Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 7
VII


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Agradeço muito os comentários do capítulo anterior. Particularmente me esforcei mais nele e as respostas foram muito doces. Muito obrigada!
Aos que ainda não se manifestaram aqui na fic, eu ofereço um convite! Adoraria saber o que estão gostando e se alguém tem algum headcanon legal ~~ amo headcanons *0*
Para entrar no clima, recomendo ouvir Dance of the Sugar Plum Fairy:
https://www.youtube.com/watch?v=mwapQor9YyU
Mas é facultativo.



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Um som doce e etéreo. A batida crescia, seu ritmo tornava-se ao mesmo tempo melífluo e frenético.

Uma virada rápida, uma pirueta brusca.

“De novo.”

O metal quente da arma nos dedos, a textura da pólvora na mão. O coração de Wanda queria rasgar um caminho para fora do tórax, mas seus olhos permaneciam selados como se tampados por cera. Ela via e ouvia pelos olhos de outra pessoa, de uma menina ruiva e com os músculos cansados.

“Você é feita de mármore.”

O pescoço dela se alongou, um cisne de tão elegante, mas doía a ponto de as pontas dos dedos insistirem em tremer mesmo que sua postura fosse tão delicada e bem treinada. A coluna estralou, ela sentiu ao movimento das costelas por debaixo da pele.

As batidas doces, tão doces e gentis da canção faziam os ouvidos sangrarem. Só os acordes do piano eram capazes de fazer seu corpo verter em agonia.

“Eu não tenho lugar nesse mundo.”

Wanda sabia o que era aquilo. Sabia quem estava dançando. Sabia que depois essa adolescente de rosto sereno e franja inocente teria armas na mão e sangue respingado nas roupas. Sabia que ela não sentia e não podia se deixar sentir.

Uma pena que um nome escapou de seus lábios, naquela sua voz tão adoravelmente rouca:

“Yelena.”

 

A Feiticeira Escarlate levantou seu tronco da cama antes mesmo de abrir as pálpebras, ainda a tempo de assistir a queda da miríade de objetos suspensos no ar por seu poder rubro. Livros, cadeira, abajur, até uma garrafa d’água foi ao chão com um estrondo terrível, um estrondo, porém, que ela não pôde escutar.
A canção ainda lhe enchia os tímpanos, dando voltas e mais voltas em sua cabeça. Antes ela gostava da música, pois lembrava-lhe o final do ano e a neve, os momentos alegres que ainda tinha antes dos dez anos de idade. Então ela tocou a mente de Natasha Romanoff e viu o Salão Vermelho.

Passou os dedos nas têmporas, sentindo os pontos acima do sobrancelha esquerda. Sua pele no pescoço e nas clavículas estavam salpicadas de suor, enquanto os músculos dos braços e pernas ardiam como se de fato ela tivesse virado a madrugada inteira dançando balé.

Ela sentiu nojo, ódio, pena e dor. Principalmente dor.

 “Você vai quebrá-las.”

Como? Como podiam fazer isso com aquelas garotas? Elas não deviam ter mais do que doze anos quando começavam.

“Apenas aquelas que são quebráveis.”

Fazia tempo que Wanda não era assombrada pelos tormentos de seus... Amigos? Enxugou as lágrimas que nem viu escapar de seus olhos. Abraçou os próprios joelhos, recusando-se a saber que horas eram no relógio.

Ela tinha feito Natasha reviver tudo aquilo com apenas um toque de seus dedos. Natasha, Banner, Thor, Stark e Stevie. Resfolegou. Não fazia ideia de como a Viúva Negra ainda conversava com ela, lhe contava piadas ácidas e compartilhava o melhor de seu humor sarcástico. Não fazia ideia de como ela ainda a considerava sua amiga.

 Ela realmente considerava?

Não tinha sentido nenhum deles querer sua presença, isso ela entendia. Isso fazia sentido. Os amaldiçoara com visões da pior espécie por vingança de algo feito apenas por Stark, ou nem feito por ele, na verdade. Wanda já não sabia mais. Parecia justo a maldição se virar contra a própria Feiticeira.

Dois anos atrás ela e seu irmão finalmente conseguiam atingir os Vingadores e tudo aquilo que eles representavam ao seu país: Armas e guerra, miséria e corrupção; O mundo Ocidental tóxico e egoísta, olhando apenas para quem quer olhar, ou melhor, para quem pode tirar vantagem. No fim, seu lar foi destruído e seu irmão foi morto.

Um calafrio percorreu sua coluna, por debaixo da roupa e gelando suas entranhas. Pietro estava morto.

Agora ela era a pessoa atormentada.

E não havia mais alguém frenético, azul e prata para lhe contar histórias e desvanecer os pesadelos.

*** ****

Os cabelos soltos da Feiticeira Escarlate chicoteavam seu rosto por causa dos sopros incessantes do ar, enquanto sua pele arrepiada agradecia o sol por vir logo e vir morno. Puxou as mangas da blusa até os dedos, depois esfregou os olhos.
Ela deu um  suspiro, caminhando com os braços cruzados.
A varanda era longa e localizada na parte traseira do palácio, com vista para o horizonte. Apesar do país ser pequeno em relação à diversos outros, parecia mais vasto do que o próprio céu. Dali ela podia enxergar a extensão das terras, ver a silhueta distante de templos e as margens das florestas; mesmo a partir do cômodo afastado em que se encontrava. Era ruim estar limitada à algumas áreas do Palácio, mas fazia sentido afinal, os três eram refugiados ali. Quatro, na verdade. Os olhos dela estavam nas nuvens, nas estrelas que se esvaneciam quando ela se recordou do Soldado Invernal.

Então a realidade a puxou para baixo.

— À esquerda!

Perto da diminuta arena em que treinara com o arco e flecha, Steve ultrapassava novamente Sam. Ele xingou e riu, depois xingou-o de novo. O ritmo do outro permaneceu veloz e incansável, dando mais uma volta em menos do que alguns minutos.

Sam estacou no lugar, apoiado nos próprios joelhos.

Os lábios dela esticaram-se num sorriso quieto, mas logo murcharam.

Hoje é o dia em que os pais de Tony Stark foram assassinados.

Wanda ficara no quarto por um bom tempo depois de acordar do pesadelo, ou melhor, das memórias de Natasha. Procurou Steve ou Sam na Sala de Inteligência, pois pensara que eles ainda estariam ali procurando o suspeito dos ataques cibernéticos; Depois foi ao quarto de cada um, só para encontrá-los vazios.Wanda também não quis ir tão além dentro do Palácio, pois sabia que haviam trechos e caminhos restritos e não eram de bom tom bisbilhotar cada canto da casa da pessoa mais rica que conhecia.

Embora já tenha feito um pouco disso em noites anteriores.

De qualquer modo, foi bom que não tivesse os encontrado. Fora mero impulso que havia lhe conduzido, a fim de conversar qualquer coisa com o Capitão América e o Falcão. Talvez o loiro pudesse lhe contar mais de suas lembranças dos anos trinta, talvez o segundo pudesse lhe orientar quanto a memórias traumáticas.

Mas ela sentiu. Com a aura escarlate e pulsante que a envolvia, ela sentiu que hoje o dia não seria para conversas. Steve estava tenso. Sam também. Todos entendiam o que este dia significava.

Se afastou da varanda. A manhã estava morna e a tendência era esquentar, o que parecia errado para a ocasião. O céu limpo, o dia lindo. Quando se deu por si, os pés de Wanda a levavam para dentro do palácio, para uma área deveras reservada e afastada de todas.

 Hoje, dezesseis de Dezembro de 2016. Vinte e cinco anos da morte de Maria e Howard Stark. E Wanda iria ver o assassino.

 

 

— Olá, Buck. – Ela disse, sentindo-se meio idiota por dizê-lo. O rosto dele permaneceu sereno, sem perturbar-se com o constrangimento dela, é claro. – Bucky, digo. Mas não nos conhecemos bem. Preferiria que eu te chamasse só de James?

O laboratório era mais agradável na parte da manhã, pois o sol entrava pelo vidro e tingia tudo de seu tom natural e branco. Ainda haviam os painéis digitais, os bipes e o som da câmara criogênica, a sempre soltar sua aura enevoada. Wanda andou um pouco por ali, seus sapatos  sem fazer barulho.

O começo de sexta-feira, vazia ainda. Não avistara nenhum da dezena de cientistas daquela ala, com suas roupas também alvas e de cor e caimento impecáveis, mas a sentinela do lado de fora a permitira passar. Era só uma visita e obviamente a sala era monitorada. Por volta das oito horas eles viriam, e passariam a tarde em suas pesquisas quanto ao estrago que a HIDRA tinha feito por mais de setenta anos àquela mente tão vulnerável.
Suas pupilas que tanto encaravam o Soldado Invernal então alternaram de foco, captando a imagem de seu reflexo no vidro.

Wanda afastou-se dali.

 Gostaria de saber o que os cientistas encontraram, se havia algo realmente palpável na mente do homem à sua frente e se eles poderiam tirar esse algo de lá. Seria como uma espécie terrível de farpa incrustado na pele, que se sente remexer e inflamar a todo instante? Talvez, pensou ela com um aceno da cabeça. Será que... Não. O que a HIDRA tinha feito com ela era irreversível. Ela ainda era a mesma, mas era algo a mais.

Esse “a mais” era um mistério. Algo originado da pedra de um cetro vindo dos confins do espaço. Não parecia algo inserido dentro de seu crânio ou posto em sua testa como em alguém que conhecia, mas sim despertado de suas veias. Um rugido caótico, aquele mesmo em que fora forjado o universo e as estrelas. Um rugido rubro, intenso, volátil e

i n d o m á v e l.

Ás vezes acreditava que eles estavam certos. Visão, Stark, Ross e a maioria das pessoas em sã consciência. Deveria ser contida, controlada, para o bem. Todos tinham razões para temê-la, pois até mesmo ela se desconhecia.
 Tal pensamento ficava sussurrando em seus ouvidos. A voz de Visão ainda estava bem ali, assim como suas mãos bloqueando-a de passar. Ele dissera que queria que os outros a vissem como ele a enxergava... Mas ela foi presa. Numa camisa de força. Com uma coleira elétrica. No meio do oceano. Por quem Visão apoiava.

O coração dela bombeou sangue e poder, faíscas e nebulosas de energia escarlate pulsaram para fora de sua pele.

Suas mãos alcançaram uma mesa para se apoiar. Não estava certo. A maxila dela ardeu, travada na mais pura tensão. Parte de si concordava. Sim, ela matara aqueles nigerianos. Sim, ela matara sokovianos. Sim, ela matara seu irmão.

Mas...

Mas parte de si rugia de volta.

“Não.”

E ela sentia júbilo no tremer de suas cordas vocais naquele bramido selvagem.

Encarou James de novo, desejando sentir tanta paz quanto ele parecia sentir naquele momento. Cruzou os braços, apoiou os quadris na quina da mesa cheia de dispositivos e luzes artificiais. Suas narinas dilatadas respiravam fundo.

— Eles bagunçaram a gente, James. – Afirmou em voz baixa. – Mexeram com nossas cabeças. E nós nunca mais seremos os mesmos.

Lhe veio a imagem de uma garota em sua roupa leve de balé, na mais graciosa pose de bras bas. Essa menina do coque ruivo alongou seus músculos lentamente para o lado, dobrando o corpo na altura da cintura em cambré, justamente com um dos braços para o alto e o rosto virado para o chão.

Wanda passou os dedos nos rostos, esfregou os olhos com força. Os acordes do piano voltavam e a cada compasso retumbavam mais fortes em seu ouvido.  

“De novo.”

Ela piscou, mas a imagem não se esvaía de seus olhos. Piruetas. Comandos ditos em alto e bom som. Garotas em movimentos sincronizados. O piano, o som dos disparos. Wanda não entendia. Estava acordada, não estava? Não deveria ver isso, não deveria ser capaz de ver isso...

Suas íris estavam vermelhas e cintilavam.

A menina ruiva estava com o corpo arqueado e um corte a sangrar na bochecha. Seus olhos eram tão grandes e afiados quanto estalactites de gelo, quanto o punhal que tinha em uma das mãos. No lugar das sapatilhas estavam botas reforçadas, coturnos bem amarrados de militares.

Dava para ouvir o vento uivar lá fora, e embora a neve não entrasse ali dentro, o galpão era frio e a respiração da adolescente condensava no ar. O que a mantinha de pé era a disciplina, a adrenalina e... E algo mais. Um misto de euforia e medo. Surpresa, talvez.  Limpou a gota quente de sangue que escorreu até o queixo. Nenhuma das outras meninas dizia algo. Lançou-se para frente mais uma vez, fingindo mirar no fígado e depois trocando a faca para a outra mão, na tentativa de acertar ao menos o calcanhar.

Ele desviou. Pegou seu punho e o torceu com força, obrigando-o a largar o punhal. A garota segurou um gemido e acertou seu pé no joelho do homem, para fazê-lo se dobrar.

 Yelena tinha lhe mostrado aquele golpe. Ela conseguiria executá-lo, para em seguida verter-se sobre ele enquanto recuperava a lâmina. Iria na jugular. Iria na jugular do Americano. Ele não tinha nome, nem número, nem mesmo uma plaqueta no pescoço como usavam no exército. Era só o Americano, um recurso. Tinha aprendido bem, talvez, que ele também não tinha lugar nesse mundo.

A menina ruiva foi abatida e segurada no chão em menos de dois segundos. Arfou e por instinto tentou arranhá-lo. Sem cerimônias, ele sufocou ainda mais sua garganta. O corpo dela cedeu e ele por fim a soltou, enquanto o pulmão da menina enchia-se de oxigênio de novo.

“De novo.”

Os olhos de Natasha enxergavam embaçado, seu corpo entrecortava-se entre engasgos, e aquela era uma memória deveras suprimida e derretida junto aos invernos desprezíveis que ela enfrentara, mas Wanda soube bem de quem pertencia aquele rosto.

Natasha levantou-se, sem querer ser trôpega na frente dele e na frente delas. Sacudiu os ombros como se estivesse brincando e deu-lhe um meio sorriso, daqueles fatais. Pegou a faca e retesou o corpo.

Wanda despertou da memória quando a lâmina do punhal rebateu a luz do galpão, abrindo o tecido de seu casaco bem na estrela vermelha do braço metálico do homem.

Seus batimentos cardíacos podiam ser sentidos latejando dentro dos tímpanos, percorrendo cada veia e cada vaso capilar com sangue pesado de pânico. À despeito disso, os sussurros de seus poderes rubros aquietaram-se, como se também surpreendidos.

Ela olhou para James Barnes, sossegado na criogenia. Bucky. O amigo inseparável de Stevie. E soube que, por mais que Natasha Romanoff não se lembrasse, em algum momento do passado ele também estivera no Salão Vermelho.


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Notas finais do capítulo

Vocês já devem ter sacado que tô pegando algumas coisas das HQs mesmo, como a Yelena Belova ♥ e o fato do Soldado Invernal ter treinado garotinhas no Salão Vermelho. Bem, esperem mais coisas assim mixadas com MCU e um toque à la Shalashaska hahah
Correções e sugestões? É só falar pra Shal.