempo, matar uma parte de mim.

— Há parte de nós que precisam morrer.

— Eu preferia que fosse a parte das garotas manipuladas, forçadas a matar uma a outra.

Yelena suspirou.

— Eu poderia dizer que a última vez que confiei soldado e numa ruiva acabei dentro de um lago congelado.

— E você estaria certa, mas não somos exatamente as mesmas pessoas.

— Oh, eu vejo. — Ela assentiu. — A ruiva não é mais ruiva.  Estranho, não? Partes de nós que não conseguem se apagar, partes que crescem, que morrem.

— E apesar de tudo, estamos aqui.

— Deveríamos pedir vodka? — Riu um riso muito histérico, insano. Natasha percebeu que sua face estava deveras cansada. Há quanto tempo não dormia? Ela havia mencionado sobre querer que aquilo acabasse. Sobre pessoas a perseguindo. — Celebrar nossas desgraças?

— Nós sobrevivemos, Rooskaya. — Bucky interviu. — Isso tem que significar algo.

— Para mim, significa que assistimos coisas terríveis e que agora temos que lidar com o trauma.

— E mais uma vez você estaria certa. — Ele admitiu, mas Yelena não o deixou completar o pensamento. Colocou mais firmeza nas mãos e acertou a pontaria na direção deles, ou melhor, na direção dele. Ela atiraria primeiro em Barnes, depois lidaria com o canivete em sua mão. Natasha parou instante para considerar como tal coisa era apropriada. Lâminas sempre seriam mais pessoais.

— Vou perguntar de novo.— Yelena repetiu. — Como me acharam?

A boca da Viúva Negra, tão acostumada com o sabor e a textura de mentiras, afinal disse uma verdade que ela mal confessara para o próprio coração. Ao contrário de todas as possibilidades, todas as estratégias que podia imaginar para enganá-la, para abatê-la, lá estava Natasha, sendo sincera:

— Eu… Eu sempre tentei de encontrar. De alguma forma.

— E agora que me encontrou, Natalia? Oh, Natasha. — Debochou da troca do nome. — O que quer dizer? O que quer fazer? Não sou nem sombra, nem fantasma. Pode muito bem me matar. Você queria.

— Não sei. — Largou o canivete, que fez um barulho seco ao encontrar o carpete gasto. — Nunca pensei que fosse realmente te achar.

— Tudo o que sempre desejei é desaparecer.

Bucky sentiu uma brecha na postura de Yelena e aproveitou o momento para tentar uma conciliação. Talvez tivesse entendido que ao largar o canivete, Natasha quisesse uma abordagem amigável. Em realidade, ela não sabia muito bem o que estava fazendo. Nenhuma tática seria o suficiente com a outra. Belova vendia verdades e só aceitaria isso, mas… Verdades eram demasiado caras.

— Eu sei. — Ele disse, sua voz calma. Afastou-um passo de Natasha, seu braço voltou a postura normal. — E você é muito boa nisso.

— Sim, soldat. Uma boa aluna, embora não uma excelente sniper. — Ela se levantou de súbito e engatilhou a arma com um só gesto. Natasha xingou-se, pois poderia ter avançado antes. Bucky engoliu seco. Contrariando todas as alternativas, Yelena deu um passo e lhe ofereceu o cabo da Torakev para a Viúva Negra. — Me mate. Me faça desaparecer. Realize o nosso sonho.

Um sorriso. O peso da arma nas mãos e o passado nas costas. Ela mal ouviu a voz de Barnes, mal ouviu a própria respiração. Existia munição e Yelena a sua frente, um sonho há tanto tempo desejado. A outra se pôs de frente, vestia roupas claras. Ela sempre vestia cores claras, não é mesmo? Tinha um fraco por pérolas e usava brincos pequenos naquele instante. Seu tórax estava na mira e seus olhos muito calmos.

ATO IV.

O cisne morre.

Natasha tirou a munição da arma e a jogou do outro lado do cômodo.

— Eu não quero mais isso. — Rangeu os dentes. — Em Viena… Eu fui atrás de nossa única foto juntas. Não encontrei.

Outra verdade. Um fato. Algo que dizia tudo e nada. O roxo das olheiras de Yelena adquiriram tons avermelhados de lágrimas que jamais chegariam a cair. Ela comprimiu os lábios, olhou para o chão e depois para o lado. Quando afinal seu rosto voltou a encarar o dela, outra verdade foi dita:

— Eu sei. Porque eu a peguei antes.

 

Não foi difícil mentir que encontraram baratas sobre a cama do quarto para cancelar a diária sem taxas adicionais. Entregaram as chaves na recepção e foram pra fora, Yelena esperava-os com a Torakev recuperada nos bolsos do casaco. Rumaram até o apartamento dela, local que Bucky tinha indicado antes. Dissera que teriam mais privacidade ali, além de mais conforto. Era verdade. Belova tinha se cercado por mobília elegante, ainda tocava música pela sala e parecia que ela tinha comido o próprio jantar há pouco tempo, pois havia embalagem de comida chinesa na mesa.

Mas o que seria a encomenda que o correio tinha entregado mais cedo? Natasha tentou se desfazer da curiosidade enquanto rumava para a sala, tirando os olhos de cima do pacote lacrado no hall. Todas as cortinas estavam fechadas, o que a fazia imaginar que no apartamento não era mais do que uma bela gaiola. Se sentaram. Yelena descansou o corpo no sofá depois de trazer bebidas e copos. Parecia mais aliviada, embora exausta. Natasha imaginava que, numa reconciliação normal, as pessoas quem sabe se abraçassem ou então demonstrassem mais afeto. Elas não se mataram, o que era um começo. Talvez agora realmente fossem beber vodka e celebrar desgraças.

— O que querem saber, afinal? — Ela perguntou após um gole.

Bucky, muito quieto até então, se pronunciou:

— Você sabe sobre a perseguição de mutantes. Sobre os Sentinelas.

— Sim, e até aí é uma informação pública.

— De fato. — Natasha ergueu uma das sobrancelhas. — E acredito que deve saber sobre o furto na Sable International.

— É difícil esconder uma notícia dessas. Um rombo de milhões de dólares, queda nas ações e perda de material importante, potencialmente perigoso. Uma boa manchete, ainda mais que ninguém tem pistas de quem foi.

Ela girou o conteúdo dentro do copo, embora não houvesse nem gelo no copo. Era somente um gesto vago para distraí-los. A Viúva Negra tomou um gole da própria bebida e prosseguiu com a conversa:

— Mas você sempre parece saber a verdade.

— E verdades são mais diretas. Por que não perguntam logo se eu estou envolvida com o furto? Me pouparia tempo e paciência.

— Então pode começar a responder.

Barnes esperava, Natasha também - apesar de desejar também lhe enfiar o canivete na perna por conta da língua afiada e rude. No fundo, sentira pena. Agora, sob a luz do belo apartamento dela, era ainda mais nítido o quanto Belova estava cansada. Não filtrava mais a própria educação ao conversar.

— Eu não estou envolvida com o furto, Natalia. — Foi só o que disse. — Sable tem ideia de quem foi e não está muito contente com isso. Mas o ladrão é o último de seus problemas.

Rooskaya… — Bucky colocou o copo na mesa de centro. — Disse que queria terminar o que começou, sobre Magneto, Lorna, mutantes. Nos conte a história inteira. É só assim que tudo vai acabar.

Ela suspirou, também largou o copo. Massageou as próprias têmporas.

— Foi depois do furto que tentaram contato comigo. Não sei quem me ofereceu serviço. Como de costume, eram mensagens anônimas, mas… Eu não consegui rastrear. Não era sobre roubar. Era sobre transportar com segurança, discrição. Até pensei em fazer minha parte, pois a carga era pequena e o destino um ponto na costa da África. Pagavam bem.

— Mas você não fez.

Ela anuiu com a cabeça, depois se levantou. Pegou uma papelada na sala de jantar, voltou e espalhou tudo na mesa de centro. Haviam listas, fotos e aparentemente blueprints de máquinas.

— Quem mais me ofereceu um serviço assim antes?

— Zola. — Bucky respondeu. — No transporte da câmara criogênica de Magneto.

Natasha entendia ao que eles se referiam. Bucky, Steve e Sam relataram com  detalhes o encontro com Yelena na missão em Sokovia e depois a viagem para São Petersburgo, meses atrás, quando ela explicou mais sobre seu papel na história inteira. A espiã também se recordava quando deixou de ver a rival no Salão Vermelho em 1999, a missão que fez Yelena desaparecer.

— Eu tracei alguns comparativos, investiguei alguns conhecidos. Todos indo para o mesmo local, todos com itens interessantes e separados talvez para despertar menos suspeitas. — Ela abriu um mapa na mesa que indicavam linhas até um ponto em comum. Natasha viu semelhança com o mapa que traçaram com os pontos onde o Sentinelas atacaram, notando que Bucky percebera a mesma coisa. — Nanotecnologia com material de liga leve, não-ferromagnético. Partes de máquinas soltas. Material biológico. O destino é perto de Genosha.

— São os Sentinelas. — Natasha concluiu. — Máquinas, o material biológico seriam as… injeções, imagino. Ou algo pior. Ele quer neutralizar Genosha inteira.

Yelena deu de ombros.

— Não peguei o trabalho e, desde então, tenho tido... necessidade de viajar bastante. — Ela sorriu e pegou o copo de volta, tomando mais gole. Seu eufemismo era até mesmo tolo, visto que aquele era motivo pelo qual estava tão exausta. — Odeio tentativas de assassinato pela manhã e detesto meu jantar envenenado.

— Você devia ter nos contatado.

— Existem boatos que o senhor Rogers tem uma base nos céus. Sabe me dizer um contato direto até lá? Um telefone, talvez?

Nao ligou para a provocação, focada em outro ponto. Algo não fechava nessa história. A Inteligência artificial e pulverizada de Zola iria lançar Sentinelas em Genosha, ou ao menos se preparava para isso. Yelena soube e não acatou a missão. Ela tinha muitos modos de se fazer notar aos Vingadores para avisá-los, o que Natasha não entendia era o que diabos ela viera fazer em Bucareste. Existiam lugares mais seguros. E então entendeu:

— Você veio pra cá. Veio contar a Barnes.

— Era só um palpite que ele estava Bucareste. Costumamos voltar para certos lugares, achei que não seria diferente com você. — Confessou, olhando diretamente para James Barnes. — E era uma oportunidade de checar se existia alguma semelhança entre o que investiguei e o que atacou aqui na estação de metrô.

Bucky assentiu, parecendo pensativo não só pela revelação do que Zola pretendia, mas por algo em particular que Yelena dissera. Ele levou alguns segundos até perguntar:

— Você sabe o que mais essas máquinas fazem? Sabe se todas as... entregas já foram feitas?

— Não exatamente. Perdi contato com o meu empregador depois de recusar a oferta e alguns conhecidos meus também desapareceram. Mas sei de uma coisa e vocês também já deveriam saber: Dentro de dois dias, Genosha vai se abrir para uma comitiva de ajuda humanitária pela primeira vez.

Natasha aquietou-se, Bucky engoliu seco.

— O que?

Genosha estava tão em paz recentemente que eles não se deram ao trabalho de checar as como as coisas seguiam com mais detalhes. Diversos países não sabiam o que fazer com a nação mutante, então não faziam nada. Nenhuma declaração oficial, somente um ou outro país reconheciam a soberania de Magneto sob aquelas terras. Natasha deveria suspeitar que estava tudo muito quieto.

— Sim. Magneto receberá repórteres. Um navio de carga com material de construção, comida. Ajuda humanitária, entende? — Perguntou com ironia. — Talvez receba alguma coisa ou outra de brinde e sabe-se mais o que. Vai ser uma entrevista histórica, não acham?

Natasha arregalou os olhos, seu nervosismo compartilhado por Bucky. A verdade então era essa? Yelena nada tinha com o furto da Sable International, embora soubesse para onde tudo isso ia. Zola tinha arquitetado Sentinelas para invadir o idílio mutante e preparado um cerco para televisionar um massacre. Enquanto Yelena bebia, os dois se encararam sabendo que precisavam falar com Steve e Sam o mais rápido possível. A Viúva Negra esperava que eles tivessem boas notícias.


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Notas finais do capítulo

*O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela HYDRA. Caso encontre algum erro, favor reporte à Shalashaska.

*Foi muito divertido e emocionante escrever esse capítulo, o primeiro sob o ponto de vista de Natasha Romanoff.

*A cada vez que você comenta, Bucky Barnes lembra de uma memória feliz.



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