Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 64
LXIV


Notas iniciais do capítulo

18/10/18
Cheguei! Aqui vai um capítulo que eu confesso que é mais uma transição para o próximo do que algo super blaster master espetacular em si, mas pretendo postar o próximo muito em breve - e este sim será de arrasar! Muito obrigada pelo apoio e pelos elogios, adoron vocês!
PS: Sem imagem porque tô pelo tablet, me perdoem haha



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Ao contrário do ambiente de aura amena e de cumplicidade de antes, Bucky olhava para a mulher deitada na cama da Ala Médica com certa raiva, embora a situação fosse tão absurda que não o permitisse ficar bravo de verdade. Ele estalava os próprios dedos e suspirava, gestos que faziam o tempo se arrastar no relógio.

— Minha nossa, Barnes. Não é à toa que Wanda acordou com você aqui, toda essa inquietação estranha nos dedos! Se ficar ao lado de Shuri, é capaz dela despertar também.

A Wanda na cama não era Wanda. Seus olhos poderiam ser verdes e a pele igual, porém da sua boca saíam palavras ásperas de deboche emolduradas por um leve sotaque inglês. Bucky não sabia que um dia qualquer poderia captar a diferença de almas dentro do corpo, mas bastava dois segundos de conversa para perceber que aquela não era a Feiticeira Escarlate.

— Mais cuidado, seu gato tonto. Não é normal que alguém refira-se a si mesmo na terceira pessoa. Se algum dos enfermeiros ouvir…

— Vão dizer que enlouqueci. — Ebony, transfigurado na jovem sokoviana, deu de ombros. — Mas eu ficaria menos alarmado se fosse você, pois as pessoas aqui são bem lenientes com as manias da Wanda. Ninguém vai achar estranho se ela se referir na terceira pessoa. Vão dizer que é algum lapso dissociativo. Daí chamarão aquela psiquiatra, Njeri.

— Deus, dá para ficar quieto?

— Bem, meu caro, eu fico se você ficar.

Bucky segurou o próprio rosto num resmungo longo e baixo. Só queria que Wanda ficasse bem e que fosse rápida. Olhou para o relógio. Passou-se apenas dez minutos.

***

No quarto de Wanda Maximoff, na ala dos dormitórios reservados aos Vingadores Secretos, imperava o aroma de incenso. Ela havia organizado brevemente a bagunça que fizera ao procurar a vareta de mirra, pois sabia que não era muito bom abrir círculos mágicos com a desordem ao seu redor - embora isso não impedisse nenhum tipo de viagem astral. Estava sentada no meio do círculo traçado com giz no assoalho e inspirava profundamente, sentindo o ar preencher seus pulmões e seu diafragma se estender dentro do tórax. Suas mãos, ao invés de apenas repousadas sobre os joelhos, formavam um mudra delicado em sua postura ereta, enquanto seus olhos estavam fechados.

Murmurava uma oração de sua fé. Não sabia exatamente o que encontrar na viagem astral, mas uma proteção extra não lhe faria mal algum. Livrar sua própria alma para além dos limites do corpo não era uma tarefa difícil para a feiticeira, a questão era fazer isso de forma consciente, segura. Ela inclinou o rosto, sua boca um tanto aberta. Névoa vermelha circundava-a com um brilho etéreo, cobrindo sua pele que uma sensação morna. Wanda abriu as pálpebras, suas íris e escleras completamente escarlates.

Enxergou pensamentos próximos, o bombear de sentimentos e as faíscas de ideias. Não deixou-me levar pela sede de entender cada coisa que encontrava no caminho, os devaneios de estranhos ou as memórias de uma árvore. Apesar das diversas camadas da realidade a convidarem para vislumbrar as possibilidades, seguiu em frente no caminho de cores e chegou até onde estava Shuri, ou melhor, seu corpo físico. Sabia que Ororo e T’Challa não podiam vê-la, mas Wanda sentiu-se uma intrusa por invadir um momento próximo dos dois. O rei estava vulnerável pela irmã desacordada, já Tempestade se compadecia pela sua dor mesmo que não houvesse nada que pudesse fazer. Estavam abraçados de lado. Wanda esperava trazer o milagre que tanto esperavam.

Deu um mergulho para um plano em que não existia solidez.P

Por um segundo ela achou que tinha deixado de existir também. Não escutava, não via, não sentia e sequer pensava. Foi um segundo de paz, mas logo as coisas passaram a ter contornos e aromas, como se tivesse acabado de acordar e sua visão ainda estivesse embaçada. Ela não tinha certeza se estava vendo direito, se era uma projeção da sua psiquê, mas o entre-planos era… Como ela poderia descrevê-lo? Era um maldito ancoradouro, um porto. E um porto movimentado. As formas que passavam por ela e por vezes trombavam com seu espírito eram ora estreitas, ora largas; ora baixas, ora altas; e não raramente tinham braços demais ou silhuetas não humanas. E era até errado dizer que eram formas, pois Wanda tinha a impressão que mudavam ao passarem pela sua visão periférica. As cores se alternavam e se mesclavam, nada ficava no lugar. Talvez não fosse adequado praguejar num plano astral, mas não conseguiu evitar.

Como diabos vou achar Shuri aqui?”

Ela andou um pouco, se perguntando o porquê espectros e almas tinham necessidade de lojas e trabalhos num porto, embora as palavras nas placas fossem confusas. Ela não podia dizer ao certo o que vendiam e se os peixes ali nos depósitos eram realmente peixes. Alguns pareciam sonhos, outros pesadelos. Que anzóis e iscas fisgavam cada um? Andou, andou e andou sem parecer sair do lugar. Até que notou isso e de repente se projetou a quilômetros de distância, ainda seguindo a margem do mar e o pavimento de paralelepípedos úmidos.

Wanda fez uma anotação mental de não subestimar viagens astrais no futuro. Aproximou-se da borda do ancoradouro, observando barcos e o sol que se punha. Ou nascia. Impossível ter certeza quando tinham três luas no céu e estrelas na água. Seu instinto a fez tirar os olhos da luz intensa, que não doía, nem cegava ali. Voltou a encarar as embarcações deslizando no mar esverdeado. Tratavam-se de cascos grossos e longos que flutuavam naquela substância que parecia água e tinha cheiro de maresia, embora nem a água nem os barcos parecessem certos. Suspirou, sem saber se tinha a necessidade de suspirar em sua forma astral.

Que desastre, ela pensou. Era uma feiticeira bem ruim. Estava prestes a se virar pra continuar procurando quando viu que alguém acenava de um barco lá a frente. Era alguém vestido de roxo e que tinha contornos mais definidos que o resto do ambiente ou das pessoas.

Agatha!”

Wanda sorriu ao ver que ela tinha um remo igual a de um gondoleiro veneziano, a diferença é que não estava de pé sobre uma gôndola e sim sobre uma tartaruga gigante. O estranho mesmo não foi tal visão, mas sim de repente estar ali com ela, seus pés imateriais sobre o casco colorido do animal. A feiticeira teve que fazer força para se lembrar que não ficaria realmente molhada ao cair na água, mas seus joelhos insistiam em ficar bambos.

Calma, você acaba se acostumando.”

“Com a troca de cenário súbita ou com o casco de tartaruga?”

“Os dois.”

Continuaram avançando sobre o mar. O porto era um lugar distante e indistinto agora, um borrão de uma pintura coberta por um véu. Wanda notou que, apesar de estar vestindo trajes diferentes da última vez que a viu - na transição de São Petersburgo para Zurique - Agatha sempre vestia a cor roxa e optava por modelos elegantes. Hoje o vestido era de um tecido mais leve, embora de estampa miúda e complicada. A Feiticeira Escarlate, intrigada, lembrou-se de olhar para o próprio corpo para ver o que vestia. Era só a roupa simples e quase sem cor da Ala Médica, coisa que estava vestindo antes. Agatha a encarou de soslaio.

“Bom, e com o tempo você também vai aprender a conjurar roupas mais dramáticas para viagens astrais. É muito útil para causar um primeiro impacto.”

“Hã, toda vez vai ser esse porto estranho? Nessas viagens astrais?”

Não. Mas geralmente são lugares com água ou com plantas. Suas concepções pessoais também afetam como o lugar se forma, ainda que vá se tornando mais fácil. Alguma lembrança da água?”

“Não exatamente. Eu e Pietro, meus pais… Íamos no lago perto de Novi Grad, de vez em quando. E também…”

“Também o quê?”

“Também lembro da sensação de estar debaixo do mar ao ouvir alguns pensamentos, principalmente quando estou, você sabe, mal.”

Agatha assentiu com sabedoria.

Barnes, huh? Eu sinto lembranças relacionadas a ele. Foi quando passou a vê-lo?”

“É. Mares abissais.”

“Oh. E você também é de Peixes, não?”

“Sim.” Pensou um pouco sobre o símbolo do signo, dois peixes nadando. Foi inevitável lembrar de  seu gêmeo, porém isso não era importante agora e ela não  queria ficar triste. “Hm, e onde está Shuri? Ebony disse que você estava impedindo que ela se perdesse.”

“E eu estou.”

Wanda franziu os cenhos. O remo que ela segurava não era mais um remo, era uma vara de pescar com a linha estendida metros a frente da tartaruga parada. A jovem abriu a boca para perguntar como e quando, mas Agatha só sacudiu a cabeça.

“Nem adianta perguntar o por quê. Ela está ali embaixo, mas a danadinha é forte. Consegue ver?”

A água era escura e ondulava levemente. Lá ao fundo era possível ver uma luz rodopiando. Os nós dos dedos de Agatha ao redor da vara estavam brancos de tanto fazer força para segurá-la.

Bom, você já fisgou ela. O que mais eu poderia fazer?”

Eu esqueço que você é uma iniciante. A questão, Wanda, é que ela não sabe o caminho de volta e eu não consigo me aproximar. Não consigo puxar de volta. A isca foi fácil para mantê-la entretida por alguns instantes, mas a qualquer momento pode…”

O fio da vara de pescar se rompeu com um barulho alto demais para ser natural. Sem pensar muito sobre o assunto, mas vendo que tinha que fazer alguma coisa, Wanda se jogou no mar.

Ela mal conteve um grito de susto pela sensação gelada. Bolhas escaparam de seus lábios enquanto seus braços puxavam a água. Bateu os pés e lutou para descer o mais rápido e fundo que podia, segurando a respiração dentro dos pulmões. Enxergava a luz que era Shuri, nadando para cada vez mais longe.

Ela continuou dando braçadas em direção ao fundo, já quase sem ar. Ela pressionou os olhos, achando incrível como uma viagem astral poderia doer e cansar assim, e terrível como o ar poderia escapar de seu eu espiritual. Iria se afogar em breve, pois engolia cada vez mais a água. Estudou o braço direito o mais longe que podia, sentindo o calor da luz que perseguia com as pontas dos dedos. Era quase como um olho de gato reluzindo na escuridão, muito vívido e amarelo. Talvez tenha sido a alta luminosidade que a fez fechar as pálpebras, talvez tenha sido o súbito entendimento de que estava sem fôlego. Ela fechou os dedos em torno daquela luz, agarrando nada mais que o vazio da água.

Ela abriu os olhos e viu que não estava mais no mar.

Wanda costumava achar engraçado certas coisas no ocultismo não parecerem ter lógica apesar de seguirem regras bizarras, mas isso já estava longe demais do que podia acompanhar. Se tivesse que repetir tais viagens astrais no futuro, esperava que realmente ficasse mais fácil com o tempo. Ela parou um instante para colocar seus pensamentos e intenções no lugar, focou-se em seu objetivo principal: Resgatar Shuri. Esperava mais resistência quando aproximou-se da luz na água, já que Agatha mencionara todo esse impedimento. Fazia sentido, na verdade. A princesa não era conhecida por ser uma pessoa muito aberta com estranhos, sem falar que poderia ser mais um teste para Wanda. Tomou um instante para prestar atenção nos arredores do novo cenário.

O mundo a sua volta era morno e haviam sombras das copas das árvores. Definitivamente era um jardim, embora ainda parecesse de certa forma selvagem. Haviam insetos voando, o som de suas asas diminutas zunindo pelo ar. A Feiticeira deu um passo a frente, buscando a figura de Shuri. Pareceu andar para sempre entre o mato alto e o calor, mais uma vez com a impressão que a cena mudava pelos cantos de sua visão periférica, trazendo tonalidades de verde e dourado diferentes. Então encontrou um ribeiro tingido pela luz e pela sombra. O lado iluminado era quente demais, embora com água fresca e peixes nadando em águas cristalinas; Já o lado escuro tinha uma temperatura mais amena e aspecto mais acolhedor, porém com águas tão escuras como tinta. Ali, nessa parte resguardada pelas sombras, existiam dois felinos de pelagem negra, duas panteras. O maior era mais velho, cansado e muito magro. Estava deitado sobre pedras no leito do rio, quase que doente. A pantera pequena tentava pescar sem se afastar demais do outro, ainda que não obtivesse sucesso algum em suas inúmeras tentativas de puxar um peixe para alimentar ambos. Ora suas patas buscavam a escuridão do rio, ora virava-se para cutucar a pantera maior para mantê-la acordada.

Wanda não se apresentou às duas feras, apenas observou atentamente a cena. O vermelho intenso dentro de si reconheceu os contornos metálicos da aura da princesa Shuri no filhote de pantera, pequeno e assustado, desesperado. Achou a amiga, mas não do jeito que cogitou. Havia em si um tipo de entendimento absoluto que dizia que seria infrutífero sair do mato para tentar pegar o filhote com as mãos e partir. Wanda até mesmo poderia acabar arranhada ou dentro das águas escuras do ribeiro. O felino, ou melhor, Shuri ansiava por ajudar o mais velho e moribundo, alimentá-lo até que estivesse bem. Não iria deixá-lo simplesmente, mesmo que aquilo não fosse real.

Mas, por que o filhote não se aventurava nas águas claras? Lá existiam peixes grandes e era tudo tão cristalino que seria impossível errar.

Wanda inclinou o rosto, compreendendo os movimentos do animal. Ela tinha as garras e a ferocidade, mas… Não suportaria falhar mais uma vez.

Era o medo de se afastar. Era o medo de errar. O medo de pôr tudo a perder.

Esta era a verdadeira razão de Shuri ainda flutuar no entre-mundos, pois sentia que falhara com o irmão e achava que tinha falhado com o pai. Achava que tinha falhado com o país e com a amiga por causa de Mística. Wanda se lembrava de quando conversaram sobre isso, sobre Bast, sobre a morte de seu pai. Bast não conseguia alcançá-la porque Shuri a negou, e a Feiticeira estava de mãos atadas. Queria que visse, ao menos, que a solução estava logo ali. A linguagem dos sonhos e visões era sempre muito subjetiva, abstrata. Ainda assim, Wanda a interpretava com seu coração.

A compreensão de que não poderia fazer nada por ela a perturbava.

Encarou a cena por mais um tempo, a repetição infinita de um felino tentando sem sucesso pescar em águas escuras como nanquim. Shuri teria que ver por conta própria o lado iluminado e… Não havia nada melhor que uma pequena catástrofe para isso acontecer. Wanda suspirou, imaginando se tal analogia se aplicaria em si própria. Tinha que tomar decisões, tinha que fazer e enxergar as coisas - e talvez por não fazer tudo isso, alguns problemas explodiam para obrigá-la. Não havia nada que alguém pudesse fazer por ela.

Agora sabia e entendia.

Ela ergueu a mão, poder escarlate contornando seus dedos. Não sabia se tinha o direito de fazer aquilo, se deveria ou se era um jogo para testar sua índole. Sussurrou um pedido de desculpas e lançou um anel de energia vermelha na pata traseira do felino sobre as pedras, quando mais uma vez o filhote tentava puxar alguma caça da margem. O anel de energia o desequilibrou, fazendo-o cair nas águas correntes do rio.

Wanda fechou os olhos, ouvindo o som da pequena pantera se debater no rio. Gania em miados roucos e engasgados, engolia água. Deveria deixar a fera nadar sozinha, estava em seu instinto, não estava? Shuri ficaria bem. Shuri ficaria bem, ela tinha certeza.

Wanda, arrependida, se levantou num pulo para ajudá-la.

Mas então estava parada de pé em seu quarto.

— Não, não, não!

Ela segurou o próprio rosto com as mãos, suor sobre suas têmporas. Tinha que sentar de novo no meio do círculo, tinha que voltar ao plano astral - mesmo que o incenso tivesse acabado. Sua amiga dependia dela, precisava…

— Você foi bem, na verdade. Tem uma intuição invejável.

— Oh, Agatha! — Wanda se virou para a voz que interrompera seus pensamentos. — Shuri está na água, me ajude…

— Ela está bem e está de volta. — O espectro da bruxa a cortou, tranquilizando-a. Seu aspecto de névoa cintilou por alguns instantes, mais próximo, e sentiu-se na necessidade de se repetir. — Ela voltou. Viajar pelo plano astral sem muita técnica causa esses momentos cortados, apagões, não se assuste. Não é tão diferente do que um sonho estranho. Mas você se saiu bem, acredite. Foi uma responsabilidade grande e eu lamento não ter tido tempo de lhe preparar melhor.

A Feiticeira começou a chorar.

— Eu fiquei com tanto medo de ter feito algo errado. De novo.

— Querida… Eu sei, eu sei. — Ela a abraçou e seu toque era quase como a brisa de Setembro. — Deveria ficar orgulhosa.

Ar voltou aos pulmões da jovem sokoviana. Ela enxugou as lágrimas, fungou um pouco. Não era nada reconfortante chorar na frente de alguém, ainda mais uma feiticeira poderosa como Agatha Harkness, mas ela era apenas uma senhora sarcástica, não uma bruxa má. Não tinha ideia do que tinha acontecido exatamente com Shuri, mas respirou mais calma ao ouvir as palavras da outra, pois sua voz nunca tinha os espinhos da mentira.

— Agatha, eu irei até sua casa. Preciso entender mais sobre mim, sobre… — Ela fez um gesto com seus poderes escarlates. — Isso. Sobre Erik e meus pais. Eu só… Quero tempo para me despedir dos meus amigos. Nunca tive tempo para me despedir de ninguém.

Ela lhe emoldurou um sorriso triste.

— É claro. A bússola vai lhe apontar a direção. A viagem também será importante.

— Eu bem que imaginei que não iria simplesmente me teletransportar para sua casa.

As duas riram.

— Não seria tão fácil, mas acredite: Vai ser melhor assim. Dizem que, quando o aluno está pronto, o mestre aparece. É a mesma coisa com o lugar onde é passado o aprendizado.

— Eu tenho quase certeza que o ditado não é tão literal assim.

— Eu sou velha, Wanda. E uma bruxa velha não pode morar numa casa conhecida, seria muito amadorismo meu. Meu lar só se abre àqueles que procuram.

— Nenhuma dica?

Agatha começou a desaparecer.

— Siga a cor violeta. Agora, vá visitar sua amiga. Quem sabe ela também não te conta algo interessante, não?

Ao olhar para o relógio, Wanda viu que havia se passado uma hora. Ela não soube dizer se parecia que o tempo havia corrido muito depressa ou muito devagar, mas a questão não fazia sentido ser ponderada extensamente. Exatos sessenta minutos escorreram no mundo real enquanto Wanda se aventurava numa viagem astral, independente se lá se passou dois segundos ou dois milênios. Andou rápido pelos corredores do palácio, saiu da área dos dormitórios e atravessou a ala médica em direção ao quarto de Shuri, seu ritmo um tanto trôpego pela urgência e pela dor no corpo, fruto das missões anteriores. Esqueceu-se de avisar Bucky e Ebony, o último transfigurado em sua cópia exata, passando direto pelo cômodo em que estavam para o de Shuri. Foi recebida por Ororo, Sam, Steve e Natasha - que se perguntaram entre si se não tinham acabado de vê-la dormindo, velada fielmente por James Barnes. T’Challa não lhe deu muita atenção, estava preocupado em garantir o bem e a saúde de irmã, agora desperta.

A wakandana não tinha a expressão mais amigável de todas. Seus olhos estavam pesados, sua voz arrastada. Trocou um diálogo em sua língua materna com seu irmão mais velho, disse algo que o fez rir. Então olhou para Wanda.

— Oi, bruxa. Bom ver que tem alguém com a cara tão ruim quanto a minha.

Babaca. — Wanda disse baixinho, com um sorriso torto.

— Fique quieta, sokoviana. Mística me deu um golpe daqueles usando a sua cara e estou tentada a retribuir em você.

Elas riram fraco. Conversaram amenidades, Steve também perguntou como estava. Natasha parecia aliviada por vê-las bem, Sam brincou com seu cabelos enquanto Shuri tirava sarro do irmão por estar com os olhos avermelhados de chorar. Ninguém quis falar naquele instante sobre o fato de Zola ter escapado, ninguém ousou mencionar a situação do Congresso ou os ferimentos sofridos, muito menos Magneto e os Sentinelas. O importante é que estavam vivos. A princesa reclamou de sentir com fome, coisa que todos concordaram que era hora de um jantar mais robusto. T’Challa deu alguns comandos em sua jóia kimoyo, Ororo sugeriu alguns pratos. Foi nesse momento que Wanda se lembrou de avisar Bucky e Ebony, então saiu dali rápida e quieta.

Seria uma conversa constrangedora para explicar a existência de duas Wanda Maximoff.

***

O jantar em Wakanda foi estranho. Wanda esperava a hora que iam começar a falar sobre o fato que ela agora era mutante, filha de Magneto, mas parecia haver um acordo silencioso entre todos dizendo que aquele não era o momento. Ela sentiu-se grata por isso, embora encarasse cada um deles com um ar de despedida. Sorvia bem dos detalhes de suas feições, como a faísca relampejante no olhar de Ororo, o vinco na face de Sam quando ele ria, o levantar de sobrancelhas de Steve. Ela pousou sua atenção sobre T’Challa, depois em Natasha e por fim em Bucky, e ali deixou seus olhos demoradamente.

Foi engraçado quando avisou que tudo tinha dado certo à ele e Ebony. O gato voltou a sua forma felina, Bucky suspirou em alívio e até mesmo a abraçou de súbito. Ela não soube o que dizer naquele instante, nem ele, e no fim não disseram nada. E foi tão bom. Depois foram para o salão de banquetes, onde estavam o restante de seus amigos.

— Alguém anda mais estranha que o normal. Não me faça achar que Mística plagiou de novo sua cara boba.

— Ah, Shuri. — A Feiticeira não estava brava. Cutucou um pouco a comida em seu prato com a ponta do garfo, sem apetite. Estava um tanto curiosa pra saber o que sua amiga tinha  visto no plano astral, porém não queria fazer isso de forma incauta. — O que houve lá, em Zurique… Foi terrível.

— Eu sei. Enquanto você foi chamar Bucky pra comer, meu irmão me contou. Erik então é…?

— Sim.

Wanda soltou um longo suspiro, Shuri afagou seu ombro.

— Eu sinto muito. É tanta coisa pra se processar.

— Nem me diga. E você? Já me contaram por cima o que houve, mas…

— Não tem muito o que acrescentar, na verdade. Mística me enganou direitinho. Me injetou um veneno poderoso. Eu só não sabia que… Bem, não sei. Que dava algum tipo de efeito alucinógeno.

— Alucinógeno?

— É. Meu irmão já me contou como é o mundo espiritual. Foi bem diferente pra mim, então acho que não fui até lá. Não sei se foi apenas um sonho, alucinação. Parecia algo no meio do caminho. Preciso consultar depois um dos anciãos, talvez seja alguma mensagem.

— Eu pensei que não gostasse de levar para o lado religioso.

Shuri parou um instante, pensativa.

— Não levo, por isso vou me aconselhar melhor. Tudo o que eu lembro é de um rio de duas cores. Eu sentia fome, muita fome. E eu era uma pantera.

Wanda já sabia da parte da pantera, mas fez o máximo para parecer surpresa. Sua expressão foi convincente o bastante para que a princesa seguisse com a narrativa de seu sonho.

— Eu precisava alimentar uma outra pantera, velha e faminta, mas não conseguia nada. E então caí nas águas escuras. O curso do rio preto seguiu e se tornou cristalino. Vi peixes. E  quando abocanhei um, me tornei humana de novo. Me encontrei com Bast. Sei que nós conversamos, mas não me lembro de nada. Mas me lembro de entender que eu tive que cair pra ver as águas claras.

— Parece bem… Mágico.

— Foi desesperador, acredite. É como se também eu entendesse, não sei, que… É difícil deixar coisas para trás, até mesmo sofrimento.

Wanda fechou os olhos.

— Eu sei, Shuri. — Disse ela, suavemente. — Eu sei.


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Notas finais do capítulo

*Viagens astrais são muito doidas mesmo e com cortes de cenário que não fazem sentido. Ao mesmo tempo tentei usar uma linguagem simbólica pra Wanda ter um novo insight sobre as coisas que acontecem ao seu redor. No capítulo seguinte ela irá partir de Wakanda e é um ponto que tenho me dedicado muito pra escrever. Acredito que irei postar de novo no final de semana.
*Capítulo revisado, porém existe a possibilidade da HYDRA sabota-lo. Caso encontre algum erro, favor reportar à Shalashaska.
*Wanda perdida, de Peixes



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