Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 66
LXVI


Notas iniciais do capítulo

02/11/2018
Oie! Fiquei tão feliz que gostaram do capítulo anterior. Foi bem dramático e intenso de escrever, huh? Sem falar que foi um ponto de virada para nossa Feiticeira Escarlate, que vai viajar por conta própria e aprender mais um pouco sobre sua história e seus poderes! Mas não temam! Bucky Barnes virá em breve ~~ Sério, não é outra enrolação minha haha
Boa leitura!
PS: Fica aqui minha nota de apoio àqueles que irão prestar a prova do ENEM no Domingo. Sei que dá uma ansiedade bruta e que é bem cansativo, mas sei que vocês são maiores que essa prova. Ahazem. Bençãos escarlates para todos vocês!



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A convivência com a Viúva Negra fez bem para o instinto de Wanda Maximoff. Parecia que seu corpo sabia como evitar lugares onde não deveria ir ou como desviar a atenção de pessoas que paravam um momento para observá-la, isso tudo somado a sua intuição nada comum. Ajudava também o fato de enxergar e interpretar auras, sempre guiando-a para pessoas mais afáveis ou simplesmente distraídas. Tinha chegado longe sozinha, já que nem mesmo Ebony tinha dado as caras para a Feiticeira durante aqueles dias de viagem. No caminho esbarrou com almas bem intencionadas, pessoas que assim como ela buscavam algo, outras que fugiam. Encontrou mutantes. A maioria não falava muito, ninguém comentava diretamente o fato dela ser Wanda Maximoff, filha de Magneto - o mutante revolucionário de outra era que voltava a revirar o mundo. Mas Wanda captava aquele olhar de reconhecimento, alguns de admiração. Diziam que ele estava ao Sul, numa ilha, num idílio para mutantes: Genosha. A chamaram para se juntar ao grupo que descia o Sudão, porém ela negou. Precisava antes descobrir como tudo aquilo começou, então necessitava ir ao Norte. Já tinha sido difícil arrumar transporte em Gana e agora ela iria com outros  viajantes em direção ao Chade, para então seguir até Marrocos. Era um contorno difícil, mas era uma rota que poucos faziam, portanto Wanda considerou mais seguro para não ser importunada pela polícia internacional. Os limites da linguagem eram claros com outros nômades, embora não houvesse muito o que dizer. Logo também se separarariam e foi o que aconteceu.

Agatha dissera para seguir a cor violeta, mas não tinha encontrado nada muito interessante até então. Um dos motivos que a fez seguir um dos grupos foi o simples fato de uma das mulheres vestir um xale púrpura. Não era motivo o suficiente para confiar tanto em outra pessoa, mas  não podia dizer que tinha dado errado. Parte de si estava orgulhosa por fazer tudo por conta própria, parte estava decepcionada por ninguém ter ido atrás dela. Ou era tão competente que seus amigos não conseguiam achá-la ou então eles tinham respeitado sua decisão de partir. Não pensou muito sobre isso, embora aceitasse uma mão amiga naquele instante.

Estava fugindo.

Aparentemente já existia monitoramento pesado em Marrocos, em especial em cidades turísticas do país como Marrakech. Seguiu ao Norte até esse país no Continente Africano e tinha intenção de atravessar o mar, mas a segurança nas fronteiras era cada vez mais intensa. Diziam que não era nada em específico contra mutantes ou refugiados, mas sim contra terroristas conhecidos. Para sua sorte, Wanda era conhecida por ser os três, e um breve instante de descuido a fez cair em sérios apuros. Convencer as pessoas a lhe darem passagens aéreas e um pouco de dinheiro não era nada complexo com seus poderes telepáticos, porém máquinas não eram assim tão manipuláveis - ao menos não havia tentado tão bem. Bastou uma câmera fazer o reconhecimento facial dela em meio a lenços para alarmes serem disparados. Por pouco conseguiu sair correndo no belo saguão principal do aeroporto, mas ainda era dia e ela tinha uma mochila nas costas. Ela não sabia do que estava sendo acusada, ainda que tivesse quebrado uma quantidade considerável de leis ao entrar naquele país - sem visto, sem passaporte, com dinheiro que não era dela. Isso sem contar que já era uma procurada internacional. Mas custava tanto assim eles a deixarem ir? Ela só queria pegar um último avião para a Polônia, droga. Quem sabe até esperaria o vôo das 16h passeando pela cidade, talvez fosse até algum souk ou comesse algo diferente. Ela só queria um dia de turista normal e quem sabe tomar um hammam. E agora estava do aeroporto, usando rajadas de energia para flutuar e desviar dos seguranças.

Ela suava frio. Quanto tempo mais para chamarem a polícia e então o exército? Wanda dobrou uma esquina, vendo sua sombra ser projetada no chão. O aeroporto de Marrakech era considerado um dos mais bonitos do mundo, com seu design moderno e ao mesmo tempo honroso à arquitetura tradicional do país. Haviam vidraças em todo o lugar. Não adiantava mais ser sutil e ela ficava feliz pelas pessoas desviarem logo dela, toda desesperada, suada e com roupas amarrotadas.

Duvidou que alguém desse uma carona para fora dali, muito menos que a deixassem entrar em um dos vôos. Eram pessoas demais para tentar manipular ao mesmo tempo numa tentativa de fugir. Parou um momento, congelada pela possibilidade de ser presa. Imaginou as manchetes do dia seguinte:

Feiticeira Escarlate é presa na Cidade Vermelha”

Seria hilário e ela estava quase chorando pela ironia, até que teve uma ideia. Andou mais um pouco, perto de uma das agências de turismo locais. Ouviu alguns dizeres e gritos dos funcionários, mas ela não entendia a língua de qualquer modo. Ela só pegou um folheto com uma das mãos e uma moeda com o símbolo da Ouroboros com a outra, que estava no bolso da frente. Abriu uma das páginas que mostravam as belezas da cidade e fixou bem sua atenção em uma das fotos, colorida e atraente. A polícia já chegava perto e dava claros avisos quando afinal a jovem franziu os cenhos com força e se desfez em névoa rubra.

O folheto caiu no chão com a página aberta, exibindo a imagem de um souk de temperos naturais.

Wanda abriu os olhos, um pouco tonta. Fazia alguns dias que não comia muito bem ou que se teletransportava, portanto a combinação disso a deixou enjoada por alguns minutos. O lugar era tão cheio que poucos pareceram notar a presença dela, que se misturava aos turistas no mercado, aquele mesmo mostrado pelo panfleto. Aproveitou o momento para cobrir sua face com um lenço decorado, coisa que tinha comprado por alguns euros ao caminho do aeroporto. Talvez não tenha sido uma escolha muito sábia comprar justamente o vermelho, mas era o que tinha naquele instante e na realidade ninguém ligou para isso ao seu redor. Tentou andar mais um pouco para evitar suspeitas, mostrando interesse em certas coisas no mercado e evitou alguns vendedores mais insistentes, como qualquer turista faria. Marrakech era uma cidade bem moderna, onde muitos usavam roupas consideradas ocidentais e viviam uma vida bem normal. Não tinha necessidade de se cobrir se não fosse por seu rosto conhecido e caçado. A questão é que a cidade também abrigava pontos históricos que conservavam bem suas raízes, inclusive a indumentária, então não era incomum tecidos extravagantes e chamativos.

Continuou andando. Depois de alguns minutos pareceu ter ouvido alguém dizer seu nome em um sotaque forte e algumas sirenes, mas ela fez ao máximo para continuar andando de forma calma. Natasha uma vez disse que era melhor se infiltrar em grupo, no mínimo uma dupla, e ela sentiu a necessidade de um companheiro de fuga. Suspirou. Não queria lembrar que demonstrações de afeto desviavam atenção de pessoas, tipo beijos, ao mesmo tempo em que lembrava de James Barnes. Nem tinha tempo para pensar nisso, na verdade. Fingiu olhar uma outra loja, que vendia candeeiros e outras lâmpadas de vidro e ferro, todas penduradas. Era a última loja dentro das entranhas do souk, um tanto isolada das demais e um tanto oculta do calor do dia. A única iluminação que saia de lá era de uma das lâmpadas, uma luz intensa refratada por diversos tons de púrpura no vidro colorido, tingindo tudo com aspecto fantasmagórico.

— Será? — Disse ela, lembrando-se da mestra e de sua última orientação. Violeta.

Estranhou não ver o dono ou a dona do estabelecimento. Até que um gato pulou em uma das estantes e miou alto. A Feiticeira quase soltou um grito, sobressaltada. Tapou a própria boca com a mão e olhou para os lados.

— Minha nossa, gatinho! Quer me matar do coração?

Ela acariciou o topo da cabeça do felino de três cores, que ronronou em resposta e depois se sentou, olhando diretamente para Wanda com seus grandes olhos amarelos.

— Eles estão cercando o souk. — O bichano disse, se referindo aos policiais. — É melhor você partir, estrangeira.

— Ah, céus. Outro fato que fala?

— Meu nome é Ameena. Conheço Ebony. Ele me pediu para ficar de olho, caso passasse por aqui.

Ao fim da frase, abriu-se um terceiro olho no centro da testa da gata. Wanda estremeceu ao mesmo tempo que achou tal fato incrível.

— E onde ele está neste momento, senhorita Ameena?

A gata lambeu as patas.

— Dormindo.

— Eu deveria imaginar. E como que consigo entender sua língua?

— Estou falando com o coração. Aqueles que podem entender apenas… entendem. Que pergunta boba para uma feiticeira. Escuta, você não tem muita experiência com lojas de bruxa, tem?

Wanda ignorou a ofensa, interessada em outras coisas que a gata dissera. Não era sua intenção parecer ignorante, mas não é como se tivesse compreendido de fato.

— Lojas de bruxa?

— Sim, menina. Lojas de bruxa. Existe sempre algo roxo e algo fora do normal. — Wanda teve a impressão que a gata tinha dado de ombros. A informação parecia banal, mas revelava algo a mais para que ela pudesse prestar atenção ao seu redor. A cor violeta. Tinha sido o que Agatha disse, não? — E geralmente têm familiares, como eu aqui. Agora vamos, não quero que seja pega por eles. Se teletransporte para algum canto. Ao menos isso Ebony deve ter te ensinado, aquele gato folgado.

— A questão é que não consigo imaginar nenhum lugar seguro para… Hm, me teletransportar.

— Você consegue sim. — Respondeu a gata, com simplicidade. Wanda odiou o fato dela estar certa. Poderia imaginar lugares seguros, pessoas com quem sentia-se segura. Mas não podia voltar. Vendo sua dificuldade, Ameena desceu da estante e andou entre os objetos na loja. As duas pareciam longe do barulho do mercado, longe da confusão de cores. — Eu vou te ajudar, então. Venha, entre. Escolha uma das lamparinas. Algumas pessoas guardam fadas nela, algumas pessoas daqui guardavam djinns. Mas esse não é o único uso para esses objetos. Consegue imaginar outra função esses itens?

— Iluminação?

A gata assentiu, agora mais animada.

— Correto! Não é tão boba quanto pensei. Normalmente eu cobraria por isso, mas apenas conte à Ebony que minha dívida está paga.

Wanda pensou em dar uma resposta malcriada para a bichana, porém calou sua língua. As sirenes e a gritaria estavam próximas, significando mais problemas. Ser rude com sua anfitriã seria insensato.

— Só me tire daqui, Ameena!

— Agora, — Continuou muito calma, seu terceiro olho piscando de forma demorada. — Pegue uma dessas lamparinas e pense. Será iluminada, de um jeito ou de outro. E irá até esse local. É um método bem seguro de teletransporte, nem mesmo Ebony tem como contestar isso.

A Feiticeira pegou nas correntes que sustentavam a primeira lamparina que lhe chamou a atenção, seus arabescos complicados e extremidade pontiaguda. Fechou os olhos forte, sua testa franzida e os ouvidos atentos. A polícia estava chegando, entraram no souk buscando por ela. Não soube dizer se alguém teria a reconhecido ali ou se alguém entendeu o que tinha feito com o panfleto do aeroporto. Focou-se na cor púrpura e nada além disso.

Os policiais só encontraram uma gata sozinha na loja de lâmpadas. Ela miou num bocejo desinteressado e deu-lhes as costas.

Wanda, por sua vez, tinha parado num lugar há um oceano de distância.

 

A sensação era mesmo de ser dissipada pela luz. Wanda franziu os cenhos e piscou os olhos, ajustando seus olhos a claridade do lugar. Estava de frente para um campo e o sol da manhã nascia no horizonte. Droga, ela pensou. Se antes era por volta das duas da tarde, onde então estava? Ajeitou a mochila nos ombros, calculando. Longe, estava bem longe. Achou que se concentrar na cor púrpura a faria se encontrar logo com Agatha, coisa que no final das contas era seu objetivo. Só pensou que viajaria a pé por mais tempo também, curtindo a jornada e agora… Estava numa fazenda. Ouviu o barulho de um trator engasgado, alguns xingamentos pesados, e novamente o som do motor. A figura se aproximando contra a luz era disforme e sem detalhes, mas a pessoa a reconheceu:

Bruxinha? O que diabos você tá fazendo aqui, garota?

Ela abriu a boca, sem responder. Olhou mais uma vez ao seu redor, viu lenha cortada e alvos feitos com feno, cravados com flechas. Estava na fazenda dos Barton.

Ele desceu da máquina e veio andando em sua direção. Usava uma camisa xadrez vermelha por cima da regata branca e tinha uma palha na boca, que tirou ao falar com ela:

— Você tá com uma cara horrível.

— Eu tava fugindo.

— Não foi seguida até aqui, foi?

Wanda soltou uma risada desgostosa, tirou o lenço vermelho do rosto.

— Eu estava em Marrakech há dois minutos, Clint. Só se tiverem bruxos na polícia que vão saber onde estou.

Ele soltou um assovio longo, encarando-a bem. O Gavião não parecia ter mudado muita coisa, apenas estava mais queimado de sol. Talvez fosse pelo tempo dedicado a suas plantações. Só não saberia dizer como ele tinha se machucado, devido aos band-aids na sua face. Wanda imaginou se ele ainda tinha o café de Wakanda e onde estava o cachorro chamado Lucky.

— Vamos torcer que eles não tenham nenhum bruxo, então. Vamos pra dentro. Laura e as crianças estão na cidade, mas já voltam. Vai dar tempo pra você descansar e tomar um banho. Tá precisando.

— Ei! Eu não estou tão suja assim. Nem fedida!

— Você está toda suada! — Deu um peteleco na orelha dela. — Não vou conseguir prestar atenção em nada que disse enquanto estiver assim.

— Babaca.

Nojenta.

Clint passou o braço em seu pescoço e a puxou para um abraço amigável. Disse que deveria que ter avisado a visita, e que seria mais engraçado se tivesse vindo no Outono. Ele iria montar labirintos no campo com decorações de Halloween, espantalhos, e Laura faria tortas de abóbora.

— Tudo o que uma bruxa poderia querer, não é, Sabrina?

Wanda riu da referência à série de televisão. Talvez não do jeito que esperava, mas Ameena estava certa. Chegou até um lugar que iluminou seu espírito.

Clint a ajudou escolher roupas de seu tamanho para vestir depois que tomasse banho. Deu algumas opções de blusas antigas de sua esposa, também abriu um pequeno armário num quarto de visitas. Existiam outras roupas ali, vermelhas e pretas, de número um pouco menor do que Wanda usava, ou seja, do tamanho de Natasha Romanoff. Wanda não pôde ficar exatamente surpresa em saber que a Viúva Negra tinha um quarto fixo ali, mas ela viu outras peças, mais folgadas e roxas. Tinha até um conjunto dobrado, com um óculos de lente violeta por cima.

— De quem é… Isso? — A Feiticeira observou uma camiseta com símbolo de alvo.

— Ah, sim. Minha aprendiz.

— O que você quer dizer?

Ele riu, pedindo que ela não ficasse com ciúmes. Wanda não estava, ou ao menos não tanto. Apenas um pouco surpresa.

— Estou treinando uma adolescente, Kate Bishop. Está meio atolada com o colégio, mas é uma boa garota. Quer salvar o mundo. Me acompanha no vício ao café. — Deu de ombros. — Encontrei ela roubando flechas do meu celeiro durante o Outono. Vocês seriam boas amigas.

Ela riu. Lucky, o cão, já tinha entrado no quarto naquele meio tempo e cheirado a mochila da Feiticeira Escarlate inteira. Abanava o rabo sem parar e tentava roubar as meias do armário aberto.

— Você nunca contou sobre ela. Sua aprendiz.

— Não achei que uma pessoa tão jovem ia levar lições de arco e flecha tão a sério. Faz pouco tempo, na verdade.

— Seja honesto. — Ela ergueu uma sobrancelha e escolheu roupas confortáveis. — Você gosta de adotar pessoas, Clint. Você me adotou. E adotou ela.

— Talvez eu goste mesmo. — Ele soltou um estalo com a língua e desviou o assunto. Barton poderia ficar horas falando sobre qualquer coisa, menos sobre si mesmo. — E me diga, como você planejava viajar até a Polônia só com uma mochila? Não aprendeu nada sobre sobrevivência durante esses meses todos? Quando Nat me disse que tinha desaparecido, achei que faria uma jornada mais épica. Ou que iria se juntar a Genosha.

— Nat contou que eu… Fugi?

— Sim. Eu ainda tenho telefone e energia elétrica nessa casa, sabe. Fico sabendo das coisas. Steve também falou comigo e eu pensei que ele teria um aneurisma. Mas longe de mim questionar o porquê você foi, só… Me deixou um pouco preocupado. O que não tem explicação mesmo é essa mochila vazia!

— Huh, é que… Fica mais fácil eu te mostrar.

Wanda se aproximou da cama, onde sua mochila estava. Tirou o livro roxo com inscrições antigas dali e murmurou:

Solve et coagula.

O livro revelou suas páginas e Clint soltou um xingamento, dando um salto para trás. A feiticeira chegou a uma parte em que simplesmente existia um portal entre as folhas, o mesmo que Ebony havia aberto para aquela dimensão particular de treino. Talvez não fosse o intuito inicial do encantamento ou quem sabe fosse ofensivo Wanda entulhar suas coisas ali, porém nem o gato e nem Agatha lhe impediram. O fato é que ela tinha jogado seus objetos dentro do portal do livro, o que economizava muito espaço na mochila.

— Eu às vezes esqueço essas suas esquisitices.

— Não trouxe muitas roupas. — Fechou o livro. — Eu me hospedei em alguns hotéis antes, pra ser sincera, e usei o serviço de lavanderia…

— Manipulando a mente dos pobres coitados para não pagar?

— É.

— A gente deveria ir numa loja de conveniências. Pegar salgadinhos.

— Realmente. É o único motivo pra eu gostar dos meus poderes telepáticos. Salgadinhos.

— Bem, — Estalou a língua. — Vou esperar lá embaixo. Se precisar de algo, grite bem alto. Sabe que…

— Sei, sei. Problemas auditivos desde… Bom, desde as explosões em Sokovia.

— Yep. Bom, se prepare. Hoje a casa vai ficar uma bagunça.

— Por quê?

— Sexta-feira, noite de pizza. Espero que goste de pepperoni.

 

Wanda descobriu que não, não gostava de pepperoni, então Laura Barton foi gentil em lhe dar uma fatia extra de pizza de queijo. Enquanto isso, as crianças perguntavam sobre seus poderes mágicos e pediam que passasse o refrigerante com telecinese. Clint a autorizou, até pediu que fizesse logo. Não aguentava mais os filhos implorando, tia Wanda, tia Wanda, tia Wanda. Ao fim, colocaram um filme infantil para repetir na televisão da sala enquanto conversavam. Laura cuidava de Nathaniel Pietro, que ainda enrolava para comer. Ele ia completar dois anos em poucos meses, dizia muitos “nãos”, ria e contrariava a vontade dos pais em qualquer frase. Clint e Laura não caíam nessa armadilha, pois eram experientes depois de um casal de filhos. Wanda tentou não ficar emotiva com a criança, mas o comportamento dela lembrava muito o seu irmão, mesmo depois de adolescente. Sextas-feiras à noite deveriam significar uma pausa para o shabat, embora fosse um tanto difícil se ater aos costumes durante a viagem. De qualquer modo, aquele instante pareceu sagrado, em família. Logo veio a hora de dormir e ela ajudou a colocar as crianças no quarto, também guardou alguns brinquedos.

Sobrou ela, Clint e Lucky na sala. O cachorro dormia no sofá, ao lado do dono - que se permitiu tomar um gole de cerveja. Eles conversaram sobre Outer Heaven, sobre Natasha e seu recente cabelo descolorido. Sobre o que aconteceu em Zurique. Disse que o Capitão América se mostrou muito preocupado com a fuga de Wanda e até mesmo ligou para checar se ela não estava lá na fazenda, mas Clint o lembrou que a Feiticeira não era mais uma criança. Ela tinha um plano, é claro. Ele supunha que sim. E era uma injustiça impedi-la de buscar a verdade.

Foi o que ele disse a ela, que agradeceu mais uma vez o voto de confiança. Ele prometeu que não contar a ninguém. Clint ofereceu hospedagem pelo tempo que precisasse e chegou até mesmo a suborná-la com promessas de geleia caseira e tortas de maçã, mas ela deixou claro que não ficaria muito. Seus objetivos estavam além do mar.

— Então… — Wanda mais uma vez absorveu da aura amena da casa de seu amigo. Fazia sentido que parecesse um ninho para o Gavião Arqueiro. — Quando você decidiu que teria uma fazenda para… Você sabe, fugir da tensão da SHIELD?

— Não, não, eu não comprei a fazenda. Era do meu pai.

— Oh, e…?

— Nah, não é uma história feliz, Wan. — Ele a interrompeu e deu mais um gole em sua bebida. — Digo, é difícil agora competir com o seu pai, mas o meu não era uma pessoa muito simpática.

Ela riu, percebendo a tentativa de fazer o assunto virar o pai dela. Magneto. Clint sabia desse fato porque além de ter contato com Natasha, a notícia foi dada por cada emissora existente no planeta. Wanda era filha, de alguma forma, de Erik Lensherr. Ela suspirou, tentando entender o que era ser filha dele. Qual era seu legado. E o que isso a tornava.

— Isso é meio injusto. Eu só tive… sei lá, duas conversas com meu pai. E ele foi… Gentil.

— Bom, eu fico feliz por isso. Ele parece muito intenso. Todo aquele discurso assustador. 'Nunca mais”.

— E o seu?

— Só posso dizer meus problemas auditivos não são só por causa das explosões em Sokovia. — Deu de ombros e o sorriso de Wanda sumiu. — Aquela mesma história de pai escroto que bate nos filhos, você já deve ter ouvido por aí. Mudam alguns detalhes, mas é praticamente a mesma coisa. Eu tive sequelas na audição, meu irmão… Tem cicatrizes invisíveis. Ele ainda não gosta de visitar muito aqui.

— Eu nem sabia que você tinha irmão.

— Você nunca perguntou.

Silêncio.

— Acredita que eu e ele até fugimos com o circo? E a gente passou um bom tempo assim. Viajando. Fugindo. Até que eu virei herói, por assim dizer. E o que herdei foi essa casa e problemas pessoais — Ele riu. — Deus. Que Merda. Eu acho que não deveria passar da sétima garrafa.

— Clint.

Ele estava alcoolizado, é verdade, mas não de uma maneira deplorável. Houve um brilho de lucidez em seus olhos, um brilho triste.

— É por isso que eu adoto vocês. Eu não quero que… Fiquem sozinhos. É que tenham todas essas marcas.

— Eu sei. Você é um bom pai. Eu te escolheria, se pudesse.

— Eu faria uma casinha de madeira no meio da campina pra você. — Ele riu. — Uma cabana pra bruxinha.

— É, talvez você não devesse mesmo passar de sete garrafas. Eu vou lá para cima, ok?

— Não ensine voodoo para a Lila. Boa noite.

Ela riu, vendo Clint Barton fechando as pálpebras, abraçado com o cachorro.

— Boa noite.

 

Passou o final de semana brincando com as crianças e com o cachorro dos Barton. Laura lhe tratou como uma filha que voltou da faculdade para a casa dos pais, sempre perguntando se faltava alguma coisa e particularmente interessada em temperos típicos do Leste Europeu. Tinha gostado do café wakandano e queria experimentar outras iguarias internacionais. Realmente tinha uma estante de souvenires na sala, onde mantinha os presentes dados pelo marido que viajava frequentemente. Ela também pareceu uma daquelas mães preocupadas, ainda que muito sutil. Wanda sentia que ela a sondava aos poucos quando perguntava sobre sua vida, sobre o que tinha feito nos últimos meses em Wakanda, seus poderes, e questionava mais detalhes sobre James Barnes, justo o tópico que a Feiticeira queria manter em silêncio.

No fim, dava pausas nesses interrogatórios apenas mastigando. Fazia um tempo que não comia tanta besteira e ela agradeceu pelas crianças dividirem os cereais coloridos  com leite no café da manhã. Foi no domingo cedo que Clint voltou da cidade com sua caminhonete velha e entrou vitorioso pela porta, trazendo o jornal da manhã e outro item importante. Jogou-o em cima da mesa da cozinha, ao lado da tigela em que Wanda comia na bancada da cozinha.

— O que é isso?

— Um catálogo de viagens. — Disse simplesmente, como se aquilo resolvesse tudo.

— Nós vamos viajar mesmo esse ano, papai? Todo mundo?

— É, Lila… — Ele acariciou as tranças da menina. — Eu sei que não deu muito certo no ano passado, mas esse ano vai ser melhor. Estou devendo à sua mãe e à vocês. Mas isso aqui não é pra gente, é para a Wanda.

— Pra mim?

— É. Me disse que precisa “visualizar” — Ele fez o sinal de aspas com os dedos, num deboche inócuo. — As coisas antes de se teletransportar. Um guia de viagens com fotos pode servir.

— Eu não sei se seria muito sutil uma mutante aparecer no meio de pontos turísticos famosos, mas...

— Não tinha pensado nisso. Pareceu mais inteligente quando peguei na banca. Hmf.

Cooper, filho mais velho de Barton, chegou correndo na cozinha. Tinha as barras calças sujas de terra, junto com Lucky ao seu encalço. Estivera brincando do lado de fora, mas pudera ouvir a conversa.

— Tia Wanda pode teletransportar a gente pra Disney?

— Confesso que agora eu talvez tenha ficado tentada.

Laura, que fazia smoothie no liquidificador, soltou uma risada sonhadora devido a resposta de Wanda. Servindo os copos, perguntou para a Feiticeira como era sair do emprego de Vingadora para guia de viagens de uma família do interior do estado de Iowa. A jovem riu. Era bom, na verdade. Muito bom.

— Vocês tem escola amanhã e espero que a lição de casa esteja pronta. — Clint ergueu uma sobrancelha, encarando os filhos. Depois riu e puxou o mais velho para um abraço de lado. Nao era o tipo de pai que cobrava essas coisas.— Tia Wanda tá numa viagem importante. Veio só fazer uma visita.

— Oh. É uma missão? — Lila perguntou, subindo no banco ao lado de Wanda. — Você vai lutar contra caras maus, tipo a tia Nat? Chutando eles?

— Não exatamente. Sabe os álbuns de fotos que sua mãe me mostrou? Então, — Wanda suspirou, tentando fazer uma analogia que fizesse sentido. Na noite anterior Laura tinha mostrado algumas fotos em família, coisas engraçadas e algumas constrangedoras - como Clint de bermuda na praia, mas ainda assim tomando café. — São memórias, certo? Da sua família.

— É. Papai tira muitas fotos.

Clint apenas deu de ombros. Era verdade.

— Bom, Lila, eu não tenho isso. Só algumas fotos borradas, sabe? É como se… Estivesse tudo espalhado por aí. Pra entender mais sobre a minha família, eu estou tentando juntar alguns pedaços.

— Tipo uma caça ao tesouro!

— Tipo isso.

— Tem certeza que não tem nenhum pedaço na Disney? — Cooper insistiu.

— Tenho.

— Você não só pode tirar fotos com a gente?

Wanda quis que fosse assim tão simples. Sentiu o olhar de Barton sobre si, notando sua tristeza em resposta ao argumento de Lila. A verdade é que ela se recordava de Natasha, seus amigos. Antes, a russa queimava fotos, memórias: um hábito difícil de não se permitir ter laços, não deixar rastros. Abandonou tal costume recentemente. Wanda, por sua vez, não tinha fotos - apenas uma de sua infância. Agora entendia que havia coisas que nem sabia a existência, lembranças embaralhadas, outras roubadas.

— Bom, eu posso tirar fotos com vocês, mas eu ainda preciso ir atrás das minhas. Ok?

As crianças concordaram e logo esqueceram o peso da questão enquanto tomavam smoothies. Wanda terminou seu cereal, pensativa. Olhava a página da Polônia, mais especificamente Varsóvia.

 

A noite veio rápida.

Cooper tentava caçar vagalumes, enquanto Lila já tinha um vidro com um par de insetos e mostrava-a à Nathaniel. Laura e Clint estavam abraçados de lado, encostados na caminhonete, indicando estrelas para os filhos e para Wanda. A jovem, na verdade, os ensinou a encontrar o cinturão de Órion. Seria seu presente de despedida.

Wanda pegou a moeda de Ouroboros no bolso, carregava a mochila nas costas e um feitiço nos lábios.

— Eu estou indo. — Disse. — Não vai contar para Steve que…

— Que uma certa bruxa apareceu no meu campo, suja e fedida?

Clint.

— Relaxe, Wanda. Só porque não trouxe Agneta junto com suas relíquias mágicas e nem mesmo ligou para arquearia, não significa que me sinto traído ou algo assim.

— Ai, céus! — Ela levou a própria mão na testa, quase num tapa. — Agneta! Eu esqueci mesmo. Deve ter ficado na arena. Me perdoa…

Ele juntou-a para um último abraço.

— Você está bem. Levantou a bunda para fazer alguma coisa. Estou orgulhoso.

— Yep. Não estou focando apenas no meu alvo. Acho que parei pra prestar no que eu estava fazendo.

— E não ganhou mais um olho roxo.

— Ah, cale a boca. — E então emendou, um tanto em pânico. — Com todo respeito, senhora Barton.

— Eu também falo isso o tempo todo, querida.

O Gavião riu.

— Fique segura, Wan. Coma cereais. Venha quando precisar. Malhe os braços.

A Feiticeira abriu o portal. Sabia que não teria uma realidade como Clint Barton tinha, com um campo bonito e uma família assim. Noites de pizza e cafés da manhã. Seu trajeto era um caminho lapidado de sonhos estranhos, mistérios. Era bom, porém, saber que poderia voltar. Uma luz roxa a guiaria e Clint confiava que ela desse conta do desafio, pois tinha aprendido a lição: Se focava nela mesma e em seus objetivos de maneira equilibrada. Atingiria o alvo. Deu um passo para dentro do portal, ouvindo o Gavião dizer:

— E não seja uma babaca suicida!


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Notas finais do capítulo

*souk = mercado/feira tradicional árabe
*hammam = banho especial com sauna
*Ameena é uma personagem original. Eu nao sei o porque, mas tenho o costume de enfiar gatos místicos no meio das coisas. Im not really sorry. Espero que tenham gostado dela haha
*Kate Bishop é a Gaviã Arqueira, aprendiz do Clint nos quadrinhos. Gosto muito dela e coloquei a referência antes mesmo de soltarem os boatos de que a Katherine Langford seria a Gaviã. No entanto, tudo isso não passa de especulação - embora seja interessante pensar sobre.
*Clint Barton teve um passado conturbado. Eu quis incluir a deficiência auditiva que ele tem nas HQs e também mencionei o fato que ele fugiu com o circo junto ao irmão, Barney, devido a violência que sofreram em casa. Ele é um personagem incrível que amo muito e espero que tenham gostado dessa aparição dele ♥
*O novo capítulo está já em fase de revisão, então pretendo postar em breve! Yaaay!
*Eu to muito ansiosa para escrever a cena do aniversário da Wandinha ♥ luv her so much



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