Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 77
LXXVII


Notas iniciais do capítulo

Olá! Volto com outro capítulo para vocês! Agradeço o apoio e desejo uma boa leitura.



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10/04/2017

Bucky colocou a seringa que atingiu Wanda em cima da mesa, depois pegou o celular em seu bolso. Selecionou a foto do Sentinela que tirou no metrô naquela noite, com Remy e Anna Marie ao fundo, e mostrou-a para o grupo a sua frente, cada um passando o aparelho um para o outro. Seus rostos eram sérios, tingidos pela iluminação composta por hologramas projetavam mapas, provas, listas, alvos. A tecnologia era de ponta, produzida sob encomenda pelo reino de Wakanda. Bucky estava em Outer Heaven.

A  Feiticeira Escarlate havia partido há dias e desde então não tivera mais notícias dela. Muitas vezes, quando estava prestes a cair num pesadelo, ele enxergava a cor escarlate e sentia um abraço delicado demais, puxando-o para um sonho mais ameno. Era terrível acordar sozinho no apartamento depois, andar pelas calçadas e terases de Bucareste sem ter alguém segurando sua mão. Foi por isso que não demorou muito para contatar seu melhor amigo, também porque agora poderia contribuir na causa que ele estava lutando.

Bastou uma ligação para Steve Rogers para que alguém fosse buscá-lo em Bucareste. Quem o encontrou foi Sam, na verdade, e os dois seguiram viagem por dentro do Leste Europeu até que estivessem no interior, numa fazenda pequena onde ninguém os encontraria. Uma aeronave menor levou os dois para o alto, para a base flutuante do Capitão América, ele não pode negar que estava aliviado ao vê-lo bem.

Ainda era um tanto engraçado, na verdade, ver seu amigo outrora tão franzino, agora forte, barbado. Era engraçado e o partia por dentro, pois era um lembrete constante de quanto tempo havia se passado desde a sua juventude e quantas coisas sofreram até aquele momento. O quanto ainda resistiam.

— Essa foi a máquina que nos encontrou. — Disse ele, indicando a figura na foto. — Eu e Wanda mal demos conta, mas… — A frase morreu na boca, pois ele se recordava do desespero da situação.— Ela também foi atingida por essa seringa, ficava dentro do tórax do robô.

— Alguma reação?

— Sono. Desmaiou minutos depois.

Natasha comprimiu os lábios, nervosa. Ainda estava loira e o fazia lembrar de Yelena. Ela tinha perguntado de Wanda, sobre o que aconteceu. Todos eles perguntaram, na realidade, e ele se esforçou para responder tudo com precisão, mas ocultou a maioria das coisas como magia, presentes, beijos. E esses vazios em sua narrativa faziam os olhos de Natasha desconfiarem de sua versão dos fatos. Steve também notava as nuances em sua voz, no entanto ninguém o contestou, muito menos questionaram suas olheiras, a barba por fazer.  

A única pergunta que fizeram foi se ela estava segura. Ele disse que sim, na companhia alguém confiável. Que iria aprender mais sobre seus poderes e sobre seu passado, assim como havia dito na carta. Que seguira em viagem, e ele não.

Bucky quase ficou feliz por ter sido transformado num assassino pela HYDRA, pois ele próprio quase acreditou naquele resumo, naqueles episódios narrados sem dor, sem saudade. Sua voz foi muito calma. Uma das razões para estar ali era para ocupar sua cabeça com um objetivo, com seus amigos. Agora, mesmo sem tanto do peso da HYDRA na sua cabeça, ele se sentia um tanto enferrujado.

Tinha se acostumado demais com a presença dela, e mesmo dizendo a si mesmo que não deveria arder tanto para vê-la de novo - pois Wanda estava bem e cumpria seu destino - sua mente sussurrava a promessa com verdadeira ansiedade: Eu vou voltar. Ainda no apartamento, ele se flagrava observando a foto no celular de vez em quando, a foto da festa de aniversário, ou então encarava a moeda de prata mística que ela lhe dera. Antes de dormir, lia o livro que Wanda o presenteou, divagando se ela poderia ouvir quando pensava nela.

— O que é esse brilho no tórax do robô? Tinha algo especial? — Sam apontou o ponto vermelho na foto. — Disparava lasers?

— Sim. E também era a única parte que permanecia em sua forma. Os membros dele se separavam, então foi difícil nocauteá-lo.

— Onde ficaram as peças depois da luta? No metrô?

Bucky sacudiu a cabeça.

— Na verdade, nós só conseguimos fugir. Wanda teletransportou os dois mutantes que viram nas fotos para outro lugar, enquanto eu e ela… — Uma pausa. — Voltamos para o apartamento no Centro. Depois disso, a estação foi tomada pelas autoridades. Não descobri o que houve com o Sentinela.

— A tecnologia é avançada. — Steve concluiu, dando alguns passos para longe da mesa central. — É algo que vem e se vai sem deixar rastros. Nanotecnologia?

— Mas quem estaria financiando o projeto Sentinela ainda? — Sam argumentou. — Foi tudo paralisado desde a Conferência em Zurique, sem falar das investigações sobre os governos que apoiaram a proposta. E é coisa da pesada.

Silêncio.

— Barnes. — Natasha o chamou. — Wanda contou para onde levou os dois mutantes? Eles podem oferecer  informações sobre esse Sentinela. Precisamos descobrir quem o construiu, como ele surge.

— Sim, ela disse. No Instituto Xavier. — Uma ideia floresceu em sua cabeça. — E se tem alguém que pode nos explicar algo, é Remy LeBeau. Ele e a outra mulher iriam atravessar o continente pra ir até Genosha. Conhecem de perto o que tem acontecido com mutantes, já que são do meio. Talvez não saibam quem o construiu, mas podem nos dar outro ângulo. Eles disseram algo sobre… Sobre estarem atrás da jovem por causa dos poderes dela, que anulam o de outros mutantes por um tempo. Talvez exista mais algo nessa história.

— Vou contatar o professor. Será difícil aterrissar no Instituto, mas posso tentar. O ideal é que um de nós vá sozinho para levantar menos suspeitas, ou então duplas.

Sam não parecia muito convencido.

— Por mais que possam explicar algo, esses dois são vítimas. Sou a favor de coletar informações com eles, mas não sei se teriam muito mais a acrescentar. Nós descobrimos que a Sable International foi roubada há meses, embora tenha sido noticiado só recentemente. Talvez seja melhor focarmos nosso tempo nisso, pois o material roubado é perigoso e quem roubou é mais ainda. Shuri já nos alertou sobre esse equipamento e era o nosso próximo passo até agora. Essas coisas podem ter sido usadas nesses Sentinelas.

Era uma boa argumentação. Quem sabe Remy e a mutante desconhecida, Anna Marie, não tivessem muito a oferecer. A intuição de Bucky, porém, dizia o contrário e ele podia ver pelos olhos de Natasha a mesma sensação, o mesmo faro que captava algo a mais. Olhando para a face dela e para seu cabelo loiro, ele ergueu uma sobrancelha.

Tivera uma ideia.

— Talvez tenha mais uma pessoa. — Falou. — Ela disse que se aposentou, mas duvido que não saiba de algo, de itens roubados. E vocês a conhecem.

— Quem? — Steve se virou.

— Yelena Belova. Rooskaya.

 

Foi difícil para Natasha dizer não sem explicar sequer uma justificativa contra aquele plano. Parecia bem claro para Steve e para Sam que o esquema era apenas investigar sobre o Sentinelas em duas frentes: No Instituto Xavier, com Remy e Anna; e com Yelena, onde quer que ela estivesse. Bucky entendia que a situação era mais do que isso para a pequena bailarina do Salão Vermelho, que encontraria sua irmã, sua inimiga, depois de tantos anos. Seu espelho. Ela não disse nada, embora seu rosto entregasse tudo - Ao menos tudo para James Barnes, o Soldado Invernal. Ele a conhecia e sabia o que mudava em seu rosto quando estava contrariada, mesmo que ela escondesse bem. Tinha aprendido com os melhores mestres e se tornado superior a qualquer um deles.

Ao fim, quando Sam e Steve voltaram a trabalhar e entraram em contato com Shuri e professor Xavier, Bucky se foi pelos corredores da base, indo se acomodar de novo em seu dormitório. Depois retornaria para ajudar Nat a decifrar o paradeiro da outra russa. Parou um momento, distraído pela cor do entardecer vindo lá de fora. Era vermelho. Não resistiu e foi para lá, para o local que poderia chamar de convés.

Teria tempo para encontrar sua bailarina de fita perolada. De qualquer modo, seria difícil encontrá-la, pois ela também era boa no que fazia - talvez a melhor, já que conseguiu se esconder até mesmo de Natasha. Seria estranho, adorável e terrível os três num mesmo cômodo. Agora, naquele exato instante, ele queria só aproveitar o vento e a cor quente, mas sua cabeça insistiu recordá-lo com algumas observações dignas de nota: Tinha sido num lugar parecido àquele que quase matou Steve. O convés de Outer Heaven o lembrava da parte superior e plana do aeroporta-aviões que subiram no céu, quando ele ainda era um escravo da HYDRA.

Fechou os olhos.

Quantas coisas tinham mudado. Ele estava quase livre, quase livre. Duas palavras, era só o que faltava - ou ao menos foi o que Wanda disse em Coney Island.O caminho entre o labirinto de suas memórias era cada vez mais claro, as armadilhas mais distantes. Ao abrir as pálpebras, viu um gato preto encarando-o há alguns passos de distância.

— Eu não assustei dessa vez, Ebony.

— Uma pena. Adoraria ter visto.

Bucky lhe deu um meio sorriso.

— Lamento lhe dizer, amigo, mas não temos estoque de chocolate aqui.

— Vim ver como você está.

— Oh. — Engoliu seco. O bichano tinha sido bem direto. — Ela… Ela perguntou sobre mim?

— Ela pensa muito em você. Vejo isso nos seus olhos. Mas não me perguntou nada, porque não sabe que vim aqui. E porque talvez isso lhe machuque mais.

— E por que está aqui? — Ele questionou com respeito e curiosidade. Agachou-se para ficar mais próximo do felino, que tinha andado alguns passos em sua direção.

— Vim agradecer, Barnes. Já vi muita coisa e já tive muitas vidas. A maioria delas acabou por causa de pessoas que ferem o que não entendem.

Bucky assentiu. Algo dizia que suas palavras se referiam a história que uma vez ele não contou, sobre sua antiga incapacidade de falar lhe fazer falta em determinada ocasião. Via agora que ele seguia com completa sinceridade em qualquer diálogo seu.

— E o que quero dizer é que é raro presenciar a gentileza de alguém ao olhar essas diferenças. Você cuidou de Wanda. Cuidou de mim quando precisei. Nós, gatos, não oferecemos devoção, mas sabemos ser gratos. Então, se houver algo que eu possa ajudar…

Balançou a cauda, enquanto Bucky imaginava se ele tinha visto alguém queimar ou ser enforcado durante a Inquisição. Se então era esta a história não dita ou se algo ruim aconteceu ele no passado. Queria ter um chocolate ali para oferecê-lo.

— Tudo bem, seu gato tonto. — Agradou a cabeça felpuda dele. — Sua amizade é suficiente.

— Pois bem. Nos vemos por aí, nos esbarramos na esquina…

Ele se afastou, mas antes que desaparecesse, Bucky lhe chamou pelo nome. Ebony sentou-se de novo, seus gestos muito lentos.

— Na verdade… Existe algo. Você é bom para achar pessoas, correto?

— Sim.

— Preciso que encontre uma bailarina.

* * *

Wanda Maximoff estava na casa de sua mestra há duas luas, ou seja, há praticamente um mês. Não era ruim, de modo algum. Não se sentia confinada, tampouco era um exílio autoimposto. Ela até mesmo tinha tempo para desfrutar dos shabats, uma forma de se manter conectada com a religião de sua família. Estava mais para um retiro e talvez as palavras que disse para Bucky fossem verdadeiras: tratava-se de um curso num lugar distante. Ela ainda pensava nele todos os dias. Mesmo ao ler sobre criaturas e feitiços tão estranhos, sua mente vagava em memórias doces. Lembrava-se de sua cara engraçada quando ele ficava confuso, as linhas de expressão que começavam a surgir ao redor dos olhos ao sorrir, as panquecas que só ele sabia fazer e som grave, suave, de sua voz, que arrepiava sua pele. Muitas vezes, enquanto estudava na varanda ou estava sozinha em seu quarto no sótão, ela parava para escutar o vento, procurando um uivo.

E parecia tão distante.

Pensava em perguntar sobre ele para Ebony.

Antes, a Feiticeira achava que o gato ficaria ali com ela, quem sabe debochando de suas habilidades, mas o felino saia por horas a fio e lhe disse que isso era necessário para que Agatha soubesse o que se passava no mundo. Passeava por ruas, becos, um dia trouxera notícias sobre uma lata de lixo de Madrid. Ele era o par de olhos da bruxa, afinal. Wanda sabia que ele não se importaria em bisbilhotar a vida de seu amante, mas não achava que era a coisa certa a se fazer e por isso não perguntava nada. Quando ela e o gato se encaravam à noite, geralmente quando ia dormir e Ebony tentava tomar metade da cama, seus olhos amarelos pareciam questionar se ela não pediria logo o que queria. Seus olhos também pareciam saber de algo.

Ainda assim, ela permanecia em silêncio.

Estava lá por um motivo e não poderia se distrair. Se James estivesse em perigo, ele a avisaria, de qualquer forma. Tinha certeza disso, assim como saberia se seus amigos precisassem de ajuda. Naquele momento, por mais que lhe doesse, era necessário foco para afinal aprender tudo o que podia no menor tempo possível.  Assim salvaria sua tia, Natalya, e ela poderia explicar com mais detalhes suas origens, a catástrofe de seu nascimento e o de Pietro.

Ela aproveitava o clima ameno e primaveril, passava muito tempo entre plantas e cristais, livros e encantamentos. Toda manhã tirava duas cartas no tarot, toda noite tentava aquietar sua mente com alguns minutos de meditação. O caos dentro de si não era mais que um calor morno traduzido por seu sorriso ao deixar sua magia fluir, mesmo que tivesse que acordar ao nascer do sol e fosse dormir depois que ele tinha se posto. A rotina era árdua e mal lhe sobrava tempo. Sonhava com os símbolos de alquimia e com os padrões geométricos que precisava para invocar determinadas energias. Agatha frequentemente ralhava com ela, exigindo atenção e prática.

Sua memória não era perfeita para absorver todas as informações de uma só vez, de modo que sua mestra insistiu para que anotasse manualmente suas lições - já que isso requisitava maior esforço e, portanto, facilitasse o aprendizado. Continuou a usar o caderno roxo que tinha utilizado nos ensinamentos de energia, aura, mesmo que parasse entre as lições para ver o ramalhete de flores secas, as rosas caninas. Começava a enxergar auras de plantas e até mesmo de alguns objetos que carregassem significado. Em alguns casos, assim como Wanda lia a mente das pessoas, era capaz de ver o passado de certos itens ao tocá-los, mas isso era ainda mais difícil do que sentir egrégoras - o que por sua vez consistia em ler a aura de lugares. O que era realmente novo era a cor das roupas no armário. Agatha lhe orientou que vestisse especificamente branco e era só o que tinha usado desde então.

O aprendizado continuava.

— Certo, menina. Se uma fada pedir seu nome, o que você faz?

— Eu, hm, educadamente não falo nome algum ou dou um apelido. — Deu ênfase no “educadamente”, recordando-se do livro que tinha terminado há dois dias. Fadas tinham noções muito rígidas de etiqueta. — Se possível, me afasto bem rápido antes que ela tente me enganar a ficar no… Sei lá, no Outro Mundo.

— Isso. Fadas nem sempre são mal intencionadas, mas com certeza são oportunistas. São piores que os espíritos engaiolados lá embaixo.

— Urgh, eu odiei eles. Meus braços ainda estão arranhados. — Agatha concordou com um aceno enquanto Wanda esfregou a própria pele. O incidente foi logo na primeira semana. — E porque as fadas são tipo a máfia? Não conheço nenhuma, mas deve cansar ter que ser tão… Controlada perto delas. Coisinhas manipuladoras.

— Quero ver a coragem de dizer isso na frente de uma delas.— A anciã se ajeitou no sofá. Estavam acomodadas uma de frente pra outra na sala, uma mesa de centro separando-as. Chovia do lado de fora. —  E pense nelas como advogadas, não como máfia. Não podem mentir e não podem quebrar sua palavra, mas pelas trevas, faça seu dever de ler os contratos que oferecem.

— Sim, senhora.

— Da última vez que tive problemas com uma delas fui amaldiçoada. Fiquei alérgica à cogumelos e os deuses sabem o quanto eu amava comer cogumelos. — Ela soltou um suspiro. — Terá que cuidar bem da própria etiqueta se quiser ficar na loja. Fadas são seres antigos e clientes difíceis.

— Agatha, eu quero enfrentar o demônio que aprisionou minha tia numa montanha, não cuidar da loja e seus clientes-fada problemáticos!

— Se não for capaz de cuidar da loja por uma tarde, você não dará conta de um demônio. E você bem gostou de ver a entrega do chifre de unicórnio ontem.

Wanda virou o rosto para a janela e ficou a observar a chuva. Depois, abraçando uma almofada, argumentou baixinho:

— Foi bem legal, tá? Eu não sabia que os chifres voltavam a crescer ou que não era necessário matar um unicórnio pra ter um. E não sabia que dava para encomendar um pelo corvo-correio.

Wanda afinal tinha descoberto a função do poleiro do lado balcão da loja.

— Você não sabe de várias coisas.

— Eu sei que não sei.

— Mas… Está indo bem. Já diferencia conjurar, transmutar e encantar. Conhece a Dimensão Espelhada...

— É, mas… Mas não dá pra eu conjurar um cálice, transmutá-lo num par de luvas de boxe e encanta-lo para ficar socando o demônio. Quer dizer, eu até posso fazer isso, mas duvido que seja efetivo.

— Eu estou te ensinando o básico e você vem aprendendo bem. Também já portais ao invés de só se teletransportar, sem falar que não tem que usar um anel pra isso. Acho bem…

— Bobo? Brega?

— É uma muleta. Não, isso é ofensivo. — Reconsiderou a afirmação. — O anel é uma rodinha de apoio de bicicleta para adultos.

As duas riram, mas a piada não fez efeito maior na Feiticeira. Sua mestra logo percebeu seu desânimo e lhe deu outra opção:

— Se quiser algo mais efetivo, mais duro, podemos usar a dimensão alternativa do livro onde te ensinei sobre chakras. — Deu de ombros. — Lá o tempo corre de forma diferente, então teremos mais horas de estudo. O dia será mais longo e você vai cansar.

— Acredito que sim. Vai ser melhor do que ver os meses passarem sem muita evolução.

— Certo. Eu posso também… Fazer um teste também.

A cor escarlate dentro de si faiscou, assim como seus olhos.

— Um desafio?

— Sim. — A outra riu. — Um labirinto. Algo parecido com o que encontramos na Travessia da Bruxa. Algo que se compare ao que encontrará em Wundagore. Seguiremos com lições reforçadas durante a semana, cobrarei seu esforço e ao final, você terá que entrar e sair do labirinto.

— Vou buscar algo lá?

— Sim, mas ainda não sei o que é. Acabei de inventar. — Deu estalo com a língua. — Se conseguir, não a encherei mais com aulas que considera inúteis, como poções. Eu sei, eu sei. Você prefere coisas que pode invocar com as mãos e poções mágicas não ajudarão contra um demônio. No entanto, tenho que discordar da última parte.

— Não é que não acho efetivo… É que não sei se vai dar tempo pra sequer destampar uma garrafa até a criatura devorar meu corpo.

— Entendo o que quer dizer, mas você… Você vai voltar daquela Montanha e vai ter uma vida inteira pra frente. Não ter te ensinado o básico seria uma grande irresponsabilidade minha. Escute, você tem poderes únicos. Não sou capaz de moldar a realidade da mesma maneira que você e não posso oferecer uma instrução maior que essa. É por isso que quero lhe dar uma boa base. Depois voará sozinha.

Wanda suspirou.

— São palavras muito gentis, Agatha, e sei que você fala a verdade. Mas… Mas a demora me machuca.

— Aquilo que vai enfrentar é maior do que tudo o que você já passou. Seja paciente. — A bruxa lhe ofereceu outro sorriso. — Retomando as condições... Se ganhar, paramos com as lições chatas. Se perder, continuaremos com as lições chatas e vai me ajudar na loja.

Argh.

— Temos um acordo?

— Isso é um acordo de fada?

— Um acordo de bruxa.

— Oh, mais letal ainda. — Wanda riu e estendeu a mão. — Temos um acordo.

* * *

— Ora, ora! Vejam só o que o gato trouxe!

Bucky estava no próprio dormitório quando Ebony surgiu do ar para dizer que havia encontrado a bailarina, e ele agradeceu muito imensamente por estar sozinho. Isso evitaria muitas perguntas, embora não todas. Frequentemente treinava com Steve e também passava muito tempo na Ala de Controle da base, onde conduziam as investigações.

Não eram raras as manhãs em que despertava com olheiras no rosto, devido a uma noite conturbada ou uma madrugada de trabalho. Existiam ocasiões em que conseguia evitar os pesadelos, existiam noites que não. Sentia-se desgastado, mas seguia em frente. Suas habilidades eram necessárias em Outer Heaven e ele fazia o possível para ocupar sua cabeça com assuntos úteis além de seu trauma, sem falar que podia aproveitar da companhia de seus amigos.

Solitário naquele momento em que o gato apareceu, ele suspirou, levantando-se. Era tarde da noite e ele estivera lendo o “O Uivo no Breu”. Estava no final e lhe custava admitir que o livro mexia com suas emoções.

— E o que você trouxe?

— Um acaso.

Bucky estreitou os olhos e o deixou falar, quase não acreditando na coincidência. No entanto, não era essa a questão que o perturbava. Mesmo agora sabendo o paradeiro de Yelena Belova, não fazia ideia de como explicar como tinha descoberto aquilo. Talvez apenas dissesse que lembrou-se de ter visto ou escutado algo no apartamento dela em São Petersburgo, embora  a espiã russa não estivesse mais lá. Ou, então falaria que soube de algo suspeito em Bucareste quando ele e Wanda ainda moravam na cidade, pois era lá onde Rooskaya estava. Em Bucareste, Romênia.

A coincidência era inacreditável, mas Ebony confirmava a informação.

Dividido entre desculpas para apresentar para seus amigos e conversas estranhas com o gato preto no dormitório, chegou um instante que não precisou mais pensar no que ia falar. Sam Wilson entrou no quarto bem no momento em que o bichano narrava uma piada tola.

Primeiro, o Falcão riu da piada. Depois, arregalou os olhos e disse:

— Porra, um gato falante.

Bucky foi obrigado a explicar o porquê Ebony estava ali.


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Notas finais do capítulo

A menção à Yelena e a futura aparição dela não foram planejadas, mas encaixou tão certinho que não resisti.



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