Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 73
Semnadtsat'


Notas iniciais do capítulo

02/01/2018
Feliz Ano Novo, galera! Sou muito grata pelos acompanhamentos, comentários e recomendações ao longo desses anos ♥ Vocês são incríveis. Cheguei a cogitar em lançar o capítulo de hoje mais para frente, mas chega de enrolar vocês, o Bucky, a Wanda e todos aqueles que sabem que o relacionamento dos dois é *canon* hahah
Vamos para Coney Island?



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Semnadtsat'

Dezessete

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Wanda nada comentou com Bucky sobre o fato de acordarem abraçados no tapete da sala. A mesa de centro tinha sido empurrada para a outra extremidade do cômodo, existiam pratos e copos da noite anterior apoiados sobre a superfície de vidro e também o vaso de flores. Já os livros e embalagens permaneceram no chão, espalhados. A Feiticeira despertou antes dele e aproveitou aquele instante de quietude e calor, seu rosto repousado no tórax dele. Ouvia sua respiração, os batimentos do seu coração. Ela até mesmo fechou os olhos para voltar a dormir, porém ele era uma pessoa acostumada a acordar cedo, assim como o restante de seus amigos que também foram militares. Bucky deu um beijo em seus cabelos bagunçados, pensando que ela ainda dormia, e delicadamente se desvencilhou de seu abraço para se levantar. Com as pálpebras semi abertas, observou-o ir e vir do banheiro, já com uma camiseta trocada e pronto para preparar um café da manhã, recusando mais uma vez dar chocolate para Ebony. Era interessante vê-lo andar despreocupado, descalço e com um pouco de sono - logo ele, uma pessoa tão desconfiada, uma pessoa que a insônia escorria de seus silêncios e olheiras. Uma pessoa como ela.

Não demorou para que ela se juntasse aos dois na primeira refeição do dia. Fingiu um longo bocejo, espreguiçou-se e também se trocou para mais uma manhã. Seguiu para a cozinha e sentou-se no banco que dava para a bancada, onde estava seu prato.

— Bom dia, boneca. — Bucky fritava ovos e murmurou algo sobre precisarem passar no mercado para comprar mais mantimentos. Ele também soltou algum maldizer sobre Remy e Ebony, por terem usado os ingredientes e sua geladeira. — Descansou?

Ela sorriu.

— Sim. — Sentia-se derreter a cada vez que o encarava.— Mas eu poderia ter dormido mais.

Ele parou e fixou sua atenção rosto no dela.

— É, eu também.

Wanda estacou na dúvida entre achar que era apenas uma constatação banal ou que aquilo então era uma referência crua sobre o fato de terem dormido abraçados. Não, não podia ser a segunda opção. Poderia? Bucky se virou para a frigideira, mas lançou um sorriso de lado que ela poderia ter notado sem seus poderes escarlates e tal gesto… Tal gesto lançou um vazio em seu estômago que nada tinha a ver com fome ou com as torradas que comia.

Os dois arrumaram a desordem na cozinha e comeram bolo. Ebony estava lento e concluiu, surpreendentemente em voz alta, que talvez não devesse ter comido a quantidade de doces que fizeram sua barriga virar um bola felpuda. Ele se jogou no sofá e demandou que Wanda agradasse sua cabeça, coisa que ela não se importou de fazer. Era um gato poderoso e tolo, e Wanda o amava a despeito de sua língua áspera e afiada. Talvez todos os gatos fossem assim, mas somente alguns pudessem de fato falar.

Foi uma manhã preguiçosa. Bucky afinal arrumou seus poucos pertences no armário embutido do quarto, Wanda também. Ela colocou a peça de madeira esculpida por Piotr na prateleira do hall, onde havia alguns livros do antigo proprietário, e adicionou tanto “O Uivo no Breu” quanto “Chapeuzinho Vermelho” ao lado do lobo de madeira. Conjurou um porta-retratos com a ajuda de Ebony para emoldurar o desenho feito por Steve e a foto polaroide de Wanda e Natasha. Ao fundo, tocava agora o álbum escolhido por Sam no iPod dele. Ao fim da manhã, saíram e voltaram do mercado rua abaixo com mais ovos, leite e tudo que duas pessoas e mais um gato precisariam pela próxima semana.

Bucky lhe dizia para não ficar chateada por não encontrar a Loja de Bruxa de Agatha Harkness, pois poderiam descobri-la a qualquer momento, em qualquer esquina. Ele dizia isso para encorajá-la e, se Wanda não tivesse o poder de enxergar sua aura trêmula, teria sido convencida de que ele não estava nervoso pela inevitabilidade de um novo adeus. Ela não estava muito certa de como diria a ele a verdade, que escolhera a companhia de James Barnes. Em um acordo não dito, optaram por não passar por temas difíceis e então comentaram sobre a viagem que fariam a Coney Island, embora fosse necessário esperar algumas horas devido ao fuso horário da América.

Ele também mostrou a ela o celular que ganhou, por assim dizer, de Remy LeBeau. Wanda quis deletar uma foto em que achou ruim, mas Bucky não deixou. No final a convenceu a manter as fotos e que aquilo ao menos serviria de ferramenta para o dia a dia, como a lista de compras ou um mapa. E é claro que na realidade ele queria tirar mais fotos ruins.

Wanda já estava pronta e esperava no sofá, acariciando a pulseira vermelha dada por Shuri e com a moeda de prata na outra mão. Vestia uma saia preta - que tinha bolsos, raridade - e uma blusa rubra, pois se sentia mais animada para algo elaborado, ainda que seu calçado fosse a bota baixa de sempre. Enquanto isso, Bucky tomava seu banho. Ela inspirou fundo, Ebony enfim se levantou. Ficaram um tempo se encarando, o verde dos olhos dela de encontro com o amarelo dos dele.

— Não tem algo que queira dizer, menina boba?

A Feiticeira suspirou.

— Nada que você já não saiba.

— De fato.

É claro que ele saberia que Wanda renunciou a ida para a casa de Agatha em troca de um sentimento tolo. Ele e sua mestra deveriam pensar em como ela era estúpida e trocava as coisas certas, palpáveis, por emoções. Antes era vingança, depois luto. Agora era… Amor? Sim, era. Ela segurou as próprias têmporas. De fato, seu coração era violento e tudo era mais pesado.

— Ebony… Eu sou uma covarde, não?

— Não.

— Você acha que foi um erro?

— Só é um erro se não tem volta. E nós dois sabemos que isso não é verdadeiro. — Uma pausa e um sorriso felino. — Ainda mais para você, que pode alterar realidade.

— Eu sei, é que… Não. Eu já não sei de mais nada. Tem tanta coisa acontecendo e…

O gato piscou de forma lenta.

— Você espera que eu grite com você? Que eu te culpe? Não farei isso, nem Ágatha fará. Disse que virá quando estiver pronta. Eu e minha mestra somos pacientes.

— Eu só… Estou acostumada a portas serem fechadas para nunca mais se abrirem.

— Não, não. — Ele se aproximou de seus joelhos, roçando seu nariz molhado como um gato normal faria. Ronronou. — Você é uma Feiticeira. Não necessita de portas. E sendo sincero, não vejo o porquê não pode aproveitar seu aniversário. Ou então mais um pouco de descanso. Você não teve tempo o suficiente para esse tipo de coisa na sua vida.

— Você sempre tem palavras boas, gatinho. Me ajudou antes de eu encontrar meu… pai pela primeira vez, antes da explosão em Sokovia. Me ajudou na floresta de Wundagore, mesmo que tenha sido burrice minha. Eu só espero que nada ruim aconteça agora. Nada explosivo ou que envolva espíritos malignos.

— Está dizendo que trago azar?

— Oh, eu… — Abriu a boca, sem ter o que dizer. — Me desculpe.

— Estou só brincando. — O bichano sacudiu a cabeça. — Se coisas ruins acontecerem, você será maior que elas. Lembra-se? Você é infinita.

Wanda pegou o gato sem se preocupar com os pêlos que deixaria em sua roupa. O esmagou contra seu peito, abraçando-o forte. O gato miou e a xingou até que a feiticeira o soltasse.

— Você é uma gracinha, Ebony.

Humpf.  Você e o soldado não são maus. — Lambeu a pata e ajeitou o pelo desalinhado da cabeça.

— Por que implica tanto com ele?

— Eu não o odeio, bruxa boba. Se eu o odiasse, ele teria problemas sérios. Provavelmente  eu lançaria alguma maldição, talvez arrancasse o braço dele e vendesse para Âmbar. — Ebony pareceu considerar outras opções, até que deixou os pensamentos de lado. — Ele é um bom homem e não tenho motivos para odiá-lo, então o que me resta é reclamar de seu cabelo e sobre não me dar doces.

— Obrigada, Ebony. Por tudo.

Eles ouviram passos e uma figura se aproximando, logo Bucky apareceu no batente da porta que dava para sala. Wanda sorriu ao ver que ele tinha considerado a pequena viagem deles importante o suficiente para ajeitar sua barba, alinhando-a com cuidado. Vestia uma blusa de mangas compridas e jaqueta por cima. Ela estava prestes a elogiá-lo quando Bucky colocou as mãos dentro do bolso e murmurou que sentia falta de um boné.

— Um boné? — Ela riu.

— É, sabe… Pra não ficar muito na cara, para não me reconhecerem…

— Sabe, eu vou ajudar nessa parte, com meus poderes de manipulação e tal, mas posso te dar um boné se quiser. Ebony, conhece algum feitiço que…?

— Pelas trevas, Wanda! Não existem feitiços para bonés. — O gato chiou. — E você já sabe desintegrar e conjurar coisas, é uma moça grandinha para dar um simples boné pro seu amante.

Bucky e Wanda congelaram ao som da última palavra.

— Oh. — Foi tudo o que a Feiticeira Escarlate conseguiu dizer. Engoliu seco, forjou um sorriso falso. Ela só estava brincando com o gato e definitivamente não esperava que a língua dele, além de áspera, fosse comprida. Virou-se para Bucky e gesticulou no ar com a mão que não segurava a moeda de Ouroboros.— Hm, que tal esse boné, James?

Ele pegou o objeto que surgiu do nada. Era cinza escuro, com apenas um duas palavras escritas:

White Wolf

— Está ótimo. — Ele riu. — Pronta, boneca?

— Sim. — Wanda segurou a mão do soldado, mas encarou o gato pela última vez. — Ebony, cuide da casa.

O felino balançava a cauda.

— Precisarei de mais sal.

A moeda foi lançada ao ar e o portal abria-se. Antes de partirem, Bucky murmurou:

— Vamos ter comprar mais quando voltarmos. Essa casa vai ficar sem tempero.

***

Já havia-se passado horas, mas Wanda só se deu conta disso porque viu a cor do céu se tornar laranja e rosa, o sol querendo cair no horizonte. Ela mal havia sentido os minutos escorrerem de seus dedos, talvez porque sua mão estivesse constantemente entrelaçada com a de James Barnes.

Eles viajaram no começo da tarde no horário local e os poderes de Wanda evitaram que pessoas notassem as duas pessoas que surgiram do ar. Eles esperaram em algumas filas, outras Wanda fez com que curiosamente andassem mais rápido. Apesar de reclamar dos preços dos tickets, a aura escura de Bucky tingia-se com a luz dos brinquedos do parque, das cores dos balões, da risada e gritos animados de crianças. A decoração do parque tinha um quê de vintage e parecia ter transportado Bucky a um canto ameno e seguro de suas memórias, um lugar doce e divertido - assim como aquele lugar.

Era triste, porém, que ele ainda andasse um tanto de cabeça baixa e que encarasse de esguelha sempre que possível. Tinha receio de ser seguido e não sustentava o olhar com ninguém nas atrações, nem mesmo os poucos segundos em que tinha que falar com algum funcionário. Nao tirou fotos com o celular que trouxe no bolso. Precauções de uma mente traumatizada, Wanda entendia e por isso se esforçava em deixá-lo confortável.

Ali e agora ele tinha os ombros relaxados e curtia os últimos raios de sol. Estavam lado a lado na roda gigante, a Wonder Wheel, e Wanda mordiscava o fim de um algodão doce rosa choque. Bucky apoiou-se na estrutura metálica, balançou os pés.

— Wanda, — Ele começou dizendo seu nome, e ela achou seu tom engraçado. Soltou um “hm?” enquanto mastigava. — Geralmente esse parque não tem falhas técnicas, não tinha nem mesmo na minha época. O fato de nós dois estamos aqui no topo da roda gigante há uns dez minutos e pessoal lá embaixo se contorcer pra resolver isso tem algo a ver com… Não sei, seus poderes?

Wanda quase engasgou, mas riu.

— Quê? O que está dizendo, que eu usei meus feitiços numa tentativa barata de te seduzir na Wonder Wheel? Ah, por favor, James! Que clichê.

Ela riu de novo, direta e objetiva em seu deboche de modo que Bucky risse também, deixando de lado tal possibilidade. Ela tamborilou seus dedos no quadril, como se tirasse açúcar das mãos, quando na verdade lançava névoa escarlate para fazer as engrenagens da roda gigante funcionarem novamente. Seu gesto foi sutil para que o soldado mal pudesse ver, mas… Ele viu.

— Olhe só, já consertaram. — A Feiticeira murmurou, quase distraída. — E você colocando a culpa em mim…

Bucky sacudiu a cabeça e lhe deu aquele sorriso de lado. Wanda temeu que o soldado tivesse visto seu pequeno truque, mas ele logo mudou de assunto enquanto a roda começava a girar, de forma lenta e suave. Com as mãos nos bolsos da jaqueta e a face virada para a luz, Wanda pôde notar que sua aura enfim acalmara-se. Ele começou a dizer algo, depois se deteve. Parecia lembrar-se de algo antigo e ela não o culpava. Era Coney Island, lugar que ele frequentava. Com a noite se aproximando, as luzes dos brinquedos fazia o cenário de iluminar tal qual um sonho atemporal.

— Eu pensei que não fosse gostar do Cyclone. — Encarou-a.

— Ah, não foi tão ruim assim.

— Steve vomitou. Digo, quando eu o trouxe aqui. Há uns… oitenta anos atrás.

— E desperdiçar o cachorro-quente do Nathan’s? — Wanda riu fraco, depois suspirou. Eles tinham comido todas as porcarias e estereótipos de parque de diversões: pipoca, cachorro-quente, refrigerante, algodão-doce, balas. Talvez fosse impressionante que realmente não tivesse vomitado. — Minha vida é uma montanha russa pior que o Cyclone, James. Posso lidar com isso.

Ele soltou um riso curto.

— Pena que está acabando.

— O quê? O dia, a volta na roda gigante…?

— Os dois. — Deu de ombros, enquanto a cabine em que estavam chegava ao chão. — Fez bem em congelar o momento lá em cima. Eu quase caí na sua tentativa barata de sedução.

Wanda abriu a boca, mas som algum saiu de sua garganta. Enfim fechou os lábios e estreitou os olhos para James Barnes, que abria a porta para deixá-la sair da Wonder Wheel. Tudo o que ela pôde fazer foi soltar um riso nervoso, amando e amaldiçoando o fato de Bucky ser um homem atento. Ele lhe ofereceu o braço e Wanda aceitou. Saíram pela multidão de braços dados.

— Ouvi dizer que homens dos anos 40 gostam de clichês bobos.

— É, ouviu bem. — Sacudiu a cabeça, guiando-a entre as lojas e atrações. — E estou prestes para te levar para o maior de todos.

— Oh, não! — O tom de Wanda foi de falsa súplica. — Por favor, tudo menos isso!

— Sim. Eu te devo um milkshake, não?

Ela parou um momento para encará-lo.

— Isso é um encontro, James Barnes?

— É, é sim.

Os dois estavam em frente a uma lanchonete, a Dream State, decorada com cores pastéis. O letreiro iluminou seus rostos, embora ainda houvesse a claridade do final da tarde. Wanda encarou primeiro os móveis e os funcionários com uniforme à caráter do lado de dentro do vidro, depois enxergou o reflexo dele e dela do lado de fora. Bucky soltou um suspiro.

— É… Não é exatamente como eu me lembro, mas…

— Bom, é tematizada com os anos 50. Erraram por uma década pra fazer você se sentir mais em casa, James.

— O milkshake deles não deve ser ruim. Quero dizer, eu não tomo um milkshake há anos, então… Não sei o que esperar.

— Vamos descobrir.

Entraram no Dream State e escolheram uma mesa digna de filmes tolos e fotos retrô. Wanda sentiu que estava com roupa apropriada ao ambiente por vestir uma saia, embora todo o restante não pudesse ser mais contrastante com os estofados vermelhos e o chão de azulejos preto e branco. De repente parecia ter entrado em outra era, onde ainda colocavam neons coloridos na parte interna do estabelecimento e o menu na parede exibia piadas e trocadilhos bobos. Na frente do balcão existiam baquetas também estofadas, já atrás havia prateleiras com louças típicas da época. Wanda, antes de se sentar, viu que havia até mesmo uma jukebox do outro lado.

— O que você vai pedir? Algo com morango ou framboesa?

Wanda franziu o rosto, entre o riso e a confusão.

— Por que “algo com morango ou framboesa”?

— Vermelho, entende? E doce.

— Ah. — Uma funcionária veio entregar o cardápio e logo se ausentou com um sorriso educado. — Eu não sei. Você vai pedir algo com mirtilos ou ameixas?

— Na verdade, eu quero algo com muito açúcar. Algo artificial que não envolva frutas. Gordura hidrogenada. Raspas de chocolate.

— Parece que vamos entupir nossas veias. Eu tô dentro. Vamos pedir um copo só e dividir com canudinhos?

— Por que faríamos isso?

— Oh, bem… — O rosto dela ardeu. — É clichê.

— Eu não sabia. Sabe, coisas que se perde quando se está congelado e sendo usado.

— James! Que humor auto-depreciativo é esse?

— Não foi a senhorita que falou que a vida é mais difícil que a volta no Cyclone?

Ela se fingiu interessada em tocar no porta-guardanapos.

— É, você me pegou.

— Enfim, minha boneca merece uma taça só pra ela. Ainda mais depois de fazer a roda gigante parar por mim.

— James! — Wanda não sabia onde enfiar o rosto de tanta vergonha. Falando mais baixo, seu tom era agora quase uma súplica verdadeira. — Eu fiz isso, mas não precisa falar.

E ela não dizia tal coisa por um senso de segurança, para que outras pessoas não escutassem a conversa e desconfiassem dos dois. Na realidade, Wanda era mais acostumada a ser acusada de feitos terríveis do que coisas boas. Não sabia ainda lidar com a situação. Em resposta, Bucky alcançou a mão dela com a sua e entrelaçou seus dedos.

— Tudo bem, tudo bem. Eu não falo mais. Mas foi bem legal. Quantos caras podem dizer isso?

— Bem, a maioria das garotas também não pode dizer que um cara a salvou de criaturas malignas numa floresta amaldiçoada.

— É, — Ele coçou a barba, distraído. — Aquilo foi bem maneiro.

Bucky pediu uma taça grande para cada um. Wanda não sabia qual sabor escolher, portanto aceitou a sugestão do soldado para pegar um de baunilha e caramelo, enquanto ele optou por um de chocolate. Eles riram, conversaram, se encararam em silêncios hesitantes. Quando terminaram, saíram para uma última volta em Coney Island.

A brisa era fresca e trazia o cheiro do mar e também das frituras no parque. Wanda fechou os olhos, caminhando de braços dados com o soldado enquanto ouvia o som das ondas e da multidão se divertindo atrás, e mais que isso: ouvindo o som da voz dele ao narrar como era sua vida em 1940. Ele nasceu em 1917 e fazia já quase 100 anos exatos do nascimento de James Barnes, e ele estava no mesmo local que frequentava junto a seu melhor amigo. Aquilo trazia lembranças douradas, bem como trazia o frescor de algo novo.

Quando ela abriu os olhos de novo, notou que James a observava, coisa que a fez desviar a face e rir sem graça. Eles pararam um instante para observar o horizonte escuro.

Wanda sentia seu peito bater de maneira mais intensa do que no Cyclone, na Wonder Wheel ou na Thunderbolt, não porque batia rápido, mas sim porque a diástole e a sístole de seu coração se alternavam como se pronunciassem sílabas de um nome. O nome de quem segurava sua mão, seu amante. Ela sentiu a cor escarlate enrodilhar seu corpo, morna e passional, enquanto a aura escura de James Barnes sorvia tal tonalidade vibrante.

— Sabe… Eu não sou mais quem eu era, assim como esse parque.— Ele disse, muito resoluto e simples. — E, assim como esse parque, talvez agora… Não seja tão ruim assim.

— Com certeza não é nada mau.

Bucky ergueu uma sobrancelha e ficou de frente para ela.

— Ah, é?

— É, você é James Barnes, uma pessoa que encontra coisas incríveis onde ninguém olha ou se importa ou que são difíceis de olhar.— Incluindo alguém como eu, ela pensou. Mas não disse isso, pois eram uma afirmação pesada. Optou por se referir a uma frase que ele próprio dissera uma vez: — E essa é uma pessoa bem legal de ser.

— Não sou um limão também.

— É.

Ela pressionou mais a própria mão contra os dedos dele, até que sentiu algo que não era mera sensação física. Eram memórias quase em preto e branco, memórias que não era suas. Sabia que eram de Bucky, por conta de tudo o que Coney Island representava para ele. Aquela doçura, as luzes no meio da escuridão, eram um espaço vago - arrancado pela HYDRA. A Feiticeira mal viu aquele momento chegando, no qual mais uma vez se aventuraria a ajudá-lo, mas soube aproveitar a oportunidade. Mal teve que fazer algo, seus poderes pareciam saber o caminho por mais aleatório que fosse. Sua mão direita alcançou a lateral do rosto de James Barnes, ele logo fechou as pálpebras. Vir até Coney Island já tinha facilitado tudo por si só, a única tarefa da Feiticeira foi conduzir tais memórias para as lacunas necessárias. 1917, seu nascimento, seu passado, sua infância. 2017, seu futuro.

Ela soltou um arquejo baixo, ele murmurou frases confusas. Em alguns minutos, abriu os olhos e encarou-a:

— Você sentiu isso?

— Sabe que sim.

— Minha cabeça… Está mais leve. Mais do que antes.

Ela deu de ombros com a frase dele, pensativa. Já tinha recolhido suas mãos para perto do próprio corpo, pois temia parecer invasiva demais com as mãos no rosto dele e seus poderes revirando sua mente. Wanda esboçou as palavras na boca com delicadeza:

— É porque agora faltam apenas duas palavras para que o código da HYDRA se vá. Está quase curado. Sinto muito se não avisei, esse instante veio… De repente. Eu estava pensando nas histórias em que você me contou e no que você disse sobre não se sentir a mesma pessoa, mas finalmente sentir que isso não é ruim. Acho que nossas mentes sincronizaram. Nossas emoções.

Aquele verbo pesou nos lábios dela. Sincronizar. Será que enfim tinha entendido o porquê entrou na cabeça dele pela primeira vez?

— Uh. — Ele engoliu seco, tentando assimilar o que Wanda dissera.— Mas nós não voltamos para o Brooklyn, o da… O da minha mente. Aquele em que nos encontramos.

— Não sei dizer porque isso aconteceu. Minha intuição me diz que é por você se sentir em casa afinal… — Ela abriu os braços. — Olhe onde estamos.

— E eu estou com você. E sabe o quê?

— O que?

— Nós deveríamos celebrar.

— Mais? — Ele riu, lembrando-se de tudo o que tinham feito e de todas as comidas que provaram. — Minha nossa, já está tarde!

— São apenas sete horas e eu vou te levar para ouvir um jazz.

— Bucky, eu não acho que é mesma coisa do que em 1940.

Ele lhe ofereceu o braço de novo.

— Então é perfeito. O jazz não é o mesmo, nem eu, nem você.

Apesar da moeda de teletransporte de Wanda, os dois pegaram o transporte público como qualquer casal nova-iorquino. É claro que a Feiticeira teve que usar seus poderes para ocultar a identidade de ambos, mas ela não podia dizer que não se divertia com Bucky guiando o caminho entre a multidão e reclamando em dúzias de línguas sobre o preço das coisas. Ela segurava sua mão de maneira firme e juntos seguiam pela cidade que nunca dorme, e de fato: era quase um sonho.

A paleta de cores suaves e doçura do parque foi substituída pela cinza, pelo preto e pela luz ofuscante de letreiros, banners, propagandas e carros. A quantidade de anúncios era tanta que, combinado com o movimento, mal parecia que já era noite. Eles já andavam há meia hora e era o terceiro bar que entravam - mas era só olhar os custos e as filas que James Barnes começava seu discurso e no fim iam para a rua novamente.

— Não. Eu não vou me sujeitar a um bar desses. Você viu? Minha nossa. — Wanda nada dizia, pois era um espetáculo por si só vê-lo assim. Xingou em russo e passou a mão nos cabelos. Ele não esperava que as coisas tivessem mudado à esse ponto. — E não chega nem aos pés do que eu costumava frequentar.

— Bom, os bares antigos são ainda mais caros hoje.

Mais um murmúrio indistinto. Bucky anuiu, pois era verdade: O segundo bar que tinham ido sobreviveu a setenta anos no tempo e ainda oferecia noites de jazz, mas custava cinquenta pratas a mais que ele tinha na carteira - e ainda cobravam por pessoa.

— Você sabe que eu não faço questão de que você pague porque posso literalmente duplicar dinheiro com magia, huh?

— Eu não vou deixar você pagar. — Ele contou as notas no bolso, o trocado da diversão em Coney Island, e suspirou. Seu orgulho ainda falava mais alto. Aproveitando o wi-fi grátis da loja mais próxima, ele usava o  celular de Remy para encontrar um estabelecimento com boas notas no TripAdvisor— e com preços mais acessíveis.— Deve ter mais algum. Droga, em Bucareste tudo é tão mais barato.

— James. Podemos ir então num lugar mais simples. Não tem nada de errado nisso.

Wanda afastou-se alguns passos dele para olhar ao seu redor. Seria terrível que soubessem que o Soldado Invernal e a Feiticeira Escarlate estivessem em Nova York, mas não havia sinal de perigo e a aura dos transeuntes era distraída. Enquanto ele mexia furiosamente no celular - reclamando sobre como era difícil digitar com um braço de metal - Wanda se aproximou de uma loja de conveniência com alguns jornais da manhã expostos. A manchete era de teor duvidoso e a foto do Instituto Xavier ilustrava a primeira página.

Instituto para mutantes na América?

 

Escola está sob investigação após envolvimento no atentado em Zurique.

Qual é a relação entre Charles Xavier e Erik Lensherr, o Magneto?

Conheça mais sobre o Mestre do Magnetismo na página 9.

 

Ela sacudiu a cabeça, imaginando o inferno que a escola do gentil telepata tinha se tornado. Não era como se ele não pudesse contornar os repórteres e políticos, só era mais difícil por conta da disseminação de notícias na mídia. Esperava que ficassem bem. Observou todos os contornos da fachada da mansão, as janelas e a arquitetura refinada, embora também acolhedora. Ela gravou a imagem na cabeça para que pudesse se teletransportar para lá, em caso de necessidade ou então para que um dia fizesse uma visita a Xavier e Ororo. Wanda suspirou e desviou o rosto para o fim da quadra, vendo algumas luzes na esquina seguinte. Era um bar.

— Hey. Achei um na próxima quadra.

Ele tirou a atenção da sétima página do TripAdvisor.

— Parece pequeno.

Wanda riu e  o puxou.

— Vamos. É perfeito.

A Feiticeira, só estava cansada de andar e queria se sentar logo, mal se importava se iam num restaurante fino ou numa loja de conveniência. Os minutos se foram junto com as buzinas do trânsito e os dois afinal adentraram o “Bebop Bar”.

O interior do estabelecimento era melhor do que o exterior. Tinha o aspecto limpo apesar da meia luz colorida, vermelha e violeta. Ao fundo tocava uma música suave que se alternava com as risadas do pouco público e o barulho de copos estalando num brinde. Por enquanto o palco estava vazio, o que Wanda estranhou porque o anúncio do lado de fora prometia música ao vivo - e o gênero da noite não era específico, apenas tinha o nome do artista. Não demorou nada para que encontrassem uma mesa e afinal se sentassem.

— Nada mal. — Ela deu de ombros. — Não é o que estávamos procurando, mas…

Bucky ainda parecia incomodado, de modo que ela quis fazer algo por ele. Enquanto um garçom entregava a eles um cardápio limitado a bebidas, porções de batata frita e outros aperitivos baratos, uma funcionária subiu ao palco e testou o som do microfone com sua voz de fumante.

— Caros senhores e senhoritas. — Disse como se falasse a uma platéia gigantesca ou então no autofalante de um supermercado. As três mesas ocupadas do recinto encararam o palco. — O artista de hoje não pode vir, então não teremos música folk esta noite. Em substituição, trouxemos um grupo conhecido da casa: District Birds!

Wanda viu a expressão de Bucky Barnes se acender quando viu um músico trazer um saxofone e outro trazer um trompete. Com alguns toques incertos de início, jazz encheu o ambiente.

— Wanda. Isso foi você?

— Eu acho que não. Digo, eu queria fazer algo por você, mas não sei se sou capaz de… Armar coincidências assim. Ou trazer um grupo local de jazz para o palco. Seria um poder bem legal.

Ele anuiu, duvidando de cada palavra da Feiticeira. Encarou-a daquela forma direta e longa que despertou a vontade de Wanda desviar o assunto para algo que não fosse ela.

— Então, — Ela ajeitou uma mecha do cabelo. — Eu não entendo nada de jazz. Ouço o que o Sam ouve, então acho que gosto. Deve ser a única coisa em que vocês dois concordam.

— Devo admitir que não entendo também. Só gosto. Era popular na minha época, então…

Bucky deu de ombros, o garçom trouxe as bebidas e as batatas. Eles comeram de novo, beberam destilados e riram, depois repetiram tudo de novo em ordem alternada. Quando foi meia noite, o grupo tocou músicas mais animadas e James a tirou para dançar, mesmo que vestisse jeans e não houvesse nenhum glamour na cena. O público mal compreendeu o que era aquilo, mas os District Birds lançaram ritmos que os pés de James Barnes ainda lembravam. O jazz saiu de sua harmonia característica para se transformar em swing, outro gênero musical influente em 1940. Já Wanda não sabia dançar. A madrugada veio, eles ainda estavam lá. Agora a Feiticeira sentia o álcool descer de sua cabeça e pesar seu pescoço. Ela estava apoiada no tórax morno dele, embalada por uma última música, mais calma.

— James?

— Sim, boneca?

Ela riu fraco e baixo. Talvez fosse o coquetel que havia tomado, talvez fosse porque ela amasse quando ele a chamava assim. Não era capaz de distinguir no momento.

— Eu acho que quero ir embora.

— Mas, Wanda… Você é a carona. Lembra?

— Oh. — Ela franziu os cenhos. — Ah, sim. A moeda. Minha nossa. James, eu acho que deram álcool etílico pra gente beber.

— Pelo preço, é provável. Venha, fique aqui enquanto eu pago.

Ele a deixou sentada na mesa por alguns instantes e até mesmo voltou com troco. Eles saíram abraçados de lado do bar, frio atacando seus corpos. Foi bom para que Wanda recobrasse mais a consciência, um tanto incomodada por ter ficado confusa com apenas alguns copos. Natasha ficaria decepcionada. Já James andava firme, só enrolava um pouco para falar e muitas vezes dizia uma gíria dos anos 40 que ela nada entendia. Os dois riam por nenhum motivo, Wanda pensava em como aquilo era perigoso, estúpido e maravilhoso. Steve daria um belo discurso se soubesse. Seu pai… A imagem de Magneto a congelou por alguns segundos. Aquele era seu pai, o verdadeiro. Suas palavras fortes, sua história narrada há dias no metrô a fez quase cambalear. James achou que era o álcool e o frio, e ela preferia que fosse. Isso a assustaria menos, pois não a faria se lembrar de Genosha, sua família e do que tinha abdicado para ter uma noite tranquila em Nova York. Bucky lhe concedeu sua jaqueta. Depois de algumas quadras andando a esmo, ela afinal pôs os pensamentos no lugar e tirou a moeda de Ouroboros do bolso da saia.

— Olha, eu espero que a gente pare em Bucareste. De preferência, no apartamento.

— Eu sou a Feiticeira Escarlate! É claro que vai dar certo. Só não prometo o apartamento, ok?

— Quem sou eu para discutir?

Eles riram de novo.

— Me dê sua mão.

A cor vermelha os envolveu e logo o jovem casal não estava mais na América.

Devido ao fuso horário, não era tão tarde em Bucareste, mas eles não pararam dentro do apartamento ou somente a uma quadra de distância. Estavam no metrô. Wanda xingou-se por deixar suas lembranças a influenciarem na hora de abrir o porta. Em seu íntimo, ela também estava aliviada por não terem surgido em Zurique de repente. Aquilo sim seria terrível. Bucky a tranquilizou ao dizer que reconhecia a estação e não era longe do bairro onde moravam, bastava pegar o próximo vagão e esperar. Depois teriam que andar somente mais uns quinze a vinte minutos.

Veio o som do metal raspando, o vento do metrô chegando. Houve um clique e o som da voz automática orientando os passageiros. Eles entraram ao mesmo tempo que uma meia dúzia de pessoas saiu. O horário não trazia muita gente ao transporte público, somente alguns vadios e algumas pessoas que trabalhavam durante a madrugada. Wanda sentiu o cheiro de cigarro e álcool quando acomodaram-se no vagão sozinhos, as lâmpadas fluorescentes falhando.

Bucky se sentou primeiro, Wanda aconchegou-se ao seu lado, e em seguida tirou a jaqueta emprestada e a embolou de maneira desajeitada no colo dele.

— O que você tá fazendo, Wanda?

— Deitando. Eu tô cansada.

Tomando cuidado com a saia e o modo em que se esticava no assento, Wanda espreguiçou-se com a cabeça apoiada na jaqueta embolada acima das coxas dele. Ele riu e disse algo que ela não entendeu, mas que riu junto de qualquer forma. Mais uma vez estava no metrô e sua vida parecia suspensa no ar, entre uma situação e outra em que tudo mudava. Uma pausa.

Ela encarou o rosto de James Barnes, que a encarava de volta. Sua aura escura lhe confortava e, naquele momento, Wanda afinal entendeu o porquê o breu não a assustava. O preto não era ausência de cor, era a absorção de todas elas. Bucky era assim, singular em seu tom, mas absorvendo as experiências e nuances que vivia: Azul, rosa, amarelo, escarlate. Ela tocou o rosto dele, depois mexeu em seus cabelos. Eles fizeram mais piadas idiotas, riram de coisas sem sentido. Talvez as piadas fossem a maneira de Bucky desviar a atenção de si e Wanda considerou aquilo adorável, mas não deixou de acariciar suas madeixas num ritmo distraído. Ele fechou os olhos lentamente e os gracejos embriagados entre os dois mingou, sendo substituído por um momento ainda mais doce.

— Wanda… — Ele abriu os olhos e segurou a mão que acariciava-o de forma delicada. Sua voz era uma pergunta inacabada, um som que logo se desfez. Depois ele pareceu lembrar-se do presente, embora sua voz permanecesse fraca, rendida aos feitiços dela. — Eu tenho pensado em cortar meu cabelo.

— Ah, é?

— Mas eu não sei se conseguiria fazer isso sozinho.

— Eu te ajudo. — Wanda desceu a mão para o queixo dele. — Mas eu também adoro seu cabelo.

Ele riu sem graça, depois encarou os lábios rosados de Wanda Maximoff. Não era o álcool que movia os dois naquele instante, ainda que pudessem sentir um no outro o aroma da última marguerita que tomaram. Seu rosto se aproximou do dela, sua respiração presa. Suas bocas se tocaram tímidas, hesitantes, e o coração sempre tão passional da Feiticeira agora jazia mudo, parado. Não havia mais nada do mundo. As memórias caóticas sobre sua vida acalmaram-se enfim para que sua mente se focasse no momento presente, ouvindo, enxergando e sentindo tudo com maior percepção. Aspirou o cheiro da bebida, do cigarro no vagão do metrô. Tão anos 40. E ela estava ali, deitada e de pálpebras fechadas, os lábios de James Barnes de encontro com os seus.

Ela colocou a mão em seu pescoço, ele deslizou os dedos pela linha de seu queixo. Aquele instante deveria durar para sempre e Wanda achou que realmente durou ao sentir toque morno dele. Se ela era infinita, aquele beijo então se tornou eterno. No entanto, ironicamente não houve tempo para que aquele toque suave evoluísse. Um estampido forte de impacto ecoou dos vagões da frente e a lei da inércia se aplicou inabalável sobre o casal, jogando-os com força ao chão. Wanda caiu do assento e bateu o queixo no metal, Bucky parou do outro lado e gritou seu nome. A Feiticeira levou alguns instantes para pôr a mente no lugar enquanto o metrô desacelerava num ritmo intenso.

— Que… O que atingiu a gente?

— Eu não sei. — Bucky disse, ajudando-a se levantar. O álcool e o romantismo daquele instante se dissipou em face ao perigo. — Falta pouco para a próxima estação.

— Parece ter sido mais a frente.

De repente o metrô fez o movimento inverso, como de tivesse sido puxado para frente. Wanda e Bucky retornaram ao chão, assistindo o cenário da estação seguinte chegar nas janelas de modo nada natural. A voz automática do sistema do metrô de Bucareste ainda apresentou o nome e o endereço do lugar, mas pelo vidro do vagão eles assistiram um robô de dois metros e meio enfrentar um velho conhecido: Remy LeBeau.

— É claro que tinha que ser ele. — Bucky resmungou baixo, um som de impacto em metal logo cobrindo suas palavras.

Os olhos de Gambit cintilavam rubros, bem como as cartas explosivas que saiam de suas mãos. Uma delas atingiu a carapaça do vagão e estilhaçou o vidro inteiro, mas nem ele e nem o robô se importaram. Bucky protegeu Wanda dos cacos de vidro com o próprio braço metálico, enquanto ela já conjurava a cor escarlate. Suas mãos estavam prontas com magia, mas seus gestos permaneceram suspensos no ar. Ela primeiro tinha que entender o que afinal estava enxergando a sua frente, por mais que o ritmo do combate fosse rápido e mal desse chances para uma análise mais profunda.

O que pôde reparar era que o robô tinha uma constituição humanoide - dois braços, duas pernas, um tronco e uma cabeça - embora suas peças parecessem improvisadas: Seu ombro se desmantelou com apenas um golpe do mutante, porém logo se reconstituiu sozinho. Wanda se recordou das palavras de Steve no comunicador, sobre pessoas desaparecidas. Lembrou-se dos trípodes, dos Sentinelas e sobre como Zola copiava a tecnologia de outros lugares para fins terríveis. Não foi difícil ligar uma coisa a outra.  Bucky, ao seu lado, tirou o celular do bolso e tirou fotos da criatura.

— O quê está fazendo? — Wanda sussurrou.

— Provas.— Houve mais um estampido, o centro do tórax metálico do Sentinela acendeu-se para disparar uma rajada laser que quebrou uma das colunas da estação e danificou todos os azulejos da parede. Remy correu para o outro lado. — Droga, quando Remy disse que tinha um último trabalho aqui em Bucareste, não achei que ia se meter em problema.

— James, tem uma mulher com ele.

Bucky a encarou entre a dúvida e a surpresa, sem saber se aquela frase era genuína preocupação ou algo mais, feito ciúme. Ele deixou o pensamento de lado e acompanhou o olhar da Feiticeira, vendo que havia de fato uma mulher encolhida na outra extremidade da estação, notavelmente assustada e sem saber o que fazer.

— Precisamos ajudar. Logo drones podem chegar, ou então os Mata-Capas.

— E adeus Remy LeBeau. — Uma terceira voz continuou, quase arrancando uma exclamação do soldado e da bruxa. Era o gato preto, Ebony, que os encarou com o mesmo olhar de deboche de sempre. — O que é? Achei que precisariam de ajuda.

Nenhum deles disse uma única palavra de reprovação para o bichano.

— Gatinho, invoque uma arma para Bucky ou qualquer coisa que possam usar. Vou distrair o Sentinela enquanto vocês dois ajudam Remy e a moça a sair daqui.

— Wanda… — O soldado segurou seu braço. Seu rosto era sério, seus olhos um tanto hesitantes. Ficou óbvio que não gostava da ideia, mas que também não iria impedi-la. Deveriam mesmo ajudar. — Tome cuidado.

Wanda conseguiu apenas sorrir e inclinar-se para um beijo, que em sua opinião foi simples, curto e longe de algo mais elaborado que ambos mereciam, porém que deixou a face de James Barnes deveras ruborizada. Isso a fez se sentir orgulhosa, pois realmente havia colocado doçura na boca durante aqueles dez segundos em que seus lábios se tocaram. O gato preto praticamente soltou um grito:

— Pelas trevas, finalmente!

— Ah, fique quieto!

Wanda saiu do vagão com as mãos envoltas em energia vermelha e preparada para desintegrar mais um robô. Estava virando rotina.

 


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Notas finais do capítulo

* Thunderbold, Wonder Wheel e Cyclone são brinquedos existentes em Coney Island e o último até mesmo foi citado em Capitão América: O Primeiro Vingador -E realmente é mencionado que o Steve vomitou hahaha O único porém é que esse parque fica aberto de Maio à Agosto, se não me engano, então *tecnicamente* era para ele estar fechado em Março, o mês em que essa fic se passa. Mas sabe como é, né... Licença poética somada a poderes caóticos da menina Wanda.

*Dream State não existe, é só um nome pomposo assim como o Beboper Bar.

*Jazz & Swing são muito amor, na moral.

* O capítulo foi revisado, mas Zola ainda existe e pode tentar sabotar essa fanfic. Caso encontre algum erro, por favor reportar à Shalashaska.