Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 71
LXXI


Notas iniciais do capítulo

22/12/2018
Então, galera. Minha viagem para CCXP foi meio dantesca e no fim nem vi o Seb Stan = ele foi na sexta *apenas* para autógrafos praticamente, ou foi o que soube.
De qualquer modo, eu conheci uma leitora e amiga minha, a Switchblade! ~E foi muito legal reclamar das filas junto com ela hahah Eu quaaase vi a Nath, mas não nos encontramos no final das contas #triste Comprei HQs da Wanda e do Bucky e o mais maneiro foi ver dois cosplayers chilenos que estavam vestidos do nosso shipp supremo ~~ e eles eram um casal mesmooooo ♥ ♥ ♥
Obrigada por esperarem por um novo capítulo e adianto que no Natal tem mais!



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 Existiam dias em que simplesmente era mais difícil levantar, fazer as coisas. Hoje, seu aniversário, era um daqueles. Wanda queria pulá-lo, na verdade. Esquecer. E sabia que Bucky não a julgaria por isso, o que fazia das coisas um pouco mais fáceis naquele ano. Abriu os olhos muito lentamente, consciente do peso do cobertor sobre si e a dor no pescoço por ter dormido sentada. Passou a mão na nuca, encarou o nada por alguns segundos. Sentiu cheiro de alguma coisa doce. Ebony pulou em sua colo, de repente. Debochou de seu cabelo bagunçado, perguntou se sonhou algo premonitório e reclamou que James ainda não tinha dado nenhum chocolate à ele. Ela chegou a imaginar se ele não dava nada ao gato por prezar por sua saúde ou então por simplesmente não querer dividir suas guloseimas com o felino, seu desafeto declarado.

Wanda cruzou o olhar com Bucky, que estava atrás da bancada na cozinha com um pano de prato sobre o ombro e uma frigideira na outra mão.

— Bom dia, boneca.

Ela assentiu, um pouco zonza ainda para responder qualquer coisa. Como não disse nada, o soldado continuou a conversa. Não tinha se importado com o silêncio, isso ela pôde ver na sua expressão. Wanda só não conseguia distinguir se ele sabia que dia era aquele, se sabia se… Era seu aniversário. No entanto, não queria perguntar, nem desejava jogar isso na conversa. As duas alternativas, de qualquer modo, a faziam se sentir idiota.

— Temos panquecas. Comprei geleia de mirtilos também.

— Ah. — Recordou-se de uma conversa ainda em Wakanda. — Sua fruta favorita.

Ele sorriu de lado, mas logo voltou sua atenção a frigideira. Colocou o braço esquerdo atrás das costas numa pose de falsa formalidade e com a direita deu um impulso com o punho, fazendo a panqueca saltar da panela, dando giro antes de cair de volta.

— O que são as cartas de Remy LeBeau perto disso, huh? — Repetiu o gesto. — Sem falar que fui eu que te ensinei o truque barato da moeda.

— Já podem viver como artistas de rua na praça. — Ebony comentou.

— De fato. Um gato falante vai nos render boas gorjetas.

Wanda sacudiu a cabeça, sorrindo. Queria que seu irmão estivesse ali para segurar sua mão, dar pitacos engraçadas e inconvenientes na conversa. Ele amaria o gato. Fingiria odiar Bucky. Ficaria louco da vida com essa viagem repentina. Seu sorriso diminuiu, pois ele não estava ali.

— Bom, — Bucky colocou o prato com ao menos três panquecas e uma quantidade considerável de geleia sobre a bancada. — Vai ficar com fome se sairmos para procurar a tal Loja de Bruxa sem comer nada. Mas entendo se, você sabe, querer ficar aqui mais um pouco. Essa chuva não dá vontade de sair.

Olhou para a janela. O clima era cinzento, porém a chuva não passava de uma garoa. Não impediria ninguém de sair na rua e até mesmo dava a entender que era passageira, diferente da tempestade da noite anterior. Era uma forma delicada de dizer que ele enxergava suas olheiras e seu desânimo, e que estava tudo bem.

Mas ele estava tentando, em meio a tanta loucura. E não era isso que ele vinha fazendo desde que se libertou da HYDRA? Tentando fazer algo diferente. Viver. E ela achou que deveria tentar naquele dia também, mesmo que apenas um pouquinho.

— Eu só vou, hã… Pentear o cabelo. — Levantou-se. — Já volto.

A primeira parada foi o Ateneu. Era uma casa de concertos e óperas, uma construção neoclássica com um largo jardim na frente. Wanda estava satisfeita por apenas admirar as colunas do lado de fora, pois supunha que era mais dos pontos turísticos que era necessário agendar visitas para ver o seu interior, no entanto foi levada por Bucky numa caminhada até uma entrada lateral. Ele parecia saber o que estava fazendo e talvez aquele rumo fosse comum quando ainda morava no seu apartamento, fosse lá a razão. Bucky não havia comentado muito sobre o que costumava fazer para conhecer tão bem o Ateneu, apenas disse que o lugar era bonito no inverno e que a acústica de boa, o que a fez divagar mais uma vez sobre sua vida solitária em Bucareste. Ele disse que não tinha um cachorro. Será que assistia a ópera? A entrada lateral acabou numa porta que não tinha nenhum aviso ou orientação para a visitantes.

Deram de cara com um segurança soprando uma xícara e ouvindo rádio, que mais chiava do que tocava música. O senhor de meia idade tinha uma aura igual ao café que tomava, forte e um tanto amargo. Inofensivo, porém. Cumprimentou Bucky, cumprimentou-a também. Deve ter feito alguma piada - embora ela não entendido por conta do idioma - envolvendo o fato de que ele trazia uma moça para uma visita, pois Bucky enrubesceu e deu aquele sorriso de lado que Wanda adorava. Após algumas palavras e um novo aperto de mãos, Wanda e Bucky seguiram para dentro.

— O quê…? — Ela mal soube perguntar. — Como ele nos deixou entrar?

— Sabe, não é muito raro trocar alguns leus romenos por coisas, hm, ilegais aqui. Ou moralmente ambíguas.

Nenhum lugar era perfeito, Wanda sabia disso.

— É, eu notei na noite que chegamos a quantidade de restaurantes com neon e… Bem, aquela atmosfera suspeita de bar que é um bordel se você perguntar para as pessoas certas. E Remy é um mercenário, então dá pra imaginar as coisas. Mas não vi você entregar dinheiro para o segurança agora.

— Ele estava me devendo um favor.

Wanda ergueu a sobrancelha. Não tinha ouvido uma frase assim antes, porém de Romanoff? Talvez fosse algo ensinado no Salão Vermelho.

— Sempre tem alguém te devendo um favor?

— É um bom jeito de arrumar as coisas quando não se tem um emprego. — Deu de ombros. — Ou quando não se tem uma bruxa ao lado que pode duplicar dinheiro.

— E o que você fez? Matou um homem? Intimidou alguém? Devolveu o gato dele?

— Não. Eu ajudei a encontrar pretzels de canela às duas da manhã pra esposa grávida dele.

— Oh. Isso foi legal.

— É, foi legal. Só faltaram dar o meu nome para a criança.

Eles riram, seus passos ecoaram pelo vazio do ambiente. A mente inquieta de Wanda encontrou espaço e conforto na beleza das colunas de mármore, bem como na decoração intrincada. Ela segurou a mão de James Barnes de maneira distraída, observando os próprios pés pisarem no chão ornado por padrões de círculos e mais círculos. Havia um misto da sensação de fazer algo errado ao andar sem autorização por aquele lugar e também o conforto de justamente fazer aquilo.

Talvez tivesse sido pior ficar sozinha naquele dia, pois isso a lembraria que Pietro não estava lá. Wanda fechou os olhos por um instante, ouvindo sua risada, seu deboche azul. Poderia ter chorado ali mesmo, mas não o fez. Logo seus pensamentos tornaram-se rubros, rígidos e amargos tal qual seu pai. Seu verdadeiro pai. E depois desbotaram-se ao tom fraco de verde, como estranhamente imaginava a aura de Lorna, sua meia irmã. “Minha nossa. Eu tenho uma meia irmã.” Pensou mais um pouco e se corrigiu: “Tinha.” Wanda só desejava acordar daquele pesadelo, daquele dia que por acaso era seu aniversário e tudo permanecia enterrado e confuso. Então ela sentiu a mão de Bucky pressionar um pouco mais a sua.

— Você consegue ouvir?

— O que?

— Música.

A Feiticeira franziu os cenhos e parou por instante. Estava tão perdida em seus próprios pensamentos que não tinha percebido notas musicais se esgueirarem pelo corredor, muito leves e tímidas. Mal parecia que tinha ouvido de verdade. Demorou alguns segundos para  recomeçarem, logo em seguida acordes mais elaborados vieram.

— Oh. Tem alguém praticando.

— Que sorte. Parece que pegamos a orquestra ensaiando. Vamos ver.

Nos dias não muito bons, os olhos de Wanda enxergavam de forma um tanto opaca, ou melhor, seu cérebro processava tudo como quem vê um sonho. Não havia beleza na sensação de não sentir que as coisas não era reais. Aquele era um daqueles dias e o cenário ao seu redor só reforçava o tom estranho em seus olhos, mas ter a mão de James entrelaçada a sua era ter uma âncora. Não importava que sua aura fosse escura, lhe trazia alento, solidez. Ele a guiou pelo corredor principal, conduzindo-a para o salão onde vinha o som melodioso.

Quando enfim chegaram, Wanda se deparou com a cor escarlate e ouro. Seu queixo ergueu-se para cima, sua boca se abriu. O teto do salão era redondo e todos os seus ornamentos orbitavam o lustre no centro.

— James, eu…

Ele sorriu para a expressão surpresa dela, mas seu tom era de aviso:

— É melhor a gente se sentar. Só porque entramos não quer dizer que um outro segurança não possa nos mandar sair.

— Nós temos dinheiro e poderes do controle da mente, James.

Houve uma pausa que ele usou para considerar os argumentos da Feiticeira. Ela estava certa.

— Só não vamos abusar da sorte, boneca.

Os assentos eram de veludo vermelho e todos muito bem estofados. Os dois escolheram uma fileira para se sentar em silêncio, sem chamar muita atenção dos músicos ou da segurança, e por fim se puseram a assistir ao ensaio. Wanda observava os movimentos delicados dos violinistas e a tensão do som e das cordas, um som característico que poderia muito bem se comparar a estado de nervos que muitas vezes ela se encontrava - embora sua face fosse sempre tão serena quanto ao violoncelo. Todos os músicos estavam vestidos em cores neutras, a maior parte de preto. Pareciam personagens no palco.

Wanda franziu a testa de repente. Ebony estava certo sobre as coisas serem intensas demais para ela, tanto que agora comparava seus sentimentos a sons e acordes. Queria que fosse mais fácil, mas ali estava sua necessidade de fazer metáforas e ver coisas como outras para poder entender melhor o mundo em que vivia. Inspirou fundo. Não era o fio prestes a se romper. Era Wanda, e como disse James… Era alguém que gostava de chás. Alguém que já tinha sobrevivido a tudo e estava ali para mais um dia. Mais um ano. Mais um aniversário. Ela encarou os próprios pés e a própria sorte, dizendo baixinho:

— Feliz aniversário, Pietro.

— O que disse?

— Nada.

O som da melodia seguinte preencheu o momento. Os músicos começaram e pararam, riram de alguma piada entre eles e mais uma vez voltaram a praticar.

— Por que estamos aqui, James?

— Eu gosto de vir aqui. Gostava. Não sei. — Ele passou as mãos nos cabelos. — Me faz pensar. Eu vinha aqui porque me fazia lembrar das… Bailarinas.

Wanda encarou o palco de novo, depois pousou sua atenção sobre a face de James Barnes. Sua expressão era serena ao contemplar um ponto fixo a frente, porém ela sabia que na realidade assistia a uma peça de sua memória. Meninas dançando. Suas aprendizes num lugar tão horrível. Natalia. Yelena. Tantas outras. Bucky continuou falando:

— Não era exatamente esse tipo de lugar, já que aqui é uma casa de ópera, não teatro. E as memórias são um pouco ruins, na verdade. Mas… Me fazia pensar no que eu perdi. No que restou.

A Feiticeira assentiu.

— Às vezes nós precisamos de tempo. — Ela disse, sua voz baixa. — Mesmo na dor.

Bucky a olhou longamente e ela compreendeu que, na verdade, ele a entendia. E era por isso que a tinha levado até ali.

— Eu sei.

Ela agradeceu o presente. Era tempo. Era por estar ali, mesmo com coisas mal resolvidas. Mesmo na dor.

Eles não ficaram até o final do ensaio da orquestra, embora tenham aproveitado mais algumas músicas. Seguiram em busca da Loja de Bruxa de Agatha Harkness, que Bucky mencionou que poderia ficar no Centro Antigo de Bucareste. Segundo ele, existiam muitas coisas estranhas por lá e seria o local perfeito para um estabelecimento místico. No entanto, havia um caminho longo a ser percorrido e os dois estavam a pé, e pior: estavam apaixonados e queriam desfrutar mais da presença em um dia normal, em um dia ameno. Esses últimos pontos, porém, ficaram subentendidos. Sobre a superfície, era simples distração.

Não demorou para que tomassem um desvio entre o trânsito e a multidão, de repente parando em lojinhas e vendo souvenires como uma viagem qualquer de pessoas comuns. Eles pararam em um café para uma breve pausa, depois rumaram para uma livraria. Bucky disse que ia iria adorar o lugar, e de fato, Wanda poderia ter andando ali durante horas. Parecia um ambiente adequado para descansar sua insônia, em meio a clareza e aos livros.

— Vai levar algum, Wanda? — Bucky perguntou, já na sessão de esotérica da livraria. Ela passava os dedos delicadamente sobre os exemplares na estante, mas nenhum deles lhe chamou a atenção. Existiam muitos em inglês, o que facilitava as coisas - já que não falava romeno. Ela então virou-se para o soldado e inclinou a cabeça.

— Que tal a gente comprar um livro um pro outro?

— Oh. Um jogo?

— Tipo isso.

— Hm. — Ele deu de ombros. — Só preciso que você duplique um pouco mais do nosso dinheiro.

— Eu vou pagar pelo meu próprio presente?

Wanda.

Ela riu e afinal pegou sua carteira dentro da mochila, seus dedos rápidos no gesto mágico que fazia o dinheiro dobrar.

— Aqui.

— Certo. — Ele levantou a sobrancelha. — Não vale espiar minha cabeça. Ou espiar num geral.

— E não vale comprar livro de magia barata pra mim.

— E nem um sobre Segunda Guerra pra mim. Ou de próteses.

— James, que horrível.

Ele fez pouco caso de sua preocupação e logo voltaram às regras daquele jogo tolo. Se encontrariam naquele mesmo ponto dentro de meia hora, já tendo passado pelo caixa e pagado. Também era necessário pedir embalagem, para que não pudessem ver quais livros tinham escolhido até que desembrulhassem no apartamento.

A meia hora seguinte escorreu dos dedos de Wanda. Em quinze minutos, viu Bucky nos caixa e se perguntou como ele tinha escolhido tão rápido. De longe, ele deu um sorriso debochado, rindo da mesma questão - e por ter vencido-a em seu próprio jogo. Em realidade, a Feiticeira tinha lhe dado um golpe para comprar seu próprio presente de aniversário, sem contar ainda à ele que data era aquele nove de Março. Ao fim, ela pegou uma de suas opções e correu para a fila.

Já era final da tarde quando Wanda e Bucky decidiriam voltar para o apartamento, transitando pelas vielas do Centro Antigo com sacolas nas mãos. A Feiticeira concordou com que o Centro seria um lugar adequado para um estabelecimento místico, devido as ruas um tanto estreitas e a sensação quase de um labirinto. Existiam placas rústicas, coisas para turismo. No entanto, não tinham encontrado nada de útil até então e apenas planejavam o jantar no caminho de volta.

Por ela, um macarrão instantâneo daria, ou até mesmo ficaria sem comer. Estava sem apetite, embora seu humor tenha melhorado nuances durante o dia. Cogitava qual livro era aquele que Bucky tinha comprado. Cogitava que presente Pietro teria lhe dado naquele dia e o que deveria ter dado em troca. Isso a fez inspirar fundo, desbotando alguns tons. Algo lhe dizia que deveria ter ficado em Sokovia para visitar o irmão, mesmo que fosse um aniversário no cemitério.

Wanda teve que fechar os olhos por um segundo para recuperar o rumo, focando-se no aqui e agora, não na lápide e o corpo solitário de Pietro. Sentiu o olhar de Bucky sobre si, o que a fez levantar o queixo. De fato, ele a encarava com uma pergunta na boca a e preocupação nos olhos. Tinha farejado seu mal estar.

— Ah, eu… — Ela não soube o que dizer. — Vai passar, James. Está tudo bem.

O soldado assentiu em silêncio. Andou mais rápido para a loja mais próxima à direita e estacou no lugar, encarando os produtos. Era uma floricultura pequena e quase espremida entre os estabelecimentos ao lado. A Feiticeira parou ao seu lado, tentando entender o que ele tinha visto de tão importante ali, até que o soldado perguntou:

— Qual você gosta mais?

— O que?

— Qual flor você...? Droga, será que você já me disse antes? Espere, você é alérgica à pólen?

Ela soltou um riso nervoso.

— Não, eu não disse qual flor gosto mais e não, eu não sou alérgica. Agora, sobre as flores...— Wanda não tinha recebido um buquê antes, ou ao menos não de um interesse romântico. Pietro lhe deu uma margarida quando ela ralou o joelho certa vez, por culpa dele. Eles tinham treze anos. Depois só recebera alguns arranjos em condolências, há dois anos. Quase três. Por culpa dela e preferia não ter passado por aquela experiência. — Eu realmente não sei.

Ele pediu alguns instantes e entrou. Pelo vidro, Wanda via que a atendente da floricultura era uma senhora baixa e que certamente gostou de ver um rapaz como Bucky adentrar sua loja. Ela enxergou a aura da mulher espiralar em tons rosáceos e perfume, alegre em ver um casal jovem. A senhora até mesmo deu breve aceno à ela através da vitrine, logo saindo do balcão de forma trôpega para ajudar James Barnes a escolher seu presente. As bochechas de Wanda arderam e ela foi obrigada a desviar o olhar, voltando seu corpo em direção à rua e ao movimento.

Sorria.

Bucky, pelo o que ela entendia, fazia do tipo galanteador na mocidade. Talvez escolhesse rosas, quem sabe vermelhas. Mas ele era também um rapaz inteligente, agora era um homem sereno. Isso a fez imaginar que a escolha dele seria menos óbvia, e por algum motivo ela pensou em girassóis. Fosse o que fosse, mal importava. Ganharia flores no seu aniversário.

Ela piscou, de repente tomando atenção o que estava ao seu redor, ou melhor, à sua frente. Os carros pareceram desacelerar, as cores das pessoas, propagandas e automóveis desbotaram-se em virtude de ressaltar o tom roxo e absoluto de uma loja do outro lado da rua. O toldo vintage era púrpura, o restante eram de tons escuros e sóbrios. Wanda pôde sentir o cheiro de lavanda e incenso, pôde sentir a feitiçaria clamando-a e seu corpo inquieto para atender seu chamado. A porta era roxa e se abriu sozinha, mesmo do outro lado da rua, mesmo com o movimento do mundo alheio a seu significado. Em silêncio, a Feiticeira Escarlate leu a placa do local, com duas serpentes devorando a própria cauda, e soube que tinha a encontrado:

Solve et Coagula

A Loja de Bruxa de Agatha Harkness.

Wanda deveria atravessar o caminho e seguir até seu destino. Era o certo, o óbvio e o que vinha procurando há dias e noites. Ela então saberia o que tinha que saber sobre si mesma, sobre Wundagore, seus pais e Natalya. Seus lábios tremeram, temerosos e em tentação. Era o fim da viagem.

Bucky estava do outro lado, agora recebia o troco no caixa. Não iria doer nele, se… Se então usasse seus poderes escarlates para desvanecer a imagem que o soldado tinha dela gravada na memória. Bastavam alguns gestos. Bastavam alguns passos. Sem despedidas, sem dor, sem lembranças. Lágrimas escaparam de seus olhos e ela sacudiu levemente a cabeça, dando um passo para trás.

Permaneceu no mesmo lugar. E a porta roxa do lado oposto da rua se fechou.

Mais rápido do que o cérebro dela pudesse processar a situação, James voltou e lhe entregou um simples buquê. Ela soltou um riso nervoso, sem saber se olhava o presente ou ele.

— James, eu…

— Não gostou?

Ela limpou a lágrima de sua bochecha de maneira discreta. Bucky não fazia ideia do que tinha acabado de acontecer. Do que tinha acabado de abrir mão. E ela não estava preparada para contar.

— Não, não é isso. Eu amei. — Desviou o rosto do olhar direto dele e passou as pontas dos dedos nas bordas das pétalas. O arranjo era pequeno, simplório. Pareciam flores silvestres, quase como aquelas que ela via durante a Primavera em Sokovia, prestes a chegar. Assim como os botões naquela estação, um sentimento morno desabrochou no coração de Wanda.— Que tipo de flores são essas?

— Hm, o nome não é muito atraente. Rosas caninas. São símbolo da Romênia.

— Sério? São lindas. E até que faz sentido um certo Lobo Branco me dar rosas caninas, huh?

Bucky lhe ofereceu um de seus melhores sorrisos.

— É bom saber que certas táticas dos anos 40 ainda dão certo.

— Tinha costume de entregar muitas flores, soldado?

— Não. — Deu de ombros. — Vamos pra casa agora?

Ela foi atingida pela palavra “casa” e como ele casualmente a tinha dito. Não demorou, porém, para responder.

— Vamos. Vamos pra casa.

Riram. Logo em seguida, Wanda aceitou o convite para caminhar de braços dados com ele. Talvez estivesse traindo seu irmão ao renunciar saber sobre passado tortuoso, talvez aquilo fosse apenas sua imaginação e culpa. De qualquer modo, era isso que ela queria escolher: Rir. Descansar. Ser feliz, quem sabe. E o homem ao seu lado se mostrava uma companhia perfeita tanto para os momentos de dor, quanto para as amenidades tolas de uma vida comum. Esperava que Pietro a perdoasse.

No fundo, sentia que ele ficaria orgulhoso pela irmã encontrar de novo a primavera.

 * * *

Nem Wanda, nem Bucky entenderam o porquê dos balões coloridos flutuando na sala quando chegaram, mas logo veio a explicação: Um certo gato preto com chapéu pontudo de festa exclamou “Feliz aniversário!” e fez com que confetes mágicos ficassem caindo tal qual uma garoa. Bucky franziu a expressão ao se imaginar limpando o chão, mas então viu que os confetes não se acumulavam no piso - apenas desapareciam. O gato seguiu para dentro e pulou no sofá, enumerando a quantidade de doces que deixou na bancada.

— Olha, — O soldado deu um pontapé na porta para fechá-la e colocou uma das sacolas no chão. — Eu posso esquecer de algumas coisas, mas tenho certeza que meu aniversário é daqui a cinco meses.

O gato deu uma risada debochada.

— E você pode ser bem inteligente, mas não cogitou que eu estivesse falando sobre a Wanda.

Bucky gelou, sua boca aberta. De repente o dia fez sentido para ele. A melancolia e gratidão no verde dos olhos da bruxa.

— Wanda! Por que você… — Ele franziu os cenhos. — Por que não me disse? Droga, é seu aniversário!

— Ai, eu… — A Feiticeira fez um gesto vago com as mãos, ainda segurando o buquê. Foi a primeira vez que Bucky notou rubor nas bochechas dela, o que seria mais adorável se ele não estivesse chocado. — Sei lá, você me levou pra passear e me deu flores. Achei que soubesse!

— Uh, você ganhou flores? — O felino se aproximou, curioso.

— Ebony! Você não disse nada sobre… — Wanda soltou um suspiro, alternando o olhar entre Bucky e o gato. — Sobre isso tudo!

— Parabéns, você descobriu a definição de festa surpresa. E sinceramente, sejam mais gratos. Eu até contratei um artista de rua pra animar a festa. Ele ficou de fazer o bolo, não é mesmo, Remy?

Somente a mera menção daquele nome poderia ter acionado o modo Soldado Invernal em James Barnes. A lateral da sua cabeça ardeu como se tivesse rompido uma veia ao enxergar do outro lado da bancada e com um sorriso desgraçado na boca, Remy LeBeau.

— Isso acabou de ficar bem estranho, mon ami.

— Wanda, eu vou -

Sem assassinato. Sem agressão. — Ela suspendeu todos em névoa escarlate. — Paz.

— Em minha defesa, — O francês disse, sua voz arrastada provocando outra onda de ira em Bucky. Seus músculos tensionaram-se em reflexo. — Eu nem sabia que era o apartamento de vocês dois.

James permaneceu encarando-o de forma dura e ininterrupta, embora sem palavras pra expressar tamanho desprezo. Era grato, porém, por Wanda sustentar aquele véu de feitiçaria escarlate, e mais grato ainda por ela compartilhar de seu desdém. Ela também não acreditava que Gambit simplesmente não soubesse que apartamento fosse aquele.

— Por favor, seja mais convincente. — Wanda respondeu. — Foi você que nos deu as chaves e o endereço. Como que não saberia onde estava?

— Bom… Seu amigo gato aqui me teletransportou da rua para cá com a ajuda de outra felina e uma lamparina.

— Oh. Ameena.

Oui. E de repente eu estava aqui e, bem… Não é o mesmo apartamento. — Ele se referiu as modificações que a Feiticeira fez na noite anterior.— Seus poderes vão assim tão longe, chérie?

Bucky estava prestes a cortar o flerte barato de Remy quando enfim Ebony soltou um miado.

— Oh, agora estou entendendo. Vocês já se conhecem. Por acaso você é o cara da confusão naquela noite, lá nas vielas?

— Pode-se dizer que sim.

O soldado pensou que iria explodir ao escutar tantos absurdos. O gato preto então não sabia quem era a pessoa que tinha trazido para a casa dos dois? Seria aquele animal tão insano assim?

— Ótimo. — Sua voz foi seca. — Todos agora se conhecem. Gambit pode ir embora ou então eu o coloco pra fora.

— E o bolo? — Ebony perguntou.

— É verdade. — Remy se apoiou na bancada, mostrando-se bem a vontade. Ainda lançava um sorriso de lado para Wanda e parecia se divertir com a situação. Usando as palavras do gato místico, ele disse: — Eu combinei de fazer o bolo e, sinceramente, minhas habilidades gastronômicas se agitaram ao ver essa geladeira.

— Não toca na minha geladeira.

— Gente. — Wanda chamou a atenção dos três: gato, soldado e trapaceiro. Sua voz soou um pouco manhosa, um tanto triste, e aquilo desarmou cada um deles. Bucky estava prestes a sacar o punhal que tinha usado para ferir o ombro de Remy LeBeau noites atrás, mas enfim desistiu. — É meu aniversário.

Seguiu-se uma pausa.

— Eu prometo não chamar mais estranhos para seu apartamento. — Ebony piscou seus grandes olhos amarelos para Wanda em sinal de rendição, porém logo Remy rebateu:

— Tecnicamente, é meu apartamento.

— Não é mais. — Bucky deu um passo a frente.

— Bom, eu — O francês desviou seu rosto para encarar diretamente Wanda, lascívia escorrendo de suas palavras. — Estou aqui para animar a aniversariante, não é mesmo? Lembro-me que gostou dos truques de cartas lá na praça. Quer ver algum?

— Estou mais curiosa pra saber como você vai fazer um bolo. — Ela deu de ombros, reação que Remy não esperava - e foi visível a decepção em seu rosto. Bucky, por sua vez, não podia ter sentido mais satisfação naquele instante. — Nós não compramos muitos ingredientes nesse últimos dias, não para um bolo.

— Você vai se surpreender. — Ele assegurou. — Uma mademoiselle delicada como você merece uma iguaria para seu aniversário.

Ela só sacudiu a cabeça e murmurou um "obrigada”. Não era agradável para Bucky ter Remy em seu apartamento e mexendo na sua cozinha enquanto soltava flertes, mas ele podia deixar isso passar depois que Wanda não lhe deu muita atenção. A Feiticeira só pediu uma jarra de vidro do armário à Gambit e a encheu de água, para então repousar o buquê que tinha ganhado de Bucky ali.

— Falta uma mesa de centro. — Ela disse, um tanto pensativa. Somente gesticulou e seus poderes mágicos fizeram surgir uma mesa de madeira baixa, que ficou entre o sofá e a televisão. Lá, ela colocou o arranjo de flores e permaneceu alguns segundos admirando-o. Depois virou-se para o soldado. — Ficou bom?

— Uhum. — Sorriu, e sorriu ainda mais quando ela se aproximou. Wanda pegou um dos chapéus pontudos e coloridos na bancada com e o prendeu na cabeça dele com um elástico. — Ei.

— Bem-vindo à minha festa de aniversário, senhor Barnes. Tem um gato falante e gente estranha, e talvez a aniversariante esteja meio triste, mas…

— Eu posso lidar com tudo isso, afinal, eu estou aqui pela aniversariante.

Ela o abraçou apertado, sem se importar com a presença Ebony ou Gambit - e aquilo num primeiro momento bem serviu para massagear o ego de Bucky e também demonstrar dominância sobre Remy. No entanto, ele percebeu algo mais no abraço dela e não pode escapar da palavra que descrevia a sensação. Notou que fugia da tal palavra para que ela não fosse tão pesada, para que Wanda - com seus poderes telepáticos - não escutasse. Mas não podia ou desejava fugir mais. Era um clichê daqueles mais estúpidos, mais ainda que os contos românticos dos anos 40, e era afinal o que sentia. Amor.

Eles se desenlaçaram, Wanda riu e pegou um doce.

— Então vamos comemorar.


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Notas finais do capítulo

* Teremos mais do aniversário no próximo capítulo!

* A entrada "não-oficial" dos dois no Ateneu foi baseada numa experiência de uma mochileira/viajante que postou esse episódio de viagem no blog dela. Posso disponibilizar a matéria original se quiserem. A imagem do começo do capítulo é o teto do lugar.

* A livraria que Wanda e Bucky vão é o Carturesti Carusel e é um lugar maravilhoso na cidade. Dá para fazer uma visita em 360 pelo Google, caso fiquem interessados.

* A Wanda decidiu ficar ♥

* Originalmente eu tinha feito um capítulo só de 8K, mas para não cansar vocês, optei por dividir e já já posto mais coisa!

*O capítulo foi revisado, mas Zola ainda existe e pode tentar sabotar essa fanfic. Caso encontre algum erro, por favor reportar à Shalashaska.



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